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Processo n.º 972/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Inconformada com o acórdão de 11 de Outubro de 2005 do Supremo Tribunal de
Justiça pelo qual foi confirmado o despacho do Relator que, constatando não
estar pendente qualquer recurso para julgar, ordenou a baixa do processo à
Relação de Lisboa, dele pretende a arguida A. recorrer para o Tribunal
Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Impugna o
julgamento do Supremo Tribunal de Justiça na parte em que se decidiu rejeitar o
recurso alegadamente interposto, sustentando que a norma do artigo 403º n.º 1 do
Código de Processo Penal, interpretada e aplicada 'no sentido de rejeitar o
recurso interposto pela recorrente com o fundamento de anteriormente ter
considerado prejudicado o conhecimento das questões de direito suscitadas,
igualmente, no recurso interposto e por se ter considerado nula a decisão do
primeiro acórdão da Relação de Lisboa quanto à matéria de facto,' é
inconstitucional por violar 'o artigo 32º n.º1 da Constituição, pois não
assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.'
Acontece que no Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária de não
conhecimento do recurso por se haver entendido, em suma, que não estavam
reunidos os requisitos próprios do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, em virtude de a recorrente não pretender questionar uma norma
jurídica, mas a própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça, numa formulação,
aliás, não inteiramente coincidente com o entendimento expresso por aquele
Tribunal.
A aludida decisão sumária é do seguinte teor:
A arguida A. pretende recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão
proferido em 11 de Outubro de 2005 no Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de
15 de Novembro). Sustenta que a norma do artigo 403º n.º 1 do Código de Processo
Penal, interpretada e aplicada 'no sentido de rejeitar o recurso interposto pela
recorrente com o fundamento de anteriormente ter considerado prejudicado o
conhecimento das questões de direito suscitadas, igualmente, no recurso
interposto e por se ter considerado nula a decisão do primeiro acórdão da
Relação de Lisboa quanto à matéria de facto,' é inconstitucional por violar 'o
artigo 32º n.º1 da Constituição, pois não assegura todas as garantias de defesa,
incluindo o recurso.'
O recurso não pode, todavia, prosseguir.
A enunciação da norma que se pretende ver apreciada no recurso não representa,
em primeiro lugar, a formulação de um critério normativo. Na verdade,
destinando-se o recurso a apreciar a conformidade constitucional de normas
jurídicas, não pode o Tribunal Constitucional imiscuir-se na tarefa própria e
típica dos tribunais quanto ao julgamento das questões que são validamente
colocadas ao seu conhecimento. Ora, a verdade é que a dita formulação não
representa outra realidade que não uma pretensa decisão jurisdicional.
Por outro lado, é ainda bem certo que o Supremo Tribunal de Justiça nem sequer
decidiu da forma invocada, pois se limitou a constatar que, por falta de
adequada impugnação, nenhum recurso lhe cumpria conhecer.
Termos em que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, se decide rejeitar o
recurso interposto. Custas pela recorrente, fixando-se em 7 UC a taxa de
justiça.
É desta decisão que reclama a recorrente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da
LTC, dizendo:
1. Por douto despacho datado de 30 de Novembro de 2005, veio o Ex.mo Sr. Juiz
Relator proferir decisão sumária de não admissão do recurso interposto junto do
S.T.J. e dirigido a este Tribunal Constitucional.
2. Essa decisão refere: “A enunciação da norma que se pretende ver apreciada no
recurso não representa, em primeiro lugar, a formulação de um critério
normativo. Na verdade, destinando-se o recurso a apreciar a conformidade
constitucional de normas jurídicas, não pode o Tribunal Constitucional
imiscuir-se na tarefa própria e típica dos tribunais quanto ao julgamento das
questões que são validamente colocadas ao seu conhecimento. Ora, a verdade é que
a dita formulação não representa outra realidade que não uma pretensa decisão
jurisdicional.”
3. Concluindo: “Por outro lado, é ainda bem certo que o Supremo Tribunal de
Justiça nem sequer decidiu da forma invocada, pois se limitou a constatar que,
por falta de adequada impugnação, nenhum recurso lhe cumpria conhecer. Termos em
que ao abrigo do n.º 1 do art. 78º-A da LTC se decide rejeitar o recurso
interposto.”
4. A questão colocada é jurídica e normativa, ou melhor, verificou-se uma
incorrecta interpretação do art. 403º n.º 1 do C.P.P. pelo Supremo Tribunal de
Justiça;
5. A rec. interpôs recurso da decisão da primeira instância, sobre matéria de
facto e de direito, questões totalmente diversas e autónomas!
6. Negada a sua pretensão sobre a matéria de facto, impunha-se que o Supremo
Tribunal de Justiça decidisse sobre a matéria de direito, por esse motivo o
Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a remessa dos para o Tribunal recorrido
para que este último decidisse quanto às questões de direito colocadas;
7. No caso em apreço. a parte recorrida (questões de direito) da decisão
judicial podia ser separada da parte não recorrida, porque houve a perda de
interesse pela recorrente nas questões de facto colocadas inicialmente.
8. A presente questão não foi correctamente interpretada pelo Ex.mo Sr. Juiz
Conselheiro Relator neste Tribunal Constitucional, pois é indesmentível que
existe, efectivamente, uma decisão jurisdicional, a qual nega de forma absurda
as pretensões da recorrente sobre as questões de direito de que havia
validamente recorrido.
9. Mesmo que assim não se interprete, havendo ‘necessidade’ de interpor novo
recurso (que mais não era do que a reiteração formal do recurso existente e
válido colocado pela recorrente ao Tribunal da Relação de Lisboa e que versava
sobre questões de direito) da última decisão verificada neste Tribunal da
Relação de Lisboa…
10. não pode vir a ser prejudicada pelo 'erro' formulado nessa decisão, que
transitou em julgado (com isso ganhando certeza jurídica), em ordenar o
“reenvio” automático dos autos para o S.T.J. para que este decidisse quanto às
questões ainda existentes no recurso sobre matéria de direito.
11. Foi por esse motivo que a recorrente não interpôs nenhum 'novo' recurso
apenas quanto às questões ainda não decididas pelo STJ e sobre matéria de
direito, que continuava a subsistir, porque o recurso mantinha a sua validade
existencial!
12. Ainda não havia, nem nunca houve, qualquer decisão judicial sobre as
questões de direito validamente colocadas;
13. Afirmar-se, como o fez o STJ, que se encontrava prejudicada a tomada de
qualquer decisão final sobre as demais questões (que não as que versavam matéria
de facto) não é equivalente a 'negar provimento a tais questões'. como se veio a
decidir no Ac. ora recorrido!
14. Daí que bem andou o Tribunal da Relação de Lisboa em ordenar o envio do
processo para o STJ para que este decidisse em conformidade sobre as questões
que então já não estavam prejudicadas pela decisão a incidir sobre a matéria de
facto.
15. Daí que a recorrente sustente que a decisão recorrida do STJ viole o
disposto no artigo 32.º n.º1 da CRP por não assegurar o efectivo direito ao
recurso da recorrente;
16. Pois que o n.º 2 do art. 403.º do CPP refere de forma exemplificativa que é
autónoma a parte da decisão que se referir: alínea c) “Em caso de unidade
criminosa à questão da culpabilidade, relativamente àquela que se referir à
questão da determinação da sanção” e alínea e) “dentro da questão da
determinação da sanção, a cada uma das penas ou medidas de segurança”;
17. Devendo subsistir, após o desinteresse da rec. na decisão sobre as questões
de facto que havia colocado, a questão da determinação concreta da sanção
aplicada à recorrente;
18. O STJ, de forma totalmente inédita, decide que não existe recurso algum, que
não devia conhecer “oficiosamente” da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa
em ordenar o envio do processo pala essa instância, pois que nada havia a
decidir ou julgar;
19. Ora, essa interpretação que efectuou, não se referindo de forma expressa ao
art. 403. n.º 1 do C.P.P, é violadora do n.º 32.º n.º 1º da CRP , sendo que a
recorrente ficou, de um. momento para o outro, sem possibilidade de recorrer
“ludibriada” que foi afinal de contas. pela decido do Tribunal da Relação de
Lisboa!
20. Tivesse conhecimento que o recurso não ia ser aceite pelo STJ (como foi
decidido aquele envio pelo Tribunal da Relação de Lisboa e transitado em
julgado) e teria apresentado ‘novo’ recurso, fazendo uma cópia integral do
recurso inicial mas apenas sobre as suas pretensões quanto às questões de
direito colocadas!
Sobre a reclamação diz o representante do Ministério Público junto deste
Tribunal:
1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 - Na verdade - e como é óbvio - a decisão tomada pelo Supremo Tribunal de
Justiça, na invulgar situação procedimental dos autos, não passou minimamente
pela invocação e aplicação do regime prescrito no nº 1 do artigo 403° do Código
de Processo Penal.
3 - Baseando-se antes, como 'ratio decidendi' bastante, nos institutos do caso
julgado e do esgotamento do poder jurisdicional, decorrente do facto de o
Supremo Tribunal de Justiça ter inicialmente apreciado todos os recursos
interpostos do primitivo acórdão da Relação e de, proferida por esta nova
decisão, na sequência da anulação decretada, a arguida não ter recorrido para o
Supremo do novo acórdão da Relação.
Importa decidir.
A reclamante pretende questionar a decisão tomada no Supremo Tribunal de Justiça
de não conhecer de recurso por si interposto contra aresto proferido na Relação
de Lisboa. Todavia, não tomou em conta que o recurso previsto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC, como é o presente, apenas pode ter como objecto
normas jurídicas e não a própria decisão recorrida, enquanto tal.
Ora, embora a coberto de uma formulação de carácter normativo pretensamente
retirada do artigo 403º n.º 1 do Código de Processo Penal, a realidade que a
reclamante quer submeter ao julgamento do Tribunal – ou seja, a decisão de
rejeitar o recurso interposto pela recorrente com o fundamento de anteriormente
ter considerado prejudicado o conhecimento das questões de direito suscitadas,
igualmente, no recurso interposto e por se ter considerado nula a decisão do
primeiro acórdão da Relação de Lisboa quanto à matéria de facto,' – não
constitui verdadeiramente um critério normativo aplicado no Tribunal recorrido,
isto é, uma norma, pois concretiza a própria decisão impugnada.
Em conclusão, por não se verificar esse pressuposto essencial, não é possível
conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Em face do exposto, decide-se confirmar a reclamada decisão de não conhecer do
recurso.
Custas pela reclamante. Taxa de justiça: 20 UC.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos