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Processo nº 759/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e são recorridos B. e outros, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC).
2. Em 26 de Outubro de 2005, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
previsto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
que decidiu pela improcedência do recurso de apelação. O recorrente arguiu a
nulidade de tal acórdão, arguição sobre a qual recaiu decisão singular. À data
de interposição do presente recurso, não havia sido proferida decisão colegial
sobre a invocada nulidade, tão-pouco tendo transitado em julgado a decisão
singular que a indeferiu (cfr. supra, pontos 2. e 3. do relatório).
Ora, considerando o disposto nos artigos 670º, nº 2, parte final, 677º e 686º,
do Código de Processo Civil e 70º, nº 2, da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), importa concluir que, à data em que
foi interposto o presente recurso, o acórdão de 17 de Fevereiro de 2005 não
consubstanciava uma decisão definitiva do Tribunal recorrido, não tendo sido
esgotados todos os meios impugnatórios daquela decisão, tal como exigido pelo
último dos citados preceitos. Não foi, in casu, respeitado o princípio da
exaustão de recursos, com o qual se 'visa delimitar o acesso ao TC depois de a
questão da constitucionalidade ter sido analisada dentro da hierarquia judicial'
(Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed.,
Coimbra Editora, p. 996).
Importa, pois, e uma vez que o Tribunal Constitucional não está vinculado à
decisão de admissão de recurso proferida nos autos (artigo 76º, nº 3, da LTC),
concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso, o que justifica a prolação
da presente decisão sumária (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, alegando que:
«(…) ao longo da sua carreira de advogado dos outros, jamais o reclamante tomou
conhecimento de um caso como os destes autos, em que, além do mais, o Ex.mo
Senhor Desembargador Relator se “apropriou” do processo e contra a lei expressa
e tudo o que era previsível, impediu o desenvolvimento normal do recurso, a
aplicação do direito e a decisão colegial das diversas questões, transformando-o
num caso anómalo e excepcional, com decisões insólitas e imprevisíveis, para
usarmos as expressões de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos in “Breviário de
Direito Processual Constitucional. Recurso de Constitucionalidade.
Jurisprudência. Doutrina: Formulário”, pags. 48, a propósito de questão análoga
(…).
8. Como se vê de fls. 441 a 448, em “05-02-17” veio a ser proferido acórdão, em
conferência, que reproduziu integralmente a anómala decisão singular, salvo no
formalismo inicial e final decorrente de ser um tribunal colectivo a decidir e
não um juiz singular, com total desprezo e desconhecimento das questões
suscitadas de fls. 423 a 429.
Desta audiência de julgamento também inexiste a respectiva acta nos autos.
Em face daquela reprodução ipsis verbis e perante tão insólita situação o aqui
reclamante, pelo seu requerimento de fls. 459 dos autos, dirigido expressamente
ao “Ex.mo Desembargador Relator” e às “Ex.mas Senhoras Desembargadoras Adjuntas”
para evitar dúvidas sobre a competência colegial da decisão prevista no n.º 2
art.º 716.º do C.P.Civil, conclui requerendo:
1.º - Que a Ex.ma Desembargadora Adjunta, Dr.ª C., esclareça quais são as
“contradições insanáveis” a que alude no seu voto de vencida quanto à
fundamentação do acórdão;
2.º - Que seja declarada a nulidade do referido acórdão por (…).
3.º - Que o tribunal aprecie, como lhe compete, todas as questões de
inconstitucionalidade suscitadas.
4.º- Que sejam declarados nulos a decisão singular de 04-12-14 e o acórdão de
05-02-17 e, em consequência, seja dado provimento à apelação, com todas as
demais consequências legais.
5.º - Que em qualquer hipótese, seja o recorrente isento de custas, uma vez que
foi o tribunal, com a prolação da sua decisão ilegal e depois de estar esgotado
o seu poder jurisdicional, que deu causa ao processado posterior.
9. Com violação expressa da lei (n.º 2 art.º 716 citado) e
contra a normalidade processual, o Ex.mo Senhor Desembargador Relator, proferiu
também a insólita decisão singular que se vê de fls. 467 e verso, sem sequer
conceder visto às Ex.mas Senhoras Desembargadoras Adjuntas.
Em condições processuais normais e uma vez que estamos perante uma apelação em
processo sumário, com o valor do recurso fixado em 8.000,00 € (fls. 383), com a
prolação da competente decisão colegial estaria consubstanciada a decisão
definitiva do Tribunal recorrido desencadeadora do recurso para este Tribunal
Constitucional.
Perante tantos e flagrantes atropelos à lei por parte dos julgadores, o
reclamante teve justificado e compreensível receio de que o Ex.mo Senhor
Desembargador Relator jamais permitisse a prolação de decisão colegial no
processo e ele perdesse o direito de interpor recurso para este Tribunal
Constitucional.
Por isso, reclamou novamente para a conferência nos termos que se vêem de fls.
470/1 e interpôs recurso para este Tribunal nos termos que se vêm de fls. 472/3.
É certo que a expressão “por mera cautela” traduz os referidos receios, mas
afigura-se ao reclamante indubitável que era esse o momento normalmente adequado
para a interposição do recurso para este Tribunal, uma vez que o Tribunal da
Relação não proferiu a normal decisão colegial prevista no n.º 2 art.º 716.º do
C.P.Civil, porque o Ex.mo Senhor Desembargador Relator, contra a letra expressa
da lei, o impediu e não poderá ser a parte, no caso a vítima, a suportar as
consequência da falta de outrém.
10. Os justificados receios acabaram por se confirmar com a
prolação da decisão singular de fls. 480/verso e 481.
Com efeito, depois de o Ex.mo Desembargador Relator – ao contrário do que
sucedera com a reclamação de fls. 452 a 459 – ter a fls. 480 ordenado a remessa
do processo aos vistos das Ex.mas Senhoras Desembargadoras Relatoras que,
efectivamente, os tiveram (fls. 480 e 480 v.º), começou por proferir o despacho
de 13 de Maio de 2005, “Inscreva em tabela” e, posteriormente, em “05-06-25”,
deu sem efeito esse despacho e proferiu a nova decisão singular que se vê de
fls. 480 verso e 481.
Nesta decisão admite, erradamente, que era possível recurso ordinário, pois se
tratava de uma apelação em processo sumário com o valor já atrás referido e, sem
qualquer fundamentação, de facto ou de direito, indefere o requerimento de fls.
470/1 (…).
12. A fundamentação da decisão reclamada assenta essencialmente em que à data
de interposição do presente recurso:
a) não havia sido proferida decisão colegial sobre a invocada nulidade;
b) tão-pouco tendo transitado em julgado a decisão singular que a decidiu.
Como flui limpidamente dos autos, nem na data da interposição do recurso, nem
posteriormente, foi proferida decisão colegial sobre a invocada nulidade, pela
simples e comesinha razão de que o Ex.mo Senhor Desembargador Relator a impediu
sempre, apesar dos denodados esforços desenvolvidos pelo reclamante para o
conseguir.
Face a tudo que se deixou referido é manifesto que estamos perante uma insólita
e imprevisível actuação do Ex.mo Senhor Desembargador Relator que subverteu
repetidas vezes a tramitação processual do recurso, sobre cujas decisões seria
desrazoável e inadequado exigir ao ora reclamante um prévio juízo de prognose
relativamente às normas aplicáveis, na esteira do que sustentam os referidos
autores a pag. 48 da obra citada.
Como este Tribunal Constitucional já decidiu em relação a outro pressuposto de
admissibilidade, “tão só à luz da tramitação normal do processo em causa e das
oportunidades de intervenção nela consentida aos recorrentes se há-de analisar
da possibilidade de cumprimento ou não desse requisito-obra e local citados.
A falta de prolação de decisão colegial sobre a arguição de nulidades e a
reforma da condenação quanto a custas por facto não imputável ao reclamante que
bem se afadigou em obtê-la, retirou-lhe a oportunidade processual de dar
cumprimento integral à letra do n.º 2 art.º 70 da LTC.
Ao aqui reclamante não era razoavelmente exigível outro procedimento do que
aquele que seguiu quanto ao momento da interposição do recurso para este
Tribunal Constitucional, sob pena de, não o fazendo então – no momento em que
deveria ter sido proferida a decisão colegial desencadeadora do recurso em
condições de normalidade processual – vir a ser considerada extemporânea tal
interposição.
A doutrina que flui de pags. 46 e sgs. da obra citada quanto ao requisito da
suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, é aplicável, por maioria
de razão, ao caso em análise, pelo que deverá ser admitido o recurso, com todas
as consequências legais.
13. No caso concreto não assume papel relevante o facto de não ter transitado em
julgado a decisão singular que decidiu a arguição de nulidade, até porque podia
sempre haver renúncia por parte do reclamante e, atendendo ao circunstancialismo
do caso, poderá ser interpretado como tal a interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional.
14. Com ressalva do muito respeito que lhe merecem as decisões deste Tribunal
Constitucional, afigura-se ao reclamante que, no caso, terá havido excesso de
rigorismo formal em prejuízo da justiça material que foi grave e repetidamente
ofendida através das anómalas, excepcionais e insólitas decisões proferidas ao
longo de todo o recurso de apelação, como está bem patenteado nos autos.
Aliás, o exotismo do caso não deixará, por certo, de interessar a nossa
Doutrina.
Espera-se, por isso, que a reapreciação do caso com a ponderação e profundidade
que se exigem e se conhecem, não deixará, de atender a presente reclamação e,
revogando a decisão sumária, admita o presente recurso com todas as
consequências legais.
15. Finalmente, o reclamante disse no princípio e mantém que a defesa dos
princípios não tem preço.
No entanto, seja qual for o sentido da decisão colegial a proferir, é manifesto
que o reclamante só se viu obrigado a recorrer a este Tribunal em consequência
de decisões arbitrárias e excepcionais que não provocou, nem alimentou.
Por isso, por se estar, manifestamente, perante um caso excepcional, impõe-se a
redução da taxa de justiça ao limite mínimo previsto no n.º 2 art.º 9.º do
Decreto-Lei n.º 303/98, de 7/10, quer quanto à decisão sumária, quer quanto à da
presente reclamação, embora quanto a esta só com uma verdadeira surpresa a
espere desfavorável».
4. Notificados desta reclamação, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Conforme decorre da análise do teor da presente reclamação, o reclamante
admite que, quando interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ainda não
havia sido proferida decisão colegial sobre a, por si arguida, nulidade do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Fevereiro de 2005, e que,
naquele momento, tão-pouco havia transitado em julgado a decisão singular que a
indeferiu. Não contrariou, pois, os fundamentos que justificaram a prolação da
decisão sumária.
No que diz respeito à exigência de exaustão dos recursos ordinários (artigo 70º,
nºs 2 a 4, da LTC), importa ter presente que: “Face à alteração introduzida pela
(…) Lei nº 13-A/98, passou a entender-se que se acham esgotados todos os
recursos ordinários quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo
prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter
seguimento por razões de ordem processual (…).
Com este requisito pretendeu-se que o TC só fosse chamado a reapreciar, por essa
via, decisões que constituam a última palavra dentro da ordem judiciária a que
pertence o tribunal que as tomou (…) por isso, o conceito de recurso ordinário,
tal como o nº 2 do artigo 70º o utiliza, é de amplíssima significação,
abrangendo quer as próprias reclamações para o presidente do tribunal ad quem
dos despachos de não recebimento ou de retenção do recurso, quer as reclamações
dos despachos dos juízes relatores para a conferência (…)” (Guilherme da
Fonseca/Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, Coimbra
Editora, 2ª ed., p. 60 e seg.; sublinhado aditado).
No caso em apreço, como houve reclamação para a conferência do despacho do
relator que indeferiu a arguição da nulidade do acórdão recorrido, esta decisão
não constituía ainda a última palavra dentro da ordem judiciária a que pertence
o tribunal recorrido, quando foi interposto recurso para o Tribunal
Constitucional. Por outro lado, a circunstância de o ora reclamante ter
reclamado para a conferência e de, concomitantemente, ter interposto recurso
para o Tribunal Constitucional é, por si só, significativa de que este último
comportamento não pode ser equiparado a renúncia à reclamação para a
conferência. Não sendo, pois, sequer necessário invocar o artigo 681º do Código
de Processo Civil (aplicável por força do artigo 69º da LTC), disposição legal
que suporta a mesma conclusão.
2. Quanto à pretendida redução da taxa de justiça (a fixada na decisão sumária e
a devida pela presente reclamação), o caso presente não reveste, considerados os
critérios previstos no nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de
Outubro, o carácter excepcional a que se refere o nº 2 do mesmo preceito.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão
sumária proferida;
b) Indeferir o pedido de redução da taxa de justiça fixada na decisão sumária.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2006
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício