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Processo n.º 821/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. Nos presentes autos foi proferida a fls. 192 decisão sumária de não
conhecimento do recurso, do seguinte teor:
A. recorre ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC do acórdão da
Relação do Porto 'que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de
pronúncia'. O recurso foi admitido, mas, no Tribunal Constitucional, o relator
convidou o recorrente – nos termos do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC – a
explicitar o sentido das normas que, em concreto, pretende impugnar no presente
recurso.
Em suma, foi solicitado ao recorrente que precisasse o sentido das normas que
constituem o objecto do seu recurso.
Na sua resposta (fls. 186/190), o recorrente esclareceu pretender que o Tribunal
'enfrente a questão da (in)constitucionalidade da norma encontrada pelo Tribunal
da Relação do Porto – num labor interpretativo assente, essencialmente, nos
citados artigos 78º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional e no artigo 408º n.º
1 do CPP (a contrario) – no sentido de que ao recurso para o Tribunal
Constitucional da decisão da Relação que revoga um despacho de não pronúncia e
ordena a prolação de pronúncia deve ser fixado efeito meramente devolutivo, por
ser este o efeito fixado ao recurso anterior, em cujo âmbito a Relação proferira
a decisão sob recurso de constitucionalidade.'
O recurso não pode ser conhecido.
Na verdade, o recurso em causa – alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – cabe
das decisões que apliquem norma inconstitucional e é restrito ao conhecimento da
conformidade constitucional dessa norma. O recorrente pretende impugnar o
acórdão da Relação do Porto 'que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de
pronúncia', conforme assevera no requerimento de interposição do recurso.
Ora, é patente que o aludido acórdão não aplicou normas constantes dos 'artigos
78º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional e no artigo 408º n.º 1 do CPP (a
contrario) – no sentido de que ao recurso para o Tribunal Constitucional da
decisão da Relação que revoga um despacho de não pronúncia e ordena a prolação
de pronúncia deve ser fixado efeito meramente devolutivo, por ser este o efeito
fixado ao recurso anterior, em cujo âmbito a Relação proferira a decisão sob
recurso de constitucionalidade'.
Nestes termos, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, não
conhecer do recurso.
É contra esta decisão que reclama o interessado, dizendo:
A., Arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, e neles já melhor
identificado, notificado da decisão sumária proferida nestes autos, vem perante
V. Ex.a expor o seguinte:
1. O Arguido acaba de ser notificado de uma decisão sumária que não consegue
compreender.
2. Tal decisão sumária, pela qual se decide não conhecer do recurso, assenta no
pressuposto de que o recorrente pretende impugnar o acórdão da Relação do Porto
que indeferiu a arguição de nulidade por omissão de pronúncia e que, quer ao
interpor o recurso, quer agora ao ser convidado para o fazer, não explicitou as
normas aplicadas pela Relação cuja conformidade constitucional quereria ver
apreciada por este Alto Tribunal.
Ora,
3. Primeiro, o Arguido, em Fevereiro de 2005, recorreu do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto que revogou o despacho de não pronúncia proferido pelo Tribunal
de Castelo de Paiva, recurso esse a fls. 160 e seguintes.
4. Parece ao Arguido, salvo melhor opinião, que a decisão sumária ora proferida
não tomou em conta este recurso, que é o principal destes autos, e onde se
suscitam inúmeras questões de (in)constitucionalidade de normas aplicadas pela
Relação do Porto, e que nada têm que ver com a omissão de pronúncia.
5. São aí largamente explicitadas as normas em causa, pretendendo-se ver
apreciada a sua conformidade constitucional, e não a da decisão da Relação do
Porto - pois o Arguido e o seu Defensor crêem saber, minimamente, qual o âmbito
admissível de um recurso para o Tribunal Constitucional.
6. Requer-se, assim, a Vossa Excelência que esclareça se tal recurso foi tomado
em conta na decisão sumária ora proferida e, caso não tenha sido, que o seja
agora.
7. Segundo, o Arguido, em Abril de 2005, recorreu do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto que indeferira a arguição de nulidade - fls. 169 e seguintes
dos autos.
8. Nesse recurso, nomeadamente a págs. 2 in fine e págs. 3, explicitou-se –
talvez imperfeitamente, mas explicitou-se - quais as normas cuja conformidade
constitucional se pretendia ver apreciada.
9. Agora, na decisão sumária, não se faz qualquer referência a tal matéria, mas
apenas a quanto se escreveu no requerimento de fls. 186 e ss. dos autos, que
nada tem que ver com essa questão, mas com outra (que de seguida se tratará).
10. Requer-se, assim, a Vossa Excelência que esclareça se quanto se explicita
naquele recurso, nomeadamente a págs. 2 e 3 do mesmo, quanto às normas cuja
constitucionalidade se pretende ver apreciada, foi tomado em conta na decisão
sumária e, em caso negativo, que o seja agora.
11. Terceiro, quer no recurso de Fevereiro (fls. 160 e ss.), quer no recurso de
Abril (fls. 169 e ss.), o Arguido suscitou a questão (constitucional!) do efeito
do recurso, pugnando pelo efeito suspensivo, em obediência aos incisos
constitucionais que invocou, e pela inconstitucionalidade das normas da Lei do
TC e do CPP que a Relação aplicou ao fixar efeito devolutivo.
12. Por requerimento de Novembro de 2005, a fls. 180 e seguintes dos autos,
reiterou tal questão, e requereu que a mesma fosse conhecida, antes do mais, por
este Tribunal Constitucional, por ser uma questão de constitucionalidade
normativa prévia às demais.
13. Quer nos recursos, em sede de questão prévia, quer neste requerimento,
explicitou - imperfeitamente, porventura - as normas em crise de
constitucionalidade.
14. Posteriormente, foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 75.º-A
da LTC.
15. Não sendo expresso o despacho quanto ao seu objecto, e tendo o Arguido
exposto, quer no recurso de fls. 160 e ss., quer no de fls. 169 e ss., as normas
que, em concreto, pretende impugnar, presumiu que o despacho se referia à
questão do efeito do recurso, a qual não havia tratado com tanta largueza como
as demais.
16. Assim, e conforme explicou no requerimento que trouxe aos autos, e que está
a fls. 186 dos mesmos, explicitou quais as normas - relativas ao efeito do
recurso, e tão-só a tal matéria! - cuja conformidade constitucional pretendia
ver apreciada relativamente ao efeito do recurso,
17. Tendo, nos pontos 22 e ss. do requerimento, referido as questões de fundo e
remetido para o que explicitara nos requerimentos de interposição dos recursos.
18. Assim, é evidente que o que se escreveu neste requerimento, de fls. 186 e
ss., e que se cita na decisão sumária ora notificada, nada tem que ver com a
decisão da Relação do Porto que indeferiu a omissão de pronúncia, mas sim com o
efeito do recurso.
19. A matéria da constitucionalidade normativa da questão da omissão de
pronúncia está referida a fls. 169 e ss., reportando-se fls. 180 e ss. e fls.
186 e ss. à matéria do efeito do recurso, desenvolvendo o que antes se suscitara
já, ao interpor os recursos.
20. Assim, e admitindo ter a decisão sumária ora notificada assentado num lapso,
requer-se, desde já, e sem prejuízo dos esclarecimentos pedidos, que, caso seja
proferida nova decisão sumária mandando seguir os recursos a sua normal
tramitação, seja também conhecida a questão do efeito dos recursos e fixado
efeito suspensivo.
Junta uma cópia do requerimento de interposição do primeiro recurso e cópias
legais.
Ouvido sobre a reclamação, diz o representante do Ministério Público neste
Tribunal:
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado do pedido
de esclarecimento deduzido no processo em epígrafe, vem responder-lhe nos termos
seguintes:
1. O arguido, ora recorrente, interpôs recursos de constitucionalidade, a fls.
160 e 169, reportando-os, respectivamente, ao acórdão da Relação que determinou
a prolação de despacho de pronúncia e ao que indeferiu a arguição de pretensas
nulidades.
2. Convidado a especificar, em termos claros, quais as questões de
inconstitucionalidade normativa que pretendia ver dirimidas, como objecto de
recurso, pelo Tribunal Constitucional, fê-lo através do requerimento de fls. 186
e segs, delimitando-as nos termos constantes dos pontos 18 a 20 de tal peça
processual - sendo evidente que não pode proceder o peticionado nos pontos 22 a
24, já que tal representaria o facultar-se ao recorrente uma - injustificada -
dupla oportunidade para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso
deficiente.
3. Ou seja: ficou claro que - por definição do próprio recorrente - o objecto da
impugnação deduzida para o Tribunal Constitucional era o deduzido no ponto 18,
fls. 189.
4. Ora, como é evidente, o acórdão, proferido pela Relação - não apreciou, nem
tinha de apreciar a questão do regime de subida do recurso de
constitucionalidade, já que tal apreciação incumbe naturalmente ao relator, no
despacho em que admita tal recurso e lhe fixe o regime de subida - como
efectivamente ocorreu nos autos, através do despacho de fls. 174.
5. E, no nosso sistema processual, o recurso para o Tribunal Constitucional não
pode incidir exclusivamente sobre tal matéria, apreciada em despacho singular do
relator: na verdade, se o reclamante entendia que o regime de subida do recurso
de fiscalização concreta interposto implicava a sua subida imediata devia
naturalmente ter reclamado, para o Tribunal Constitucional, de tal despacho, nos
termos do artigo 76°, n.º 4, da Lei n.º 28/82, já que retinha - indevidamente,
na sua óptica - o recurso de fiscalização concreta interposto e admitido.
6. Note-se, finalmente que - a nosso ver - as particularidades de tramitação e a
peculiar natureza do recurso de constitucionalidade inviabiliza a 'convolação'
prevista no artigo 688°, n.º 5, do Código de Processo Civil: ao não especificar
adequadamente as 'normas' e 'interpretações normativas' (naturalmente diversas
da questão da subida do recurso) que pretendia questionar, o recorrente
'abandonou' e precludiu o recurso inicial, sendo obviamente 'inútil' a
controvérsia acerca da fixação de um regime de subida de um recurso que, por
força da actuação do recorrente, se tem de considerar precludido.
2. Decidindo.
A via processual adequada para o recorrente obter, conforme pretende, a
substituição da decisão sumária por outra decisão que lhe admita o recurso, é a
da reclamação prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, razão pela qual se
interpreta e se aprecia como tal o pedido de que ora se conhece.
Ao recorrer do acórdão da Relação do Porto de 19 de Janeiro de 2005 (fls. 160;
fls. 23494 do processo principal) de forma anómala, a título meramente
'cautelar' e 'sem prejuízo de se aguardar por tal decisão e de, oportunamente,
se vir a tirar da mesma os competentes efeitos e a reagir pelos meios próprios',
isto é, antes de estarem resolvidas as questões que suscitara em reclamação
apresentada contra esse mesmo acórdão, o recorrente fez com que essa pretensão
perdesse actualidade logo que foi preferido o acórdão de 30 de Março de 2005 que
conheceu das referidas questões. Acresce que quando recorreu do acórdão de 30 de
Março (fls. 169, fls. 23538 do processo principal), o recorrente não impugnou o
anterior aresto de 19 de Janeiro, sendo esse o momento oportuno para o fazer,
optando por antecipadamente levantar a questão do efeito que deveria ser
atribuído ao recurso mediante a invocação de desconformidade constitucional das
normas que alegadamente disciplinariam a matéria.
Ora, face a esta actividade processual, e perante a legítima dúvida sobre o
exacto âmbito que o interessado pretendia conferir ao seu recurso, deu-se-lhe a
possibilidade – nos termos e com a extensão com que tal é permitido pelo artigo
75º-A n.º 5 da LTC – de especificar claramente quais as questões de
inconstitucionalidade que pretendia ver apreciadas, assim cumprindo o ónus que
sobre o recorrente recai de delimitar de modo inequívoco o seu recurso.
Nada autorizava, todavia, a interpretar tal convite como restrito a uma parte
das questões que o recorrente suscitara em diversos momentos processuais
anteriores, resultando até bem claro da referência ao n.º 5 do artigo 75º-A da
LTC, e do consequente apelo ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, que o
Tribunal queria exactamente ver esclarecida a questão do âmbito do recurso
interposto.
Acontece que, no requerimento que fez juntar aos autos em resposta a este
convite, o recorrente circunscreveu o recurso aos artigos 78º n.º 3 da Lei do
Tribunal Constitucional e 408º n.º 1 do Código de Processo Penal, assim
invalidando, irremediavelmente, a anterior referência a outras normas cuja
conformidade constitucional pretendeu em dado momento questionar, uma vez que é
inadmissível que nesta fase possa ainda dispor de outras oportunidades
processuais para delimitar o âmbito do recurso para além daquelas que já usou.
Assente este pressuposto, e devendo admitir-se que o recurso em causa – o
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC – apenas cabe das decisões
que apliquem norma acusada de inconstitucional e é restrito ao conhecimento da
conformidade constitucional dessa norma, deve igualmente aceitar-se que não
tendo os referidos acórdãos da Relação do Porto aplicado a norma questionada,
retirada dos artigos 78º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional e no artigo
408º n.º 1 do Código de Processo Penal, não pode este Tribunal conhecer do
objecto do recurso, tal como se decidiu na decisão sumária em reclamação.
3. Nestes termos, confirmando essa decisão, decide-se não conhecer do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos