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Processo n.º 1011/2005.
3.ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 4 de Janeiro e 2006 o relator proferiu a seguinte decisão:
–
“1. Inconformado com o acórdão proferido em 15 de Março de 2005
pelo tribunal colectivo do 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Almada
que – pela autoria de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de
abuso de confiança fiscal na forma continuada, previsto e punível pelo nº 1 do
artº 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo
Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei
nº 394/93, de 24 de Novembro, e por um crime de fraude fiscal na forma
continuada, previsto e punível pelo artº 23º, números 1, 2, alíneas a) e b), 3,
alíneas a) e e), e 4, ainda do falado Regime – o condenou na pena única de dois
anos e três meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de quatro
anos, sujeita à condição de pagar ao Estado, no período de dois anos, o montante
de € 159.275,74, a título de dívida respeitante a Imposto sobre o Valor
Acrescentado e a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, recorreu
para o Tribunal da Relação de Lisboa o arguido A..
Na motivação do recurso, o arguido, em dados passos, e no que ora
releva, fez escrever, na parte que epitetou de “II. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA
DECISÃO RECORRIDA”: –
‘(…)
As normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral das Infracções Fiscais não
Aduaneiras, na medida em que subordinam obrigatoriamente ao pagamento da dívida
em causa a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática de
crime fiscal, são inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade,
da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos 13º e 18º,
nº 2 da Constituição, respectivamente.
(…)’
E, na parte intitulada “III. DO DIREITO APLICÁVEL”, fez escrever:
–
‘(…)
A inconstitucionalidade da decisão recorrida, fundamenta-se, como foi já supra
referido na interpretação das normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral
das Infracções Fiscais não Aduaneiras, na medida em que subordinam
obrigatoriamente ao pagamento da dívida em causa a suspensão da execução da pena
de prisão aplicada pela prática de crime fiscal, por violação dos princípios da
igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos
13º e 18º, nº 2 da Constituição, respectivamente.
Desta forma, ao subordinar obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de
prisão à exigência do pagamento do montante da dívida, sem qualquer ponderação
da personalidade do agente, das suas condições de vida, da sua capacidade
económica, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da avaliação da culpa e
da ilicitude e das necessidades concretas de ressocialização e de prevenção,
sabendo em consciência e dando como provado, que o arguido não tem meios
económicos que lhe permitam proceder ao pagamento do montante em dívida, o douto
acórdão, viola os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade
da pena consagrados nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição, bem como o
art.º 51, n.º 2 do Código Penal.
Pelo que, e também nesta parte, deve o douto acórdão ser revogado.
Acresce, que o douto acórdão condena duplamente, o arguido, no que concerne a um
valor que é único.
O que é legalmente inadmissível.
O douto acórdão recorrido, condena o arguido ao pagamento do mesmo valor a
título de indemnização civil ao Estado, tendo já feito depender do pagamento
desse mesmo valor ao Fisco, a suspensão da execução da pena no foro criminal,
pelo que acaba por condenar o arguido duas vezes pelo mesmo crime.
Devendo, assim, ser revogado, nesta parte, por violador da norma constitucional
estatuída no art.º 29, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
(…)’
Na dita motivação, por entre outras, foram, igualmente para o que
agora importa, formuladas as seguintes «conclusões»: –
‘(…)
CC) As normas dos nºs 6 e 7 do artigo 11º do Regime Geral das Infracções Fiscais
não Aduaneiras, na medida em que subordinam obrigatoriamente ao pagamento da
dívida em causa a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pela prática
de crime fiscal, são inconstitucionais, por violação dos princípios da
igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena consagrados nos artigos
13º e 18º, nº 2 da Constituição, respectivamente.
DD) Assim, deve o douto acórdão ser revogado, nesta parte, por violador dos
princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena
consagrados nos artigos 13º e 18º, nº 2, da Constituição, e ainda, por violador
do art.º 51, n.º 2, do Código Penal.
(…)
FF) O Tribunal a quo, imputou ao arguido condenação dupla de um valor que é
único, condenando o arguido ao pagamento do mesmo valor a título de indemnização
civil ao Estado, tendo já feito depender do pagamento desse mesmo valor ao
Fisco, a suspensão da execução da pena no foro criminal, pelo que acaba por
condenar o arguido duas vezes pelo mesmo crime, o que é legalmente inadmissível.
GG) Devendo, assim, ser revogado, nesta parte, por violador da norma
constitucional estatuída no art.º 29, n.º 5 da Constituição da República
Portuguesa.’
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Novembro de
2005, decidiu que ‘a impugnação da decisão recorrida merece apenas provimento no
tocante à condição de suspensão de execução da pena nos termos expostos em 5.2.
mantendo-se em tudo o mais o decidido na 1ª instância’.
E, quanto a essa condição de suspensão, discreteou assim aquele
aresto: –
‘(…)
5. Na parte final da motivação, o recorrente põe em
causa a sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada
ao pagamento dos montantes em dívida no prazo de dois anos.
São diversos os ângulos da impugnação, cabendo tratá-los
separadamente.
5.1.5. Pretende o recorrente que é inconstitucional, por
violação dos princípios de igualdade, de necessidade e da proporcionalidade das
penas consagrad[o]s nos artºs 13º e 18º, 2 da CRP o entendimento de que a
suspensão da pena de prisão, no caso da prática de crimes fiscais deve ser
sempre subordinada ao pagamento da prestação tributária em dívida.
O preceito em causa, que coloca em estrito pé de
igualdade a generalidade dos agentes de crimes fiscais que devam ficar sujeitos
a pena de prisão e mereçam suspensão de execução da pena, não se divisa como
pode violar o primeiro dos preceitos constitucionais citados.
E não se torna claro pela evidência, nem o recorrente
esclarece, o que pode haver violador dos limites constitucionais colocados à
intervenção penal, quando se faz depender da reposição da ordem patrimonial
ainda possível, a aplicação de uma sanção penal menos gravosa.
Cabe todavia atentar em que estão em causa factos que se
prolongaram no tempo, desde 1993 e 1998 e que, no diploma que operou a revisão
do C. Penal em 1995 (Dec.-Lei nº. 48/95, de 15 de Março) existe uma disposição
que determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa
proibissem ou restringissem a substituição da pena de prisão por multa ou a
suspensão da pena de prisão (artº. 2º, 3). Sendo assim e tendo presente o
preceituado no artº. 2º, 4 do C. Penal, cumpre aplicar, por mais favorável, esse
regime que durante parte do período de tempo em que se verificou a actividade
criminosa foi aplicável.
Porém, sendo certo que os ilícitos em presença têm
profunda incidência económica, crê-se que faz inteiro sentido condicionar a
suspensão da execução da pena à obrigação de satisfazer nalguma medida a
prestação tributária em dívida.
5.2. Ponderando o recorrente que, na decisão recorrida
foi considerado provado que ele está desempregado, vive em casa da companheira e
tem dos filhos, considera que não poderá cumprir a condição imposta, o que se
traduzirá por uma inevitável revogação da suspensão da pena de prisão.
Apreciando, dir-se-á que tendo em conta o
condicionalismo pessoal do recorrente apontado na sentença, não é inteiramente
seguro que não disponha de meios para repor os valores que deveriam pela sua mão
ingressar nos cofres públicos.
E mais se diz que, caso não seja efectuado o pagamento,
a revogação da suspensão da execução da pena é apenas uma das possibilidades de
solução, exactamente a terceira e última das previstas na lei, nada impondo que
seja esta a adoptada pelo tribunal, quando o incumprimento se deva a penúria
involuntária.
Acrescenta-se, em resposta à alegação do preceituado no
artº. 51º., 2 do C. Penal, que não se alcança que ultrapasse a razoabilidade o
sacrifício de pagar o que é devido à Fazenda Nacional e em cujos cofres não
ingressou pelas razões que a decisão recorrida esclarece e de que foi causa
eficiente a acção do recorrente.
Sendo no entanto certo que o condicionalismo económico
aludido na decisão recorrida também não permite que se afirme que o recorrente
está em situação que lhe permita solver a totalidade da sua dívida penal, tem-se
como medida mais razoável o estabelecimento da condição de suspensão da execução
da pena em metade do valor da condição de suspensão de execução da pena […]
apurado (€ 79.637,87), aumentando para três anos o prazo de pagamento.
(…)’
Do acórdão de que parte se encontra extractada interpôs o arguido
recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio de requerimento
onde se escreveu: –
‘A., melhor identificado nos autos à margem referenciados, em que é arguido, não
se conformando com o douto acórdão de fls …, proferido por este Tribunal da
Relação, vem do mesmo interpor recurso, nos termos do art.º 70º, n.º 1, alínea
b) da Lei 28/82 de 15 de Novembro, porquanto a douta decisão ora recorrida viola
os princípios constitucionais consagrados nos art.ºs 13º e 18º, n.º 2 da CRP e o
disposto no art.º 51º, n.º 2 do Código Penal, tendo esta questão sido suscitada
pelo arguido no recurso interposto do douto acórdão proferido em 1ª instância.’
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por
despacho de 30 de Novembro de 2005, admitiu o recurso.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do
artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso
não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma
Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do
objecto da presente impugnação.
Em primeiro lugar deverá anotar-se que o requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal não cumpre a totalidade dos
requisitos previstos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82. Todavia,
porque, como à frente se verá, não se poderia, in casu, tomar conhecimento do
objecto do recurso, ainda que se verificasse o cabal cumprimento do disposto
naqueles preceitos, seria consubstanciador de um acto perfeitamente inútil a
formulação, no momento e ao abrigo do nº 6 do mesmo artigo, de convite para o
arguido vir a completar o requerimento de interposição de recurso.
Isto posto, há que sublinhar que, tratando-se, como se trata, de
um recurso ancorado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o seu
objecto é constituído por normas ínsitas no ordenamento jurídico
infra-constitucional e não por outros actos do poder público tais como, verbi
gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
De outro lado, em face dessa espécie de recurso, nunca seria
cabido lançar-se mão do mesmo para aferir da validade de determinado normativo
por invocado ferimento de uma disposição constante de um corpo de leis como o
Código Penal.
Ainda de um outro lado, aquela sorte de impugnação depende da
verificação de dois pressupostos, a saber: –
– a suscitação, precedentemente à prolação da decisão judicial
intentada recorrer, da desarmonia constitucional de normas do ordenamento
jurídico ordinário;
– a aplicação, como ratio juris dessa decisão, das normas cuja
inconstitucionalidade foi equacionada.
Neste contexto, é por demais evidente que, como resulta do
relato supra efectuado, nunca poderia abrir a via de recurso previsto na dita
alínea b) do nº 1 do artº 70º a impostação das questões condensadas nas
«conclusões» DD), FF) e GG) acima transcritas, pois que o vício de
desconformidade constitucional é aí imputado à decisão proferida pelo tribunal
colectivo do 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Almada.
Concernentemente às normas vertidas nos números 6 e 7 do artº
11º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, haverá, em face do
mesmo relato, que aceitar que foi, precedentemente ao proferimento do acórdão
agora desejado recorrer, suscitada uma questão de enfermidade constitucional.
Simplesmente, como bem se alcança da transcrição da parte do
acórdão prolatado em 2 de Novembro de 2005 pelo Tribunal da Relação de Lisboa,
tais normas não constituíram razão jurídica do decidido quanto à imposição da
condição de suspensão da execução da pena que foi decretada naquele aresto.
Na realidade, ali foi entendido que, com a reforma operada no
Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, foram revogadas as
disposições penais avulsas que estabelecessem proibição ou restrição da
suspensão da pena de prisão, pelo que não se poderia atender aos preceitos
daqueles números 6 e 7 do artº 11º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não
Aduaneiras. Contudo, na óptica do acórdão, como, no caso sub iudicio, não ficou
demonstrada a impossibilidade do cumprimento por parte do arguido de uma
condição tal como a do pagamento da dívida tributária, e porque estava em causa
a prática de ilícitos com profunda incidência económica, fazia «todo o sentido»
suspender a execução da pena aplicada sujeitando a suspensão da execução da pena
à condição de o mesmo arguido, em três anos, pagar um montante equivalente a
metade da dívida.
Daqui resulta, inquestionavelmente, que a razão jurídica, neste
particular, se esteou, não no citados números 6 e 7 do artº 11º, mas sim no artº
51º do Código Penal, pelo que se deve concluir que aqueles primeiros normativos
não cobraram aplicação no acórdão em crise.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em seis unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou o arguido, o que fez mediante
requerimento com o seguinte teor: –
“1. Em 29/12/2005 o ora Reclamante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional de decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por a
mesma conter interpretações inconstitucionais relativamente aos preceitos
constantes do art.º 11°, nº 6 e 7 do Regime Geral das Infracções não Aduaneiras,
bem como do art.º 51, nº 1 do Código Penal, por violadoras dos princípios e
direitos constitucionais consagrados nos artigos 1º, 13º, 18° e 27°, nº 1, todos
da Constituição da República portuguesa (C.R.P.). No entanto,
2. Por decisão sumária proferida pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Relator não se
conheceu do objecto do referenciado Recurso, sendo o mesmo indeferido
liminarmente.
3. A decisão referida no número anterior foi fundamentada com o não cumprimento
da totalidade dos requisitos exigidos no art.º 75-A, números 1 e 2 da Lei 28/82
por parte do requerimento de interposição de Recurso, bem como que a espécie de
Recurso exercida não era o mecanismo processual adequado à obtenção da pretensão
vertida no citado requerimento de interposição de recurso e ainda que as normas
cuja inconstitucionalidade foi invocada não constituíram ratio j[u]ris da
decisão recorrida. Sucede que,
4. Do requerimento de interposição de recurso constam os princípios
constitucionais violados através das interpretações inconstitucionais
efectuadas, quer pela decisão do Tribunal de 1ª instância, quer pela decisão do
Tribunal da Re1ação, dos preceitos referenciados no nº 1 da ora Reclamação,
tendo ainda sido indicado a espécie de recurso em causa. Ou seja,
5. Do referenciado requerimento constam todos os elementos exigidos pela Lei do
Tribunal Constitucional, pelo que se deve concluir pe1o preenchimento de lodos
os requisitos exigidos pelo art.º 75-A nº 1 e 2 da Lei 28/82.
Acresce que,
6. A decisão ora reclamada considerou que a questão suscitada foi de violação de
normas constantes do Código Penal por parte da decisão recorrida, o que não
corresponde à realidade. Na verdade,
7. O objecto do Recurso consistiu nas interpretações dadas ao art.º 11º, nº 6 e
7 do Regime Geral das Infracções não Aduaneiras, bem como do art.º 51, nº 1 do
Código Penal, inconstitucionais por violadoras dos princípios e direitos
constitucionais consagrados nos artigos 1°, 13º, 18° e 27°, nº 1, todos das
Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), como aliás consta das conclusões
de Recurso, nomeadamente na alínea C, bem como no pedido constante desse mesmo
Recurso. Assim,
8. Não foi colocado à consideração deste Tribunal em momento algum a questão da
violação do art.º 51 do Código Penal, ao contrário do que consta da decisão ora
reclamada, mas sim a interpretação inconstitucional que foi efectuada do seu
texto.
Ainda,
9. Não colocando em crise o pressuposto da suscitação, precedente à pro1ação da
decisão judicial intentada, da desarmonia constitucional de normas do
ordenamento jurídico ordinário, foi, no entanto, considerado pelo Exm.º Senhor
Juiz Conselheiro Relator que as normas cuja inconstitucionalidade foi invocada
não constituíram ratio j[u]ris da decisão recorrida. Ora,
10. Mesmo que se aceitasse que a ratio j[u]ris da decisão recorrida fosse apenas
o art.º 51, nº 1 do Código Penal, o que não se concede, esse mesmo argumento
cairia por terra pelo atrás exposto, ou seja, que foi a interpretação
inconstitucional desse normativo o fundamento do Recurso e não a sua violação.
Acresce que,
11. Essas interpretações inconstitucionais foram aplicadas não só pelo Tribunal
de 1ª instância, mas também pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao contrário do
defendido na decisão ora reclamada, pelo que também aqui não se percebe a
fundamentação utilizada para indeferir liminarmente a apreciação do objecto do
Recurso em causa.
12. Verifica-se assim estarem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo
art.º 75-A, números 1 e 2 da Lei 8/82, constituindo o presente Recurso meio
processual adequado para apreciação da pretensão do ora Reclamante.
Termos em que se requer a V Ex.a que revogue a decisão ora reclamada e, em
consequência, seja ordenado o prosseguimento da normal tramitação do Recurso em
causa, nomeadamente a apreciação do seu objecto.”
Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério
Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da sua manifesta
improcedência, sustentando que a argumentação do reclamante em nada abalava “os
fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos
pressupostos do recurso interposto”.
Cumpre decidir.
2. Em primeira via, assinala-se que, de todo em todo, a decisão
em crise se não ancorou, para efeitos de não tomada de conhecimento do objecto
do recurso, na circunstância de o respectivo requerimento de interposição não
obedecer, na sua integralidade, aos comandos ínsitos nos números 1 e 2 do artº
75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Para demonstrar esta asserção, basta ler o passo escrito em tal
decisão e de harmonia com o qual, como acima ficou extractado, “Todavia, porque,
como à frente se verá, não se poderia, in casu, tomar conhecimento do objecto do
recurso, ainda que se verificasse o cabal cumprimento do disposto naqueles
preceitos, seria consubstanciador de um acto perfeitamente inútil a formulação,
no momento e ao abrigo do nº 6 do mesmo artigo, de convite para o arguido vir a
completar o requerimento de interposição de recurso”.
São, assim, inteiramente descabidas as considerações formuladas
na primeira parte do item 3., e nos items 4., 5. e 12. do requerimento
consubstanciador da reclamação.
2.1. De outro lado, o que se disse na decisão sub iudicio foi que
aquilo que constava das «conclusões» DD), FF) e GG) da motivação de recurso do
tribunal da 1ª instância para o tribunal da 2ª instância não podia abrir o
recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, já que o
vício de desconformidade constitucional foi assacado à decisão proferida naquele
primeiro tribunal e não a normas (ainda que alcançadas por via de um processo
interpretativo) vertidas no ordenamento jurídico infra-constitucional, e sendo
que não poderia uma tal sorte de impugnação basear-se (como da dita «conclusão»
DD) expressamente constava) na violação “do art.º 51, n.º 2, do Código Penal”.
Isso significa, pois, que a razão de ser do decidido se esteou no
facto de não ser imputada a qualquer normativo do ordenamento jurídico ordinário
o vício de contraditoriedade com a Lei Fundamental.
Não tem, por isso, qualquer suporte o que é referido nos items 6.
e 8. do aludido requerimento que contém a reclamação.
2.2. Por último, e não tendo sido, como não foi, suscitada
qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a uma dada dimensão
interpretativa dos números 1 ou 2 do artº 51º do Código Penal, e sendo a norma
constante daquele preceito a razão jurídica do decidido pelo acórdão tirado no
Tribunal da Relação de Lisboa, é por demais claro que, de uma banda, as normas
precipitadas nos números 6 e 7 do artº 11º do Regime Jurídico das Infracções
Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro,
não foram aplicadas por aquele aresto e, de outra, que não poderia o recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade incidir sobre o mencionado nº 2 do
artº 51º.
É, em consequência, falho de razão o exposto no item 1., na parte
em que se diz que foi suscitada a desarmonia constitucional da interpretação do
artº 51º, nº 1 do Código Penal, no item 7., em idêntica parte, e nos items 10. e
11., todos do requerimento corporizador da reclamação.
Em face do exposto, indefere-se a mesma, condenando-se o
impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2006
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício