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Processo nº 20/2006.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 30 de Janeiro de 2006 o relator proferiu a seguinte
decisão: –
1. Pelo 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa
(vindo depois os autos a ser tramitados pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo
e Fiscal de Lisboa) intentaram A., S.A., B.. S.A., C., S.A. e D., S.A., contra
os Ministro das Finanças, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ministro do
Trabalho e da Solidariedade e Secretário de Estado da Segurança Social, acção
para reconhecimento de um crédito fiscal no montante de Esc. 3.398.652.874$00,
que alegaram deterem, pedindo que esse reconhecimento fosse levado a efeito e
que tinham as autoras a possibilidade de utilizarem o crédito reconhecendo no
pagamento de impostos e outras dívidas de natureza fiscal, onde se incluíam as
dívidas à Segurança Social.
Alegaram, em síntese: –
– que as autoras são sociedades pertencentes ao grupo empresarial
E. e que, em 1996 e 1997, entregaram dois bens imóveis, cujo valor teria sido
avaliado em Esc. 5.511.600.000$00, em dação de pagamento das suas dívidas
fiscais;
– que, em Julho de 1997, foi celebrado um acordo, denominado
Acordo Global entre o Estado e aquele grupo empresarial, destinado à resolução
definitiva e global de todos os diferendos, incluindo dívidas discais e à
Segurança Social, que opunham um e outro, tendo, nesse Acordo, aceite o Estado a
dação acima referida, não se verificando em nenhum dos momentos de tramitação
dos variados processos que culminaram no Acordo a indicação de qualquer crédito
fiscal que teria resultado a favor das autoras;
- que, porém, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária, que
teria ocorrido antes que estivessem esgotados todos os actos previstos no dito
Acordo, e atento o prazo de prescrição das dívidas fiscais que passou nela a ser
consagrado, teriam prescrito determinadas dívidas do grupo, pelo que a diferença
entre o montante dessas dívidas, o efectivo montante das dívidas fiscais e à
Segurança Social e o valor do bens entregues em dação de pagamento, se haveria
de considerar como passando a constituir um aumento do crédito de imposto no
quantitativo de Esc. 3.398.652.874$00, crédito esse que poderia ser usado em
pagamentos futuros de impostos e outras prestações tributárias;
– que, desde a outorga da dação em pagamento que as autoras têm
assumido novos débitos fiscais, que têm vindo a cumprir, pretendendo que o
respectivo pagamento se efectue por intermédio de compensação com o referido
crédito, mas, como este não foi reconhecido, tiveram necessidade de instaurar a
acção.
Tendo, por sentença de 3 de Junho de 2004, sido a acção julgada
improcedente, com a consequente absolvição dos demandados do pedido, da mesma
recorreram as autoras para o Tribunal Central Administrativo Sul.
Na alegação adrede produzida, as autoras formularam as seguintes
«conclusões», para o que ora releva: –
‘(…)
12. As insuficiências na análise da matéria de facto têm, neste caso, como
consequência directa a deficiente análise da matéria de Direito, redundando a
sentença ora recorrida numa efectiva denegação de justiça, defraudando e
violando assim a garantia constitucional de acesso à justiça (artigo 20.º da
CRP).
(…)
30. A sentença recorrida, ao interpretar o n.º 9 do art. 284.º do CPT, no
sentido de que o despacho que aceita a dação em pagamento com bens de valor
superior ao das dívidas fiscais não constitui, ope legis, um crédito a favor do
contribuinte, estando esta constituição dependente de uma declaração expressa
nesse sentido que deverá constar do próprio despacho, faz uma errada
interpretação da letra e do esp[í]rito do preceito, violando o princípio da
proibição do enriquecimento sem causa do Estado (art. 437.º, n.º 1 do CC), e
violando o princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 e art. 165.º,
n.º 1, alínea i) da CRP), o que importa uma interpretação da lei contrária à
Constituição e uma violação ostensiva do direito fundamental da propriedade
privada e da garantia de que ninguém pode ser expropriado sem pagamento de uma
justa indemnização (artigo 62.º da Constituição).
(…)
43. Assim, o Meritíssimo Juiz, ao julgar como relevante, para efeitos de valor a
considerar na dação em pagamento dos imóveis objecto da mesma, o valor fixado
pela ANAM nos termos que resultam dos autos, e não o valor apurado nos termos do
art. 284.º, n.º 3 do CPT, [ ] violou frontalmente o expressamente previsto no
art.º 284.º, n.º 3 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade
tributária, os princípios da legalidade e da boa-fé a que está subordinada a
Administração Pública (art. 266.º, n.º 2 e art. 268.º, n.º 1 e 3 da CRP), e
ainda o princípio da proibição do perdão de dívidas tributárias ou concessão de
moratórias (art. 36.º da LGT e art. 85.º do CPPT).
(…)
46. Assim, ao julgar que ‘a dação era efectuada em termos globais para a
resolução de todos os litígios pendentes entre as partes’, e que a mesma ‘não
ficava adstrita a uma exacta verificação da correspondência dos valores dos bens
entregues com as dívidas pagas’, o Meritíssimo Juiz a quo violou expressamente o
art. 284.º, n.º 9 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade
tributária, a garantia constitucional da propriedade privada e a proibição do
enriquecimento sem causa do Estado que lhe está subjacente.
(…)
53. E, ao entender que o crédito constituído a favor do devedor pelo n.º 9 do
artigo 284.º do CPT é por este livremente renunciável, a sentença recorrida
enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto
expressamente no n.º 10 do art. 284.º do CPT, viola o disposto no n.º 1 do art.
401.º conjugado com o art. 289.º n.º 1 do CC, e viola o princípio constitucional
da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade, bem como o
princípio da proibição do enriquecimento sem causa subjacente à protecção
constitucional da propriedade privada.
(…)’
O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 8 de
Novembro de 2005, negou provimento ao recurso.
No que agora interessa, pode ler-se nesse aresto: –
‘(…)
– À partida cabe referir que o Acordo Global se apresenta como o
cerne da questão, atento o desiderato com ele visado ou seja, o da «resolução
definitiva e global, por via negocial, de todos os diferendos, incluindo dívidas
e acções judiciais, avolumados ao longo de mais de 20 anos» entre as partes que
nele outorgaram.
– Ou seja, o que se pretendeu foi acabar com todo o
‘contencioso’, no sentido lato do termo, entre as empresas do Grupo E. e o
Estado, enquanto subscritores do referido Acordo Global, pelo que todas as
restantes vias procedimentais referenciadas no probatório20 não podem deixar de
ser analisadas na perspectiva daquele enquanto, nuclearmente, actos integrativos
da eficácia do mesmo, sentido em que, aliás, se crê apontar, v. g., o ponto 10.1
do Acordo de Fecho, ao submeter o esclarecimento de qualquer dúvida na sua
interpretação, ao estipulado no Acordo Global, sem embargo de se ter presente a
natureza das dívidas para que foram dados em dação os imóveis em causa, à luz do
que se estipulou na dita cláusula 3.5 e nas als. a) e b), da cláusula 3.1.
– E é dentro esta linha de entendimento que se considera aquele
Acordo Global, no seu todo, – e por consequência no que concerne à cláusula de
renúncia –, vincula e confere direitos à D., em situação de paridade com as
restantes referidas empresas do Grupo, por força do aditamento operado em
00FEV03 ao despacho conjunto de 00JAN28, e onde, como aliás se dá conta em R).
do probatório, foi determinada a inclusão na dação em pagamento das dívidas da
D., enquadráveis [n]o espírito do Acordo Global.
– Assim e neste quadro, a referida cláusula mostra-se
absolutamente prejudicial relativamente àquelas outras questões levantadas.
– Assim e desde logo, por referência às diligências de avaliação
dos referidos bens –, particularmente no que concerne ao F., – tendo em vista a
concretização da dação dos mesmos, mostrar-se-á irrelevante qualquer que seja o
valor do(s) mesmo(s) a considerar como o devidamente apurado, por tal via e para
tal efeito, se se vier a entender que as Recorrentes renunciaram validamente,
nos termos consignados na dita cláusula 3.5, já que, então, ainda que para elas
resultasse, por princípio, um crédito com o negócio jurídico em questão, – o que
apenas se admite antecipada e academicamente, como hipótese de trabalho –,
deixar(i)am de ter direito ao mesmo, qualquer que ele fosse.
– E o que se vem de dizer vale, igualmente, para a questão da
alegada diminuição do montante das dívidas fiscais, por força do instituto da
prescrição, [à], luz do [que] dispôs o art.º 5.º, do Dec-Lei n.º 398/98DEZ17,
pois o que, ao que, aqui e agora, nos importa, o que tal, em última análise pode
representar é uma diminuição do valor das dívidas a liquidar com a dação em
causa, com[ ] inerente incremento do crédito, caso o valor destes fosse, já,
superior ao daquelas; Mas se se vier a entender que as recorrentes renunciaram
validamente a tal crédito, qualquer que ele pudesse ter sido, é manifesta a
redundância da questão de saber qual o valor das dívidas prescritas porque tal
não poderá conferir-lhe[s] o direito de que abdicaram.
– Importa, então, debruçarmo-nos sobre a validade ou invalidade
da referida cláusula de renúncia.
– E a verdade é que, antecipando desde já o nosso entendimento e
mau grado a teses sustentada pelas Recorrentes e, particularmente, as opiniões
expressas por ilustres juristas, com quem seria estultícia pretender ombrear, se
crê, no entanto, ser absolutamente conforme à lei, a renúncia em questão.
(…)
– De outra banda, não se interpreta, também, o normativo que se
diz violado (art.º 284.º do CPT), no sentido de que o eventual pagamento de
dívidas fiscais com bens de valor superior ao delas, gere, por força de lei, um
crédito a favor do contribuinte que seja impostergável.
– Tal preceito legal, disp(õe)unha, textualmente e ao que aqui
importa, o seguinte; «Em caso de aceitação da dação em pagamento de bens de
valor superior à dívida exequenda e acrescido, o despacho que autoriza
constitui, a favor do devedor, um crédito do montante desse excesso, a utilizar
em futuros pagamentos de impostos e outras prestações tributárias, na aquisição
de bens ou serviços (…)».
– Ora, sendo princípio vigente na nossa ordem jurídica, o da
repetição de indevido ou seja da obrigação de restituição em que se constitui
aquele que recebe prestação que lhe não é devida, parece-nos conclusivo que o
cerne do texto normativo acabado de transcrever não está na referência à
constituição de crédito a favor do devedor, com a prolação de despacho de
aceitação em pagamento de bens de valor, comprovada e quantificadamente,
superior ao das dívidas a pagar, por se tratar de uma perfeita inutilidade, já
que sempre o dito crédito se constituiria, mas antes no seu segundo segmento
normativo, na medida em que pretendeu limitar as possibilidade de utilização de
tal crédito, por parte do seu titular, sem necessidade procedimental de prévia
declaração dessa mesma titularidade.
– E assim entendido, bem se compreende o subsequente n.º 10 de
tal preceito legal, enquanto ‘extensão’, daquele n.º 9, na medida em que se se
pretendeu limitar a utilização do crédito à satisfação das finalidades aí
elencadas, o não se estipular, concomitantemente, a sua intransmissibilidade e
impenhorabilidade, poderia significar, e significaria as mais das vezes, no caso
de contribuintes manifestamente relapsos, a inocu [i]dade prática daquela
referida limitação do n.º 9 referido, pela ‘utilização’ do crédito em fins
diversos daqueles que, apenas, se quis permitir.
– Ou seja, nada na lei permite concluir que se pretendeu conferir
àquele tipo de créditos, aqui em análise, a favor dos devedores-contribuintes, a
natureza de direito indisponível, antes tudo indiciando precisamente o
contrário.
- De facto e desde logo, se assim fosse, isto é, se se tivesse
pretendido atribuir [a] tal direito de crédito a natureza de direito
indisponível, por impenhorável e intransmissível, ele tê-la-ia, em todas e
quaisquer circunstâncias, pelo simples facto de ser o resultado do pagamento de
dívidas fiscais com bens de valor superior ao da dívida.
– Contudo, é o próprio normativo em causa, no seu n.º 11, que lhe
retira tal natureza, já que, – quando por razões, alheias ao direito de crédito
em si e, por consequência, à sua natureza, e que se prendem com a cessação da
actividade do contribuinte, coligadamente com a inexistência de outras dívidas
fiscais –, possibilita a sua liquidação em numerário, sem qualquer limitação
daquele tipo.
– E assim sendo, entendemos que do pagamento de dívidas fiscais
com bens de valor, comprovada e quantificadamente25, superior, o que resulta
para o contribuinte não é mais do que um comum direito de crédito, na sua
absoluta disponibilidade e, por isso, relativamente ao qual e na esteira do que
acima se referiu, tem todo o direito e legitimidade para dele dispor como
entender, designadamente, renunciando, renúncia essa que, por contrapartida, o
Estado podia manifestamente aceitar, como aceitou.
– E, em nosso entender, não constitui obstáculo ao que se vem de
referir o argumento no sentido de que, a ser válida cláusula de renúncia, era
inútil proceder-se à diligência de avaliação dos bens, uma vez que, qualquer que
viesse a ser o valor encontrado, sempre seria inócuo na prática, pela renúncia
ao direito de crédito dele decorrente, em face do montante das dívidas pagas.
– É que, desde logo, o valor de tais bens, enquanto prestação das
recorrentes, no Acordo Global, tinha, necessariamente, de ser determinável, sob
pena de nulidade, como decorre do disposto, conjuntamente, nos art.ºs 280.º,
398.º e 400.º do C. Civil; Por seu turno, porque se trata de bens dados em
pagamento de dívidas fiscais, o respectivo procedimento, particularmente no que
concerne [à] concretização daquela determinabilidade, estava sujeito ao regime
adjectivo plasmado no aludido art.º 284.º do CPT, particularmente nos seus n.ºs
3 e 4, tendo em vista desde logo, uma eventual imputação de ilegalidade na
actuação do Estado, por hipotético perdão indevido de dívidas fiscais, no
pressuposto de que estas fossem de valor manifesta, comprovada e
quantificadamente, superiores.
(…)’
Do acórdão de que partes acima se encontram extractadas
recorreram as autoras para o Tribunal Constitucional, o que fizeram mediante
requerimento com o seguinte teor: –
‘A., S.A., B., S. A., C., S.A., e D., SGPS, S. A., recorrentes nos autos à
margem referenciados, tendo sido notificadas do douto acórdão de fls. que nega
provimento ao recurso tempestivamente interposto da sentença proferida pelo 2.º
Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos autos de acção para o
reconhecimento de um direito que aí correram termos com o n.º 1/2002, vem dele
(do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul) interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, o que faz nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b)
e n.º 2 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 143/85,
de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de
1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
Pretende-se a apreciação da constitucionalidade da norma constante dos n.ºs
9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, na redacção que lhe
foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 125/96, de 10 de Agosto, quando
interpretado e aplicado nos termos em que foi pelo 2.º Juízo do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Lisboa nos referidos autos de acção para o
reconhecimento de um direito, e pelo Tribunal a quo nos presentes autos, de
forma a permitir e considerar como válida uma cláusula em que o contribuinte
renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de impostos com bens de
valor superior ao da dívida.
A interpretação da norma em causa, sufragada pelo Tribunal a quo, importa a
violação (i) do disposto no artigo 13.º da Constituição, que consagra o
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente da igualdade
perante os encargos públicos (ii) do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 62.º da
Constituição, que consagram a tutela constitucional da propriedade privada
enquanto direito análogo aos direitos liberdades e garantias, estando as suas
restrições sujeitas ao princípio da proibição do excesso, o que importa a
proibição constitucional do enriquecimento sem causa do Estado mediante
apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais e
(iii) do disposto no n.º 2 do artigo 103.º, e na alínea i) do n.º 1 do artigo
165.º [ ] da Constituição, que consagram o princípio da legalidade tributária,
nas suas dimensões de reserva de lei material e formal, uma vez que a
apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento configura a criação
de um verdadeiro imposto inominado, o que se invoca nos termos e para os efeitos
do disposto nos artigos 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Acresce que a interpretação dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de
Processo Tributário, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei
n.º 125/96, de 10 de Agosto, sufragada pelo Tribunal a quo, converte-se numa
questão de inconstitucionalidade decisiva para a apreciação do pedido das
autoras, ora recorrentes, porque, tivesse o Tribunal a quo procedido a uma
interpretação daquela norma legal em conformidade com os princípios e normas
constitucionais invocados pelas recorrentes, nunca teria concluído, como
concluiu, pela validade da renúncia por parte do contribuinte ao crédito
resultante do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais,
pois tal importaria um enriquecimento sem causa do Estado em violação do
princípio da igualdade, do direito fundamental da propriedade privada e do
princípio da legalidade tributária nas suas vertentes formal e material, mas –
isso sim – teria revogado a sentença recorrida, mandando realizar o julgamento
ou, se entendesse que os autos forneciam os elementos necessários para a decisão
da causa, determinado o reconhecimento do crédito invocado pelas autoras, ora
recorrentes, conforme peticionado.
A questão foi devidamente suscitada no recurso apresentado pelas recorrentes
no Tribunal Central Administrativo Sul – cfr., nomeadamente, as conclusões n.ºs
30, 43, 46 e 53 – tendo abrangido a dimensão e interpretação concreta conferida
à norma pelo tribunal de primeira instância, e sufragada pelo Tribunal a quo no
acórdão ora recorrido, dimensão essa igualmente englobada no âmbito do presente
recurso.
Nestes termos, deve ser admitido o presente recuso e ser
decretada a inconstitucionalidade suscitada, sendo – em consequência – reformado
o acórdão recorrido na parte em que considera válida a cláusula através da qual
o contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de
impostos com bens de valor superior ao da dívida, com as consequências legais,
nomeadamente as que já acima estão e ficaram mencionadas.’
O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado em 6 de
Dezembro de 2005 pelo Relator do Tribunal Central Administrativo Sul, vindo os
autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional em 10 de Janeiro de 2006.
2. Não obstante o despacho de admissão de recurso, porque o mesmo
não vincula este Tribunal (cfr. nº 6 do artº 76º da Lei nº 28/82, e 15 de
Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido,
elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão
sumária, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da presente
impugnação.
Como resulta do relato supra efectuado, com o recurso ora em
apreço, esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da indicada Lei nº 28/82, visam
as autoras a apreciação da compatibilidade com a Lei Fundamental por banda dos
números 9, 10 e 11º do artº 284º do Código de Processo Tributário, quando
comportem uma interpretação de molde a permitir e considerar como válida uma
cláusula por intermédio da qual o contribuinte renuncia a um eventual crédito
decorrente de pagamento de impostos com bens de valor superior ao da dívida.
Ora, tratando-se, como se trata, de um recurso ancorado na dita
alínea b) do nº 1 do artº 70º, mister é que dos normativos cuja apreciação, do
ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, se solicita a este órgão
de administração de justiça, tenha sido, precedentemente ao proferimento da
decisão judicial impugnada, suscitada a sua desconformidade constitucional. E,
por outro lado, ponto é, também, que sejam esses normativos aqueles sobre os
quais incide o equacionamento da questão de inconstitucionalidade, sabido como é
que o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade
incide sobre normas e não sobre outros actos do poder público tais como, verbi
gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas, como resulta do
referenciado nº 1 do artº 70º e do nº 1 do artº 280º do Diploma Básico.
Ainda de outro lado, se os aludidos normativos forem alcançados
mediante um processo interpretativo levado a efeito sobre determinados preceitos
da legislação infra-constitucional, necessário é que a decisão judicial
intentada impugnar tenha conferido a estes a dimensão interpretativa que foi
questionada antes de a mesma ser proferida.
Neste contexto, haverá, no caso sub specie, que aquilatar se,
referentemente às normas vertidas no requerimento de interposição de recurso
para este Tribunal, as autoras, de uma banda, cumpriram o ónus da suscitação da
sua desarmonia com o Diploma Básico e, de outra, porque o que colocam em crise é
um dado sentido interpretativo dos preceitos constantes dos números 9, 10 e 11º
do artº 284º do Código de Processo Tributário, se tal sentido, tocantemente a
todos ou a algum desses preceitos, foi, efectivamente, aquele que suscitaram
antes de ser tirada a decisão judicial impugnanda, e se o suscitado veio a ser o
acolhido por essa mesma decisão.
Deflui do relato acima levado a efeito que as então impugnantes,
na alegação do recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, ao brandirem
com aquilo que, na sua óptica, constituía violações do Diploma Básico,
impostaram quatro questões, a saber: –
– (a) a violação, pela sentença produzida na 1ª instância, da
garantia constitucional de acesso à justiça, por isso que tal sentença
acarretava uma deficiente análise da matéria de direito, consequente de uma
insuficiência na análise da matéria de facto (cfr. transcrita «conclusão» 12);
– (b) a violação, pela mesma sentença, dos princípios
constitucionais da legalidade tributária, da legalidade e boa fé a que está
subordinada a Administração Pública, a garantia constitucional da propriedade
privada e a alegada proibição constitucional do enriquecimento sem causa por
parte do Estado, já que ela julgou como relevantes, para efeitos de fixação de
valor a considerar na dação em pagamento, o valor dos imóveis fixado pela ANAM e
julgou que aquela dação era efectuada em termos globais para a resolução de
todos os litígios pendentes entre as partes e que não ficava adstrita a uma
exacta verificação da correspondência entre o valor dos bens entregues e o das
dívidas para cujo pagamento foi efectuada a dação (cfr. «conclusões» 43 e 46);
– (c) a violação, pela dita sentença, dos princípios
constitucionais da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade, e
o invocado princípio da proibição de enriquecimento sem causa, que, segundo as
autoras, está subjacente à protecção constitucional da propriedade privada, uma
vez que entendeu que o crédito constituído a favor do devedor pelo nº 9 do artº
284º do Código de Processo Tributário era por este livremente renunciável, assim
fazendo errada interpretação e aplicação do disposto expressamente no nº 10º
daquele artigo (cfr. «conclusão» 53);
– (d) a violação, pela mencionada sentença, do direito
fundamental da propriedade privada e da garantia de que ninguém pode ser
expropriado sem pagamento de uma justa indemnização, uma vez que interpretou o
referido nº 9 do artº 284º no sentido de que o despacho que aceita a doação em
pagamento com bens de valor superior ao do das dívidas fiscais não constitui,
ope legis, um crédito a favor do contribuinte, estando dependente de uma
declaração expressa nesse sentido, que deverá constar do próprio despacho,
interpretação essa contrária àqueles direito e garantia (cfr. «conclusão» 30).
Ora, os problemas equacionados pelas recorrentes e que
imediatamente acima são referidos em primeiro, segundo e terceiro lugares [(a),
(b) e (c)], postam-se, no que tange a violação de normas ou princípios
constitucionais, como vícios, acarretadores daquela violação, dirigidos à
própria decisão tomada na 1ª instância e não a qualquer normativo ínsito no
ordenamento jurídico ordinário, ainda que resultante de um processo
interpretativo incidente sobre determinado preceito desse ordenamento.
Desta sorte, tendo em conta que, como se disse, objecto dos
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não outros
actos do poder público, aqui se incluindo as decisões judiciais tomadas em si,
não se poderá tomar conhecimento do objecto do recurso no que se prende com tais
questões.
2.1. Pelo que concerne à questão enunciada em d) supra, poderá
aceitar-se que a parte final da «conclusão» 30, ao utilizar a asserção ‘o que
importa uma interpretação da lei contrária à Constituição e uma violação
ostensiva do direito fundamental da propriedade privada e da garantia de que
ninguém pode ser expropriado sem pagamento de uma justa indemnização (artigo 62º
da Constituição)’, consubstancia, por um lado, o desiderato de se reportar ao nº
9 do artº 284º do Código de Processo Tributário e, de outro, o «levantamento» de
um problema de enfermidade constitucional quando tal preceito comportasse (como
teria sucedido na sentença prolatada na 1ª instância) uma interpretação de
acordo com a qual ‘o despacho que aceita a dação em pagamento com bens de valor
superior ao das dívidas fiscais não constitui, ope legis, um crédito a favor do
contribuinte, estando esta constituição dependente de uma declaração expressa
nesse sentido que deverá constar do próprio despacho’.
Perante uma tal aceitação, impõe-se saber, em primeiro lugar, se
a norma atingida pelo processo interpretativo e que lhe conferiu aquela dimensão
é, ela mesma, objecto do recurso, tal como definido foi no requerimento de
interposição da impugnação de que curamos e, em segundo, se a mesma foi aplicada
na decisão lavrada pelo Tribunal Administrativo Sul.
Respeitantemente ao primeiro ponto, como bem se extrai do
requerimento de interposição do recurso acima transcrito, torna-se desde logo
claro que aquilo que as autoras pretendem é que este Tribunal efectue veredicto
sobre a compatibilidade constitucional da norma que se extrai dos números 9, 10
e 11 do artº 284º do Código de Processo Tributário (redacção emergente do
Decreto-Lei nº 125/94, de 10 de Agosto), quando aqueles preceitos forem
interpretados de forma a que deles decorra a validade de uma cláusula de
harmonia com a qual o contribuinte, que efectuou dação em pagamento de
determinados bens para pagamento de débitos fiscais, sendo o valores daqueles
superior ao destes, renuncia ao crédito que para si reverteria da diferença
entre aqueles valores.
Por outro lado, o acórdão sub iudicio não levou a cabo uma
interpretação do nº 9 do dito artº 284º por forma a que desse preceito
resultasse que, havendo dação de bens em pagamento de dívidas fiscais (lato
sensu) e se o valor de tais bens fosse superior ao do das dívidas, não
resultaria, por força de lei, um crédito a favor do contribuinte.
Antes, e pelo contrário, aquele aresto admitiu que expressamente
do preceito isso resultava, e impostergavelmente, resultando também dos
princípios regentes da nossa ordem jurídica.
O que constitui ratio decidendi daquela pela processual foi uma
interpretação de uma cláusula, contido do Acordo Global e por via da qual as
autoras – tendo em conta que com tal Acordo as «partes» nele intervenientes
desejavam pôr cobro, definitivamente, a todos os diferendos, incluindo dívidas e
acções judiciais, que ocorreram entre elas – renunciavam a um qualquer seu
crédito que porventura viesse a decorrer da dação em pagamento realizada,
vincando que, numa tal situação, esse seu eventual crédito não assumia
características de indisponibilidade.
É, assim, patente, de uma banda, que o acórdão em espécie não
interpretou e aplicou o preceito contido no nº 9 do artº 284º com o sentido que
fora questionado, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, na
«conclusão» 30 da alegação de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul
e, de outra, que a questão enunciada em tal «conclusão» e aqueloutra cuja
dilucidação se pede a este Tribunal no requerimento de interposição do presente
recurso de constitucionalidade se apresentam como diversas.
Não se nega que, relativamente ao problema colocado no indicado
requerimento de interposição de recurso, o acórdão em apreço, efectivamente,
aceitou que à renúncia em causa (que concluiu ter ocorrido em face da matéria de
facto que deu por apurada e relativamente à qual este Tribunal não pode
censurar) deveria ser conferida validade, pois que se tratava de um direito
disponível.
E, muito embora se deva convir, em face do que se veio de dizer,
que aquele entendimento não coincide integralmente com a questão que foi
colocada na «conclusão» 53 da alegação para o Tribunal Central Administrativo
Sul, o que é certo é que, como se viu, o que contém nessa conclusão não pode ser
considerado como uma questão de suscitação de inconstitucionalidade normativa,
uma vez que, talqualmente se disse já, as autoras, na mesma, esgrimiram com o
argumento segundo o qual era sentença da 1ª instância, ela mesma, a violadora
dos princípios da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade e
do aventado ‘princípio da proibição do enriquecimento sem causa subjacente à
protecção constitucional da propriedade privada’, ao ‘entender que o crédito
constituído a favor do devedor pelo n.º 9 do artigo 284º do CPT é por este
livremente renunciável’.
Ao se exprimirem desse jeito, as autoras não imputaram, pois, o
vício de desarmonia constitucional a qualquer normativo, mas sim à decisão
judicial, o que, como se disse, não pode abrir a via da vertente forma de
impugnação.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do
recurso, condenando-se as impugnantes, solidariamente, nas custas processuais,
fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
Da transcrita reclamação reclamaram as recorrentes, fazendo-o por
intermédio de requerimento em que disseram: –
“1. - Entendem as ora Reclamantes que, ao procurar determinar os termos em que a
inconstitucionalidade normativa foi suscitada pelas mesmas nas conclusões
apresentadas nas suas alegações de recurso para o Tribunal Central
Administrativo Sul, o Venerando Conselheiro Relator adoptou um entendimento de
tal forma estreito, que acabou por considerar que, na conclusão 53 dessas
alegações (tal como nas conclusões 12, 43 e 46), as Reclamantes não suscitaram
qualquer questão de ‘inconstitucionalidade normativa’ pondo apenas em causa a
violação pela decisão tomada em 1ª instância de normas ou princípios
constitucionais (cfr. penúltimo parágrafo do n.º 2 da decisão reclamada).
Neste sentido, o Venerando Conselheiro Relator conclui que ‘ao se exprimirem
desse jeito, as autoras não imputaram, pois, o vicio de desarmonia
constitucional a qualquer normativo, mas sim à decisão judicial, o que, como se
disse, não pode abrir a via da vertente forma de impugnação’.
2. - Porém, entendem as ora Reclamantes que este modo de ver não corresponde,
nem ao texto, nem ao contexto, da alegação produzida junto do Tribunal Central
Administrativo Sul, e muito menos atende à forma como em concreto esse mesmo
Tribunal a quo enfrentou os problemas de desconformidade constitucional
suscitados na alegação das ora Reclamantes.
3. - Com efeito, pode ler-se, a fls. 40 e 41 do acórdão do Tribunal a quo, que:
‘[…] com o presente Acordo Global, entende-se que as empresas do grupo E. e o
Estado, efectuaram um acordo de pagamento de dividas fiscais, pela modalidade de
dação em pagamento, ou seja um verdadeiro contrato enquanto transacção fiscal,
extintivo de relações de direito fiscal material, alheio ao se e ao quantum.’
‘[...] ao englobar-se em tal acordo de vontades, uma cláusula em que o
contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de impostos
com bens de valor superior ao da dívida, não se viola qualquer princípio
constitucional, designadamente o da legalidade.’
‘[...] por consequência, não se vislumbra qualquer violação dos princípios da
igualdade e da proporcionalidade, já que, e no que concerne ao primeiro,
enquanto obrigação de, no domínio fiscal, se tratar igualmente o que é igual e
desigualmente o que é desigual, a cláusula em questão não afronta a igualdade
fiscal em qualquer das vertentes em que se desdobra, isto é, quanto à
generalidade, ou o que é o mesmo à universalidade, do dever de pagar impostos
nem quanto ao critério idêntico da respectiva repartição e que se reconduz ao
princípio da capacidade contributiva [...].’
‘Acresce que se não se vê como acompanhar a afirmação de que, quando os bens
dados em pagamento se revelem de valor superior ao das dívidas a pagar, uma
renúncia ao crédito daí decorrente, para o contribuinte, signifique um maior
pagamento de impostos, já que tal crédito, não se interliga a qualquer dívida
fiscal, antes se apresenta como um excesso, depois de liquidadas, integralmente,
precisamente, aquelas dívidas fiscais.’
4. - Estranhamente, estas passagens do acórdão recorrido e que dizem
manifestamente respeito ao teor da conclusão 53 da alegação produzida perante o
Tribunal a quo, onde se discute, precisamente, a questão de saber se a norma
constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário,
é compatível com a Constituição, não foram transcritas na decisão ora reclamada.
Ainda assim, das passagens transcritas pelo Venerando Conselheiro Relator, e
também destas que acabamos de mencionar, resulta claro que o Tribunal a quo
entendeu e considerou a questão da desconformidade constitucional da norma
constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário
suscitada, tendo – inclusivé – ido, como foi, mais além, pronunciando-se sobre
ela.
Diremos, como – e bem! – o Mestre G. salienta no documento n.º 1 que juntamos,
que certo é que o Tribunal Central Administrativo do Sul, a fls. 40 e 41, se
pronunciou expressamente nos termos supra referidos, pronunciando-se pela livre
renunciabilidade do crédito e pela conformidade constitucional da norma
constante dos n.º 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário,
quanto interpretada de forma a permitir considerar como válida uma cláusula
contratual em que o contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente do
pagamento de impostos através da dação de bens com valor superior ao da dívida
fiscal.
5. - Pretendeu o Venerando Conselheiro Relator apegar-se à linguagem utilizada
pelas ora Reclamantes nas alegações produzidas perante o Tribunal a quo para
fundamentar a tese vertida na decisão ora reclamada, de que não teria sido
cumprido o ónus de suscitação da questão da inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado, uma vez que as impugnantes imputaram à sentença
produzida em 1ª instância determinados vícios de inconstitucionalidade, que
seriam privativos da dita sentença e que, por conseguinte, não seriam dirigidos
a qualquer norma constante da lei ordinária.
Este modo de ver é completamente inaceitável para as Reclamantes, redundando
numa verdadeira denegação de acesso à justiça constitucional, uma vez que – nos
casos de fiscalização concreta de normas aplicadas através de específicas
decisões judiciais, como o presente – qualquer recurso para o Tribunal
Constitucional só pode ter por objecto a sentença proferida em anteriores
instâncias e é a esse propósito e nesse contexto que qualquer recorrente invoca,
ou não, eventuais desconformidades entre normas legais ou a sua interpretação
feita nessa sentença e a lei fundamental.
Ê claro, pois, que – neste caso concreto – a referência à sentença da 1ª
instância não pode deixar de ser entendida no contexto de um recurso que a tem
por objecto, contexto esse em que foram colocados os problemas de
desconformidade constitucional da leitura dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do
Código de Processo Tributário feita em 1ª instância, pois só essa leitura estava
em causa naquele recurso.
Assim, é fácil de compreender que, como esclarece o Mestre G., o que as
Recorrentes, ora Reclamantes, puseram em causa na acima referida conclusão n.º
53, foi o ‘[...] entendimento seguido na sentença proferida em 1ª instância
quanto à questão da renunciabilidade do crédito constituído a favor do devedor
pelo n.º 9 do artigo 184.º do CPT, invocando a sua contrariedade face aos
princípios constitucionais da legalidade tributário, da proporcionalidade e da
igualdade perante os encargos públicos, bem como ao princípio da proibição do
enriquecimento sem causa subjacente à protecção constitucional da propriedade
privada’ (cf., doc. n.º 1 junto, pág. 5, 2º parágrafo).
Sobre esta mesma questão esclarece – também – o Prof. H.: – ‘Claro que, o
objecto de recurso não é a decisão do tribunal a quo sobre o mérito da questão
ou do feito submetido a julgamento, mas apenas o segmento da decisão judicial
relativo à questão da inconstitucionalidade. Questão de inconstitucionalidade
que foi pelos recorrentes correctamente formulada no requerimento e pedido de
recurso dirigido, em última análise, ao Tribunal Constitucional. Bem sabiam os
recorrentes que o objecto do recurso não é a decisão judicial em si mesma, mas
apenas a parte dessa decisão em que o juiz a quo interpretou uma norma cuja
constitucionalidade foi impugnada. Como refere Gomes Canotilho1, «trata-se
sempre de uma norma interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida,
porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi
dada nessa decisão». Daí que os recorrentes tenham posto em questão precisamente
a interpretação levada a cabo e que foi suscitada no âmbito da conclusão 53.’
(cf., doc. n.º 2, pág. 7, 2.º parágrafo, que juntamos).
Acrescenta ainda o Prof. H. que ‘foi efectivamente suscitada pelos recorrentes
uma questão de inconstitucionalidade, não de uma sentença, mas da interpretação
de uma norma que essa sentença veio a acolher’ (cf. doc n.º 2 junto, pág. 9, 4.º
parágrafo).
Do exposto resulta claro, e nesta matéria acompanha-se inteiramente o Mestre G.,
que as ora Reclamantes não pretendem discutir a ’(…) natureza normativa do
objecto do contencioso da fiscalização concreta da constitucionalidade; agora,
também não se pode deixar de sublinhar, com CARLOS LOPES DO REGO2, que em muitos
casos onde está em causa o controlo da constitucionalidade «se torna assaz
duvidosa e incerta a determinação da precisa fronteira entre os figuras do
controlo normativo e da fiscalização de concretas e especificas decisões
judiciais» pelo que, ‘(…) não é possível concluir com nitidez, como faz o
relator, que o modo de expressão utilizado pelas recorrentes naquela conclusão
n.º 53 não pode ser considerado como «uma questão de suscitação de
inconstitucionalidade normativa» uma vez que se dirige à própria sentença.’ (cf.
doc. n.º 1 junto, pág. 5. 4º e 5º parágrafos).
A tempestividade no levantamento da questão da inconstitucionalidade encontra-se
por isso cumprida, pois, tal como afim1a o Professor GOMES CANOTILHO ‘as partes
sempre a foram suscitando nos articulados (vide alegações de recurso p. 19-20),
embora apenas tenham podido fazer um recorte mais rigoroso da questão de direito
imbricada na questão de inconstitucionalidade após a decisão do Tribunal Central
Administrativo Sul –pois apenas nessa altura é afirmado expressamente pelo
tribunal que a celebração da transacção fiscal extingue a relação jurídica
fiscal material (subjacente).’ (…). ‘Assim, apenas no recurso para o Tribunal
Constitucional é possível recortar com rigor a questão da inconstitucionalidade
e invocar os fundamentos das mesmas com maior precisão, o que, de resto, tem
sido aceite pelo tribunal constitucional, como uma solução que não põe em causa
o ónus da suscitação do inconstitucionalidade durante o processo.’ (cf. doc. n.º
3, ponto 2, 1.º e 2.º parágrafos, de que se junta cópia, protestando juntar o
original).
6. - Mesmo que se entenda que as Recorrentes, ora Reclamantes, não se
exprimiram, nesse contexto, do modo considerado mais adequado, a verdade é que
resulta claro das alegações de recurso, da decisão do Tribunal a quo e do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que foi
suscitada a questão da desconformidade constitucional da norma constante dos
n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, quando
interpretada e aplicada nos termos em que o foi pelo 2.º Juízo do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Lisboa e pelo Tribunal a quo.
Ao ser considerada válida, face a esses normativos, uma cláusula em que o
contribuinte renuncia a um eventua1 crédito decorrente do pagamento de impostos
com bens de valor superior ao da divida fiscal, não pode oferecer dúvidas que a
interpretação da norma em causa, sufragada pelo Tribunal a quo, importa a
violação (i) do disposto no artigo 13.º da Constituição, que consagra o
princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente da igualdade
perante os encargos públicos (ii) do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 62.º da
Constituição, que consagram a tutela constitucional da propriedade privada
enquanto direito análogo aos direitos liberdades e garantias, estando as suas
restrições sujeitas ao princípio da proibição do excesso, o que importa a
proibição constitucional do enriquecimento sem causa do Estado mediante
apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais e
(iii) do disposto no n.º 2 do artigo 103.º, e na alínea i) do n.º 1 do artigo
165.º, n.º 1, da Constituição, que consagram o principio da legalidade
tributária, nas suas dimensões de reserva de lei material e formal, uma vez que
a apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento configura a
criação de um verdadeiro imposto inominado.
Ora, não podem as ora Reclamantes concordar com a interpretação da decisão ora
reclamada, segundo a qual ‘o acórdão sub indicio hão levou a cabo uma
interpretação do n.º 9 do dito art° 284º por forma a que desse preceito
resultasse que, havendo dação de bens em pagamento de dividas fiscais (latu
sensu) e se o valor de tais bens fosse superior ao do das dívidas, não
resultaria, por força da lei, um crédito a favor do contribuinte’ (cf. 4.º
parágrafo da página 10, a fls. 1773, da decisão ora reclamada),
como não podem subscrever o entendimento do Venerando Conselheiro Re1ator do
mesmo Tribunal quando escreve na decisão reclamada que ‘O que constitui ratio
decidendi daquela peça processual foi uma interpretação de uma cláusula’ - a
cláusula de renúncia ao crédito (a cláusula 3.5 do Acordo Global celebrado em 8
de Julho de 1997 entre o Grupo E. e o Estado Português).
Pelo contrário e como defende O Professor GOMES CANOTILHO, a ratio decidendi do
Tribunal a quo não é a interpretação da cláusula de renúncia. Aquele Tribunal
antes ‘recorta uma norma, ou melhor, um segmento ideal de norma que se poderia
formular assim: «a garantia de constituição automática de um crédito fiscal
sempre que o valor dos bens objecto de dação em pagamento seja superior aos das
dívidas fiscais não se aplica nos caros em que tenha sido celebrado entre o
Estado e o contribuinte um acordo (transacção fiscal), cujo equilíbrio ou
equação financeira assente numa compensação, nos termos da qual as partes
acordem que, para a base negocial existente à data da respectiva celebração os
valores são equivalentes, mesmo que alterações legislativas posteriores ponham
em causa essa equação financeira, violando as garantias do contribuinte». E
aplica esse segmento de norma no caso concreto, que o leva a afastar a aplicação
da solução material vertida nos n.ºs 9, 10 e 11 do art. 284° do CPT. É
precisamente desse segmento ideal de norma que vai interposto o recurso
apresentado pela parte, na medida em que o mesmo viola princípios fundamentais
de direito tributário – princípio da igualdade fiscal, da igualdade perante os
encargos públicos e principio da justiça fiscal – e sub princípios
densificadores do princípio do Estado de direito democrático – princípio da
segurança jurídica, protecção da confiança legítima’, (cf. doc n.º 3 junto,
ponto 1. 2.º parágrafo).
Por outras palavras, a ratio decidendi do Tribunal a quo é verdadeiramente a
interpretação da norma constante n.ºs 9, 10 e 11 do art. 284° do CPT segundo a
qual o crédito constituído a favor das Reclamantes é livremente disponível, e
por isso renunciável, nos casos em que tenha sido celebrado um acordo com o
Estado, e não a cláusula de renúncia em si mesma, como entende a decisão
recorrida.
7. - Não podem, por isso, as ora Reclamantes, aceitar a leitura feita pelo
Venerando Conselheiro Relator das alegações por si efectuadas, na medida em que
essa leitura põe em causa a impugnação de uma decisão judicial (como não poderia
deixar de ser) como correspondendo ao incumprimento do ónus de suscitação da
questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado.
E muito menos o podem aceitar quando verificam que o Venerando Conselheiro
Relator compreendeu perfeitamente que a questão de conformidade constitucional
sobre a qual se pretende a pronúncia desse Venerando Tribunal é a que se prende
com a interpretação dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo
Tributário, sufragada pelo Tribunal a quo (cfr. penúltimo parágrafo de fls.
l774), e que são apenas razões ligadas às formas de expressão utilizadas numa
alegação perante o Tribunal Central Administrativo Sul que impedem o Tribunal
Constitucional de apreciar um problema com o alcance e a importância daquele que
foi suscitado pelas Recorrentes, ora Reclamantes, e que importa a apropriação –
por parte do Estado – do excesso de valor dos bens dados em pagamento.
Não o fazer, por causa do jeito ou da forma como as conclusões de uma alegação
estão redigidas é denegação de justiça!
8. - Entendem, por isso, as Recorrentes, ora Reclamantes, que a douta decisão do
Venerando Conselheiro Relator deverá ser revista em conformidade, e substituída
por outra que – admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional e decidindo
tomar conhecimento do objecto do mesmo – circunscreva a questão de
constitucionalidade a apreciar por esse Venerando Tribunal à conformidade da
norma constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo
Tributário, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
125/96, de 10 de Agosto, quando interpretada e aplicada nos termos em que o foi
pelo 2.º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e pelo Tribunal a
quo, de forma a permitir considerar como válida, ainda que no âmbito de um
acordo com o Estado, uma cláusula em que o contribuinte renuncia a um eventual
crédito decorrente de pagamento de impostos com bens de valor superior ao da
dívida.”
Com a reclamação foram juntos «pareceres» jurídicos.
Tendo sido ouvidos sobre a reclamação os Ministros das Finanças e
do Trabalho e da Solidariedade Social veio o primeiro apresentar «resposta» na
qual formularou as seguintes «conclusões»: –
a) O recurso interposto do Acórdão proferido pelo TACS, em 8 de Novembro de
2005, ao pretender o julgamento de constitucionalidade da interpretação dos nºs
9,10 e 11 do artigo 284º do CPT, quando aplicados como descrito pelas quatro
empresas do grupo E., não é susceptível de conduzir à declaração, na acção para
reconhecimento de direito, da invalidade, por inconstitucionalidade, de uma
cláusula através da qual as mesmas empresas renunciaram a um eventual crédito
decorrente do excesso de valor dos bens entregues para pagamento de obrigações
liquidadas por aquelas dações;
b) Na verdade, como foi claramente demonstrado no referido acórdão, no Acordo
Global, assinado entre as empresas do Grupo E. e o Governo (foi homologado por
Resolução de Conselho de Ministros!), a questão fundamental foi a resolução
definitiva e global de todo o contencioso, por via negocial de todos os
diferendos, entre as partes que nele outorgaram;
c) Sendo assim, e porque as compensações a ocorrer entre as duas partes são
muito mais complexas do que, de um lado, o valor dos bens entregues como dação
de bens em pagamento e de outro a extinção das dívidas fiscais, o juízo sobre a
violação de princípios constitucionais invocados mostra-se completamente
injustificável;
d) E injustificada se torna a invocação de violação de um segmento ideal de
norma, construído e apresentado, como tendo sido a ratio decidendi do acórdão do
TCAS recorrido já que a equação financeira que tal construção teórica pressupõe
não corresponde à realmente verificada;
e) Ainda que se entenda que o tribunal a quo tomou posição sobre a
compatibilidade constitucional da extinção de dívidas fiscais com dação de bens
de valor superior à dívida sem que daí resulte um crédito irrenunciável para o
contribuinte, isso não garante o direito ao recurso sobre tal entendimento já
que o recurso sobre a constitucionalidade da norma aplicada em concreto, não
visa apenas propiciar a discussão teórica de questões, por mais interessantes
que elas sejam, se da decisão não resultar a satisfação do interesse do
recorrente em alterar, quanto à questão de fundo, o sentido da decisão
recorrida;
f) Neste caso tal não sucederia já que a verdadeira ratio decidendi do TCAS foi
a interpretação da cláusula de renúncia como uma parte de um acordo de resolução
global de conflitos pelo que a decisão, ora reclamada, de indeferimento do
recurso não redunda em denegação de justiça, e mostra-se acertada;
g) É que o recurso interposto do Acórdão do TCAS não visa, efectivamente, a
inconstitucionalidade de uma norma (ou da respectiva interpretação), mas a
alteração de todo um julgamento de facto e respectiva aplicação de direito,
sendo o referido juízo de constitucionalidade irrelevante para a decisão da
situação concreta.”
O segundo – Ministro do Trabalho e da Segurança Social – veio
dizer que a decisão impugnada deve ser integralmente mantida.
Cumpre decidir.
2. Reafirmando-se agora, que, como sabido é, o objecto dos
recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade é constituído por
normas vertidas no ordenamento jurídico ordinário e não pelas decisões judiciais
em si consideradas, e reafirmando-se igualmente que, estando-se em presença de
um recurso estado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, se impõe a quem deseje lançar mão dessa forma de impugnação o ónus de
suscitação, antes da prolação da decisão judicial recorrida perante o Tribunal
Constitucional, da desarmonia com a Lei Fundamental por parte da norma que venha
a constituir a razão jurídica dessa decisão, a questão que se coloca no presente
recurso e que deu origem à decisão ora questionada é a de saber se, de um lado,
por banda das recorrentes, foi devidamente cumprido aquele ónus nas diversas
vertentes em que se exprime o requerimento de interposição de recurso e, de
outro, a sê-lo, ou a sê-lo nalguma vertente, se o preceito ou os preceitos que
fundaram a ratio decidendi da decisão judicial impugnada comportaram um sentido
interpretativo que foi equacionado como desconforme com a Constituição.
No tocante à primeira questão, a decisão em crise considerou que
na alegação do recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, as matérias
condensadas nas «conclusões» 12, 43, 46 e 53 se reportavam a violações das
normas ou princípios constitucionais levadas a efeito pela sentença proferida na
1ª instância.
Este Tribunal nada tem a censurar sobre o que, neste particular,
foi entendido na decisão em causa.
Na verdade, quer no «teor» da alegação, quer naquelas
«conclusões», não se lobriga qualquer asserção de onde decorra que as
recorrentes imputaram vício de desconformidade constitucional a preceito ou
preceitos (ainda que lhes sendo confira dada dimensão interpretativa) do
ordenamento ordinário.
E, sendo assim, na senda de uma jurisprudência mais do que firme
que tem sido seguida por este Tribunal, uma tal sorte de impostação daquelas
matérias não pode, de todo, abrir a via do recurso que se intentou interpor.
De facto, como resulta do que se disse, aquela abertura não se
pode satisfazer quando a enfermidade constitucional é dirigida à decisão tomada
pelos órgão de administração de justiça pertencentes às várias ordens de
tribunais e não aos normativos que fundaram essa decisão.
Esgrimem as recorrente com o argumento segundo o qual
“Estranhamente”, a decisão ora sub specie omitiu determinadas passagens do
acórdão lavrado no Tribunal Central Administrativo Sul e das quais, na óptica
daquelas, se retiraria que aquele órgão judicial teria compreendido que na já
aludida «conclusão» 53 estava colocada uma questão de inconstitucionalidade
normativa, vindo a discretear sobre ela.
Existe aqui um manifesto equívoco.
Em primeiro lugar, mesmo que se aceitasse – embora tão só para
efeitos meramente argumentativos – que aquela compreensão tivesse sido levada a
efeito, essa circunstância, só por si, não redundaria na conclusão de acordo com
a qual se haveriam de ter por preenchidos os pressupostos do recurso,
designadamente o que concerne à suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade.
Efectivamente, a verificação de tais pressupostos incumbe em
última via a este Tribunal, que os analisará objectivamente em face da actuação
processual do recorrente, não podendo nem devendo estar dependente de um
entendimento que o tribunal a quo fizer daquela actuação no sentido de que com a
mesma se quis equacionar uma questão de enfermidade constitucional normativa.
Em segundo lugar, os passos do acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul, agora invocados pelas reclamantes, não se dirigem, de todo,
a um juízo de não desarmonia constitucional referente a qualquer normativo (e
mais concretamente aos ínsitos nos números 9, 10 e 11 do artº 284º do Código de
Processo Tributário), mas antes ao designado Acordo Global, que, na perspectiva
daquele aresto, não incorria em “qualquer violação dos princípios da igualdade e
da proporcionalidade”, não afrontando a cláusula do dito Acordo “a igualdade
fiscal em qualquer das vertentes em que se desdobra”.
A isto acresce que é dever das várias ordens de tribunais de
recurso decidirem das questões de inconstitucionalidade imputadas às decisões
recorridas ou, inclusivamente, aos negócios jurídicos e nos quais se fundaram as
«acções» (em sentido lato) submetidas aos seus veredictos. Isso não significa,
porém, que a pronúncia efectuada sobre essas questões, seja suficiente para se
abrir a via de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou
legalidade normativa.
E foi isso que, in casu, sucedeu no respeitante à matéria
condensada na «conclusão» 53, pelo que a transcrição, na decisão agora
questionada, das passagens do acórdão recorrido de que agora se cura, por
nenhuma relevância revelarem, não tinha de ser efectuada.
De onde, como acima se disse, nada haver a censurar quanto ao que
se contém na decisão em apreço no seu ponto 2..
2.1. Pelo que diz respeito ao quem se discorreu no ponto 2.1. da
falada decisão, igualmente o Tribunal tem por inaceitável a reclamação
apresentada em face da argumentação que foi carreada à decisão.
Avulta aqui a consideração, devidamente realçada na decisão, de
harmonia com a qual se extrai nitidamente do acórdão proferido no Tribunal
Central Administrativo Sul que este perfilhou o entendimento segundo o qual
defluía inequivocamente do nº 9 do citado artº 284º, bem como dos princípio
regentes da nossa ordem jurídica, a possibilidade de, por força da lei, havendo
dação de bens para pagamento de dívidas fiscais (lato sensu), caso o valor
desses bens seja superior ao das dívidas, resultar um crédito a favor do
contribuinte dador, crédito esse que, muito embora pudesse servir para pagamento
de futuras dívidas fiscais, não deixava de ser livremente disponível por esse
contribuinte.
E, sendo assim, torna-se claro que a razão de decidir do acórdão,
neste específico ponto, foi a livre disponibilidade, por parte de quem, por
força da dação, se constitui como credor, da cláusula constante do Acordo Global
e não uma interpretação ou recorte de um segmento ideal daquele preceito.
A decisão em espécie não representa, pois, qualquer denegação de
justiça, já que teve em conta o que se comanda constitucionalmente e na lei
ordinária quanto aos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se as
recorrentes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 6 de Março de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício
20 Excepção feita ao Relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar.
25 O que sem entrarmos na análise aprofundada de tal questão, parece evidente
não suceder no caso vertente, como o atesta o probatório e de que resulta, desde
logo, a divergência quanto ao montante das dívidas por parte do Estado de um
lado e das empresas do Grupo E., por outro, sendo certo que estando dependente a
constituição do eventual crédito do despacho de aceitação da dação, no caso
vertente, e no que se refere ao F., – aqui o factor relevante na controvérsia
colocada ao Tribunal –, foi considerado não o valor em que as Recorrentes se
estribam para a pretensão formulada, mas no decorrente de uma aventada avaliação
da autoria da ANAM, como, manifestamente, o atesta a referência aos n.ºs e 3 e 4
do art.º 284.º do CPT, e que não pode deixar de ser entendida em correspe[
]ctividade aos imóveis «Flat 4» e «F.», por esta ordem, no último dos
considerandos do despacho dos Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais e da
Segurança Social, de 00JAN28.
1 Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, pág. 881.
2 Carlos Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta
da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, 3, pág. 7.