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Processo n.º 1070/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Santo Tirso vem, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), reclamar contra o despacho, de 14 de Maio de 2004, de não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional que aquele magistrado interpusera, ao abrigo da alínea a) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC, contra a sentença de 3 de Maio de 2004 do Juiz do Círculo Judicial de Santo Tirso, com fundamento em esta haver recusado a aplicação das normas dos artigos 233.º, n.ºs 1, alínea a), e 4, 236.º, n.ºs 1 e
2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º do Código de Processo Civil (CPC), sob alegação de as mesmas violarem o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O despacho de não admissão de recurso de constitucionalidade baseou-se na seguinte fundamentação:
“O Digno Magistrado do Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional por alegadamente na decisão recorrida o M.mo Juiz de Círculo ter recusado a aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal ilação efectuada pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
Na verdade, da decisão recorrida não resulta que tenha havido a recusa de aplicação de qualquer norma, tanto mais que as normas invocadas não foram aplicadas pelo Sr. Juiz de Círculo, mas sim pela Juiz titular do processo.
Acresce que nesta fase processual está mais que ultrapassada a fase da citação do réu e, por isso, nem teoricamente nem na prática houve recusa, por parte do Senhor Juiz de Círculo, em aplicar qualquer norma relativa à citação, tanto mais que nem é da sua competência, limitando-se aquele a retirar a ilação de que in casu não existiu um processo equitativo.
Por fim, sempre se dirá que o Acórdão [sic] proferido, nos termos em que o foi, também não se enquadra na previsão legal de nenhuma das diversas alíneas plasmadas no artigo 70.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º da citada Lei, não admito o interposto recurso por a decisão de que pretende recorrer não o admitir.
Custas do incidente pelo recorrente, que fixo a T. J. em 1 (uma) UC, sem prejuízo da isenção de que beneficia.”
A reclamação contra este despacho apresenta a seguinte fundamentação:
“A 15 de Maio de 2004, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, alínea a), e 75.º, n.º 1, todos da Lei n.º 28/82, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional da decisão de fls. 48 a 53, sufragando-se o entendimento de que, na mesma, o Sr. Juiz de Círculo havia recusado a aplicação dos artigos 233.º, n.ºs 1, alínea a), e 4, 236.º, n.ºs 1 e
2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º, todos do Código de Processo Civil.
A M.ma Juiz do 1.º Juízo Cível desta comarca proferiu, então, o despacho de que ora se reclama por considerar que «da decisão recorrida não resulta que tenha havido a recusa de aplicação de qualquer norma (...)».
Ora, salvo o devido respeito, cremos que não assiste razão à M.ma Juiz, no despacho de que ora se reclama.
Na verdade, cremos ser admissível a conclusão de que, na prática, o M.mo Juiz de Círculo recusou a aplicação do normativo referido.
É que, pese embora o Juiz de Círculo tenha partido da base de que a sua colega titular do processo já havia feito uma determinada interpretação das normas do Código de Processo Civil, ele, ao recusar aquela interpretação por a considerar inconstitucional está a fazer um juízo de não aplicabilidade das mesmas.
Mais.
Se para além disto considerarmos que o Juiz de Círculo, partindo destas considerações, retirou das mesmas uma determinada consequência, única e exclusivamente no pressuposto que entendia que, no caso, não era admissível a aplicação dos normativos do Código de Processo Civil citados por considerar tal como inconstitucional, então não poderemos deixar de entender ter havido uma recusa na aplicação de um determinado preceito do ordenamento jurídico português com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Desta forma, consideramos cabalmente preenchido o dispositivo do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
Como tal, deveria a M.ma Juiz titular do processo ter admitido o recurso interposto para esse Tribunal Constitucional,
O que desde já se reitera seja decidido.”
Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“A incongruência intrínseca da decisão recorrida – que começa por afirmar que a questão da regularidade da citação do réu, em acção de divórcio, estaria precludida, por força de «caso julgado formal», para, de seguida, passar a pronunciar-se, de forma expressa, sobre a constitucionalidade de várias normas e interpretações normativas de preceitos atinentes à citação, com vista a apurar se houve um «procedimento processual equitativo para chamar o réu a juízo» – não põe obviamente em causa a admissibilidade do recurso obrigatório tipificado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
É, na verdade, inquestionável, face ao teor da decisão impugnada pelo Ministério Público, que ocorreu efectivamente uma recusa de aplicação da interpretação normativa das disposições conjugadas dos artigos 233.º, n.ºs 2, alínea a), e 4,
236.º, n.ºs 1 e 2, 238.º-A, n.º 1, e 241.º do CPC, fundada em inconstitucionalidade e determinante da absolvição do réu da instância que, em tal decisão, foi decretada. Tanto basta para que – como sustenta o reclamante – se verifiquem os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A questão que a presente reclamação coloca centra-se no apuramento da existência, ou não, na sentença recorrida, de uma recusa de aplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade como ratio decidendi da decretada absolvição de instância. Essa sentença é do seguinte teor integral:
“A., residente no Largo ---------------------, n.º 117, lugar de
---------, freguesia de ---------------, do concelho de ---------------, propõe contra B., seu marido, com residência [indicada na petição inicial] nos mesmos Largo, lugar, freguesia e concelho, acção de divórcio litigioso, pedindo que se decrete a dissolução do casamento por divórcio, declarando-se o réu único culpado.
Alega a autora que o réu a agredia física e verbalmente, particularmente quando estava embriagado; o réu é alcoólico crónico; em 27 de Julho de 2003, o réu ameaçou-a de morte e em 31 de Julho de 2003 agrediu-a com violência, a ponto de ter de ser socorrida no hospital; nesse dia 31 a autora saiu do lar conjugal, receando pela sua vida, estando desde então as partes separadas; o réu batia sem justificação e frequentemente num filho do casal com uns 6 anos de idade; os dois filhos do casal estão entregues a instituições, o mais novo dos quais desde que nasceu; foram os actos do réu que impediram a autora de ter os filhos consigo; o réu continua a morar no rés-do-chão da casa onde a autora mora, estando esta no respectivo primeiro andar a coabitar com a sua mãe; o réu não trabalhava regularmente desde o casamento, contraído em 16 de Fevereiro de 1997, exercendo tão-só trabalhos ocasionais e, desde Maio de 1997, nunca mais trabalhou porque não quis; nunca contribuiu para os encargos da vida familiar e batia na autora para gastar o que esta ganhava em bebidas alcoólicas.
A autora beneficia do apoio judiciário nas modalidades de dispensa total do pagamento de preparos e de custas e de pagamento de honorários à patrona oficiosa, a Sra. Dr.a C..
Autora e réu foram convocados para a tentativa de conciliação, seguindo nas cartas correspondentes precisamente a mesma morada: Largo
----------------------, n.° 117.
O aviso de recepção da carta enviada ao réu veio assinado por D., pessoa que é a mãe da autora (cfr. fls. 5).
Foi remetida nova carta ao réu, agora só registada, notificando-o que se considerava citado, pela carta já referida, «na pessoa de D.», referindo-se que a mesma tinha recebido a citação; mais se especificou que a citação se considerava realizada em 21 de Outubro de 2003 [data essa que consta no aviso de recepção] e era advertido para comparecer dias depois na tentativa de conciliação.
Veio devolvida essa carta, informando o carteiro «ausente sem direcção».
Na tentativa de conciliação, o réu não compareceu e foi decidido notificá-lo para contestar.
Seguiu nova carta registada, para o referido n.° 117, carta essa que veio devolvida com a mesma menção do carteiro: «ausente sem direcção».
Face a essa carta e constatada ausência de reacção do réu [ausência que se continuou a verificar mesmo após o trigésimo quinto dia que se seguiu ao incidente de devolução da carta], foi proferido o seguinte despacho [de 26 de Novembro de 2003]: «o réu considera-se regular e pessoalmente notificado para contestar».
Constatada, definitivamente, falta de reacção do réu, foi proferido novo despacho a notificar a autora para os efeitos do artigo 1408.º, n.° 2, do Código de Processo Civil (CPC).
A autora apresentou prova e os autos foram remetidos ao Juiz de Círculo para marcar dia para julgamento.
Eu próprio marquei dia para julgamento, com convocação dos cônjuges para comparecerem em audiência.
Após um adiamento verificou-se que as duas cartas enviadas ao réu para o convocarem para a audiência vieram devolvidas, com a menção «ausente» e
«ausente sem direcção».
Sem a presença do réu, procedeu-se então ao julgamento e proferiu-se despacho com especificação dos factos provados de entre os que vinham alegados na petição inicial.
Na audiência foi ouvida como testemunha a referida D..
Nestes autos não foi proferido despacho saneador onde se dirimissem especificada ou genericamente todos os pressupostos processuais que facultam o avanço da acção para julgamento, ou seja, onde se apreciassem as excepções dilatórias e eventuais nulidades processuais de conhecimento oficioso que obstassem ao avanço da acção e à apreciação de mérito (cfr. artigo 510.º, n.° 1, alínea a), do CPC).
Tal ausência não é irregular, face às especificidades do processo especial de divórcio litigioso.
Sucede que o despacho onde se declara que o réu se considera regular e pessoalmente notificado para contestar deve ser entendido como tendo eficácia de caso julgado formal, nos termos dos artigos 510.º, n.° 3, 1.ª parte, e 672.º do CPC.
O alcance desse despacho é idêntico ao de um despacho saneador, na matéria em apreço.
A existência de caso julgado formal na matéria de chamamento do réu a juízo, obrigou-me a proceder ao julgamento e a seleccionar a matéria de facto provada.
O despacho inutilizou a faculdade de conhecer, agora, oficiosamente, nulidade da citação, nos termos dos artigos 194.º, alínea a),
195.º, alínea e) [«há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável»], e primeira parte do artigo 202.º, n.° 1, do CPC.
Mas poder-se-á decretar o divórcio nas condições descritas de chamamento do réu a juízo, sem que ele tenha contestado, ou sem que alguma vez tenha comparecido em qualquer acto processual?
Cumpre decidir esta questão prévia.
O artigo 20.º, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa estabelece que «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
O que se discute nestes autos, antes do mais, é se existiu procedimento processual equitativo para chamar o réu a juízo.
Desde já adianto que não existiu procedimento equitativo para dar a conhecer ao réu que a sua mulher pedia o divórcio.
O despacho citado que considerou o réu chamado aos autos vale-se dos artigos 233.º, n.° 2, alínea a) [«a citação pessoal é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção»] e n.° 4 [«nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efectuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do acto, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento»], 236.º, n.° 1 [«a citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção (...), dirigida ao citando e endereçada para a sua residência (...)»] e n.° 2 [«no caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência (...) e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando»], 238.º-A, n.°
1 [«a citação postal registada efectuada ao abrigo do artigo 236.º considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário»] e 241.º [«sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado no artigos 236.º, n.° 2, (...) será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa (...) e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada»] do CPC.
A morada indicada pela autora para o réu é insuficiente, por falta de discriminação de que é a morada do rés-do-chão do referido n.° 117 do Largo
------------------, uma vez que é a própria autora que declara viver separada do réu e no primeiro andar do mesmo n.° 117: especificar que o réu mora no rés-do-chão não é detalhe despiciendo no caso dos autos, face à alegação da autora de que as casas de primeiro andar e rés-do-chão do n.° 117 são diferentes.
Por outro lado, no aviso de recepção, o carteiro nada assinalou na quadrícula que se segue à menção «este aviso deve ser assinado por pessoa a quem for entregue a citação e que se comprometeu a entregá-la prontamente ao destinatário». Daí só se pode extrair que o carteiro não avisou a sogra do réu que tinha obrigação de entregar a carta ao réu (cfr. artigo 236.º, n.° 4, do CPC, o qual prevê um dever de advertência expresso ao carteiro) e que esta se comprometeu a isso mesmo, em prazo muito breve (n.º 2 do artigo 236.º); ou seja, não foram cumpridos os procedimentos referidos no artigo 236.º, n.°s 2 e 4, do CPC, ou seja, a advertência expressa para entregar e a declaração conforme de que se entregará, ficando por saber, ainda, se a sogra do réu estava na residência dela ao receber a carta do carteiro, como é mais plausível, ou se estava na residência dele, réu, ao receber a mesma carta. Não se demonstra o encargo referido no n.° 4 do citado artigo 233.º.
Mas essas falhas substantivas na citação consideram-se sanadas pela eficácia de caso julgado formal do despacho referido e não é por aí que se pode fundar a falta de citação.
A inconstitucionalidade reside na interpretação dos artigos do CPC citados que dispensa qualquer intervenção pessoal e demonstrada do réu para o efeito de poder ilidir a presunção de que a sogra lhe deu conhecimento do acto da citação e lhe entregou a carta.
Vejamos:
O artigo 233.º, n.° 4, citado estabelece presunção de que o citando recebe a carta do terceiro que assinou o aviso de recepção, ou seja, de que é citado e de que é citado em tempo próprio.
O artigo 238.º-A, n.° 1, reitera essa presunção de que a carta foi entregue atempadamente ao citando pelo terceiro que a recebeu das mãos do carteiro e assinou o aviso de recepção (o conceito de «atempadamente» tem alguma tradução legal, já que ao prazo ordinário de contestação se acrescentam 5 dias de dilação, nos termos do n.° 1, alínea a), do artigo 252.º-A do CPC).
A presunção em causa é ilidível: as normas que a estabelecem referem expressamente que se pode ilidir a presunção nos trechos «salvo prova em contrário» e «salvo demonstração em contrário».
O cerne da questão (para o efeito de se concluir que o réu não teve uma possibilidade real e equitativa de demonstrar que não recebeu da sogra a carta que o notificava para comparecer na tentativa de conciliação e ficar a saber que era pedido o divórcio) reside na interpretação das normas dos artigos do CPC citados que dispensam não só a recepção pessoal da carta das mãos do carteiro pelo citando, como dispensam qualquer conhecimento demonstrado do citando dessa recepção por outrem, isso para o efeito de o citando poder vir a provar que a terceira pessoa que recebeu a carta das mãos do carteiro e assinou o aviso de recepção não cumpriu o encargo de lhe entregar a carta.
Nem recebe pessoalmente a carta, nem tem a possibilidade de demonstrar que ela lhe não foi entregue por quem a recebeu.
O despacho que tem eficácia de caso julgado formal aceita um duplo desconhecimento do réu, equiparando-o a citação para os termos da acção: tanto aceita que ele não tem conhecimento em primeira mão da carta de citação, como aceita que ele não tem de ter conhecimento que a carta foi entregue pelo carteiro a outrem, sendo este último conhecimento para o efeito de poder demonstrar que esse outrem não lhe entregou a carta.
Do que vai referido conclui-se que a interpretação dos citados artigos do CPC em conformidade com a Constituição implica a demonstração nos autos que o citando que não recebe pessoalmente a carta que o chama à acção tem de ter conhecimento de que outrem a recebeu e que este último conhecimento é directo pelo próprio citando e não, novamente, intermediado por terceiro.
Decorre do que vai dito que se recusa a interpretação que subjaz ao despacho que considera o réu regularmente chamado aos autos, com fundamento em inconstitucionalidade, facto que implica a absolvição da instância do réu por se entender que não foi chamado a juízo, nos termos dos artigos 288.º, n.° 1, alínea e), 493.º, n.° 2, e corpo do artigo 494.º do CPC e artigos 20.º, n.° 4, e
18.º, n.° 1, da Constituição.
Em face do exposto, recuso a interpretação que subjaz ao despacho que considerou o réu regular e pessoalmente notificado para contestar, uma vez que assenta numa interpretação dos artigos 233.º, n.°s 2, alínea a), e 4, 236.º n.°s 1 e 2, 238.º-A, n.° 1, e 241.º do Código de Processo Civil contrária ao artigo 20.º, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa, na medida em que dispensa a demonstração nos autos que o citando teve conhecimento pessoal que a carta de citação que lhe foi enviada foi entregue a outrem pelo distribuidor do serviço postal.
Nos termos do artigo 18.º, n.° 1, da Constituição e artigos 288.º, n.° 1, alínea e), 493.º n.° 2, e corpo do artigo 494.º do CPC, absolvo o réu da instância.”
Basta a leitura desta sentença para se constatar que, por um lado, nela se recusou, de forma explícita, com fundamento em inconstitucionalidade (violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), a aplicação das normas dos artigos 233.º, n.°s 2, alínea a), e 4, 236.º n.°s 1 e
2, 238.º-A, n.° 1, e 241.º do Código de Processo Civil, na interpretação, que lhes foi dada no despacho que julgou o réu regular e pessoalmente notificado para contestar, de que dispensam a demonstração nos autos de que o notificando teve conhecimento pessoal de que a carta de notificação que lhe foi enviada foi entregue a outrem pelo distribuidor do serviço postal, e que, por outro lado, essa recusa de aplicação foi a causa determinante do sentido da decisão de absolvição da instância, pois a mesma recusa de aplicação, como se lê na sentença recorrida, “implica a absolvição da instância do réu por se entender que não foi chamado a juízo, nos termos dos artigos 288.º, n.° 1, alínea e),
493.º, n.° 2, e corpo do artigo 494.º do CPC e artigos 20.º, n.° 4, e 18.º, n.°
1, da Constituição”. Esta conclusão em nada é afectada, como se salienta no parecer do representante do Ministério Público neste Tribunal, por eventuais incongruências da sentença recorrida, derivadas da circunstância de previamente haver reconhecido eficácia de caso julgado formal ao despacho que julgou o réu regular e pessoalmente notificado para contestar; nem pela pretensa invasão, pela mesma sentença, da competência do juiz do processo em matéria de apreciação da correcção e validade da citação, invocada no despacho ora reclamado.
Tanto basta para se concluir pelo deferimento da presente reclamação.
Anote-se, por último, que, interpretando-se a norma do artigo 76.º, n.º 1, da LTC (“Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso”) no sentido de competir ao autor da decisão judicial impugnada decidir da admissão ou não admissão do recurso, era ao Juiz do Círculo Judicial de Santo Tirso, e não à Juíza do 1.º Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso, que cabia proferir tal despacho. Porém, sendo patente, pelas razões expostas, que o recurso de constitucionalidade é admissível, razões de celeridade e economia processuais justificam que se considere, no presente caso, dispensável a imposição do rigoroso acatamento desse ritualismo processual.
3. Em face do exposto, acordam em deferir a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2004
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos