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Processo nº 414/05
2ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Tributário:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.
78-Aº da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
Decisão Sumária proferida pelo relator que julgou não tomar conhecimento do
recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça (STJ), de 11 de Janeiro de 2005, completado pelo acórdão posterior
que indeferiu o pedido da sua aclaração, acórdão aquele que negou a revista
pedida no recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, de 18 de Março de 2004.
2 – A decisão sumária, ora reclamada, é do seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 11 de
Janeiro de 2005, completado pela decisão posterior que indeferiu o pedido da sua
aclaração, acórdão aquele que negou a revista pedida no recurso interposto do
acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 2004.
2 – O ora recorrente interpôs ao abrigo do disposto no art. 369º do Código
Administrativo, acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado
Português, pedindo a sua condenação a pagar ao Município de Abrantes, a título
de indemnização por perdas e danos, a quantia de 10.800.000.000$00, acrescida
dos juros que se vencerem, à taxa legal de 15% ao ano, desde a citação até
integral pagamento ou, subsidiariamente, apenas para a hipótese de improcedência
do pedido principal, a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de
2.700.000.000$00, acrescida de juros calculados sobre esse montante, à taxa
legal de 15% ao ano, desde 20 de Dezembro de 1993 até integral pagamento.
Como causa de pedir alegou, em síntese, que, por força da isenção da sisa
devida pela constituição, por escritura de 24/11/1993, de um direito de
superfície sobre dois prédios urbanos por banda da B., S.A., em favor da C,
S.A., que foi concedida por despacho do Sudirector-Geral das Contribuições e
Impostos, o Município de Abrantes deixou de receber a quantia de 2
700.000.000$00. Todavia, por força do disposto no art. 7º, n.º 7, da Lei das
Finanças Locais, n.º 1/87, de 6 de Janeiro, as isenções e reduções de sisa “que
venham a ser concedidas” e que não sejam determinadas ipso jure pela lei
vigente, categoria na qual se inclui a concedida, dão lugar à compensação em
favor do respectivo município.
Todavia, não obstante, a concessão dessa compensação tivesse sido objecto de
discussão a quando da apreciação do Orçamento para o ano de 1994, o certo é que
a mesma veio a ser omitida na Lei que o aprovou – a Lei n.º 75/93, de 20 de
Dezembro.
Deste modo, “a rejeição da inscrição da verba correspondente no Orçamento
Geral do Estado para 1994 teve como consequência a produção, por parte da
Assembleia da República, de uma lei que, por omissão, violou frontalmente o
direito do referido Município e infringiu o princípio constitucional da
autonomia financeira das autarquias locais”, causando ao Município de Abrantes
um prejuízo de 2. 700.000.000$00, a título de dano emergente, e um dano global
no valor de 10 800.000.000$00, tendo em conta os investimentos que poderia
fazer, em regime de comparticipação com o Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional e o Estado, com aquela quantia.
3 – A acção foi julgada improcedente e o Estado absolvido do pedido, por se
haver considerado que a norma do art. 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87 fora tacitamente
revogada.
4 – Desta sentença, o Autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa que negou provimento à apelação, com base, em resumo, nas seguintes
considerações que aqui se deixam transcritas, por haverem sido assumidas, por
inteiro, pelo acórdão recorrido, do STJ:
«1. Da responsabilidade civil
Pretende o Apelante seja o Estado condenado no pagamento de uma indemnização em
virtude de a Assembleia da República, na discussão na especialidade da proposta
de Lei do Orçamento Geral do Estado para o ano de 1994, ter rejeitado duas
propostas que visavam a introdução de um artigo no sentido de atribuir uma
compensação ao Município de Abrantes relativa à isenção do imposto de sisa que
seria devido pela constituição, a favor da sociedade C., S.A., de um direito de
superfície sobre dois prédios urbanos situados naquele Município.
Consequentemente, por omissão, tal verba não foi inscrita no Orçamento Geral
para o ano de 1994, assim lesando a Autarquia.
Comecemos por analisar o instituto da responsabilidade civil.
Como refere Manuel Carneiro da Frada[1] a responsabilidade civil é um instituto
jurídico que comunga da tarefa primordial do Direito que consiste na “ordenação
e distribuição dos riscos e contingências que afectam a vida dos sujeitos e a
sua coexistência social”.
Mas seja qual for o ponto vista sobre o qual se encare este instituto, para o
Apelante ver ressarcido o alegado prejuízo do Município, sempre terão de se
mostrar reunidos determinados pressupostos da responsabilidade civil,
genericamente enunciados pelo art. 483, nº 1, CC, consistindo esta “na obrigação
de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de
que esse alguém foi vítima”[2].
Adoptando-se a sistematização avançada por Antunes Varela[3], diga-se que, para
existir a responsabilidade civil, necessária se torna a presença de um facto, da
ilicitude, da imputação do facto ao lesante, a existência de danos e de um nexo
de causalidade entre o facto e o dano.
Excepcionalmente, e tal como resulta do regime constante dos arts. 499º a 510º,
do Código Civil, pode alguém ser responsabilizado, independentemente de culpa: é
o caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em determinadas
circunstâncias, quando as necessidades sociais de segurança se sobrepõem às
considerações de justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
A excepcionalidade dos tipos de casos de responsabilidade pelo risco, para além
de prescindir da culpa do lesante, não exige, sequer, como pressuposto
necessário, a ilicitude da conduta. A responsabilidade pode assentar aqui sobre
um facto natural (um acontecimento), um facto de terceiro ou até um facto do
próprio lesado.
2. O art. 22º da CRP
Estamos, no entanto, diante de uma situação de características particulares: em
causa está a responsabilidade civil do Estado, por actos legislativos.
Dispõe o art. 22º da Constituição da República Portuguesa:
“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma
solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções
ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse
exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou
prejuízos para outrem.
Ele abrange, inter alia, a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos
cidadãos (art. 22º, CRP).
Consagra este dispositivo da nossa Constituição, um direito fundamental de
natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, por consequência, é
directamente aplicável e pode ser invocado pelos particulares para fazer valer
uma pretensão de indemnização contra o Estado legislador: “Corolário do Estado
de Direito Democrático, o princípio da responsabilidade do Estado, desenhado nas
disposições constitucionais referidas, parece abranger todas as actividades do
Estado causadoras de dano, sem excluir as exercidas pelos órgãos políticos,
legislativos e jurisdicionais, pelo menos, quando os prejuízos resultem da
violação de direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagradas”
[4].
O princípio da responsabilidade do Estado é um dos princípios estruturantes do
Estado de Direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à
excepção dos danos causados por outrem.
Citando Vital Moreira e Gomes Canotilho[5], na sua “vertente de Estado de
Direito, o princípio do Estado de Direito democrático, mais do que constitutivo
de preceitos jurídicos, é sobretudo integrador de um amplo conjunto de regras e
princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da
sujeição do poder a princípios e regras jurídicas”.
O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma
solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções
ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse
exercício, resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo
para outrem[6].
Ou seja, o art. 22º da CRP estatui o princípio da responsabilidade patrimonial
directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos. Embora confira
dignidade constitucional ao princípio da responsabilidade civil extracontratual
das entidades públicas, o art. 22º da Constituição não especifica se os actos
que podem dar origem a essa responsabilidade do Estado são apenas os actos de
administração ou também actos legislativos e actos judiciais. Assim, deixada à
lei ordinária eventual concretização de diferentes tipos dessa responsabilidade
e a fixação dos especiais pressupostos de cada um deles, tem-se, no entanto,
aceite a aplicação directa e imediata desse preceito em relação a todos os actos
supramencionados.
Impõe-se, pois, dilucidar a questão da responsabilidade civil do Estado por
factos lícitos – danos resultantes da Função Legislativa.
No domínio da nossa Constituição de 1933, inexistia qualquer princípio idêntico
ao consagrado no art. 22º da nossa Lei Fundamental actual.
Opinava, então, a generalidade dos autores, que de uma lei nunca poderia derivar
um especial e particular prejuízo dado que tal situação estaria afastada pelo
carácter geral da lei – sua essencial característica. Se a lei é por essência
uma regra geral e impessoal, nunca pode ser causa de um prejuízo especial e
individualizado, pois isso repugnaria à sua própria natureza.
Face ao teor do art. 22º da CRP actual geram-se opiniões diversas.
Para alguns constitucionalistas houve uma posição de recusa em admitir que a
citada disposição legal, estatuísse uma obrigação de indemnização por violação
pelo Estado, no exercício da função legislativa, de direitos, liberdades e
garantias.
Contudo, é hoje profusa a Doutrina e Jurisprudência que ancoram, no art. 22º da
CRP, o direito do particular à reparação por virtude da prática de acto
legislativo lesivo dos seus direitos, liberdades e garantias.
A discussão surge, porém, quanto a saber se no predito art. 22º estão
englobadas, quer a responsabilidade civil por actos legislativos ilícitos, quer
pelos lícitos, quer a responsabilidade civil objectiva do Estado.
Propendemos a defender, que aquele preceito legal apenas consagra a
responsabilidade por factos ilícitos e culposos.
Na esteira do Acórdão da Relação de Lisboa de 20/05/1997[7], sufragamos, por
inteiro, a opinião constante do estudo “Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do
Estado por Actos Legislativos”, de Rui Medeiros, de acordo com a qual, o art.
22º da CRP, se refere unicamente à responsabilidade por factos ilícitos e
culposos por parte do Estado.
Diz Rui Medeiros[8] que “o art. 22º da CRP prescreve uma responsabilidade
solidária do Estado com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes”.
Ora, “mal se compreenderia que a Constituição afirmasse um princípio geral de
responsabilidade objectiva do Estado e, ao mesmo tempo, impusesse uma
responsabilidade solidária dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes: a
responsabilização dos autores materiais do facto que causa um prejuízo especial
e anormal, independentemente da ilicitude e da culpa, constituiria, para eles,
um encargo insuportável e totalmente injustificado.
A referência do art. 22º à obrigação solidária dispensa, por isso, uma alusão
expressa à culpa, pois este requisito está implícito na previsão da
responsabilidade dos titulares dos órgãos ou agentes do Estado que praticaram o
facto”.
A responsabilidade solidária consagrada no art. 22º da CRP, depende, portanto,
da existência de um facto ilícito e culposo”[9].
À afirmação de Gomes Canotilho-Vital Moreira de que o art. 22º não pode deixar
de abranger a responsabilidade por actos lícitos e pelo risco pois, caso
contrário, ficaria lesado o princípio geral da reparação de danos causados a
outrem, responde aquele autor que, em “primeiro lugar, alguns dos casos mais
graves de danos resultantes de factos não culposos, seja no domínio do direito à
liberdade, seja no vasto campo dos direitos patrimoniais, são expressamente
previstos pela Constituição” e em segundo lugar, que “o princípio do Estado de
Direito pode, excepcionalmente, fundamentar uma pretensão autónoma de
indemnização não expressamente prevista na Constituição, designadamente em
relação a danos graves resultantes da violação não culposa de direitos,
liberdades e garantias, não sendo por isso necessário o alargamento do âmbito do
art. 22º da CRP”[10].
Por outro lado, segundo este autor, há ainda que considerar que o Estado de
Direito não postula a aceitação generalizada da responsabilidade objectiva. A
Lei Constitucional e a lei ordinária “… poderão alargar o âmbito do direito de
indemnização por danos resultantes de acções ou omissões não culposas, mas o
art. 22º na sua redacção actual não impõe esse alargamento”[11].
No mesmo sentido, Marcelo Rebelo de Sousa refere que a “Constituição que nos
rege, quer no art. 22º, quer no art. 271º, nºs 1, 2 e 3, é tributária da visão
hoje mais clássica, ainda que democrática, de relacionamento entre
responsabilidades. Do facto decorre que não cabe no art. 22º a responsabilidade
de entidades públicas que não suponha responsabilidade de titulares dos seus
órgãos ou agentes”.
“Como a responsabilidade destes supõe sempre a ilicitude, o art. 22º não
comporta a responsabilidade civil de entidades públicas por acto lícito. A sua
expressão final ‘prejuízo de outrem’ visa englobar todos os casos de ilicitude
que não se reconduzem à violação de direitos, liberdades e garantias, a saber a
violação de outros ‘direitos e interesses legalmente protegidos’, ou interesses
legítimos (…)[12].
E acrescenta, ainda, o referido Autor, “quer do art. 22º, quer do art. 271º, n.º
1, não consta qualquer referência a culpa mas tão-somente a ilicitude,
relativamente à conduta de funcionários e agentes. Simplesmente, (…) não faz
sentido a responsabilidade civil objectiva do funcionário e agente. Assim sendo,
é com base na responsabilidade civil em princípio subjectiva de ambos e de
titulares dos órgãos administrativos que se perfila a responsabilidade civil das
correspondentes entidades públicas”[13].
Em súmula, o art. 22º da CRP prevê tão só a responsabilidade civil do Estado
assente na culpa, quando ocorra violação de um direito subjectivo
constitucionalmente protegido ou quando de acção ou omissão resulte prejuízo
para o cidadão.
No dizer de Dimas Lacerda[14], só “com uma interpretação abrogante do preceito
nos pareceria possível incluir nele a responsabilização por danos decorrentes da
prática de actos lícitos danosos e de actividades portadoras de risco ou excluir
a responsabilidade dos agentes em casos de mera culpa, quando a norma,
explicitamente, consagra a responsabilidade solidária”.
E assim, embora o disposto no art. 22º da Constituição da República Portuguesa
possa ser invocado pelos particulares, visando a atribuição de uma indemnização
pelo Estado, este apenas poderá ser responsabilizado por omissão legislativa,
desde que esta seja reconhecidamente considerada ilícita e culposa[15].
Ficando assim delimitado o conteúdo do art. 22º da CRP aos casos de
responsabilidade civil por facto ilícito impõe-se a análise da verificação, no
caso sub úria, dos pressupostos decorrentes da lei geral – art. 483º, do Código
Civil – ínsitos ao dever de indemnizar.
In casu, está em questão a eventual caracterização do acto legislativo do Estado
(omissão de legislação) como acto ilícito.
“Acto ilícito é o acto contrário ao direito. No contexto do instituto da
responsabilidade civil, o conceito da ilicitude tem um significado bem preciso:
indica ele aquela forma particular de contraditoriedade ao direito que fornece
um pressuposto típico da génese de um dever de indemnizar; que contém em si
mesma força suficiente para dar vida a uma relação obrigacional nos termos da
qual o autor do acto ilícito se constitui em dever de ressarcir”[16].
Como refere Gomes Canotilho[17], ao Estado, no exercício do poder legislativo,
“está vedada a emanação de leis inconstitucionais lesivas de direitos,
liberdades e garantias (dimensão proibitiva da cláusula de vinculação); por
outro lado, incumbe-lhe o dever de conformar as relações da vida, as relações
entre o Estado e os cidadãos e as relações entre os indivíduos segundo as normas
garantidoras daqueles direitos, liberdades e garantias (dimensão positiva da
vinculação do legislador). Apontando a Constituição para a vinculação de todos
os actos normativos (leis, regulamentos, estatutos, contratos colectivos de
trabalho…), isto significa que a cláusula de vinculação se refere a legislador
em sentido extensivo”.
3. A Lei das Finanças Locais
Vejamos agora o caso sub úria.
Em causa está a omissão legislativa que consiste no facto do Orçamento do Estado
para 1994, aprovado pela lei nº 75/93 de 20/12, não ter previsto a compensação a
que alude o art. 7º nº 7 da lei de Finanças Locais.
Efectivamente, ficou provado que o Estado isentou, em 06/10/93, a C., S.A. do
pagamento do imposto de sisa devido pela constituição a favor desta do direito
de superfície sobre dois prédios sitos em Abrantes. Tal isenção baseou-se no
disposto no art. 11º, n.º 26, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do
Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Ora, o citado art. 7º, n.º 7, da LFL, aprovada pela lei nº 1/87 de 06/01,
vigente à data dos factos, refere que: “Os municípios serão compensados através
de verba a inscrever no Orçamento do Estado ou nos Orçamentos das Regiões
Autónomas pela isenção ou redução dos impostos referidos na alínea a) do nº 1 do
art. 4º que venham a ser concedidas para além das actualmente estabelecidas pela
legislação em vigor.
E, de acordo com a al. A) do referido art. 4º, n.º 1, a), o imposto de sisa é
receita do município.
Porém, o Orçamento do Estado para 1994, não previu a compensação a que alude o
art. 7º, n.º 7, da lei de Finanças Locais, ou seja, não inscreveu a verba
correspondente à receita que o Município de Abrantes deixou de arrecadar.
Argumenta o Apelante que o legislador violou o art. 7º, n.º 7, da Lei das
Finanças Locais, que sendo especial relativamente à Lei de Enquadramento do
Orçamento Geral do Estado (como resulta do art. 240º da CRP), de harmonia com o
art. 7º, n.º 3, do Código Civil, não pode ser (tacitamente) revogada pela lei
geral.
3.1. Lei com valor reforçado
Segundo Gomes Canotilho[18] a Lei do Orçamento é hoje considerada uma lei
material e não meramente formal, nada impedindo em princípio que ela altere ou
revogue leis materiais existentes. Apenas incorrerá em ilegalidade se a lei
alterada ou revogada for uma lei “reforçada”.
As leis de valor reforçado aparecem concretizadas no art. 112º, nº 3, da
Constituição e que podem ser de quatro categorias: as leis orgânicas, as leis
que carecem de aprovação por maioria de dois terços, as leis que por força da
Constituição sejam pressuposto normativo necessário de outras leis, as leis que
por outras devem ser respeitadas.
Na ausência de uma definição expressa, o valor reforçado das leis, com esse
valor, há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais: o da sua
proeminência funcional enquanto fundamento material da validade normativa de
outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma
especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior.
A garantia de autonomia financeira das autarquias locais que a Constituição
consagra depende do concreto regime acolhido na Lei das Finanças Locais a que
alude o n.º 2 do art. 240º da Constituição, subordinando as finalidades da justa
repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e da necessária
correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.
Ora, no nosso sistema constitucional, “a Lei do Orçamento constitui uma lei
material especial, não confinada no seu conteúdo ao mero quadro contabilístico
de receitas e despesas, aprovada ao abrigo da competência política e legislativa
do Parlamento, definida, assim, como elemento integrante da reserva de
Parlamento e sujeita a reserva absoluta de lei formal, emitida no quadro da
participação do Parlamento no exercício da função de direcção política estadual,
que plasma no seu conteúdo um programa económico-financeiro anual, desfrutando o
Parlamento de uma assinalável amplitude de poderes de apreciação, expressa,
desde logo, na liberdade de iniciativa dos Deputados para apresentação de
propostas de alteração não sujeitas a qualquer limite especifico”[19]
Sendo a nossa Lei Fundamental um diploma decididamente intervencionista,
configurado num Estado social e democrático de direito, parece claro que a
actividade financeira do Estado não pode permanecer imune a essa vertente
intervencionista e transformadora da sociedade.
“Esta marca intervencionista do Estado de direito democrático traduz-se (…) na
atribuição a Lei do Orçamento do particular valor de lei especial de programação
económico-financeira da actividade do Estado, cuja elaboração e aprovação
constitui parte integrante do exercício da função de direcção política do Estado
em que directamente participa a instituição parlamentar, na base da qual estão
valorações de ordem política, económica e social de relevo que explicam a “força
expansiva” do diploma orçamental e a inelutável superação da sua tradicional
vocação de mero quadro contabilístico de receitas e despesas totalmente
vinculado a execução do ordenamento jurídico pré-existente”[20].
A regra do n.º 2 do artigo 108º da Constituição, quando estatui que o Orçamento
deve ser elaborado de harmonia com as grandes opções do plano anual e tendo em
conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato, refere-se ao Orçamento
propriamente dito e apenas a este, produzindo uma vinculação do seu conteúdo
face ao ordenamento úr-existente, mas em tal vinculação não se pode ter por
compreendida a própria Lei do Orçamento.
Segundo António Vitorino,[21] “o citado preceito constitucional tem o sentido
útil de garantir a inscrição orçamental das verbas necessárias ao cumprimento
das obrigações decorrentes de lei ou de contrato que não tenham sido objecto de
alteração expressa na própria Lei do Orçamento, isto é, em relação às quais o
livre poder de apreciação do Parlamento quanto às suas implicações orçamentais,
quando cotejadas com as prioridades definidas no plano económico-financeiro
anual, não tenha levado a conclusão da sua insubsistência ou suspensão em termos
directamente assumidos.
Conclui-se, no Acórdão do TC de 11/11/92, a que vimos fazendo referência, que se
tem por constitucionalmente legítimo que a Lei do Orçamento altere a Lei das
Finanças Locais (fonte legal das obrigações a que alude o nº 2 do art. 108º da
Constituição).
Por isso, o art. 240º da Constituição não constitui elemento suficiente para se
poder afirmar que, no sistema constitucional, a Lei das Finanças Locais
beneficia de um tal valor reforçado, pois a previsão de que o regime das
finanças locais será estabelecido por lei em nada difere de inúmeras remissões
para a lei que a Constituição contem em diversos preceitos.
Assim, a Constituição não postula nenhum sistema de autovinculação da Assembleia
da República ao regime das finanças locais.
Ainda que se possa considerar como mais adequado – tendo em vista os fins
constitucionalmente fixados ao regime das finanças locais e os valores da
previsibilidade e da segurança da gestão financeira das autarquias locais em
função da garantia da sua própria autonomia – um sistema que assente em regras
dotadas de especial valor normativo e de condições de estabilidade, a verdade é
que não é o modelo constitucionalmente exigido.
Em suma, a Lei do Orçamento pode revogar ou alterar a Lei das Finanças Locais,
pois esta não assume em relação àquela o valor de “lei com valor reforçado”.
3.2. Lei especial
Alega o Apelante que a Lei das Finanças Locais é lei especial do regime
financeiro das autarquias locais, em contraponto com a Lei do Enquadramento do
Orçamento do Estado, que é a lei geral do regime financeiro do sector público,
pelo que a Lei do Orçamento Geral não pode revogar aquela.
Porém, como também notou o Digno Magistrado do MP nas contra-ordenações
apresentadas, não foi a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado que, por
omissão, violou o alegado direito de compensação, mas sim a Lei do Orçamento
Geral do Estado para o ano de 1994, ao não inscrever a verba correspondente.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se a Lei da Finanças Locais deve ser
tida como especial relativamente à Lei do Orçamento Geral do Estado.
De acordo com o art. 7º do CC a lei só deixa de vigorar se for revogada, podendo
essa revogação resultar, como refere o nº 2, da incompatibilidade entre as novas
disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a lei regular toda a
matéria da anterior lei.
O n.º 3 do citado preceito refere ainda que a lei geral não revoga a lei
especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
“A revogação será tácita quando deriva de um conflito directo e substancial
entre os preceitos das duas leis ou a circunstância de uma lei estabelecer um
novo regime completo das relações em causa, regulando toda a matéria já
disciplinada pela anterior, pois daqui se deduz a vontade do legislador de
liquidar o passado estabelecendo um novo sistema de princípios completo e
autónomo”[22].
Consoante a maior ou menor extensão das relações jurídicas que tutelam, as leis
podem ser gerais, especiais e excepcionais.
As primeiras determinam ou fixam condições as condições e limites dentro dos
quais tem que desenvolver-se a actividade de cada um nas suas relações com os
outros ou com a sociedade. A igualdade de todos perante a lei, e a conveniência
de uniformizar o procedimento dos cidadãos em casos idênticos, dão às leis,
ordinariamente, o carácter de generalidade, que as torna aplicáveis a todas as
pessoas, a todos os bens e a todos os actos, a respeito dos quais possam
verificar-se as relações jurídicas, a que as mesmas leis se referem.
No entanto, algumas vezes, em atenção a considerações de carácter político, ou
económico, julga-se necessário estabelecer normas particulares para certas
matérias especiais, que só a estas normas, e não ao direito geral e comum, ficam
sujeitas. As leis que regulam estas matérias denominam-se especiais.
Mas nem só as leis especiais restringem a natural extensão das leis gerais.
Assim, as leis excepcionais, que são todas aquelas que regulam de modo contrário
ou diverso do estabelecido na lei geral ou especial certos factos ou casos, que
por sua própria natureza deviam compreender-se nelas[23].
De onde se conclui que a diferença essencial entre as normas especiais e as
excepcionais assenta no facto de as primeiras, regulando um sector relativamente
restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que, ao contrário das
segundas, não está em directa oposição com a disciplina geral.
Logo, a Lei das Finanças Locais não se encontra, no tocante à Lei do Orçamento
Geral do Estado, numa relação de especialidade, na medida em que não regula uma
matéria que constitua espécie do género da que é regulada pela Lei do Orçamento.
A Lei das Finanças Locais não contém o plano financeiro das autarquias locais –
ao contrário do que sucede com a lei do Orçamento Geral do Estado que contém o
plano financeiro do Estado para um determinado ano económico.
Assim, a Lei do Orçamento Geral do Estado pode revogar, ou conter normas
revogatórias, da Lei das Finanças Locais e essa revogação tanto poderá ser
expressa como tácita, sendo que esta última se há-se inferir a partir de uma
conduta concludente do legislador, determinada por via interpretativa.[24]
Neste aspecto, os trabalhos preparatórios de aprovação da lei do orçamento
relativo ao ano de 1994, têm um valor elucidativo acerca da vigência ou não do
art. 7º, n.º 7, da lei das Finanças Locais, dado que fornecem uma indicação
directa sobre a vontade efectiva do legislador quanto à manutenção da vigência
daquela norma.
Ora, ao contrário do afirmado pelo Apelante, não podem restar dúvidas de que a
recusa, expressa, de inserção na Lei do Orçamento, de norma prevendo o direito
do Município de Abrantes à compensação resultante da isenção de sisa
–representada pela rejeição, no debate na especialidade, de duas propostas de
introdução na lei do orçamento, de uma norma com esse preciso conteúdo – tem que
ser entendida como uma conduta concludente do legislador no sentido da cessação
da vigência da referida norma da lei das Finanças locais.
Ainda que se entendesse a Lei das Finanças Locais é lei especial, sempre seria
de concluir que o seu art. 7º, n.º 7, estava tacitamente revogado, com
fundamento no n.º 3 do art. 7º do CC, na medida em que, atento o acima referido,
mostra-se inequívoca a vontade do legislador em fazer cessar a vigência da
mencionada norma da Lei das Finanças Locais.
Com isto se afasta igualmente a afirmação contida nas conclusões do Apelante, de
que admitir a revogação tácita de qualquer das normas da Lei das Finanças
Locais, por efeito da sua inobservância pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral
do Estado, significaria admitir a violação do princípio da confiança, ínsito na
ideia de Estado de Direito democrático, afrontando directamente o artigo 2º da
CRP.
É que, como se viu, não estamos perante uma inobservância da Lei das Finanças
Locais, mas sim perante a revogação tácita de um dos seus normativos legais, por
força da Lei do Orçamento de 1994. E não houve violação do princípio da
confiança – os cidadãos têm de poder confiar, de algum modo, na previsibilidade
do direito, como forma de orientação de vida, de modo a que a lei, no seu devir,
nunca afecte aquele mínimo de certeza ou segurança – na medida em que tal
princípio não pode, em direito público, colidir com as justificadas opções da
Assembleia da República, no uso da ampla competência política e legislativa que
detém, em ordem à realização da política económica, social e financeira que
repute mais justa e que incluiu a aprovação das leis do plano e do orçamento
(art. 164º da Constituição).
Por último há que ter presente que a competência política significa que, em
termos constitucionais, o acto orçamental exige uma participação necessária do
Parlamento – reserva do Parlamento e o exercício dessa competência política é
indelegável, sendo o orçamento aprovado através da lei (art. 164º, al. H)),
facto que se traduz na indispensabilidade de reserva absoluta de lei formal.
Tal significa que, a pretensão do Apelante colide, desde logo, com o âmbito da
exclusiva e indelegável competência material, funcional e orgânica, da
Assembleia da República (que rejeitou duas propostas de lei), não podendo, por
via da presente acção, obter o mesmo efeito jurídico, que, inequivocamente,
aquele órgão quis rejeitar.
Na verdade, na nossa ordem jurídica vigora o princípio da separação orgânica e
política – constitucional de poderes e da indisponibilidade de competências, nos
termos do qual nenhum órgão de soberania pode delegar ou intrometer-se no núcleo
de funções pertencente a outro órgão (art. 114º da CRP).
Os tribunais, enquanto órgãos do Estado dotados de independência, têm por função
administrar a justiça (art. 205º da CRP) e não a de proceder à alteração ou
criação de leis.
Aos tribunais cabe, certamente, declarar o direito constituído, mas, jamais a
criação ou a alteração de leis.
Como faz notar Gomes Canotilho[25], quando hoje se defende a pretensão à
legislação e o correspondente direito de acção perante os tribunais não se pode
pretender a substituição do legislador pelo juiz com a consequente emanação
judicial de uma norma, nem pela correcção, a título incidental, da omissão
legislativa.
Em conclusão, não estamos, no caso concreto, perante um comportamento ilícito do
Estado Português no exercício da função legislativa, pelo que, faltando o
pressuposto da ilicitude, afastada fica a violação do art. 22º da CRP e a
consequente responsabilidade civil do Estado».
5 – Inconformado, o Autor interpôs recurso para o STJ, pedindo a revista da
decisão recorrida, com base, na parte que interessa à economia desta decisão,
nos seguintes fundamentos, condensados nas conclusões da sua alegação:
«1ª) Ao contrário do que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 30 de Outubro de 1996 (B.M.J./460º/753), não é possível
considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem
jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que
tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade
entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule
toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código
Civil;
2ª) Muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão adoptado,
segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma norma legal,
pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva Lei de
aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma decorrentes,
com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido
expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma
Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela
incompatíveis, que importassem a sua revogação tacita;
3ª) Seria bizarro admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a
possibilidade de que uma norma legal fosse objecto de revogação tácita,
sucessivamente, por sucessivas leis, nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do
Estado; repristinando-se, e renascendo das cinzas, como a Fénix, logo a seguir,
retomando a sua vigência no preciso momento em que seria tacitamente revogada,
isto é, no momento do início da vigência de cada respectiva Lei do Orçamento
Geral do Estado;
4ª) Semelhante entendimento, além de ilógico, introduziria no sistema jurídico
um mecanismo perverso, gravemente atentatório do princípio da confiança, ínsito
na ideia de Estado de Direito, pelo que a inconstitucionalidade material de tão
abstrusa quanto arbitrária solução normativa decorreria da flagrante violação,
que necessariamente implicaria, do artigo 2º da Constituição da República;
5ª) Não pode, por conseguinte considerar-se tacitamente revogado o artigo 7º,
n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais) pelo simples
facto de não terem sido levadas em conta as obrigações decorrentes do respectivo
comando legal, pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado, aprovadas
durante a sua vigência, que se manteve, sem interrupção, até à entrada em vigor
da nova Lei das Finanças Locais, nº 42/98, de 6 de Agosto;».
6 – O STJ, pelo acórdão ora recorrido, negou provimento à revista, com base
na fundamentação que, na parte, agora, pertinente, se transcreve:
«A questão colocada nas ditas conclusões resume-se, praticamente, na apreciação
do artigo 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87 Lei das Finanças Locais), melhor dito, se
este preceito foi, ou não, tacitamente revogado pela proposta de Lei n.º 75/93,
de 20.12, que rejeitou – e aqui reside a vontade política supra referida – (no
debate na especialidade), duas propostas que visavam a introdução de um artigo
que possibilitasse a atribuição ao Município de Abrantes de uma compensação pelo
não recebimento por parte desse Município do imposto de sisa que, em termos de
normalidade, deveria ter recebido pela constituição a favor da C. de um direito
de superfície sobre dois prédios.
Temos, assim, que houve discussão na Assembleia da República da questão sub
judicie, tendo-se optado e decidido pela não inclusão de tal artigo.
Não estamos, desta forma, perante uma “omissão legislativa” pura, qual lapso
motivado por falta de melhor reflexão ou oportunidade, mas antes perante decisão
política de não atribuição da dita compensação, com as consequências normais de
tal decisão decorrentes, seja, o propósito de revogar o artigo 7º, n.º 7, da Lei
das Finanças Locais.
Acresce, e é certo, o facto de, indubitavelmente, com base no artigo 22º da
Constituição da República, qualquer particular poder solicitar uma indemnização
ao Estado, em caso de verificação de uma omissão legislativa, impondo-se, no
entanto que essa omissão seja ilícita e também culposa.
Mas tal não é bastante.
Na verdade, como este Supremo Tribunal de Justiça já decidiu (cfr. Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2002 publicado na Colectânea de
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 2002, Tomo I, Pg. 86, “I- Do
artigo 22º da C.R.P. resulta também a possibilidade do Estado ser
responsabilizado por omissão de oportuno e capaz exercício da função
legislativa. II- Porém, a existência de tal responsabilidade depende ainda da
verificação dos pressupostos consignados no artigo 483ºdo Código Civil, e bem
assim de outros eventualmente previstos em legislação especial (avulsa).
E se, como referimos, não estamos face a uma “pura” “omissão legislativa”, mas
antes, como se disse, perante uma opção parlamentar (concorde-se, ou não, com
ela), por outro lado, não se mostra também que esses referidos pressupostos
gerais previstos no artigo 483º do Código Civil estejam integralmente
preenchidos.
Sem dúvida que a questão é melindrosa e de não muito fácil resolução.
Porém, analisando, como, de facto, analisámos com todo o pormenor e atenção,
todo o acórdão recorrido, a uma conclusão chegámos: nada temos a censurar, mas
muito pelo contrário, à forma estruturada e escalpelizada, assim como
fundamentada, como o dito acórdão foi produzido. Todas as questões que
importavam ser tratadas, foram abordadas de uma forma sequencial correcta,
expressando uma cadeia de raciocínio adequado, que merece, da nossa parte, uma
adesão absoluta.
De resto o dito acórdão apoia-se na jurisprudência dos nossos mais Altos
Tribunais, quer deste Supremo Tribunal de Justiça, como mesmo do próprio
Tribunal Constitucional. E também nos nossos mais consagrados especialistas em
Direito Constitucional e doutrinadores em geral, que amiudadas vezes, não só são
referidos, como, muitas das vezes até citados, sendo os seus ensinamentos
transcritos como meios justificativos das opções/decisões dos autores do acórdão
recorrido, ora posto à nossa consideração.
A inexistência de qualquer inconstitucionalidade, assim como a conclusão de que
o artigo 7º, n.º 7, da Lei das Finanças Locais foi, tacitamente, revogado, pela
Lei do Orçamento Geral de 1994 – cerne da questão que nos ocupa – foram tratadas
de forma altamente pormenorizada e com toda a razoabilidade e mestria, tendo,
para tanto, assumido especial importância a conclusão (demonstrada) que não
sendo a Lei das Finanças Locais uma lei de “valor reforçado”, nem mesmo
especial, nada obstava a que pudesse ser revogada tacitamente pela Lei do
Orçamento Geral do Estado; e tacitamente, será bom aqui o relevar, porque,
discutida que foi a inclusão, ou não, na dita Lei de um artigo que viabilizasse
a aludida “compensação”, foi decidido que o não seria, decisão essa tomada por
quem tinha o poder de o fazer.
É indiscutível a incompatibilização entre a Lei das Finanças Locais
(nomeadamente o seu artigo 7º nº 7), que meramente é relativa a concelhos, com a
Lei do Orçamento Geral do Estado, que pela sua própria natureza, visa e se
destina a um país inteiro, pelo que não se torna defensável, no nosso
entendimento também, que esta não pudesse revogar aquela, caso fosse esse, como
se demonstrou que foi, a vontade política dos representantes do povo, seja os
deputados.
Finalmente, não é crível que se possa defender que por via dos tribunais se
possa pretender atingir os fins que o próprio poder legislativo, pretendeu, logo
à partida, denegar.».
7 – Notificado desta decisão do STJ, o Autor apresentou, em 24 de Janeiro de
2005, perante esse Tribunal o requerimento do seguinte teor:
«A., A. Nos autos acima referenciados,
- notificado do douto acórdão neles proferido,
- não se conformando com a, aliás, douta decisão proferida,
- sendo certo que ela aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada
durante o processo,
- da mesma pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da
inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida
no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.
O preceito constitucional violado é o do art. 2º da Constituição da República.
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a
constante do artigo 1º da Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, interpretada no
sentido em que o foi, segundo o qual comporta a revogação tácita do artigo 7º,
n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro.
Sem embargo, e porque não foi explicitamente citado esse normativo, único
dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se poder
extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6
de Janeiro – ao abrigo do disposto nos artigos 669º, n.º 1, al. A), do Cód.
Proc. Civil, aplicável ex vi do disposto nos respectivos artigos 716º e 732º,
requer-se o esclarecimento do douto acórdão impugnado, em termos de se indicar
como norma interpretada e aplicada com o indicado alcance, materialmente
inconstitucional, salvo o devido respeito, de comportar e implicar a revogação
tácita do falado art. 7º, nº 7, da Lei das Finanças Locais, a do artigo 1º da
Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro.
Nestes termos, esclarecido que seja o douto acórdão proferido, por ter
legitimidade e estar em tempo, requer a V. Exa. Se digne julgar interposto o
recurso, o qual deverá subir imediatamente, nos autos, com efeito meramente
devolutivo, de harmonia com o disposto no art. 78º, nº 3, do citado diploma
legal.».
8 – Por despacho do relator, no STJ, de 15 de Fevereiro de 2005, foi admitido
o recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal Constitucional.
9 – Notificado deste despacho de admissão do recurso, veio o Autor
apresentar, no STJ, o requerimento do seguinte teor:
«A., A. Nos autos acima referenciados,
- notificado do douto despacho que admitiu o recurso que interpôs para o
Tribunal Constitucional,
- com a devida vénia, vem dizer que não foi tomado em consideração, o pedido de
esclarecimento constante da parte final do respectivo requerimento, feito em
tempo devido, nos seguintes termos
“Sem embargo, e porque não foi explicitamente citado esse normativo, único
dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se poder
extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de
Janeiro – ao abrigo do disposto nos artigos 669º, nº 1, al. A), do Cod. Proc.
Civil, aplicável ex vi do disposto nos respectivos artigos 716º e 732º requer-se
o esclarecimento do douto acórdão impugnado, em termos de se indicar como norma
interpretada e aplicada com o indicado alcance, materialmente inconstitucional,
salvo o devido respeito, de comportar e implicar a revogação tácita do falado
art. 7º, nº 7, da Lei das Finanças Locais, a do artigo 1º da Lei nº 75/93, de 20
de Dezembro.”
Não parece que outra possa ser a norma alegadamente revogatória, senão aquela
que se indicou, interpretada nesse sentido, de cuja inconstitucionalidade se
reclama.
Como, porém, o douto acórdão recorrido a não mencionou explicitamente, e atento
o disposto no art. 75º-A, n.º 1, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional,
entende o ora Requerente que, salvo o devido respeito, pode e deve esse Alto
Tribunal pronunciar-se sobre o requerido esclarecimento.
Aliás, na conclusão do anterior requerimento, expressou-se o ora Requerente com
bastante clareza:
“Nestes termos, esclarecido que seja o douto acórdão proferido, por ter
legitimidade e estar em tempo, requer a V Exa se digne julgar interposto o
recurso, o qual deverá subir imediatamente, nos autos, com efeito meramente
devolutivo, de harmonia com o disposto no art. 78º, n.º 3, do citado diploma
legal.”
Decerto por lapso, mau grado ter sido cumprido o disposto no art. 670º, n.º 1,
do Cód. Proc. Civil, esse esclarecimento não foi feito, podendo ainda ter lugar,
sem prejuízo do douto despacho de admissão do recurso, por ser independente
dele, visando apenas um esclarecimento complementar da fundamentação do douto
acórdão proferido, cujo conteúdo decisório não é afectado.».
10 – Apreciando o pedido de aclaração formulado pelo Autor, o STJ proferiu,
em 19 de Abril de 2004, o acórdão do seguinte teor:
«A. veio, para além de interpor recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão de fls. 948 e segs., pedir o esclarecimento do mesmo acórdão, em termos
de ser expressamente indicada e citada a norma da Lei n.º 75/93, de 20.12,
“único dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se
poder extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87,
de 6 de Janeiro”.
Faz este pedido ao abrigo do prescrito no artigo 669º, n.º 1, al. A) do Código
Processo Civil.
Porém, nos termos do artigo 666º, n.º 1, do Código Processo Civil “proferida a
sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à
matéria da causa”, referindo o seu n.º 2 que “ é lícito, porém, ao juiz
rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na
sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.
E prescreve o artigo 669º do mesmo diploma, a propósito da possibilidade de
esclarecimento ou reforma da sentença, que:
“1. Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
9 O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela
contenha;
Ora será neste quadro legal que importará apreciar da bondade do requerido.
Constata-se, então, que nenhuma obscuridade ou ambiguidade se verificam no
acórdão recorrido, que é absolutamente claro, mesmo linear, tendo-se nele
aderido, inteiramente, à decisão e correspondente fundamentação do acórdão
proferido pela Relação, pelo que, obviamente nada haverá a esclarecer ou a
reformar.
O acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja
ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste a interpretações
diferentes.
Este o entendimento da nossa jurisprudência, bem expressa, por exemplo, no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.3.1995, publicado no Boletim do
Ministério da Justiça nº 445º, 388.
Entende o requerente que se deveria ter citado com precisão o artigo 1º da Lei
n.º 75/93, cuja inconstitucionalidade se pretende venha a ser apreciada, já que
no acórdão recorrido apenas se referiu a Lei n.º 75/93 como “normativo” que
tacitamente terá revogado o artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 (Lei das Finanças
Locais), cerne da questão.
É certo que tal preceito não foi citado de forma expressa, antes se referindo,
meramente, a Lei nº 75/93.
No entanto, também não é agora possível fazê-lo, porquanto tal facto não
constitui qualquer obscuridade ou ambiguidade, sendo certo que está esgotado o
poder jurisdicional deste tribunal.
Porém, o interessante é que o requerente nas suas alegações de recurso, também
nunca referiu, com precisão, o dito artigo, antes argumentando, tão só, com
referências à Lei n.º 75/93.
Em suma: jamais esse preceito foi expressamente invocado por quem agora invoca a
necessidade da sua inequívoca explicitação…
Assim ACORDAM, em conferência, os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em
indeferir ao requerido.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi atribuído».
11 – Como resulta do acima exposto, o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional foi admitido por despacho do relator, no STJ. Todavia, como se
diz no n.º 3 do art. 76º da LTC, este despacho não vincula o Tribunal
Constitucional. E porque se configura uma situação que se enquadra na hipótese
recortada no n.º 1 do art. 78º-A da LTC, passa a proferir-se imediatamente
decisão sobre o recurso.
12 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º,
n.º 1, da LTC. Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se
necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma
impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que
a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este
requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal
(veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de
6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º
155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995).
É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente
idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades,
pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de
decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou
modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter
pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da
República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República
II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República
II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º
vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
Por outro lado, recorde-se que no direito constitucional português vigente,
apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada
em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996, e J.
J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina,
Coimbra, 1998, p. 821), com exclusão dos actos de outra natureza,
designadamente, das decisões judiciais em si mesmas.
Assim, se a norma que se pretende ver apreciada corresponde apenas a uma
dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, exige-se, pelo menos, que se
enuncie ou se deixe clara tal interpretação. Como este Tribunal afirmou, por
exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Diário da República II Série, de 21 de Junho de
1995), impõe-se que o recorrente tenha “(…) indicado (…) o segmento de cada
norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em
suma – que [tem] por violador da Constituição”.
De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara
e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República,
II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma
certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa
interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme
com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o
tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários
daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em
causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.
13 – Ora, face ao exposto, resulta que o recorrente devia ter suscitado “durante
o processo”, entendido este requisito nos termos acima expostos, a questão de
inconstitucionalidade, por violação do disposto no art. 2º da Constituição, “da
norma do art. 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, interpretada no sentido de
a mesma estatuir uma revogação tácita do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6
de Janeiro”, cuja apreciação agora pretende do Tribunal Constitucional.
Todavia, o recorrente apenas identificou essa norma do art. 1º da Lei n.º 75/93
como constituindo a norma a cuja aplicação imputa a solução do caso, e que apoda
como sendo desconforme com o disposto no art. 2º da Constituição, no
requerimento em que pediu a aclaração do acórdão que lhe negou a revista
interposta do acórdão da Relação de Lisboa.
Por outro lado – e independentemente da correcção do entendimento jurídico
adoptado pelas instâncias, de tomar como possível, juridicamente, o
estabelecimento de uma estatuição de uma revogação tácita da norma do art. 7º,
n.º 7, da referida Lei n.º 1/87, com base apenas na actuação adoptada pelo
legislador parlamentar nos trabalhos de discussão que conduziram à aprovação da
Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o
ano de 1994) – constata-se que nem, sequer, o acórdão recorrido (aliás, na
esteira do acórdão da Relação que sindicou) identificou essa norma, tida por
inconstitucional, como constituindo a norma revogatória do regime constante do
art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87.
Todo o discurso argumentativo desenrolado pelas instâncias – e ao qual o acórdão
recorrido aderiu – é no sentido de a estatuição normativa revogatória decorrer
da concreta atitude que o legislador parlamentar tomou na discussão da Lei que
veio a aprovar o Orçamento do Estado para o ano de 1994.
Quer dizer que nem tão pouco se pode entender que o acórdão recorrido haja
considerado que a estatuição normativa de revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei
n.º 1/87 se mostra estabelecido em uma norma, concretamente precisada, da Lei
n.º 75/93 ou sequer em um conjunto da suas normas.
Foi precisamente por se ter dado conta que lhe faltava a identificação de uma
norma constante de um diploma legal cujo conteúdo normativo prescrevesse a
revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, que pudesse constituir o objecto
do recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor que o ora recorrente
lançou mão do pedido de aclaração acima transcrito.
Só que o STJ entendeu que – bem ou mal decidida a causa – nada havia a aclarar
no discurso que ditara a sua solução.
Sendo assim, verifica-se que o recorrente nunca suscitou a questão da
inconstitucionalidade da referida norma do art. 1º da Lei n.º 75/93 e,
consequentemente, que esta não pode constituir objecto do presente recurso.
Por outro lado, não podem tomar-se como constituindo objecto do recurso de
constitucionalidade todos os preceitos que integram a Lei n.º 75/93, pois que
estes dispõem sobre as mais variadas matérias, envolvendo, entre o mais, quer a
autorização anual para a cobrança dos impostos previstos na lei e a realização
das despesas previstas nos diversos mapas que integram o Orçamento, quer a
alteração ou o aditamento de normas fiscais, de natureza substantiva ou
adjectiva, quer a concessão de autorização de endividamento público, etc.
Deste modo, não pode ver-se em todo o leque de normas que integram a Lei n.º
75/93 a estatuição revogatória do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 cuja
constitucionalidade o recorrente pretende sindicar.
14 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar
conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia), com
taxa de justiça que se fixa em 8 Ucs».
3 – Como fundamentos da sua reclamação, o reclamante aduz a seguinte
argumentação:
«A., Recorrente nos autos acima referenciados,
- notificado da douta decisão sumária, que antecede, da mesma reclama para a
conferência, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3, da Lei Orgânica do
Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Na sua primitiva redacção, a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei de
Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, remetia a tramitação do
recurso em processos de fiscalização concreta para “as normas do Código de
Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (art. 69º).
Para tentar obviar ao abuso verificado na interposição de recursos para o
Tribunal Constitucional (no exercício, aliás, embora exaustivo, do legítimo
direito de defesa, que não resultaria prejudicado, estancando-se o abuso, se se
adoptasse o regime de subida imediata, em separado, e com efeito meramente
devolutivo) – a Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, introduziu alterações,
nomeadamente consubstanciadas nos requisitos definidos no art. 75º-A, que
aditou.
A razão de ser da necessidade de indicação da norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie e da
norma ou princípio constitucional que se considera violado prende-se com aquele
escopo, e traduz-se na imposição de uma metodologia de rigor, tendente a
disciplinar a interposição dos recursos, por forma a impedir, logo à partida,
recursos manifestamente inviáveis e infundados, que não assentam, numa
justificada arguição de inconstitucionalidade de concretas normas jurídicas.
Ilustrando, insofismavelmente, a natureza metodológica, ou o carácter
instrumental, dessas indicações, a levar em conta no requerimento de
interposição do recurso, o n.º 5 do art. 75º-A, citado, prescreve que, “se o
requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos
previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa
indicação no prazo de 10 dias”.
E, mais, preceitua o respectivo n.º 6 que “o disposto nos números anteriores
é aplicável pelo relator no Tribunal Constitucional, quando o juiz ou o relator
que admitiu o recurso de constitucionalidade não tiver feito o convite referido
no n.º 5” (redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
E só “se o requerente não responder ao convite efectuado pelo relator no
Tribunal Constitucional, o recurso é logo julgado deserto” (n.º 7).
Ou seja, para começar, e salvo o devido respeito, não foi observado o
disposto no n.º 6 do art. 75º-A da Lei de Organização e Funcionamento do
Tribunal Constitucional – o que tem como consequência a prática de nulidade
processual, que assim, deste modo, expressamente se invoca, pela omissão de acto
que a lei prescreve, susceptível de influir no exame ou na decisão de causa
(arts. 69º, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, e
201º, n.º 1; e 205º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.).
Curiosamente, porém (ou nem tanto!), se tivesse sido observado, como cumpria,
o disposto no art. 75º-A, n.º 6, da Lei da Organização e Funcionamento do
Tribunal Constitucional, o Recorrente teria de repetir aquilo que já disse no
requerimento de interposição do recurso.
“A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da
inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida
no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.
O preceito constitucional violado é o do art. 2º da Constituição da
República.”
Ou seja, o que é espantoso:
O requerimento de interposição do recurso observa inteiramente os requisitos
exigidos pelo citado artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da Lei de Organização e
Funcionamento do Tribunal Constitucional.
Com efeito, também dele consta, ipsis verbis, o seguinte:
“A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da
inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida
no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.”
Na verdade, também, nas conclusões da alegação do recurso da revista ficou
consignado, também ipsis verbis, o seguinte, com destaque para o teor da 4ª
Conclusão, que se sublinha:
“1ª) Ao contrário do que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 30 de Outubro de 1996 (B.M.J./460º/753), não é possível
considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem
jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que
tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade
entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule
toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código
Civil;
2ª) Muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão adoptado,
segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma norma legal,
pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva Lei de
aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma decorrentes,
com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido
expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma
Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela
incompatíveis, que importassem a sua revogação tácita;
3ª) Seria bizarro admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a
possibilidade de que uma norma legal fosse objecto de revogação tácita,
sucessivamente, por sucessivas leis, nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do
Estado, repristinando-se, e renascendo das cinzas, como a Fénix, logo a seguir,
retomando a sua vigência no preciso momento em que seria tacitamente revogada,
isto é, no momento do início da vigência de cada respectiva Lei do Orçamento
Geral do Estado;
4ª) Semelhante entendimento, além de ilógico, introduziria no sistema
jurídico um mecanismo perverso, gravemente atentatório do princípio da
confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, pelo que a
inconstitucionalidade material de tão abstrusa quanto arbitrária solução
normativa decorreria da flagrante violação, que necessariamente implicaria, do
artigo 2º da Constituição da República;”
Mas, o que vem a ser a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade que
há-de ter sido suscitada?
Responde o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 306/92, de 29 de Setembro
de 1992 (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 23º/283): são as “questões de
inconstitucionalidade ou ilegalidade implicadas nas decisões recorridas”.
Segundo doutrinou também o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 132/98, de
5 de Fevereiro de 1998 (“Boletim do Min. Justiça, 474º/76) “a
inconstitucionalidade de uma norma só se suscita ‘durante o processo quando tal
se faz em termos e em tempo de o tribunal recorrido poder decidi-la”.
E, segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 115/98, de 4 de Fevereiro
de 1998 (“Boletim do Min. Justiça, 474º/31), para se considerarem preenchidos os
pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, fundado na
alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, “basta que o tribunal a quo
tenha aplicado de forma implícita a norma cuja constitucionalidade fora
suscitada durante o processo”.
Ora, o tribunal a quo aplicou implicitamente uma norma, isto é, um preceito
de Direito, uma disposição legal, uma regra jurídica, contida na Lei do
Orçamento Geral do Estado para o Ano de 1994, que interpretou no sentido de que
tal normativo implicaria a revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei das Finanças
Locais, ao tempo em vigor.
E o Recorrente, na verdade, não tem feito outra coisa que não seja suscitar a
questão da inconstitucionalidade de tal entendimento normativo.
Logo na alegação de Direito, oferecida em 1ª instância:
“Salvo o devido respeito, a artificiosa construção engendrada pelo acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1996, não só carece, portanto,
de qualquer base legal, como é manifestamente repudiada pelas normas que
disciplinam a matéria cessação da vigência da lei.
Mesmo, porém, que, ressalvado sempre o devido respeito, tão obnóxio
procedimento legislativo se mostrasse formalmente admissível, revelar-se-ia
seguramente incompatível com o princípio da confiança, “ínsito na ideia de
Estado de Direito democrático (ac. Trib. Const., citado, BMJ 421º, pág. 110) –
do mesmo passo que atentaria contra o princípio da proibição do arbítrio, que
“constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos
poderes públicos” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República
Portuguesa Anotada”, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 127).
Decerto que esse hipotético procedimento, fazendo lei, derrogando-a, e
tornando imediatamente a fazê-la, para de novo a derrogar, tudo por entre um
silêncio tão eloquente quanto florentino, violaria incontornavelmente os
“limites externos da discricionariedade legislativa”, configurando “infracção do
princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio”, por se tornar manifesto
que “a medida legislativa não tem adequado suporte material” (ibidem) – com a
consequente inconstitucionalidade material desses ínvios expedientes
derrogatórios…”
Depois na alegação da apelação, na respectiva conclusão 5ª:
“5º) Admitir a revogação tácita e instantânea e imediata repristinação de
qualquer das normas da Lei das Finanças Locais, por efeito da sua inobservância
pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado significaria admitir a
violação do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito
democrático, afrontando directamente o artigo 2º da Constituição da República,
do qual decorre a inconstitucionalidade material de tão abstrusa solução
normativa;”
Afirmar-se, pois, que a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada
pelo Recorrente, salvo o devido respeito, não é exacto.
Ius novit úria: quem tinha tido obrigação de especificar o numerozinho do
artigo era o Tribunal, eram as instâncias.
Precipitando aquele princípio do conhecimento oficioso do Direito pelo
Tribunal, o art. 664º do Cód. Proc. Civil dispõe que “o juiz não está sujeito às
alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das
regras do Direito”.
Portanto, salvo no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional, por exigência do artigo 75º-A, n.º 1, da Lei de Organização e
Funcionamento do Tribunal Constitucional, quem deveria ter indicado com precisão
e rigor a norma aplicada, por referência a artigos de lei, e à interpretação de
preceitos neles contidos, eram as instâncias, que o não fizeram, e não o
Recorrente, que o fez, quando da lei para ele resultou a obrigação de o fazer.
O pedido de esclarecimento do acórdão recorrido fê-lo o Recorrente, de boa
fé, porque nestes autos má fé processual não se poderá vislumbrar na postura do
Recorrente!
Mas não era obrigado a fazê-lo.
E não foi nesse momento, como é bom de ver, que se suscitou a questão da
inconstitucionalidade.
De resto, quando as instâncias falam, genericamente, na revogação da Lei das
Finanças Locais pela Lei do Orçamento Geral do Estado, em globo, talvez
enquadrem melhor a questão do que o fez o Recorrente, ao indicar como norma
ferida de inconstitucionalidade aquela que aprovou o Orçamento.
Na verdade, porque se trata, se tratará, ou se trataria, de revogação tácita,
como é óbvio, o sentido revogatório há-de resultar de todo o conjunto normativo,
e não apenas de uma específica norma, desligada de todas as outras.
A declaração é tácita “quando se deduz de factos que, com toda a
probabilidade, a revelam” (art. 217º, n.º 1, do Cód. Civil).
Por conseguinte, e salvo o devido respeito, contrariamente ao que se sustenta
na douta decisão de que se reclama, por se tratar de revogação tácita, embora o
preceito de cuja interpretação se pode extrair o sentido revogatório haja de
ser, necessariamente, aquele que no requerimento de interposição do recurso se
indicou, que aprovou o Orçamento, só a sua leitura à luz de todo o conteúdo, não
só do Orçamento aprovado, mas também de todos os demais normativos contidos na
Lei do Orçamento Geral do Estado, permitirá fundar a interpretação, que
prevaleceu, no sentido de ter operado a pretendida revogação tácita.
O Recorrente, calejado pela vida, não mantém mais ingenuidades, de espécie
nenhuma.
Sente-se assim como se estivesse a ser estrangulado, na antecâmara…
Mas há-de morrer na rua, e de pé!
CONCLUINDO:
1º) No requerimento de interposição do recurso, observaram-se todos os
requisitos exigidos pelo art. 75º-A da Lei de Organização e Funcionamento do
Tribunal Constitucional.
2º) Nomeadamente, indicou-se a norma legal cuja interpretação no sentido de
ter importado a revogação tácita do artigo 7º, n.º 7, da Lei das Finanças
Locais, reputa de inconstitucional, e referiu-se a peça processual na qual a
inconstitucionalidade foi suscitada, mencionando-se, especificadamente, a
conclusão da alegação do recurso de revista que expressamente a suscita;
3º) Não era o Recorrente obrigado antes a ter precisado qual o artigo de lei
cuja interpretação e aplicação, feita pelas instâncias, argui de
inconstitucionalidade;
4º) Quem o deveria ter feito era o Tribunal, as instâncias, que conhecem
oficiosamente do Direito, como se estabelece no art. 664º do Cód. Proc. Civil;
5º) Se não o fizeram, e se o Recorrente o fez, na altura própria, isto é, na
peça processual em que a lei imperativamente o obrigava a fazê-lo, decidir, como
se decidiu, não tomar conhecimento do recurso, constitui, salvo o devido
respeito, procedimento que não releva do velho adágio Summum ius, summa iniuria,
porque se traduz, pura e simplesmente, em summa iniuria;
6º) Ademais, tão-pouco foi observado, como cumpria, o disposto no art. 75º-A,
n.º 6, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional –
omissão essa, de acto que a lei impõe, manifestamente susceptível de influir no
exame e decisão da causa, pelo que é nula a douta decisão reclamada, nos termos
resultantes das disposições conjugadas dos arts. 69º da Lei da Organização e
Funcionamento do Tribunal Constitucional; 201, n.º 1, e 205º, n.º 1, do Cód.
Proc. Civil.
Termos em que anulada ou revogada que seja a douta decisão sumária de que se
reclama, deve o recurso ser admitido, seguindo-se os demais termos para se
fazer».
4 – Posteriormente à dedução da reclamação, o reclamante juntou aos autos
dois pareceres jurídicos e requereu ao Presidente do Tribunal Constitucional o
julgamento da reclamação por parte do Plenário do Tribunal, tendo esse pedido
sido indeferido.
5 – O Ministério Público respondeu, defendendo a improcedência da reclamação,
nos termos seguintes:
«1 – A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, em nada abalando os
fundamentos da decisão reclamada.
2 – Importa, desde logo, diferenciar claramente os planos dos pressupostos do
recurso e dos requisitos formais do requerimento de interposição – sendo
evidente que a decisão reclamada assenta na inverificação dos pressupostos do
recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, pelo que se não compreende a pretensão de ser formulado um
convite ao aperfeiçoamento de deficiências ou insuficiências formais do
requerimento de interposição do recurso.
3 – Ora, tendo a fiscalização da constitucionalidade carácter estritamente
“normativo”, é evidente que cumpria ao recorrente o ónus de ter suscitado,
durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretendia
submeter ao Tribunal Constitucional, identificando adequadamente tal questão,
naturalmente por referência aos preceitos legais que serviam de suporte à
“norma” questionada.
4 – Não constituindo objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta a
imputação de inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ao
procedimento político-legislativo que culminou na derrogação pela Lei do
Orçamento de Estado de certa norma constante de precedente Lei das Finanças
Locais.
5 – E sendo certo que, em rigor, terá sido esta a perspectiva seguida pelo
recorrente, durante o processo, e acolhida pelos acórdãos proferidos na ordem de
tribunais judiciais – em que a derrogação da norma do artigo 7º, n.º 7, da Lei
das Finanças Locais aparece conexionada e como meramente consequencial do acto
político de aprovação do Orçamento Geral de Estado do ano de 1994 pela
Assembleia da República.
6 – Não cumprindo obviamente ao Tribunal Constitucional sindicar da possível
“inconstitucionalidade” de actos políticos ou de certo procedimento legislativo
concretamente seguido pelo órgão parlamentar, é inidóneo o objecto do recurso
interposto».
Cumpre decidir.
B – Fundamentação
6 – E cumpre começar pela apreciação da questão de nulidade imputada à
decisão sumária reclamada. Para o reclamante, esta decisão seria nula, de acordo
com o disposto nos art. 201º, n.º 1, e 205º, n.º 1, do Código de Processo Civil,
aplicáveis ao processo constitucional por mor do disposto no art. 69º da LTC,
porque o relator teria omitido o convite a que se referem os nºs 5 e 6 do seu
art. 75º-A, para este indicar o preceito legal cuja inconstitucionalidade
pretende ver apreciada.
Mas não tem razão. A deficiência a cujo suprimento aludem os nºs 5 e 6 do
art. 75º-A da LTC é a que se traduz na falta de indicação, no requerimento de
interposição de recurso, da norma cuja inconstitucionalidade o recorrente
pretende ver apreciada.
Ora, no caso em questão está não a falta de indicação dessa norma no
requerimento de interposição do recurso, onde, ao contrário, ela se mostra
identificada como sendo o artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, mas a
falta de suscitação em tempo e por modo adequados da questão de
inconstitucionalidade da norma que, por interpretação, foi extraída pelo
recorrente de tal preceito de direito positivo e cuja inconstitucionalidade
pretende ver apreciada.
Enquanto aquela deficiência se traduz num vício do requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, susceptível de ser sanado, já
esta omissão encarna a falta de cumprimento de um pressuposto específico do
recurso de constitucionalidade, não passível de sanação – o ónus de adequada e
atempada suscitação da questão de constitucionalidade – mas tão só de dispensa,
na hipótese de o recorrente ser surpreendido com uma interpretação insólita ou
imprevisível da decisão recorrida, o que seguramente não é o caso.
Conclui-se, portanto, que não ocorre a arguida nulidade processual que
pudesse contaminar subsequentemente a decisão sumária.
7 – Ao contrário do que o reclamante argumenta, não pode considerar-se que
tenha suscitado adequadamente, maxime, nas alegações para o STJ, a questão de
inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, lei esta
que aprovou o Orçamento do Estado para 1994, na interpretação segundo a qual
dele consta “a revogação tácita do artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de
Janeiro”.
Nesta perspectiva a fundamentação da decisão reclamada merece ser acompanhada
e reiterada.
Face, todavia, ao teor da reclamação importa, todavia, deixar mais algumas
notas.
A primeira é a de que o reclamante, no recurso para o STJ – e como se
constata pelo teor das conclusões das suas alegações, que acima se deixaram
transcritas – se limitou apenas a defender que: (i) “não é possível
considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem
jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que
tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade
entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule
toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código
Civil”; (ii) “muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão
adoptado, segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma
norma legal, pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva
Lei de aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma
decorrentes, com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido
expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma
Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela
incompatíveis, que importassem a sua revogação tácita” e (iii) “seria bizarro
admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a possibilidade de que uma norma
legal fosse objecto de revogação tácita, sucessivamente, por sucessivas leis,
nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do Estado, repristinando-se, e renascendo
das cinzas, como a Fénix, logo a seguir, retomando a sua vigência no preciso
momento em que seria tacitamente revogada, isto é, no momento do início da
vigência de cada respectiva Lei do Orçamento Geral do Estado” [conclusões a), b)
e c)].
A posição do reclamante foi, pois, a de que inexistia na ordem jurídica
qualquer preceito legal donde pudesse ser inferida uma norma cujo sentido fosse
o da revogação, mesmo que tácita, da norma constante do preceito do artigo 7º,
n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.
Só ao ter equacionado a admissibilidade de uma tese contrária à sua, é que o
reclamante se limitou a afirmar: “semelhante entendimento, além de ilógico,
introduziria no sistema jurídico um mecanismo perverso, gravemente atentatório
do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, pelo que a
inconstitucionalidade material de tão abstrusa quanto arbitrária solução
normativa decorreria da flagrante violação, que necessariamente implicaria, do
artigo 2º da Constituição da República”.
Se é verdade que não merece discussão que, de acordo com o velho aforismo
latino jus novit úria, o tribunal conhece oficiosamente do direito, por força da
natureza da função jurisdicional (o tribunal dita o direito para o caso concreto
em litígio), e que o acórdão da Relação, então recorrido para o STJ não
identificava qualquer preceito legal ao qual imputasse a norma de revogação da
norma constante do art. 7º. Nº 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro – sendo até
que, como se diz na decisão sumária, tal aresto é até “no sentido de a
estatuição normativa revogatória decorrer da concreta atitude que o legislador
parlamentar tomou na discussão da Lei que veio a aprovar o Orçamento do Estado
para o ano de 1994” e que “nem tão pouco se pode entender que o acórdão
recorrido haja considerado que a estatuição normativa de revogação do art. 7º,
n.º 7, da Lei n.º 1/87 se mostra estabelecido em uma norma, concretamente
precisada, da Lei n.º 75/93 ou sequer em um conjunto da suas normas –
verifica-se, igualmente, que não logrou, também, o recorrente suprir, então, ou,
tão pouco, demandar do tribunal ad quem, a identificação da disposição legal em
cujo texto se pudesse colher a norma revogatória, de modo a poder questionar a
sua validade constitucional, quer perante esse tribunal ad quem, quer,
posteriormente, perante o órgão jurisdicional de fiscalização concentrada de
constitucionalidade.
Ora, tal atitude era, seguramente, de se lhe exigir, tanto mais que, no
acórdão da Relação, se considerara que a referida Lei n.º 75/93, de 20 de
Dezembro, revogara o art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, em cuja
falta de cumprimento o recorrente fundara o pedido de indemnização, sem que, na
mesma decisão, se identificasse o preceito de tal lei que condensava tal
estatuição revogatória e ao qual o mesmo recorrente imputava o vício de
inconstitucionalidade. Nesta perspectiva, não pode considerar-se, para efeitos
de dispensar o recorrente do cumprimento do ónus de atempada e adequada
suscitação da questão de inconstitucionalidade, que a posição do acórdão do STJ,
de continuar a não identificar o preceito revogatório, possa ter-se por
imprevisível ou “insólita”.
A indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no
nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de
constitucionalidade, não podendo ter-se por adequadamente suscitada uma questão
de constitucionalidade sem uma tal identificação, em virtude de, no nosso
sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas, poderem
constituir objecto do recurso normas jurídicas que estejam recortadas em
disposições ou preceitos que resultem do exercício de um poder normativo
(conceito funcional de norma).
A este respeito, escreveu-se no Acórdão n.º 90/05, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, o seguinte, que aqui se reitera:
“[…] só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma
jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas
jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que, o intérprete
não pode considerar ‘o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso’ e deve
presumir ‘que o legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados’” (itálico nosso).
E no Acórdão n.º 531/05, disponível no mesmo site, disse-se, dentro da mesma
linha, o seguinte, que aqui também se renova:
“[…] em sede de recurso de constitucionalidade, “a norma sujeita a
fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição
(artigo, base, número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que
ela há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p.
166). Não pode, pois, no caso vertente, em que não houve sequer indicação do
preceito legal em causa, ter-se por observado o ónus de suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade”.
A identificação da base legal à qual se imputa a norma cuja
constitucionalidade se pretende ver apreciada é, pois, um momento insuprível do
controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se essa base
legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta como
idónea a suportar esse sentido (cf. Neste sentido, o Acórdão n.º 416/03,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57º vol., p. 279).
E não se argumente que uma tal determinação, funcionalmente orientada para o
recurso de constitucionalidade, se deve ter por desnecessária com base no
argumento de a Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro ter a natureza de uma Lei
Orçamental e de a falta de previsão da verba orçamental cujo pagamento o ora
recorrente reclama, à qual se imputa a revogação do regime constante do art. 7º,
n.º 7, da Lei n.º 1/87, se poder constatar, imediatamente, da norma do seu
artigo 1º, onde se confere a autorização orçamental para cobrar as receitas
previstas nas diversas leis e para realizar as despesas previstas no Orçamento
[Diz esse preceito o seguinte: “É aprovado pela presente lei o Orçamento do
Estado para 1994, constante dos mapas seguintes…”].
Todavia, quando muito, o que pode dizer-se é que essa norma enuncia o que,
segundo o art. 105º, o Orçamento do Estado para 2004 deve conter: a
descriminação das receitas e despesas desse ano fiscal. Mas daí – da simples
omissão da previsão de uma verba como despesa consignada para o pagamento de uma
compensação ao Município de Abrantes pela isenção do imposto de sisa, concedida
pela administração fiscal – a ter qualquer aplicador do direito, e dentre deles
o Tribunal Constitucional, de inferir, insofismavelmente, uma estatuição
revogatória do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 vai um grande passo. A omissão de
previsão de uma despesa, no Orçamento, não tem de ter, necessariamente, um
sentido revogatório da norma que prevê a necessidade pública a satisfazer,
podendo ter, antes, uma outra justificação, como a de corresponder a uma simples
opção política do legislador de, nesse ano fiscal, não dar satisfação a essa
específica necessidade pública. Ora, não cabe seguramente na competência do
Tribunal Constitucional determinar qual, entre esses dois ou mais sentidos
possíveis, se mostra corporizado na norma.
Por outro lado, não pode desconhecer-se que as leis orçamentais – e a que
está em causa não escapa à regra – são, na linguagem de certa doutrina, “leis
complexas”, “porque paralelamente aos preceitos meramente autorizativos da
cobrança de receitas e da efectivação de despesas (lei formal orçamental),
outros nela figuram que modificam determinados impostos ou fixam regras para a
sua liquidação e cobrança (lei material tributária)”, surgindo estes assim como
“cavaliers budgétaires” (cf. Acórdão n.º 358/92, publicado no Diário da
República I Série-A, de 26 de Janeiro de 1993).
Ora, uma norma que revogasse o direito dos municípios de serem compensados
pela concessão de isenção de impostos cuja arrecadação constituem receitas
locais, como a constante do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, não poderia deixar
de ser incluída nesta segunda espécie de normas orçamentais. Sendo assim, não
poderia ser distraído da norma formal orçamental, constante do referido artigo
1º, tal efeito revogatório.
De qualquer modo, esse é um problema que só o acórdão recorrido poderia ter
resolvido, por dizer respeito à determinação do direito infraconstitucional que
constitui o objecto do recurso de constitucionalidade. Dito de outro modo, a
apreciação da argumentação do recorrente, tendente a demonstrar que o objecto do
recurso de constitucionalidade (a norma jurídica corporizada em certo preceito
legal) apenas se poderia cingir a essa norma, envolveria o controlo, por parte
do Tribunal Constitucional, da correcção da actividade interpretativa que o
tribunal a quo levou ou deveria ter levado a cabo, que não cabe nos seus poderes
de cognição.
Temos, portanto, de concluir não poder considerar-se ter o recorrente
suscitado adequadamente a questão de inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, como se concluiu na Decisão
Sumária reclamada.
8 – Mas independentemente das razões esgrimidas na Decisão Sumária reclamada,
outra existe que conduz ao mesmo resultado, do não conhecimento do recurso de
constitucionalidade, sendo certo que a conferência não se encontra limitada ao
simples reexame dos fundamentos da decisão reclamada. Enquanto concernente aos
pressupostos do recurso de constitucionalidade, a matéria pode ser conhecida
independentemente de reclamação, como decorre do disposto no art. 77º, n.º 4,
entendido conjugadamente com o disposto no art. 76º, nºs 2 e 3, todos da LTC.
É que o acórdão recorrido, depois de considerar que a responsabilidade civil
do Estado se encontra prevista no artigo 22º da CRP e que nela se inclui a
“indemnização […], em caso de verificação de uma omissão legislativa,
impondo-se, no entanto que essa omissão seja ilícita e também culposa”, ajuizou,
também, que “[…] a existência de tal responsabilidade depende ainda da
verificação dos pressupostos consignados no artigo 483º do Código Civil, e bem
assim de outros eventualmente previstos em legislação especial (avulsa), e que
“não se mostra também que esses referidos pressupostos gerais previstos no
artigo 483º do Código Civil estejam integralmente preenchidos”.
Ora, não vindo impugnado, sob o prisma da constitucionalidade, o entendimento
deste artigo 483º do Código Civil – na acepção que foi aplicada, e segundo a
qual, a responsabilidade civil do Estado, fundada na omissão de previsão
orçamental de uma verba que compensasse a isenção de sisa, concedida pela
administração fiscal, de acordo com o disposto no art. 7º, n.º 7, da Lei n.º
1/87, responsabilidade essa a que alude o art. 22º da Constituição se encontra
sujeita aos pressupostos da ilicitude e da culpa e que estes não se verificam –
constata-se que seria inútil o juízo de constitucionalidade que o Tribunal
Constitucional eventualmente viesse a tirar, por insusceptível de fundar uma
reforma da decisão recorrida.
Dada a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, traduzida na
possibilidade de determinar a reforma da decisão recorrida, a utilidade do seu
conhecimento constitui um dos seus pressupostos específicos. Faltando ele, não
há que tomar conhecimento do recurso.
Deste modo, também por esta razão falece a reclamação.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs, e sem
prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 8 de Março de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Manuel Carneiro da Frada, Uma «terceira via» no Direito da Responsabilidade
Civil?, Almedina, 1997, pág. 15.
[2] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra Editora, 1989,
pág. 194.
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 8ª edição, Almedina, 1994, pág.
532.
[4] Dimas de Lacerda, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Revista
do Ministério Público, ano VI, vol. 21, 1995, págs. 44-45.
[5] Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993,
pág. 63.
[6] Neste sentido Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. II, 3ª
edição, Coimbra, 1996, pág. 375.
[7] In CJ, III, pág. 91 e ainda, Acs. 5T J de 7.2.2002, in CJSTJ, Ano X, I, pág.
86, (Relator Oliveira Barros; de 24.04.94, in BMJ 434º-396 (Relator Mário
Cancela); de 30.01.97, in CJSTJ, IV- T1, pág. 107 (Relator Nascimento Gomes).
[8] Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos
Legislativos, Coimbra, 1992, pág. 93.
[9] ob. cit., págs. 93-94.
[10] ob. cit., pág. 109
[11] ob. cit., pág. 109
[12] Marcelo Rebelo de Sousa, Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos de
Saúde: Culpa do Agente ou Culpa da Organização?, in Direito da 5aúde e Bioética,
obra colectiva, AAFDL, 1996, págs.161-163.
[13] ob. cit., pág. 163.
[14] Dimas de Lacerda, ob. cit., pág. 75.
[15] Neste sentido, ainda, Maria Lúcia Pinto Correia, in Responsabilidade do
Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra, 1998, pág. 423.
[16] Maria Lúcia Pinto Correia, ob. cit., pág. 423.
[17] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2ª edição 1988,
pág. 401 e 402.
[18] Gomes Canotilho, A lei do Orçamento na teoria da lei, Estudos em Homenagem
ao Prof. Teixeira Ribeiro, BFDC, II, pág. 558.
[19] Ac. TC de 11.11.92, Relator António Vitorino, publicado no DR de 26.01.93
(vide in www.dgsi.pt).
[20] Ac. TC de 11.11.92 citado.
[21] Ac. TC de 11.11.92 citado.
[22] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito
Civil, I vol., pág. 45.
[23] Neste sentido vide Teixeira de Abreu, Curso de Direito Civil, vol. I,
Introdução, págs. 111 e segs.
[24] Neste sentido e em caso idêntico, vide Ac. RP de 18.4.1996, Relator Alves
Velho, in www.dgsi.pt, confirmado pelo Ac. STJ de 31/10/1996, Relator Nascimento
Costa, in BMJ 460º-752.
[25] Gomes Canotilho, A lei do Orçamento na Teoria das Leis, Estudos em
Homenagem ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, BFDC, II, 1979, pág. 576.