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Processo nº 93/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar,
conforme previsto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido naquele
Tribunal, em 15 de Dezembro de 2005, que decidiu não admitir recurso interposto
para o Tribunal Constitucional.
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Outubro de 2005, negou
provimento a recurso interposto pelo ora reclamante, confirmando a sua
condenação na pena de seis anos e seis meses de prisão, pela prática de crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Desta decisão importa, para o que agora
cumpre apreciar, reter o seguinte:
«(…) 7. 4. Por último, coloca o recorrente a questão da medida da pena.
Neste âmbito, alega nas conclusões que o tribunal «a quo» não ponderou
devidamente certas circunstâncias com relevo atenuativo, no enquadramento do
art. 71.º do CP, e que, se tivessem sido sopesadas, a pena justa seria a de 4
(quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O tribunal «a quo» teve em conta, na esteira do acórdão da 1ª instância, a
elevada ilicitude do facto (em «grau bastante acima do médio»), considerando o
período de tempo ao longo do qual o recorrente desenvolveu a sua actividade
ilícita, a quantidade e a qualidade dos produtos estupefacientes, bem como a sua
diversidade. E, na verdade, a matéria de facto provada é bem elucidativa a este
propósito, pois o recorrente, pelo menos desde 25 de Outubro de 2002 e até à sua
detenção, ocorrida em 8 de Abril de 2003, dedicou-se com regularidade à venda
lucrativa de produtos estupefacientes, servindo-se para tanto do seu co-arguido
B., que era uma pessoa com dificuldades a vários níveis (económicas, familiares
e de saúde), como resulta elucidativamente da matéria de facto que lhe diz
respeito (Cf. os fatos provados sob os n.ºs 49 a 64). Na residência deste e
também numa garagem anexa à habitação da mãe, a troco de quantias de dinheiro
variáveis, guardava o recorrente os referidos produtos e os utensílios
destinados ao seu manuseamento e medição, e isto com o fito de, caso fosse alvo
de actuação policial, não ser surpreendido na posse deles.
Estes últimos, por seu turno, eram dos que criam mais dependência e, por isso,
com um grau de danosidade elevada do ponto de vista da saúde pública em geral e
dos consumidores em particular: heroína e cocaína. As quantidades surpreendidas
pela polícia também são bem expressivas do tipo de tráfico a que se dedicava o
recorrente, que se situava já numa escala média. Só de uma vez, em 8 de Abril de
2003, a polícia apreendeu 26,333 grs. de heroína e 588,188 grs, de cocaína, que
o recorrente recebeu do seu co-arguido B., e mais 0,919 grs. de heroína, que se
encontravam no interior do veículo-automóvel do recorrente. Na busca
domiciliária que se lhe seguiu, tendo por alvo a garagem anexa à casa da mãe do
arguido B., foram apreendidas mais uma embalagem de heroína com o peso líquido
de 536,909 grs. e outra embalagem de cocaína, com o peso líquido de 20,162 grs.
São realmente quantidades muito significativas, que, uma vez transaccionadas,
dariam para causar um malefício de assinaláveis proporções. E isto, repita-se,
só no dia correspondente à intervenção policial destinada a pôr fim ao tráfico
que se vinha desenrolando e que vinha sendo vigiado desde há meses atrás.
A ilicitude, traduzida na gravidade do crime, é, portanto, acentuada.
Quanto à culpa, o tribunal «a quo» considerou o dolo directo, formado e
prolongou a actuação ilícita e ainda, agravando esta, o fim que norteou o
recorrente – o de obter compensação remuneratória, com sacrifício assumido dos
bens jurídicos violados. E ainda, quanto ao modo de actuação do recorrente e
agravando de igual modo o factor culpa, a posição de chefia e o ascendente que o
recorrente assumia em relação ao seu co-arguido B., bem como o carácter de certo
modo refinado dessa sua actuação, levando-o a guardar a droga mantido durante
todo o tempo por que se na residência desse seu co-arguido e na garagem anexa à
casa da mãe dele, para não ser surpreendido com produtos estupefacientes.
De toda esta panorâmica, ressalta uma configuração da culpa que é de ter como
considerável. É certo que há factores atenuativos, que são de levar em conta nos
termos do n.º 2 do art. 7l.º do CP, que, como se sabe e resulta expressamente do
texto legal, contém uma enumeração apenas exemplificativa das circunstâncias
relevantes a atender em sede de fixação concreta ou judicial da pena. O tribunal
«a quo» considerou nesse âmbito a modesta condição sócio-económica e educacional
do recorrente e a ausência de antecedentes criminais. O recorrente, utilizando
uma paráfrase para designar esta última circunstância, alude a que «ao longo dos
seus 36 anos nunca teve qualquer contacto com o sistema de justiça, nunca tendo
sido condenado pela prática de qualquer ilícito criminal». Mas com isso quer
evidentemente dizer o mesmo. O recorrente não ostenta antecedentes criminais. É
um facto, mas tal não significa, como se sabe, que o seu comportamento, ao longo
dos seus 36 anos, fosse irrepreensível, mesmo que bem considerado no meio.
Relativamente às demais circunstâncias, o recorrente enumerou ainda «um percurso
de vida pautado por hábitos de trabalho, tendo abandonado a escola sem concluir
o ensino básico»; ser «o amparo da sua companheira, que sofre de doença grave»;
«forte enquadramento familiar que lhe garante apoio quando restituído à
liberdade».
Essas circunstâncias estão na matéria de facto provada, embora não exactamente
naqueles termos, mas estão lá. O tribunal «a quo», fazendo sua a fundamentação
da 1ª instância, remeteu tudo isso para a fórmula condensada «modesta condição
sócio-económica e educacional». E, na verdade essas circunstâncias referem-se às
condições sócio-económicas e educacionais do recorrente, marcadas por
dificuldades próprias de um numeroso agregado familiar e com sinais de
marginalização e desadaptação relativamente ao seu crescimento ou
desenvolvimento da sua personalidade, que terão a ver também com razões de
carácter étnico. E referem-se ainda à sua inserção familiar e social, podendo
dar-nos um certo enquadramento para fins de prevenção especial positiva ou de
integração, que também é uma das finalidades da pena.
Todavia, as referidas circunstâncias foram ponderadas, embora, como se disse, na
forma concentrada traduzida na expressão «modesta condição sócio-económica e
educacional». Podiam ter sido ponderadas mais detidamente, mas a verdade é que
as instâncias as levaram em conta e só por isso, certamente, é que a pena fixada
se quedou pelos 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, atenta a vertente da
prevenção geral positiva ou de integração, que é aqui de grande exigência, e a
da culpa, esta consentindo folgadamente a referida medida da pena.
Restar-nos-ia, assim, para objecto de ponderação apenas o quantum exacto desta.
E, nesta matéria, tendo por sinal havido já um duplo grau de jurisdição, o
Supremo Tribunal de Justiça apenas poderia intervir correctivamente, dentro dos
seus poderes de cognição, se, v. g., tivessem sido violadas regras da
experiência ou se a quantificação se revelasse de todo desproporcionada
(FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime,
Editorial de Notícias – Aequitas, p. 197, seguido por este Supremo em vários
acórdãos: de 8/5/03, proc. n.º 785/03 – 5, de 30/1/03, proc. n.º 4639/02, entre
outros), o que não sucede no caso.
Por outro lado, as finalidades de prevenção especial ou de socialização têm que
ser satisfeitas, na medida do possível, dentro dos limites traçados pelas
necessidades de prevenção geral (FIGUEIREDO DIAS, OB. CIT., p. 227).
Ora, a pena aplicada é tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação às
expectativas comunitárias de reafirmação da norma jurídica violada, pelo que é
completamente irrealista a proposta do recorrente de baixar aquela pena para 4
anos e 6 meses de prisão.
Acresce que, mesmo em termos de igualdade, não se justificaria aplicar ao
recorrente uma pena inferior à que foi aplicada ao seu co-arguido B., cuja culpa
e ilicitude têm notoriamente muito menos relevo do que as atribuíveis ao
recorrente.
E, em termos de proporcionalidade, justifica-se amplamente que a pena deste
último tenha uma sensível maior graduação. Se àquele foi aplicada uma pena de 5
anos de prisão, ao recorrente nunca poderia ser aplicada uma pena que se não
distanciasse daquela pelo menos um ano e meio.
Assim, também improcede o recurso nesta parte».
3. Notificado de tal acórdão, o arguido juntou aos autos o seguinte
requerimento:
«1 - Exararam V. Exas:
(...)
Restar-nos-ia, assim, para objecto de ponderação apenas o quantum exacto desta.
E, nesta matéria, tendo por sinal havido já um duplo grau de jurisdição, o
Supremo Tribunal de Justiça apenas poderia intervir correctivamente, dentro dos
seus poderes de cognição, se, v. g., tivessem sido violadas regras da
experiência ou se a quantificação se revelasse de todo desproporcionada
(FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime,
Editorial de Notícias Aequitas, p. 197, seguido por este Supremo em vários
acórdãos: de 8/5/03, proc. n° 785/03 - 5, de 30/1/03, proc. nº 4639/02, entre
outros), o que não sucede no caso.
(...)
2 – Nenhuma norma, adjectiva ou substantiva, foi invocada para sustentar o
entendimento de que o STJ não pode, a não ser em condicionalismos específicos,
sindicar o quantum exacto da pena.
B) Requerer, com a fundamentação aduzida, se dignem esclarecer a decisão de V.
Exas, concretizando, nomeadamente, que norma permite o entendimento de que o STJ
apenas poderia intervir correctivamente dentro dos seus poderes de cognição se,
v.g., tivessem sido violadas regras da experiência ou a quantificação se
revelasse, de todo, desproporcionada».
4. O Supremo Tribunal de Justiça esclareceu o requerido, nos seguintes termos:
«(…) É óbvio que as normas que servem de suporte a tal afirmação, que, de resto,
é quase a transcrição literal de Figueiredo Dias, como vem assinalado no texto,
são todas aquelas que delimitam os poderes cognitivos do Supremo Tribunal de
Justiça e que o definem como tribunal de revista, nomeadamente os artigos 432.º,
alínea c) e 434.º, ambos do CPP.
A determinação concreta da pena rege-se por critérios jurídicos (os artigos
40.º, 70.º e 71º, todos do CP) e a apreciação do modo como esses critérios foram
utilizados na determinação de uma dada pena concreta pelas instâncias constitui
matéria de direito, portanto, está sujeita a revisão pelo Supremo Tribunal de
Justiça. Nomeadamente, cabem nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça as
questões atinentes às finalidades da punição, aos factores relevantes para a
determinação concreta da pena, na medida em que tenham ou não sido levados em
conta, à relevância da prevenção geral e especial, à culpa como limite dos fins
preventivos.
Porém, no que toca ao quantum exacto da pena, há factores na sua determinação
que comportam uma margem de discricionariedade que não é susceptível de revista
e que têm a ver com os princípios da imediação, da oralidade e da concentração.
Por exemplo, saber se uma pena deve ser de 4 anos e 6 meses ou de 4 anos e 3
meses. Esta questão de minúcia não cabe nos poderes de cognição do Supremo
Tribunal de Justiça, como assinala, na esteira de outros Autores, o citado
professor de Coimbra. O quantum da pena só será susceptível de revista «se
tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de
todo desproporcionada» (ob. Cit., p. 197)
É que, como «remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso de recurso de
revisão, que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único
objectivo de uma “melhor justiça”. (...) A pretensa injustiça imputada a um
vício de julgamento só releva quando resulta da violação do direito material.»
(CUNHA RODRIGUES, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal do Centro de
Estudos Judiciários, Almedina, p. 386). E a violação do direito material, aqui,
há-de cifrar-se na violação dos critérios legais de determinação da pena, ou das
finalidades da punição, ou ainda do princípio da culpa, bem como na violação do
critério de proporcionalidade que decorre do art. 18.º da Constituição.
De resto, a afirmação que o requerente foi esquadrinhar é praticamente lateral,
dado que o fundamental reside nesta passagem do acórdão aclarando:
Ora, a pena aplicada é tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação às
expectativas comunitárias de reafirmação da norma jurídica violada, pelo que é
completamente irrealista a proposta do recorrente de baixar aquela pena para 4
anos e 6 meses de prisão.
Acresce que, mesmo em termos de igualdade, não se justificaria aplicar ao
recorrente uma pena inferior à que foi aplicada ao seu co-arguido B., cuja culpa
e ilicitude têm notoriamente muito menos relevo do que as atribuíveis ao
recorrente.
Esse é que é o verdadeiro fundamento da opção seguida de não baixar a pena».
5. O arguido interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, mediante
requerimento com o seguinte conteúdo:
«1 – O recurso é interposto ao abrigo do artigo 70°, n° 1. al. b) da Lei n°
28/82, de 15 de Setembro.
2 – Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma ínsita nos
artigos 432, al. c) e 434°, ambos do CPP, os aduzidos por V. Exas, apesar de
necessariamente o primeiro não poder ter aplicação ao caso, na interpretação
acolhida na decisão recorrida, isto é, considerando que o STJ apenas pode
intervir correctivamente, dentro dos seus poderes de cognição da medida da pena,
se tivessem sido violadas as regras da experiência ou se a quantificação se
revelasse, de todo, desproporcionada.
3 – Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32, n° 1
da CRP.
4 – A questão da inconstitucionalidade não foi suscitada anteriormente,
porquanto o STJ nem sequer tinha indicado as normas onde se sustentara vendo-se
mesmo que foi necessário chamar à colação norma que nada tem a ver com o caso».
6. O recurso não foi admitido, pela decisão agora reclamada, do seguinte teor:
«Não admito o recurso interposto, porquanto:
1º – A decisão recorrida, ao manter a pena aplicada na 1ª instância e confirmada
pela Relação, não se baseou numa interpretação de qualquer norma legal que
concretamente lhe impedisse de conhecer do “quantum” exacto da pena, nem essa
era exactamente a questão a decidir. Isto, não obstante a afirmação (que é
apenas lateral) de que o STJ apenas “poderia [Note-se o condicional] intervir
correctivamente, dentro dos seus poderes de cognição, se, v.g., se tivessem
violado regras gerais da experiência, ou se a quantificação se revelasse de todo
desproporcionada” (afirmação que se foi buscar a Figueiredo Dias).
O verdadeiro fundamento para o não abaixamento da pena nos termos pretendidos
pelo recorrente foi, como se disse no esclarecimento, o facto de a pena aplicada
ser “tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação às expectativas
comunitárias …”, portanto, fundamentalmente razões de prevenção geral.
2º – O recorrente não levantou anteriormente o problema da inconstitucionalidade
da interpretação dos poderes cognitivos do STJ (art.os 432º, al. c) e 434º do
CPP) em matéria de intervenção correctiva das penas, e poderia tê-lo levantado,
face à jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça em tal matéria e
ainda face ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 505/03, de 28/10/03 (DR de
5/1/04), que foi chamado a decidir essa questão suscitada a partir de um acórdão
deste Tribunal».
7. O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela forma seguinte:
«A presente reclamação é manifestamente improcedente. Na verdade – e desde logo,
a interpretação normativa questionada não constituíu “ratio decidendi” do
acórdão recorrido que – analisando, em termos de decisão de mérito, o decidido
pelas instâncias quanto à medida concreta da pena aplicada ao arguido – concluíu
pela improcedência do recurso.
Seria, pois, obviamente inútil, face ao teor do fundamento decisivo do acórdão
recorrido, a dirimição da questão de constitucionalidade colocada pelo
arguido/recorrente».
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada justificou a não admissão do recurso, por um lado, por
entender que a norma questionada não tinha sido aplicada, como ratio decidendi,
pela decisão recorrida e, por outro, por o recorrente não ter cumprido – como
ele próprio reconhece – o ónus da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade.
Apesar de constar do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, no caso, na
fixação do quantum exacto da pena, não sucedeu uma violação das regras da
experiência nem uma quantificação de todo desproporcionada, pelo que não estaria
autorizada, face aos poderes de cognição do Supremo, uma intervenção correctiva
do quantum da pena, a decisão afirma claramente que as razões para a não
diminuição da pena se encontram noutra sede, dentro dos poderes de cognição
daquele Tribunal:
«Ora, a pena aplicada é tangente ao limite mínimo exigível para dar satisfação
às expectativas comunitárias de reafirmação da norma jurídica violada, pelo que
é completamente irrealista a proposta do recorrente de baixar aquela pena para 4
anos e 6 meses de prisão.
Acresce que, mesmo em termos de igualdade, não se justificaria aplicar ao
recorrente uma pena inferior à que foi aplicada ao seu co-arguido B., cuja culpa
e ilicitude têm notoriamente muito menos relevo do que as atribuíveis ao
recorrente.
E, em termos de proporcionalidade, justifica-se amplamente que a pena deste
último tenha uma sensível maior graduação. Se àquele foi aplicada uma pena de 5
anos de prisão, ao recorrente nunca poderia ser aplicada uma pena que se não
distanciasse daquela pelo menos um ano e meio» (itálico aditado).
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que não podia haver lugar à
diminuição da pena nos termos requeridos, porque a pena aplicada era tangente ao
limite mínimo exigível do ponto de vista da prevenção geral e porque esta se
justificava do ponto de vista da igualdade e da proporcionalidade.
Nestas circunstâncias, importa colocar no caso presente a questão da utilidade
da apreciação da questão de constitucionalidade colocada pelo reclamante. Na
verdade, “encontrando-se na decisão recorrida outro fundamento, para além da
aplicação da norma impugnada só por si suficiente para chegar a tal decisão, não
existe, pois, interesse processual que justifique o conhecimento da questão pelo
Tribunal Constitucional – seja qual for o sentido da decisão que recaia sobre a
questão, manter-se-á inalterado o decidido pelo tribunal recorrido” (Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 389/00, Diário da República, II Série, de 13 de
Novembro de 2000).
Em consequência do carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, a
respectiva utilidade – ou seja, a susceptibilidade de repercussão na decisão
recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge, assim, como
condição do seu conhecimento (neste sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional
nºs 366/96 e 463/94, Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996 e de
22 de Novembro de 1994, e 687/2004, não publicado, e Victor Calvete, “Interesse
e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do
recuso de constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em
Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p.
424).
Ora, no presente caso, um eventual juízo de inconstitucionalidade da norma
identificada pelo recorrente nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão
recorrida. Sempre subsistiria, mesmo perante um tal juízo, a já destacada
argumentação do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, como bem se decidiu no despacho reclamado, o recurso não pode ser
admitido.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício