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Processo n.º 309/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A., L.da, apresentou, em 8 de Setembro de 2003, no
âmbito do processo de execução fiscal n.° 3492-03/100738.6, que corria termos
no 4.º Serviço de Finanças de Loures, com vista à cobrança de dívidas de IVA,
direitos aduaneiros e juros compensatórios, no montante total de € 249 462,27,
requerimento de suspensão desse processo executivo, ao abrigo do artigo 169.º
do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei
n.º 433/99, de 26 de Outubro (CPPT), devendo ser fixado o montante de garantia
a prestar para esse efeito.
Por despacho de 7 de Junho de 2004, o Chefe do 4.º
Serviço de Finanças de Loures indeferiu o referido requerimento, na parte
relativa à dívida de direitos aduaneiros, no montante de € 212 684,98 – com base
na informação prestada, em 24 de Maio de 2004, pela Direcção Regional de
Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, no sentido da impossibilidade da
suspensão do processo executivo no que no diz respeito à dívida exequenda
relativa a direitos aduaneiros, além do mais, devido a não se encontrarem
satisfeitas nenhuma das duas condições exigidas para o efeito pelo artigo 244.º
do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), instituído pelo Regulamento (CEE) n.º
2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro –, mas deferiu‑o no que se refere à
dívida de IVA e juros compensatórios, no montante de € 36 777,29, dado se tratar
de receitas tributárias nacionais.
A interessada apresentou, em 7 de Junho de 2004, no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures, reclamação contra o referido
despacho, na parte em que indeferiu a impetrada suspensão, suscitando, além do
mais, a questão da inconstitucionalidade, “por violação dos princípios
constitucionais da igualdade e da coerência do sistema”, da norma do artigo
169.º, n.º 6, do CPPT, que exclui a aplicação do disposto nesse artigo
(suspensão da execução mediante prestação de garantia) “às dívidas de recursos
próprios comunitários”.
A reclamação foi julgada improcedente por sentença de
10 de Novembro de 2004. Essa sentença fundamentou‑se, desde logo, na
“extemporaneidade” da reclamação, “excepção que implica, desde logo, o seu não
conhecimento”, mas, passando, “no entanto, à apreciação do mérito da causa”,
concluiu pela conformidade constitucional da norma do artigo 169.º, n.° 6, do
CPPT, “atento o princípio da primazia das normas de direito comunitário, que
vigoram directamente no ordenamento jurídico interno”.
A reclamante interpôs recurso desta sentença para a
Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA),
sustentando, além do mais, que: (i) “a interpretação e aplicação da norma do n.°
6 do art. 169.º do CPPT, tal como são apresentadas pelo tribunal a quo é
incoerente, ilegal e inconstitucional, na medida em que desvirtua a ponderação
adequada de interesses (Administração/contribuintes) construída com a LGT e o
CPPT, e coloca os contribuintes/operadores económicos em posições diferenciadas
e desequilibradas (mesmo entre si) perante a mesma situação ou realidade
fiscal, lesando seriamente os operadores que arreda da aplicação original do
regime do artigo 169.º (sem o famigerado n.° 6), em violação dos princípios
constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do sistema”
(conclusão 3.ª); e (ii) “por outro lado, o princípio da primazia do direito
comunitário, no actual estado de desenvolvimento das relações entre os
ordenamentos jurídicos comunitário e português, torna inaplicáveis as leis
ordinárias nacionais contrárias ao direito originário ou derivado, mas não os
preceitos e princípios constitucionais (pelo menos o direito derivado, como é o
caso dos autos)” (conclusão 5.ª).
Por acórdão de 2 de Março de 2005, a Secção de
Contencioso Tributário do STA negou provimento ao recurso, expendendo, quanto à
questão da inconstitucionalidade do artigo 169.º, n.º 6, do CPPT, o seguinte:
“Tal normativo regula a suspensão da execução fiscal e as garantias
a prestar para o efeito, dispondo, todavia, aquele n.° 6 que o aí disposto se
não aplica às dívidas de recursos próprios comunitários, que é o que está ora em
causa nos autos.
(Em breve parêntesis, esclareça‑se que, ao contrário do que pretende
a recorrente, não foi «em manifesto estado de desespero e destempero» (sic) que
o Orçamento para 2003 aditou aquele n.° 6, «visando afastar esta possibilidade
(garantia) ao contribuinte» – cf. alegações a fls. 175.
Tal n.° 6, como o n.° 5, constava já da redacção original; só que,
por mero lapso, haviam sido omitidos aquando da republicação do CPPT, operada
pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho – artigo 13.º. A «alteração» operada pela
Lei n.° 32‑B/2002, de 3 de Dezembro, limitou‑se a «repor» a normação
respectiva.
Aliás, já o artigo 1.º, n.º 1, da LGT ressalvava do seu âmbito de
aplicação «o disposto no direito comunitário».)
Na verdade, os actos tributários, como actos de natureza
administrativa, são susceptíveis de execução imediata, no caso através do
processo de execução fiscal, findo o prazo de pagamento voluntário dos
tributos, independentemente da respectiva impugnação graciosa ou contenciosa.
O artigo 169.º prevê os actos e condicionalismos em que se verifica
a suspensão da execução.
Quanto aos recursos próprios comunitários, igualmente cobrados
coercivamente na execução fiscal – cf. [Jorge de Sousa,] Código de
Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª edição, p. 788, nota 10, e
artigo 148.º, n.º 1, alínea a) – o artigo 244.º do CAC prevê um regime especial
de suspensão da execução, face ao qual não basta – mas também não é
imprescindível – a prestação de garantia, antes se exigindo o condicionalismo
nele expresso.
«Consequentemente, é de concluir que a forma de obtenção de
suspensão da eficácia e consequente execução de actos administrativos ou
tributários em matéria aduaneira a que é aplicável o Código Aduaneiro
Comunitário, será a prevista neste art. 244.°
É o reconhecimento desta aplicação prioritária do Código Aduaneiro
Comunitário, quanto à suspensão da eficácia de actos de liquidação de receitas
tributárias aduaneiras que tem em vista o n.º 6 do presente artigo 169.º, ao
estabelecer que o regime previsto neste artigo não se aplica às dívidas de
recursos próprios comunitários.
Assim, serão as autoridades aduaneiras, e não o órgão da execução
fiscal, quem pode decidir sobre a suspensão da execução dos actos de
liquidação de receitas tributárias aduaneiras.
A decisão sobre a atribuição deste efeito suspensivo, seja ou não
provocada por requerimento do interessado na sua obtenção, é controlável
através de recurso contencioso (o que corresponde a um direito
constitucionalmente garantido pelo artigo 268.º, n.º 4, da CRP), a que são
aplicáveis as regras do direito interno português, conforme é determinado no
artigo 245.º do Código Aduaneiro Comunitário.» – cf. Jorge de Sousa, citado, p.
789, nota 10.
(Assim e em outro breve parêntesis, esclareça‑se igualmente que, ainda ao
contrário do que pretende a recorrente, a alegada actuação das autoridades
aduaneiras – indeferindo «sistemática e sumariamente os pedidos de suspensão» –
cf. fls. 173/75 – tem remédio, não em termos da pretendida declaração de
inconstitucionalidade, mas do predito recurso contencioso, com pedido de
suspensão de eficácia do acto de indeferimento.)
E é em tal diferença de regime que radicaria, na tese da recorrente, a
inconstitucionalidade daquele n.° 6 do art. 169.º do CPPT, por «violação dos
princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação e da coerência do
sistema» – cfr. nomeadamente a conclusão 3.ª
Mas cremos que sem razão.
O Tribunal Constitucional tem‑se pronunciado variadíssimas vezes
sobre o princípio da igualdade, reconduzido, na vertente ora em causa,
essencialmente, à proibição do arbítrio.
O princípio é acolhido no artigo 13.º da CRP e estruturante do
Estado de direito democrático e do próprio sistema constitucional global – cf.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3.ª edição, 1993, p. 125.
Postula, em síntese, que se dê tratamento igual a situações
essencialmente iguais e tratamento desigual a situações desiguais, proibindo,
inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de
situações desiguais.
Proíbe‑se, assim, o arbítrio e afasta‑se a discriminação infundada.
Por outro lado, o princípio da igualdade não funciona apenas na
vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo,
a aplicação igual de direito igual, «o que pressupõe averiguação e valoração
casuísticas da diferença, de modo que recebam tratamento semelhante os que se
encontrem em situações semelhantes e diferenciando os que se achem em situações
legitimadoras da diferenciação».
Cf., por todos e por mais recentes, os Acórdãos do Tribunal
Constitucional de 2 de Junho de 2004, n.º 403/04, in Diário da República, II
Série, de 22 de Julho de 2004, com larga citação doutrinal e jurisprudencial.
Ora, há‑de reconhecer‑se como evidente a diversidade de situações.
As receitas próprias de países membros da Comunidade Europeia
destinam‑se à satisfação de interesses próprios, segundo os ditames de política
económica e financeira de cada um e da satisfação das respectivas necessidades
públicas, de que é base fundamental o Orçamento do Estado e as Grandes Opções
do Plano.
Ao passo que os recursos próprios comunitários destinam‑se à
satisfação de interesses próprios da Comunidade, segundo os ditames por esta
estabelecidos. De modo que se trata de situações diversas, a exigir normação
distinta: normação interna para aquelas, comunitária para estas.
Aliás, nunca o artigo 169.º poderia aplicar‑se, mesmo sem o seu n.°
6, às dívidas de recursos próprios comunitários.
Desde logo, seria incompatível com a LGT – dito artigo 1.º – e com o
próprio sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para
aprovar o CPPT – Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro – pois ela estava já ínsita
na mesma LGT.
Depois, seria incompatível com o direito comunitário – dito artigo
244.º do CAC –, sendo que as normas deste são hierarquicamente superiores ao
direito ordinário interno – artigo 244.º do Tratado de Roma.
Daí que o artigo 8.º, n.° 3, da CRP venha sendo interpretado, de
modo largamente majoritário, tanto jurisprudencial como doutrinalmente, como
impondo o primado do direito comunitário sobre o direito interno nacional – cf.
Jorge de Sousa, citado, p. 468.
Finalmente, refira‑se que, face ao exposto e mutatis mutandis e
mesmo para quem defenda a primazia do direito constitucional interno sobre o
direito comunitário, o artigo 244.º do CAC se harmoniza perfeitamente com o
conteúdo do dito princípio da igualdade, nos termos atrás enunciados, dada a
diferenciação legítima existente entre os tributos internos e os comunitários.”
É contra este acórdão que pela recorrente vem interposto
o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC),
pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade – por violação dos artigos
20.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e,
designadamente, dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional
efectiva, da coerência do sistema, da igualdade, da proporcionalidade e da
justiça – da norma no n.º 6 do artigo 169.º do CPPT.
Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, no
termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“a) A questão central no presente recurso é a de saber se a norma do
n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT),
por si ou pela interpretação e aplicação que lhe é dada no acórdão recorrido,
se encontra ferida de inconstitucionalidade material por violação dos artigos
20.º e 266.º da CRP, designadamente dos princípios do acesso ao direito e
tutela jurisdicional efectiva, da legalidade, da igualdade, da equidade, da
proporcionalidade, da coerência do sistema e da justiça, uma vez que impõe um
tratamento diferenciado, mais complexo, mais gravoso e muito mais oneroso em
relação aos contribuintes que são notificados de liquidações fiscais aduaneiras
que comportam a cobrança de IVA (e, eventualmente, IEC) e direitos aduaneiros
(rectius, direitos de importação).
b) A interpretação sistemática e a harmonia e coerência do sistema
jurídico implicam que se considere inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo
169.º do CPPT (que torna inaplicável o regime da garantia suspensiva na fase
executiva previsto no n.º 1 do mesmo preceito quando estejam em causa recursos
próprios comunitários) por violar princípios constitucionais, como os
consagrados nos artigos 20.º e 266.º, n.º 2, da CRP e, bem assim, direitos e
garantias dos contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados
nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, também da CRP;
c) Ou, ao menos, que aquela norma seja interpretada conjuntamente
com as dos artigos 244.º do CAC e 120.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do
CPTA e em conformidade com a Constituição, no sentido de só ser aplicável, pelas
autoridades aduaneiras, sob envio do requerimento apresentado pelo contribuinte
no respectivo Serviço de Finanças ou mesmo apresentado por aquele directamente
no Serviço Aduaneiro, quando não haja fundado receio da constituição de uma
situação de facto consumado, como o pagamento antecipado da dívida fiscal
aduaneira que se reclamou graciosamente ou impugnou judicialmente.
d) De resto, a adopção de soluções que não diferenciam o uso pelos
contribuintes de meios de defesa, antecipatórios ou conservatórios, graciosos
ou contenciosos, consoante se esteja perante impostos nacionais ou comunitários
(receita nacional ou comunitária) – tornando muito mais gravosa, complexa e
onerosa a situação dos contribuintes quando pratiquem actos de comércio externo
– parece ser o paradigma dos restantes Estados membros, como, v. g., Espanha e
Itália.
e) Pelo que também nas perspectivas da aplicação uniforme do direito
comunitário e da não discriminação concorrencial negativa em relação aos
operadores nacionais, se terá de alterar a interpretação seguida pela
Administração e sufragada no acórdão em análise.
Nestes termos e nos mais de Direito, cujo suprimento desde já se
impetra a Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente
e, a final, ser decidido no sentido de:
a) Ser declarada inconstitucional a norma do n.º 6 do artigo 169.º
do CPPT (que torna inaplicável o regime da garantia suspensiva previsto no n.º 1
do mesmo preceito quando estejam em causa recursos próprios comunitários) por
violar princípios constitucionais, como os consagrados nos artigos 20.º e 266.º,
n.º 2, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, igualdade,
proporcionalidade, coerência do sistema e da justiça) e, bem assim, direitos e
garantias dos contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados nos
artigos 20.º, n.º 4 (decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo),
e 268.º, n.º 4 (reconhecimento dos direitos dos contribuintes, determinação da
prática dos actos administrativos legalmente devidos e adopção das medidas
cautelares adequadas), também da CRP;
b) Ou, ao menos, ser decidido que aquela norma seja interpretada
conjuntamente com as dos artigos 244.º do CAC e 120.º, n.º 1, alínea b),
primeira parte, do CPTA e em conformidade com a Constituição, no sentido de só
ser aplicável, pelas autoridades aduaneiras sob envio do requerimento
apresentado pelo contribuinte no respectivo Serviço de Finanças ou mesmo
apresentado por aquele directamente no Serviço Aduaneiro, quando não haja
fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, como o
pagamento antecipado da dívida fiscal aduaneira que se reclamou graciosamente ou
impugnou judicialmente.”
A Fazenda Pública contra‑alegou, aduzindo:
“– Está em causa uma norma de direito processual – o n.º 6 do artigo
169.º do CPPT – que determina que «o disposto no presente artigo não se aplica
às dividas de recursos próprios comunitários».
– Por força desta norma não é aplicável aos recursos próprios
comunitários o regime de suspensão da execução, mediante prestação de garantia,
nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 169.° .
– Desta opção legislativa não resulta a preterição do direito de
acção.
– Assim é porque o executado por dívida proveniente de direitos
aduaneiros, como bem sublinha o douto acórdão recorrido, tem ao seu alcance as
vias contenciosas, que, de resto, a própria recorrente accionou,
designadamente, uma providência cautelar de suspensão de eficácia, ficando
assegurado meio idóneo para proceder à impugnação judicial da liquidação.
– A situação de maior exigência que a recorrente atribui ao facto de
habitualmente a administração aduaneira não conceder a suspensão da execução
das liquidações acolhe‑se ao exercício do poder discricionário consagrado no
artigo 244.º do CAC, exercício contra o qual o contribuinte tem ao seu alcance
os meios de reacção próprios.
– O n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, ao determinar que «o disposto no
presente artigo não se aplica às dívidas de recursos próprios comunitários»
apenas se harmoniza com o artigo 244.º do CAC.
– É, aliás, contra o artigo 244.º do CAC que a recorrente se
insurge, pretendendo a sua desaplicação mediante a desconsideração da norma do
n.º 6 do artigo 169.º do CPPT.
– O essencial é que a aplicação do artigo 169.°, n.° 6, do CPPT não
conduz à preterição do direito de acção do contribuinte nem só por si cria
injustificável desigualdade do contribuinte que actua na prática de actos de
comércio externo, face aos demais contribuintes.
– O artigo 169.°, n.° 6, do CPPT não ofende, assim, os princípios
constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da
legalidade, da igualdade, da equidade, da proporcionalidade e da coerência do
sistema e da justiça.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Dispõe o artigo 169.º do CPPT:
“1 – A execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de
reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por
objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída
garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a
penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será
informado no processo pelo funcionário competente.
2 – Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou
os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, será ordenada
a notificação do executado para prestar a garantia referida no número anterior
dentro do prazo de 15 dias.
3 – Se a garantia não for prestada nos termos do número anterior,
proceder‑se‑á de imediato à penhora.
4 – O executado que não der conhecimento da existência de processo
que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao
processado posterior à penhora.
5 – Se for recebida a oposição à execução, aplicar‑se‑á o disposto
nos n.ºs 1, 2 e 3.
6 – O disposto no presente artigo não se aplica às dívidas de
recursos próprios comunitários.”
A recorrente questiona a conformidade constitucional da
norma do n.º 6 deste artigo 169.º, enquanto exclui as “dívidas de recursos
próprios comunitários” do regime de suspensão da execução fiscal previsto neste
preceito, tendo começado por invocar a violação dos princípios constitucionais
da igualdade e da coerência do sistema (na reclamação para o TAF de Loures), a
que depois sucessivamente aditou a violação do princípio da não discriminação
(na alegação para o STA), do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva,
da proporcionalidade e da justiça, a par das normas dos artigos 20.º e 266.º,
n.º 2, da CRP (no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade) e, por fim, da equidade e dos “direitos e garantias dos
contribuintes de consagração constitucional, como os abraçados nos artigos 20.º,
n.º 4 (decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo), e 268.º, n.º
4 (reconhecimento dos direitos dos contribuintes, determinação da prática dos
actos administrativos legalmente devidos e adopção das medidas cautelares
adequadas), também da CRP” (nas alegações apresentadas neste Tribunal).
A orientação acolhida no acórdão recorrido corresponde,
como nele se refere, ao entendimento da doutrina, desde sempre seguido pelo STA,
no sentido de que, após a entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa, em 1
de Janeiro de 1994, do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), adoptado pelo
Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, deixaram
de ter efeito suspensivo, logo que prestada caução, os recursos de actos
administrativos da competência dos tribunais fiscais quando estivessem em causa
dívidas a que se aplicasse esse Código (como até aí sucedera por força do
estatuído no artigo 130.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos – Decreto‑Lei n.º 267/85, de 16 de Julho: “Os recursos de actos
administrativos da competência dos tribunais fiscais têm efeito suspensivo, logo
que prestada caução nos termos do Código de Processo das Contribuições e
Impostos”), passando a vigorar o regime estabelecido nos artigos 243.º a 245.º
do CAC, do seguinte teor:
“Artigo 243.º
1. Todas as pessoas têm o direito de interpor recurso das decisões
tomadas pelas autoridades aduaneiras ligadas à aplicação da legislação
aduaneira e lhe digam directa e individualmente respeito.
Tem igualmente o direito de interpor recurso qualquer pessoa que, tendo
solicitado uma decisão relativa à aplicação da legislação aduaneira junto das
autoridades aduaneiras, delas não obtenha uma decisão no prazo fixado no n.º 2
do artigo 6.º
O recurso será interposto no Estado membro em que a decisão foi tomada ou
solicitada.
2. O direito de recurso pode ser exercido:
a) Numa primeira fase, perante a autoridade aduaneira designada para
esse efeito, pelos Estados membros;
b) Numa segunda fase, perante uma instância independente, que pode
ser uma autoridade judiciária ou um órgão especializado equivalente, nos termos
das disposições em vigor nos Estados membros.
Artigo 244.º
A interposição de recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão
contestada.
Todavia, as autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a
execução dessa decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em
dúvida a conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que
seja de recear um prejuízo irreparável para o interessado.
Quando a decisão contestada der origem à aplicação de direitos de importação ou
de direitos de exportação, a suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à
existência ou à constituição de uma garantia. Contudo, essa garantia pode não
ser exigida quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves
dificuldades de natureza económica ou social.
Artigo 245.º
As disposições relativas à aplicação do procedimento de recurso serão adoptadas
pelos Estados membros.”
No sentido da substituição, quanto a direitos
aduaneiros, do regime do artigo 130.º, n.º 2, da LPTA pelo regime do art. 244.º
do CAC se pronunciou o acórdão do STA de 21 de Janeiro de 1998 (proc. n.º 22
315), que desde logo consignou que da decisão das autoridades aduaneiras sobre
a (não) suspensão da execução cabia recurso para os tribunais, tendo
anteriormente o acórdão de 30 de Abril de 1997 (proc. n.º 21 471) esclarecido
que o efeito suspensivo previsto no artigo 244.º do CAC determinava a
impossibilidade legal da instauração da execução fiscal, concretizando a
inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição à execução fiscal,
nos termos do artigo 286.º, alínea h), do Código de Processo Tributário então
vigente.
Com mais desenvolvimento se pronunciou, sobre as
relações entre as regulamentações comunitária e nacional, o Acórdão de 28 de
Janeiro de 1998, proc. n.º 22 401 (publicado no Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 473, p. 260; em Acórdãos Doutrinais, ano XXXVII, n.º 443, Novembro
de 1998, p. 1409; e em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 389, p. 217), que indeferiu
– por entender que a interpretação do direito comunitário em causa não dava
lugar a qualquer dúvida razoável – pedido de reenvio prejudicial, nos termos do
artigo 177.º do Tratado da Comunidade Europeia, visando esclarecer se o artigo
244.º do CAC prevalecia ou não sobre a regulamentação nacional da suspensão da
eficácia das decisões tomadas pelas autoridades aduaneiras e se as decisões
referidas nos segundo e terceiro parágrafos da dita norma eram da exclusiva
competência das autoridades aduaneiras nacionais. Quanto à primeira questão,
entendeu‑se ser pacífico o reconhecimento da aplicabilidade directa dos
regulamentos comunitários e da sua prevalência sobre o direito interno
ordinário, pelo que “a disposição do artigo 244.º do CAC, como, aliás, as demais
do mesmo Código, terão de prevalecer na sua aplicação quando em confronto com o
direito interno estatuído e, nomeadamente, sobre a do n.º 2 do artigo 130.º da
LPTA, se houver oposição de regimes”. Também quanto à segunda questão foi
considerado desnecessário o reenvio prejudicial, com fundamento na “teoria do
acto claro”, pois, “se nos ativermos exclusivamente ao âmbito da norma
comunitária – e a ele se teria de cingir necessariamente o reenvio –,
constatamos que ela apenas prevê a competência das autoridades aduaneiras para
suspender a execução da decisão contestada”, desenvolvendo‑se as seguintes
considerações que, apesar de expendidas a propósito da desnecessidade do
reenvio, se mostram úteis para a compreensão do regime do artigo 244.º do CAC e
sua justificação:
“Na verdade, depois de estipular (n.º 1) que a interposição de
recurso não tem efeito suspensivo da execução da decisão contestada – recurso
esse que pode ser exercido, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo
anterior, «numa primeira fase perante a autoridade aduaneira designada para o
efeito pelos Estados membros», e «numa segunda fase perante uma instância
independente, que pode ser uma autoridade judiciária ou um órgão especializado
equivalente, nos termos das disposições em vigor nos Estados membros», o 2.º
parágrafo do artigo 244.º do citado Código afirma apenas: «Todavia, as
autoridades aduaneiras suspenderão, total ou parcialmente, a execução dessa
decisão sempre que tenham motivos fundamentados para pôr em dúvida a
conformidade da decisão contestada com a legislação aduaneira ou que seja de
recear um prejuízo irreparável para o interessado».
E no 3.º parágrafo acrescenta‑se: «Quando a decisão contestada der
origem à aplicação de direitos de importação ou de direitos de exportação, a
suspensão da execução dessa decisão fica sujeita à existência ou à constituição
de uma garantia. Contudo, essa garantia pode não ser exigida quando possa
suscitar, por força da situação do devedor, graves dificuldades de natureza
económica ou social».
É, pois, insofismável ou evidente, para se usar a terminologia
comunitária sobre o acto claro, que o CAC apenas prevê a competência das
autoridades aduaneiras para suspender a execução das decisões ligadas à
aplicação da legislação aduaneira.
Em ponto algum dos seus preceitos se admite a competência do
tribunal ou de um órgão equivalente para suspender a execução do acto aduaneiro.
Ora, como é consabido, toda a competência legal tem de estar
prevista na lei sob pena de não existir, de acordo com o princípio da
legalidade.
Daqui resulta que só as autoridades aduaneiras podem suspender a
execução das suas decisões segundo um regime de autocontrolo, ficando a sua
decisão tomada sobre a matéria, a título oficioso, como lho permite o citado
preceito, ou em resposta a pedido do interessado, sujeita a recurso para a
autoridade judiciária ou equivalente.
Compreende‑se perfeitamente este regime do direito comunitário. Ao
dispor sobre a matéria, este legislador apenas tinha que ter em conta o regime
mais adequado aos interesses comunitários a defender, até porque seriam
diversos os regimes nacionais.
Ora, os interesses comunitários postulavam um regime de grande rigor
quanto à matéria do pagamento do montante dos direitos aduaneiros, quer para se
evitarem ofensas ao princípio da igualdade de tratamento decorrente de
diferenças de aplicação da lei comunitária, quer para garantir a segurança
financeiro‑tributária da Comunidade.
Daí que os artigos 222.º e seguintes do CAC tenham regulado de forma
rígida tudo o que respeita ao cumprimento da obrigação tributária, tendo em
vista o seu real e efectivo cumprimento, desde os prazos de pagamento,
situações e condições em que ele pode ser diferido, juros de mora, facilidades
de pagamento e cobrança forçada.
Interferindo a suspensão da execução da decisão aduaneira com esse
objectivo do efectivo cumprimento da obrigação aduaneira, seria incongruente que
o legislador comunitário não o regulasse em termos exaustivos, como o fez para
as restantes situações que interferiam com tal propósito.
A questão de saber se, para além destas autoridades, também o
tribunal o poderá fazer na ordem jurídica interna por força de preceito vigente
nesta que o contemple extravasa já o domínio da interpretação do direito
comunitário, sendo uma questão de interpretação do direito interno, e como tal
não poderá fundamentar qualquer pedido de reenvio.
A sua resposta obter‑se‑á pela resolução, à luz do direito interno,
mormente constitucional, da questão das relações de força vinculativa entre o
direito comunitário directamente vigente no ordenamento jurídico interno e os
preceitos deste que lhe são anteriores.
Eis como se conclui pela desnecessidade do reenvio sobre a referida
questão.”
Passando de seguida a apreciar o mérito do recurso
(interposto pelo Subdirector‑Geral das Alfândegas contra acórdão do Tribunal
Tributário de 2.ª Instância que, julgando‑se competente para o efeito,
atribuíra efeito suspensivo ao recurso de acto daquela entidade), o referido
acórdão do STA, de 28 de Janeiro de 1998, expendeu o seguinte:
“Temos, portanto, que a sorte do recurso contende, tal como já se
disse, com a resolução da questão de saber se, como decidiu o acórdão recorrido,
o regime estatuído pelo n.º 2 do artigo 130.º da LPTA não é incompatível com o
estabelecido no artigo 244.º do CAC.
De acordo com o nosso direito constitucional, só poderá aplicar‑se,
como se viu, o regime daquele preceito de direito interno se e na medida em que
ele não esteja substituído pelo decorrente desta norma de direito comunitário.
Tal equivale por dizer que se coloca aqui, ao fim e ao cabo, uma
questão de interpretação do direito interno em matéria da vigência das
diferentes leis que se sucedem no tempo.
Trata‑se agora de saber se o n.º 2 do artigo 130.º da LPTA foi ou
não revogado pelo citado preceito do direito comunitário.
Segundo se diz no n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil, a revogação
pode resultar «(...) da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras
precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei
anterior».
Ora, ao contrário do resultado a que chegou o acórdão recorrido,
tem‑se por seguro que o regime do n.º 2 do artigo 130.º da LPTA, segundo o qual
«os recursos dos actos administrativos da competência dos tribunais fiscais têm
efeito suspensivo, logo que prestada caução nos termos do Código de Processo das
Contribuições e Impostos» (hoje, Código de Processo Tributário), não é
harmonizável nem compatível, no âmbito da matéria regida pelo CAC, com o
estabelecido no seu artigo 244.º
E não o é porque, sendo o efeito jurídico estabelecido em um e outro
caso a que nos atemos exactamente o mesmo – o da suspensão dos actos de
aplicação de legislação aduaneira –, são diferentes os pressupostos de cuja
verificação está o efeito dependente em uma e outra legislação.
Enquanto no n.º 2 do artigo 130.º da LPTA a suspensão tem a natureza
de um efeito jurídico que ocorre automaticamente ou ope legis por força da
verificação de um único requisito, que é o da prestação da caução, sem
necessidade de o tribunal ou a autoridade aduaneira ou outra o constituir, mas
tão‑só de declarar a sua existência no caso concreto, no artigo 244.º do CAC
estamos perante um efeito que corresponde a uma estatuição das autoridades
aduaneiras e cuja conformação constitutiva requer a concorrência de diversos
pressupostos ou requisitos cuja verificação elas têm de verificar, a saber: a
existência de motivos fundamentados [para duvidar] sobre a conformidade da
decisão contestada com a legislação aduaneira ou o receio de um prejuízo
irreparável para o interessado e a constituição de uma garantia, que poderá ser
dispensada quando possa suscitar, por força da situação do devedor, graves
dificuldades de natureza económica ou social.
Constata‑se, pois, que a aplicação da norma comunitária não deixa
espaço livre para a aplicação da norma interna.
Sendo assim, não poderia o tribunal recorrido decretar a suspensão
de eficácia do acto recorrido, acobertando‑se no n.º 2 do artigo 130.º da LPTA.
De acordo com o artigo 244.º do CAC, essa suspensão só poderia ser
decidida pela autoridade aduaneira e, consequentemente, só a ela deveria ter
sido requerida.
O recurso a juízo sobre a matéria apenas poderá ter lugar para
sindicar a legalidade do acto administrativo que denegue a concessão do efeito.”
Este entendimento foi reiterado nos acórdãos do STA de 4
de Fevereiro de 1998, proc. n.º 22 429, e de 1 de Abril de 1998, procs. n.ºs 21
443 e 22 647, tendo este último expressamente consignado que, por um lado, o
regime decorrente do artigo 244.º do CAC não ofende o princípio constitucional
do acesso aos tribunais na vertente de direito à acção ou ao processo e direito
a uma decisão judicial de tutela efectiva em tempo útil, e que, por outro lado,
o artigo 245.º do CAC deixou ao legislador nacional a competência para regular o
procedimento do recurso gracioso e contencioso do acto administrativo
denegatório da suspensão de execução.
A conformidade constitucional do regime em causa – de
prevalência do artigo 244.º do CAC sobre o artigo 130.º, n.º 2, da LPTA –, face
ao princípio da igualdade e ao direito de acesso aos tribunais foi reafirmada
no acórdão do STA de 18 de Novembro de 1998, proc. n.º 23 066 (Acórdãos
Doutrinais, ano XXXVIII, n.º 451, Julho de 1999, p. 912), já que, por um lado,
os recorrentes de actos tributários, sejam ou não estes de índole aduaneira,
podem obter a suspensão da sua execução, e, por outro lado, por uma via ou
outra, está sempre assegurado o acesso aos tribunais, quer directamente, quer
precedendo recurso, numa primeira fase, perante a autoridade aduaneira.
Quanto aos prazos de modo de exercício da pretensão de
suspensão da decisão de imposição de direitos aduaneiros, o acórdão do STA de 15
de Janeiro de 2003, proc. n.º 824/02 (texto integral disponível em
www.dgsi.pt/jsta), sustentou que o mesmo não podia ser inferior ao da reclamação
graciosa ou recurso contencioso, ou seja, de 90 dias a contar do termo do prazo
de pagamento voluntário do tributo ou 2 meses a contar da notificação ou da
publicação do acto (artigos 97.º e 123.º do Código do Processo Tributário –
Decreto‑Lei n.º 154/91, de 23 de Abril (CPT) – e 28.º e 29.º da LPTA), que o
prazo de prestação da garantia era de 10 dias, por aplicação analógica do
disposto no artigo 255.º do CPT, e que, se tiver sido já instaurada execução
(possibilidade que resulta de o prazo de pagamento voluntário – artigo 108.º do
CPT – em geral ser inferior ao do recurso), a prestação da garantia suspenderá a
própria execução, nos termos do referido artigo 255.º do CPT (correspondente ao
artigo 169.º do CPPT), concluindo, assim, que “há uma larga margem de
coincidência entre o artigo 244.º do CAC e o artigo 255.º do CPT”, já que “ambos
pretendem evitar ao contribuinte uma situação irreparável, nomeadamente a venda
dos bens em processo executivo”, “pelo que a suspensão da execução da decisão a
que se refere aquele primeiro normativo corresponde, afinal, ao segundo”. Por
outro lado, o mesmo acórdão entendeu que a decisão da autoridade aduaneira que
indefira pedido de suspensão da decisão de imposição de direitos aduaneiros é
imediatamente recorrível para os tribunais, pois o recurso administrativo que da
mesma caiba deve ser qualificado como meramente facultativo, face ao disposto
no artigo 80.º da Lei Geral Tributária (Decreto‑Lei n.º 398/98, de 17 de
Dezembro), preceito que se aplica às relações jurídicas tributárias aduaneiras
(contrariamente ao que se entendia face aos correspondentes artigos 18.º e 92.º
do CPT – cf. acórdão do STA, de 18 de Novembro de 1998, proc. n.º 22 943).
Por último, o acórdão do STA, de 27 de Abril de 2005,
proc. n.º 1263/05 (texto integral disponível em www.dgsi.pt/jsta), reiterou o
entendimento de que a suspensão da execução de uma decisão de aplicação de um
direito aduaneiro deve ser feita nos termos do artigo 244.º do CAC (não sendo
meio idóneo para esse efeito a dedução de oposição à execução fiscal), podendo
os interessados requerer essa suspensão à autoridade aduaneira e, face a
eventual indeferimento deste pedido, interpor recurso contencioso deste
indeferimento, o que assegura a abertura da via judicial e o respeito pelo
direito constitucional de acesso aos tribunais.
2.2. Também o Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias foi, por diversas vezes, através de reenvios prejudiciais, chamado a
proceder à interpretação das disposições contidas no artigo 244.º do CAC,
designadamente (cf. http://curia.eu.int/jurisp):
– pelo acórdão de 17 de Julho de 1997, proc. C‑130/95
(Bernd Giloy), em que declarou: (i) “O artigo 244.º, segundo parágrafo, do
Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que
estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, deve ser interpretado no sentido de
que as autoridades aduaneiras suspendem, no todo ou em parte, a execução de uma
decisão aduaneira contestada quando uma das duas condições mencionadas nessa
disposição estiver preenchida, devendo ser concedida a suspensão sempre que for
de temer um dano irreparável para o interessado sem que, no entanto, tenham de
existir razões para duvidar […] da conformidade da decisão contestada com a
legislação aduaneira”; (ii) “O facto de o interessado poder sofrer um prejuízo
irreparável no caso de execução imediata de uma decisão aduaneira contestada não
impede, de modo algum, as autoridades aduaneiras de subordinar a suspensão da
execução dessa decisão à constituição de uma garantia. Todavia, se a exigência
de constituir uma garantia for susceptível, devido à situação do devedor, de
suscitar graves dificuldades de ordem económica ou social, as autoridades
aduaneiras dispõem da faculdade de não exigir a constituição dessa garantia”;
(iii) “O facto de subordinar a suspensão da execução de uma decisão aduaneira
contestada à constituição de uma garantia pode suscitar graves dificuldades de
natureza económica ou social a um devedor que não disponha de meios suficientes
que lhe permitam constituir essa garantia”; (iv) “No caso em que a suspensão da
execução de uma decisão aduaneira é sujeita, nos termos do artigo 244.º,
terceiro parágrafo, do Regulamento n.º 2913/92, à constituição de uma garantia,
o montante dessa garantia deve ser fixado no montante exacto da dívida ou, se
esse montante não puder ser fixado de forma precisa, no montante mais elevado da
dívida constituída ou susceptível de se constituir, excepto se a exigência de
constituição de uma garantia for susceptível de causar ao devedor graves
dificuldades de natureza económica ou social; se tal for o caso, o montante da
garantia pode ser fixado, tendo em conta a situação financeira do devedor, num
montante inferior ao montante total da dívida em causa”;
– pelo acórdão de 11 de Janeiro de 2001, proc. C‑1/99
(Kofisa Italia), em que declarou: (i) “O artigo 243.º do Regulamento (CEE) n.º
2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código
Aduaneiro Comunitário, deve ser interpretado no sentido de que compete ao
direito nacional determinar se os operadores devem, num primeiro tempo,
apresentar recurso à autoridade aduaneira ou se podem dirigir‑se directamente à
autoridade judicial”; (ii) “O artigo 244.º do Regulamento n.º 2913/92 deve ser
interpretado no sentido de que só atribui às autoridades aduaneiras a faculdade
de suspensão da execução de uma decisão impugnada. Todavia, esta disposição não
limita o poder de que dispõem as autoridades judiciais a quem é submetido um
litígio nos termos do artigo 243.º do mesmo Regulamento para ordenar essa
suspensão a fim de cumprirem a sua obrigação de garantir a plena eficácia do
direito comunitário”; e
– pelo acórdão de 11 de Janeiro de 2001, proc. C‑226/99
(Siples), em que declarou: “O artigo 244.º do Regulamento n.º 2913/92 deve ser
interpretado no sentido de que só atribui às autoridades aduaneiras a faculdade
de suspensão da execução de uma decisão impugnada. Todavia, esta disposição não
limita o poder de que as autoridades judiciais a quem é submetido um recurso
dispõem, nos termos do artigo 243.º do mesmo código, para ordenar essa suspensão
a fim de cumprirem a sua obrigação de garantir a plena eficácia do direito
comunitário”.
2.3. Do exposto resulta que a norma impugnada encontra a
sua fundamentação na necessidade de, estando em causa execução fiscal de dívidas
de recursos próprios comunitários, designadamente – como no presente caso
ocorre – direitos aduaneiros, acatar a regra, constitucionalmente aceite, da
prevalência da regulamentação comunitária sobre o direito ordinário interno. E
a intervenção da regulamentação comunitária justifica‑se – como se salientou no
citado acórdão do STA de 28 de Janeiro de 1998 – pela necessidade de defesa de
interesses próprios comunitários, que “postulavam um regime de grande rigor
quanto à matéria do pagamento do montante dos direitos aduaneiros, quer para se
evitarem ofensas ao princípio da igualdade de tratamento decorrente de
diferenças de aplicação da lei comunitária, quer para garantir a segurança
financeiro‑tributária da Comunidade”, e “daí que os artigos 222.º e seguintes
do CAC tenham regulado de forma rígida tudo o que respeita ao cumprimento da
obrigação tributária, tendo em vista o seu real e efectivo cumprimento, desde
os prazos de pagamento, situações e condições em que ele pode ser diferido,
juros de mora, facilidades de pagamento e cobrança forçada”; ora, “interferindo
a suspensão da execução da decisão aduaneira com esse objectivo do efectivo
cumprimento da obrigação aduaneira, seria incongruente que o legislador
comunitário não o regulasse em termos exaustivos, como o fez para as restantes
situações que interferiam com tal propósito”.
Esta regulamentação comunitária compreende, porém, a
remissão para a legislação dos Estados membros, designadamente, da designação
da autoridade aduaneira competente para apreciar, numa primeira linha, o
recurso das decisões ligadas à aplicação da legislação aduaneira, quer da
instância (autoridade judiciária ou órgão especializado independente)
competente para apreciar uma segunda linha desse recurso e sua tramitação (cf.
artigos 243.º, n.º 2, e 245.º do CAC).
Neste contexto de interpenetração das duas ordens
jurídicas, comunitária e nacional, os entendimentos jurisprudenciais, quer do
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, quer do Supremo Tribunal
Administrativo, confluem no delinear de um sistema cujos traços fundamentais
foram descritos nos dois pontos anteriores deste acórdão.
Assim, apesar da inaplicabilidade directa do regime dos
n.ºs 1 a 5 do artigo 169.º do CPPT à suspensão da execução das decisões
aduaneiras, é entendimento jurisprudencial pacífico que assiste ao interessado,
caso a autoridade aduaneira competente não tome oficiosamente a iniciativa de o
fazer, o direito de lhe requerer essa suspensão, em prazo não inferior aos
prazos das impugnações administrativa ou contenciosa que no caso caibam, e a
fixação de prazo para prestação da garantia (se não for dispensada), prestação
de garantia esta que, no caso de já ter sido instaurada execução, tem o efeito
imediato de a suspender. Por outro lado, da eventual decisão da autoridade
aduaneira de indeferimento desse pedido de suspensão cabe impugnação imediata
para os tribunais tributários (uma vez que o recurso administrativo que no caso
caiba terá natureza facultativa), no âmbito da qual pode ser salvaguardado o
efeito útil do seu eventual provimento.
Embora a competência do Tribunal Constitucional, atenta
a definição do objecto do presente recurso, se cinja à apreciação da
constitucionalidade da norma do n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, a tomada em
consideração dos traços essenciais do sistema que, em substituição do regulado
nos precedentes números desse preceito, é aplicável, por força desse n.º 6, à
suspensão da execução das decisões aduaneiras, é suficiente para concluir pela
total improcedência dos vícios de inconstitucionalidade arguidos pela
recorrente. A parcial diferenciação de regimes assenta em fundamentação
racional, que afasta a violação dos princípios da igualdade, da “coerência do
sistema” e da não discriminação. Por outro lado, a imediata impugnabilidade
judicial da decisão que indefira o pedido de suspensão da execução da decisão de
imposição de direitos aduaneiros, com os efeitos atrás referidos, assegura o
respeito dos direitos de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional
efectiva, sem afronta aos princípios da proporcionalidade, da justiça e da
equidade e sem intolerável postergação dos direitos e garantias dos
contribuintes, como os consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4, da
CRP.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 6 do
artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que exclui a aplicação do disposto
nesse artigo quanto à suspensão da execução fiscal quando se trate de “dívidas
de recursos próprios comunitários”, e, consequentemente,
b) Negar provimento ao presente recurso, confirmando a
decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos