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Processo n.º 561/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 661 e seguintes, não se tomou
conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., Lda.,
pelos seguintes fundamentos:
“1. Em processo de «reclamação de actos do órgão de execução fiscal», deduzida,
perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos termos do artigo 276º
do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), A., Lda. vem interpor
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70°, n°
1, alíneas b) e f), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, de acórdão proferido
nos autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, pretendendo a apreciação da
inconstitucionalidade do «sentido normativo dado» ao artigo 288º, n.º 3, 2ª
parte, do Código de Processo Civil, por violação dos artigos 20º, n.ºs 1 e 4,
62º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da Constituição (requerimento de fls. 654).
O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 655, que, nos termos do artigo 76º,
n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, não vincula este Tribunal.
2. No requerimento de interposição do presente recurso, não procede a recorrente
às especificações a que alude o artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Designadamente, a recorrente não indica qual o acórdão do Tribunal Central
Administrativo de que pretende recorrer – sendo certo que o Tribunal Central
Administrativo proferiu nestes autos mais do que um acórdão – nem o sentido
atribuído à norma impugnada que considera inconstitucional ou ilegal e que vem
submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional.
Não se justifica, porém, proferir despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do n.º 6
do referido artigo 75º-A, atendendo a que do processo resulta com clareza que os
pressupostos processuais do recurso interposto não se encontram preenchidos.
E não se encontram preenchidos porque é evidente que a recorrente não suscitou,
durante o processo, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa ou de ilegalidade reforçada – isto é, qualquer
questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (de alguma das ilegalidades
que ao Tribunal Constitucional compete conhecer) de uma norma ou de uma certa
interpretação normativa –, o que é exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alíneas b)
e f), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na verdade, nas alegações para o Tribunal Central Administrativo – e apenas essa
peça processual interessa considerar face à exigência contida no artigo 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional – a ora recorrente não suscitou qualquer
questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) a propósito da norma que
agora vem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (a norma contida no
artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Só no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão do Tribunal Central
Administrativo de 1 de Fevereiro de 2005 – acórdão que negou provimento ao
recurso interposto pela ora recorrente e manteve a sentença proferida em
processo de reclamação do acto do órgão da execução fiscal contra si instaurada
por dívidas de IRC e de IVA – é que a recorrente se referiu à
inconstitucionalidade do «sentido normativo dado aos artigos 288º, n.º 3, 2ª
parte, do CPC, 124º do CPPT e 57º da LPTA», por violação dos artigos 20º, n.ºs 1
e 4, 62º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da Constituição (requerimento de fls. 643).
Fê-lo todavia num momento em que o poder jurisdicional do tribunal recorrido se
havia extinguido, pois que o acórdão que julgara a matéria da causa já fora
proferido (artigo 666º, n.º 1, do Código de Processo Civil) – e, ainda assim, de
modo impreciso, sem explicitar qual o concreto «sentido dado» às normas
questionadas –, pelo que o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alíneas
b) e f), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional não pode ser
considerado cumprido, como este Tribunal tem afirmado em jurisprudência
constante.
3. Não tendo a recorrente suscitado, de modo processualmente adequado, a
inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma contida no artigo 288º, n.º 3, 2ª
parte, do Código de Processo Civil, conclui-se que não se mostra preenchido um
dos pressupostos processuais do presente recurso, pelo que não é possível
conhecer do respectivo objecto.
[…].”.
2. Inconformada, A., Lda. reclamou para a conferência, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos (fls. 667 e seguinte):
“[…]
3. A recorrente foi notificada do douto acórdão do TCA proferido em 1 de
Fevereiro de 2005, acórdão esse insusceptível de recurso para um 3° grau de
jurisdição no contencioso tributário.
4. Com a prolação do dito acórdão tomou a recorrente conhecimento pela primeira
vez que aquela douta decisão ancorava-se, integralmente, no preceituado no art°
288º n.º 3, 2ª parte, do CPC para indeferir o recurso interposto da decisão
proferida no TAF de Lisboa.
5. Em momento processualmente adequado, ou seja, quando confrontada a recorrente
com o sentido normativo dado pelo Tribunal ao referido preceito legal reagiu,
nos termos do art° 668º n.º 1 alínea D do CPC.
6. E o douto Tribunal Central Administrativo, no uso do seu poder jurisdicional
previsto no artº 666º n.º 2 do CPC, pronunciou-se sobre a constitucionalidade
suscitada entre outras questões, indeferindo a pretensão da recorrente.
7. Ora, é evidente que a matéria constitucional foi levantada no momento
possível e adequado e o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar,
8. Não colhendo que o poder jurisdicional do Tribunal recorrido se havia
extinto, nos termos do art° 666º n.º 1 do CPC, tanto assim não foi que ao abrigo
do disposto 2 do referido preceito afirmou o seu poder jurisdicional.
9. Sendo o momento procedimentalmente adequado «in casu» aquele onde a
recorrente se posicionou, não podendo esta antever o sentido da decisão do douto
acórdão, as normas legais aplicáveis e o sentido normativo que lhes iria ser
dado.
10. O poder jurisdicional do Tribunal esgota-se com o conhecimento das questões
suscitadas no art° 666 n.º 2 do CPC e o momento adequado para suscitar a questão
da inconstitucionalidade pelo recorrente tinha que ser sempre após o
conhecimento do douto acórdão,
11. Pois só aí a recorrente teve conhecimento do sentido normativo, claramente
inconstitucional, salvo o devido respeito, dado pelo TCA ao art° 288º n.º 3, 2ª
parte do CPC.
12. Em suma a recorrente respeitou o artº 72º n.º 2 da LCT impondo-se a
apreciação do objecto do recurso.
13. Por outro lado diga-se que o sentido normativo dado pelo TCA à referida
norma é o de que nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente
quando a decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do
princípio «pro actione».
[…].”.
A Fazenda Pública, ora recorrida, não respondeu (fls. 670).
3. Tendo em conta o teor da reclamação apresentada, foi proferido
despacho pela relatora (fls. 671 e seguintes), determinando a notificação das
partes, ao abrigo do disposto no artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil,
para se pronunciarem, querendo, sobre a possibilidade de o Tribunal
Constitucional vir a não conhecer do objecto do recurso com outro fundamento,
pelas seguintes razões:
“[…]
No quadro das soluções plausíveis de direito, é de admitir que a conferência, no
âmbito dos seus poderes cognitivos e independentemente do que vier a decidir
sobre a decisão sumária reclamada, venha a considerar que existe um outro
fundamento de não conhecimento do objecto do presente recurso.
Com efeito, esclarecida pela reclamante, na reclamação
deduzida, a interpretação da norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de
Processo Civil que pretende ver apreciada por este Tribunal – e que é a de que
«nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente quando a decisão
de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do princípio ‘pro
actione’» –, verifica-se que tal interpretação não foi acolhida, nesses exactos
termos, pelo Tribunal Central Administrativo, no acórdão de 1 de Fevereiro de
2005 (o acórdão que só agora, na reclamação deduzida, a reclamante identifica
como acórdão recorrido).
Na verdade, e em primeiro lugar, a fundamentação do acórdão do
Tribunal Central Administrativo assenta numa interpretação normativa reportada
não apenas à norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil,
mas também a outras normas legais, por exemplo, ao artigo 124º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, sendo certo que a reclamante apenas
inclui no objecto do recurso a norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código
de Processo Civil.
Em segundo lugar, o Tribunal Central Administrativo não afirmou
que «nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente quando a
decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do princípio
‘pro actione’».
Percorrendo o acórdão de 1 de Fevereiro de 2005 (a fls. 621 e
seguintes), verifica-se que – a propósito da questão da nulidade da sentença por
omissão e excesso de pronúncia que havia sido colocada no recurso da decisão
proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa pela ora reclamante e
então recorrente – o Tribunal Central Administrativo, depois de se referir ao
que designou «princípio pro actione consagrado no artº 288° n.º 3 CPC, também
denominado como ‘prevalência da decisão de mérito’ em desfavor da decisão de
forma», afirmou o seguinte:
«[…]
Ora, o princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra
igualmente clara manifestação no art. 124° do CPPT (o qual segue de muito perto
o artº 57° da LPTA), aponta para a ultrapassagem de escolhos de cariz adjectivo
e processual em ordem à resolução do dissídio para cuja tutela o meio processual
fora utilizado.
Como salientam A. J. Sousa e Silva Paixão, CPPT Comentado e Anotado, 1ª ed.,
pág. 303, a finalidade de tal normativo é a de conferir uma maior eficácia e
estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido, impondo que, em
regra, de entre os vícios que conduzam à declaração de invalidade, o juiz
conhecerá prioritariamente daqueles que, em seu prudente critério, determinam
uma mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Aplicando tal princípio ao presente recurso, tendemos a considerar que se deve
conhecer das questões de mérito, preterindo o conhecimento dos vícios formais da
sentença quando estes não contendam com a procedência daquelas o que não
significa, porém, que a instauração do recurso seja de todo alheia à observância
de um número mais ou menos apertado de regras instrumentais adequadas a esse
fim.
Foi o n.º 5 do art. 268º da Constituição da República Portuguesa, introduzido
pela Lei Constitucional n.º 1/89 (após a revisão constitucional operada pela Lei
Constitucional 1/97 de 20/9, é o n.º 4 desse preceito), que veio reforçar o
princípio ‘pro actione’ ou da accionabilidade, com a institucionalização da
viabilidade de acções jurisdicionais administrativas a título principal, que não
apenas para mero suprimento ou colmatação das lacunas ou insuficiências da
protecção proporcionada pelo recurso contencioso de anulação.
[…]
O art. 124° do CPPT possui um sentido útil que resulta da respectiva
interpretação conforme a Constituição: o conhecimento dos vícios formais da
sentença só deverá ser exercitado nos casos em que a solução normal e típica não
se apresente como garantindo uma efectiva tutela jurisdicional do direito ou
interesse em causa; isto segundo uma ideia de complementaridade ou
alternatividade instrumental, que não por uma ideia de subalternização ou de
secundarização dos vícios formais em relação aos substanciais.
[…].».
Partindo destas considerações e afirmando que no caso em
apreciação estavam em causa «questões que têm a ver com direitos que a
Recorrente pretende ver reconhecidos através da reclamação que deduziu contra um
acto do órgão da execução fiscal ao abrigo do art. 276° do CPPT, concreta e
substancialmente, o direito de se opor à penhora e a redução desta», o Tribunal
Central Administrativo verificou que, não podendo tais direitos ser «cabalmente
satisfeitos pela anulação da decisão em causa, tal implica que a decisão de
fundo deixará a situação no estado em que se encontrava antes da sua prolação,
levando a execução da sentença cuja anulação se pretende, ainda que declarada
pelas causas invocadas, à manutenção dessa situação», pelo que «não se justifica
o meio processual utilizado».
E concluiu assim:
«[…]
Em suma: por mor do princípio pro actione consagrado, prevalentemente, no art.
124° do CPPT e 2°, n.º 2 do CPC, também denominado como ‘prevalência da decisão
de mérito’ em desfavor da decisão de forma, permite-se a prolação de decisão de
mérito mesmo que, por subsistir uma causa de nulidade, coubesse antes declarar a
anulação da sentença e conhecer de mérito em substituição ao abrigo do art. 715°
do CPC, se a decisão do mérito vier a ser a mesma que a acolhida na sentença
recorrida.
Na verdade, […] na hipótese em que o objecto do recurso é uma nulidade da
sentença, o Tribunal ad quem não deve ocupar-se desse vício se a decisão sobre o
mérito não puder ser favorável à parte que beneficiaria com o seu preenchimento.
Tal não constitui um excesso de exigência quanto ao exacto conteúdo dos direitos
que as partes podem exercer pressupondo que estas deverão estar ao corrente, e
conhecer com minúcia, todos os meios legais que lhe são facultados.
E tal exigência não é excessiva porquanto se harmoniza com o princípio pro
actione ou do direito à justiça plasmado no art. 20° da Constituição.
E entre a ofensa a um tal direito e o inconveniente de facultar-se às partes, em
mais do que um momento, o exercício do direito que lhe compete, não pode
duvidar-se que a opção acertada é o do respeito daquele direito fundamental.
Em tal desiderato não deverão aquelas nulidades ser conhecidas, de modo a
permitir ao tribunal ‘ad quem’ dirimir definitivamente a questão, em homenagem
ao princípio ‘pro actione’ ou ‘pro-recurso’, consubstanciado no velho brocardo
latino ‘favorabilia amplianda, odiosa restringenda’, de que constitui evidente
erupção todos os citados normativos.
Em face do que vem dito tem precedência o conhecimento da questão suscitada pela
Recorrente A., Ldª no item II) – vício de violação de lei.
[…].».
Considerando as razões invocadas no acórdão, o Tribunal Central
Administrativo procedeu à apreciação do invocado vício de violação de lei,
acolhendo inteiramente a fundamentação da sentença então recorrida – que julgara
improcedente tal invocação – e assim negando provimento ao recurso.
Do que acaba de se dizer resulta que o Tribunal Central
Administrativo não entendeu que «nunca procedem as questões adjectivas
suscitadas pelo arguente quando a decisão de mérito nunca lhe pudesse ser
favorável, isto em prol do princípio ‘pro actione’». Perante as circunstâncias
do caso dos autos, o que o Tribunal Central Administrativo fez foi verificar
que, ainda que viesse a julgar-se procedente o vício de omissão ou de excesso de
pronúncia imputado pela ora reclamante e então recorrente à sentença proferida
na 1ª instância, sempre se manteria a penhora decretada – penhora que a ora
reclamante pretendia impugnar através do processo de «reclamação de actos do
órgão de execução fiscal», deduzida, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal
de Lisboa, nos termos do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário, que deu origem ao presente recurso de constitucionalidade.
Ora esta conclusão a que chegou o Tribunal Central
Administrativo – bem ou mal, questão que não compete ao Tribunal Constitucional
apreciar no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
– não assentou exclusivamente na norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do
Código de Processo Civil e não corresponde à interpretação normativa enunciada
na reclamação agora deduzida pela reclamante.
[…].”.
4. A., Lda. veio responder, nos seguintes termos (fls. 680):
A., Lda, nos autos do processo supra referido, notificada do douto despacho de
fls. , vem requerer a sua aclaração como segue,
Por douto despacho de fls. foi a recorrente notificada, nos termos do art° 78-A
n.º 1 da LTC, que o Tribunal Constitucional não conhecia o objecto do recurso
por não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de modo processualmente
adequado.
Em tempo reclamou a recorrente para a conferência, nos termos do art° 78-A n.º 3
da LTC.
É agora a recorrente notificada para se pronunciar, nos termos do art° 3° n.º 3
do CPC, sobre novo douto despacho ou despacho complementar ao ora reclamado.
Ora, resulta claramente do art° 78-A da LTC que da decisão sumária de
indeferimento de recurso pode a recorrente reclamar para a conferência, não se
prevendo qualquer despacho complementar ou novo despacho de indeferimento
naquele diploma que admita a douta decisão de fls.
Pelo que nessa medida extinguiu-se o poder jurisdicional da Ilustre Relatora,
nos termos do art ° 666º do CPC, salvo o devido respeito.
Por outro lado o douto despacho em causa labora como se tivesse lançado mão do
art° 75-A n.ºs 5 e 6 da LTC e a recorrente tivesse correspondido ao convite.
Porém tal não aconteceu, tendo-se entendido inclusivé no próprio despacho
reclamado ser desnecessário fazer apelo àquele normativo.
Face ao exposto vem requerer-se que esse Alto Tribunal esclareça a obscuridade
do douto despacho de fls. , isto nos termos do art° 669º n.º 1 alínea a) do CPC,
porquanto a recorrente fica sem saber, com a sua prolação, qual a decisão
sumária de indeferimento tomada nos termos do art° 78-A n.º 1 da LTC se a
reclamada, a ora requerida ou ambas.”
Decorrido o prazo, a recorrida Fazenda Pública não respondeu
(fls. 681).
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. A ora reclamante interpôs o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70°, n.º 1, alíneas b) e f), da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão proferido nos autos pelo Tribunal
Central Administrativo Sul, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade do
“sentido normativo dado” ao artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo
Civil, por violação dos artigos 20º, n.ºs 1 e 4, 62º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da
Constituição (requerimento de fls. 654).
Na decisão reclamada (supra, 1.), entendeu-se que a ora
recorrente não suscitara qualquer questão de inconstitucionalidade (ou de
ilegalidade) a propósito da norma que pretendia submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional. Como tal – e apesar de se verificar que no requerimento
de interposição do recurso a recorrente não procedia às especificações a que
alude o artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional – reconheceu-se ser
inútil proferir despacho de aperfeiçoamento e decidiu-se sumariamente, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso.
6. Na reclamação deduzida (supra, 2.), a reclamante vem esclarecer
alguns dos pontos que se encontravam em falta no requerimento de interposição do
recurso.
Em primeiro lugar, afirma que o recurso é interposto do “douto
acórdão do TCA proferido em 1 de Fevereiro de 2005”.
Acrescenta que “o sentido normativo dado pelo TCA à referida
norma [a norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil] é o
de que nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente quando a
decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do princípio
«pro actione»”.
Por outro lado, a reclamante impugna a decisão sumária
proferida, afirmando que “com a prolação do dito acórdão tomou […] conhecimento
pela primeira vez que aquela douta decisão ancorava-se, integralmente, no
preceituado no art° 288º n.º 3, 2ª parte, do CPC para indeferir o recurso
interposto da decisão proferida no TAF de Lisboa”, pelo que “a matéria
constitucional foi levantada no momento possível e adequado e o Tribunal teve
oportunidade de se pronunciar”.
Ora, desta última alegação parece resultar que a reclamante
restringe o fundamento do recurso: na verdade, se do requerimento de
interposição do recurso decorria que o mesmo era interposto ao abrigo das
alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, diz-se
agora – ainda que de forma meramente implícita – que o recurso é interposto ao
abrigo da alínea b) de tal preceito.
Sendo embora certo que a reclamação prevista no artigo 78º-A,
n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional não constitui o momento processual
adequado para suprir as deficiências do requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade, os elementos trazidos ao processo na reclamação deduzida
nestes autos hão-de ser tidos em conta na decisão a proferir sobre tal
reclamação.
7. Assim, tendo em conta as circunstâncias do presente processo,
reconhece-se que a reclamante não podia ter questionado a inconstitucionalidade
da norma constante do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil,
antes de proferida a decisão recorrida – o acórdão do Tribunal Central
Administrativo, de 1 de Fevereiro de 2005, que negou provimento ao recurso
interposto pela ora reclamante e manteve a sentença proferida em processo de
reclamação do acto do órgão da execução fiscal contra si instaurada por dívidas
de IRC e de IVA.
Não era, assim, exigível à reclamante o cumprimento do ónus a
que aludem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
8. Simplesmente, como se disse no despacho da relatora de fls. 671 e
seguintes (supra, 3.), outro motivo existe para não conhecer do objecto do
presente recurso.
Antes de mais, sublinhe-se que esse despacho não traduz o
exercício de poder jurisdicional posterior à prolação da decisão sumária
reclamada, como parece sustentar a ora reclamante na resposta de fls. 680
(supra, 4.).
Tal despacho – em que nada se decidiu relativamente à causa
submetida a este Tribunal – foi proferido ao abrigo do disposto no artigo 3º,
n.º 3, do Código de Processo Civil, com o objectivo de dar às partes a
oportunidade de se pronunciarem sobre um outro fundamento de não conhecimento do
recurso de constitucionalidade, fundamento esse que se tornou evidente a partir
do teor da reclamação fls. 667 e seguinte (supra, 2.).
É que, tendo sido esclarecido pela reclamante, na reclamação
deduzida, que, no âmbito do presente recurso, pretende ver apreciada por este
Tribunal a norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil,
interpretada no sentido de que “nunca procedem as questões adjectivas suscitadas
pelo arguente quando a decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto
em prol do princípio «pro actione»”, verifica-se que tal interpretação não foi
acolhida, nesses exactos termos, pelo Tribunal Central Administrativo, no
acórdão de 1 de Fevereiro de 2005.
Na verdade, e em primeiro lugar, a fundamentação do acórdão do
Tribunal Central Administrativo assenta numa interpretação normativa que deve
ter-se como reportada não à norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de
Processo Civil (ou não apenas a essa norma), mas a outras normas legais,
designadamente, ao artigo 124º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário, sendo certo que a reclamante inclui no objecto do recurso tão
somente a norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil.
Em segundo lugar, o Tribunal Central Administrativo não afirmou
que “nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente quando a
decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do princípio
«pro actione»”.
O que o Tribunal Central Administrativo fez foi verificar que,
perante as circunstâncias do caso dos autos, ainda que viesse a julgar-se
procedente o vício de omissão ou de excesso de pronúncia imputado pela ora
reclamante e então recorrente à sentença proferida na 1ª instância, sempre se
manteria a penhora decretada – penhora que a ora reclamante pretendia impugnar
através do processo de “reclamação de actos do órgão de execução fiscal”,
deduzida, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos termos do
artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que deu origem
ao presente recurso de constitucionalidade.
Ora esta conclusão a que chegou o Tribunal Central
Administrativo – bem ou mal, questão que não compete ao Tribunal Constitucional
apreciar no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
– não assentou (ou não assentou exclusivamente) na norma do artigo 288º, n.º 3,
2ª parte, do Código de Processo Civil e não corresponde à interpretação
normativa enunciada na reclamação agora deduzida pela reclamante.
9. A resposta da reclamante ao despacho proferido pela relatora a
fls. 671 não põe em causa as razões invocadas em tal despacho.
O recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional só pode ter por objecto a
apreciação da norma (ou interpretação normativa) cuja inconstitucionalidade
tenha sido suscitada pelos recorrentes durante o processo e que tenha sido
efectivamente aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida.
Como mais pormenorizadamente se explicou no despacho da
relatora de fls. 671 e seguintes (supra, 3.), a decisão proferida pelo Tribunal
Central Administrativo, no acórdão recorrido, não se fundamentou (ou não se
fundamentou exclusivamente) na norma do artigo 288º, n.º 3, 2ª parte, do Código
de Processo Civil e não perfilhou a interpretação normativa enunciada pela
reclamante e por ela reputada contrária à Constituição.
Não podem por isso dar-se como verificados os pressupostos
processuais do tipo de recurso interposto.
III
10. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recuso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da
declaração de voto junta.
Artur Maurício
Declaração de voto
Não acompanhei a decisão que fez vencimento, tendo votado no sentido do
conhecimento do presente recurso pelo que passo a expor sumariamente as razões
da minha discordância com a tese do acórdão.
A conclusão do acórdão esteia-se em duas premissas: por um lado, “a
fundamentação do acórdão do Tribunal Central Administrativo assenta numa
interpretação normativa que deve ter-se como reportada não à norma do artigo
288°, n° 3, 2ª parte, do Código de Processo Civil (ou não apenas a essa norma),
mas a outras normas legais, designadamente, ao artigo 124° do Código de
Procedimento e de Processo Tributário, sendo certo que a reclamante inclui no
objecto do recurso tão somente a norma do artigo 288°, nº 3, 2ª parte, do Código
de Processo Civil”; por outro lado, “o Tribunal Central Administrativo não
afirmou que “nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente
quando a decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do
princípio «pro actione»”.
Não sufrago nenhuma destas afirmações. Quanto à primeira, é certo que a sentença
recorrida (o acórdão do TCA de 1 de Fevereiro de 2005) considerou que o que
chama de “princípio pro actione (também chamado anti-formalista) encontra
igualmente (sublinhado nosso) clara manifestação no artigo 124º do CPPT”, onde
estaria prevalentemente consagrado, do mesmo modo que no artigo 2º, nº 2 do CPC
(ps. 623 e 625). Mas começa por dizer que tal princípio, “também denominado como
“prevalência da decisão de mérito” em desfavor da decisão de forma, à luz do
qual se permite a prolação de uma decisão de mérito mesmo que, por subsistir uma
excepção dilatória, coubesse antes declarar a absolvição da instância (…)” se
encontra consagrado no art. 288º, nº 3 do CPC (veja-se a transcrição no nº 3 do
acórdão). Na lógica desta decisão, a dimensão normativa que constitui a sua
ratio decidendi não resulta da conjugação das distintas regras apontadas,
podendo extrair-se de qualquer delas, pelo que a circunstância de no
requerimento de interposição do recurso se referir apenas o art. 288º, nº 3 do
CPC (uma dessas regras) não implica que a dimensão normativa sujeita ao controlo
do Tribunal Constitucional seja diversa da que foi aplicada na decisão
recorrida; e o mesmo se diga da circunstância de o acórdão (de 26 de Abril de
2005) que julga inverificada a arguição de nulidade daquela decisão não
reportar já expressamente aquela dimensão normativa ao referido artigo 288º, nº
3 do CPC.
Quanto à segunda, pretende-se que o «Tribunal Central Administrativo não afirmou
que “nunca procedem as questões adjectivas suscitadas pelo arguente quando a
decisão de mérito nunca lhe pudesse ser favorável, isto em prol do princípio
“pro actione”», tendo-se limitado a “verificar que, perante as circunstâncias do
caso dos autos, ainda que viesse a julgar-se procedente o vício de omissão ou de
excesso de pronúncia imputado pela ora reclamante e então recorrente à sentença
proferida na 1ª Instância, sempre se manteria a penhora decretada”.
Simplesmente, o tribunal recorrido afirmou claramente, em aplicação do
mencionado princípio “pro actione” , que “deve conhecer-se das questões de
mérito preterindo o conhecimento dos vícios formais da sentença quando estes não
contendam com a procedência daqueles” (acórdão de 26/04/2005, a pps. 646), pelo
que considerou que «não podendo ser cabalmente satisfeitos pela anulação da
decisão em causa [os direitos que a recorrente pretende ver reconhecidos] tal
implica que a decisão de fundo deixará a situação no estado em que se encontrava
antes da sua prolação, levando a execução da sentença cuja anulação se pretende,
ainda que declarada pelas causas invocadas, à manutenção dessa situação, não se
justifica o meio processual utilizado (arguição de nulidade da sentença). Em tal
desiderato, conclui-se no acórdão aclarando que não deverão aquelas nulidades
ser conhecidas, de modo a permitir ao tribunal “ad quem” dirimir definitivamente
a questão, em homenagem ao princípio “pro actione”». (acórdão de 16 de Março de
2005, a ps. 636-637). É assim claro, no nosso entender, que, como refere o
recorrente, o tribunal entendeu ser de afastar o conhecimento das questões
adjectivas suscitadas pelo recorrente quando a decisão de mérito nunca lhe
pudesse ser favorável, e isto em prol do princípio “pro actione”.
Concluímos pois que se não pode afirmar, como faz o acórdão (ponto 9), nem que a
decisão recorrida não assentou exclusivamente na norma do artigo 288º, nº 3, 2ª
parte, nem que ela não corresponde à interpretação normativa enunciada pela
reclamante.
Face ao que conheceríamos do objecto do recurso
Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060148.html ]