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Processo n.º 1089/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A. Relatório
1. A., melhor identificada nos autos, reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido no Supremo Tribunal de Justiça que lhe indeferiu o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal.
2. Perscrutando os autos na parte que interessa para a resolução do caso sub judicio, colhe-se que, nas conclusões das alegações do recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o ora Reclamante sustentou que:
«(...) Primeira - Pelos fundamentos indicados no Acórdão do Tribunal Pleno de 25 de Fevereiro de 1997, publicado no DR- I Série - A, n.º 83, de 9/4/97, a escritura de doação em que assenta a pretensão da autora é inválida. Segunda - Assim, e tal como foi decidido no mesmo Acórdão em relação a outro inquilino do mesmo prédio, e confirmando o Acórdão anterior relativo a outro inquilino, também a recorrente deve ser absolvida na presente acção de despejo, por ilegitimidade da autora. Terceira - Decidindo em contrário, o douto Acórdão recorrido violou, entre outros preceitos legais, os artigos 950º/2 e 951º/1, do Código Civil e o principio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no n.º 1 do artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa. Quarta - A não consideração dos depoimentos das testemunhas, com fundamento em relações profissionais, familiares ou de amizade, violou o disposto no artigo
617º do Código de Processo Civil. Quinta - Em consequência, devem ser considerados provados os factos constantes dos quesitos 4º a 11º. Sexta - Ao aceitar as condições particulares acordadas entre a recorrente e o anterior procurador do doador, a então procuradora da autora, agora a própria autora, deu o seu assentimento expresso ao contrato de arrendamento. Sétima - Só a partir de 21 de Maio de 1985, data em que recebeu a certidão de
óbito do doador, é que a recorrente podia requerer a notificação judicial da manutenção do arrendamento, pelo que foi temporânea a notificação requerida em
23/5/1985. Oitava - Mas essa obrigação só se contaria a partir da data em que a autora provasse ser a nova proprietária do imóvel, o que esta nunca fez, sendo que a escritura de doação só foi registada em 25 de Outubro de 1985. Nona - Tendo a recorrente manifestado por diversas vezes, quer por escrito, por telefone ou pessoalmente, o seu interesse em manter o arrendamento, nas condições particulares acordadas, a que a então procuradora da autora foi dando o seu assentimento, constitui manifesto abuso de direito pretender a caducidade do contrato, com fundamento na alegada falta ou extemporaneidade da notificação judicial. Décima - Condenando a recorrente a pagar uma indemnização em dobro, acrescida das actualizações anuais, sem que tal tivesse sido peticionado, a douta sentença recorrida condenou em valor superior ao pedido, sem qualquer fundamento legal. Décima Primeira - Tendo ficado provado que a recorrente fez reparações no andar arrendado que aumentou o seu valor locativo, deve a autora ser condenada a pagar
à recorrente a compensação pedida. Décima Segunda - Deve ser revogado o douto Acórdão recorrido, considerando-se improcedente a acção de despejo.».
Por Acórdão de 29 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à Revista, tendo a Recorrente, inconformada com tal decisão, interposto recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:
«(...)
1. - A alegada proprietária do prédio sito na Av.
-----------------------------, n.º ----- em Lisboa, através da procuradora da sua tutora, instaurou em 1985 acções de despejo contra três arrendatários do referido prédio, por estes não terem requerido a tempo a notificação judicial avulsa da alegada proprietária de que continuavam interessados no arrendamento, nos termos do então n.º 2 do artigo 1.051º do Código Civil.
2. Os três arrendatários, para além da impugnação de substância, invocaram a excepção da ilegitimidade da autora, pelas seguintes razões: a) A doação da sua propriedade foi feita a pessoa interdita por anomalia psíquica, com o encargo de, após a morte do doador - usufrutuário, as rendas serem recebidas, como direito próprio, pela mãe da donatária; b) Daí que, na própria escritura de doação, o doador fez a declaração de que a doação tinha de ser aprovada pelo Tribunal, face ao disposto no n.º 1 do artigo 951º do Código Civil; c) Porém, a autorização de aceitação nunca foi requerida ao Tribunal, pelo que a doação é inválida; d) Assim sendo, os arrendamentos foram celebrados pelo procurador do senhorio, tendo este a qualidade de proprietário e não de usufrutuário; e) A tese da invalidade era especialmente defendida pelo então procurador e sobrinho do falecido, seu herdeiro testamentário, que invocava o direito de continuar a receber as rendas, tanto mais que desconhecia a existência da escritura de doação, que só passado mais de um ano após a morte do proprietário é que foi registada.
3. Por Assento do Tribunal Pleno de 25/02/97, publicado no DR, I Série - A n.º 83, de 09/04/97 e depois no BMJ, 464-58, a referida escritura foi considerada inválida, pelo que dois dos três arrendatários foram absolvidos nas acções de despejo contra eles interpostas.
4. Porém, a sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância em 24 de Fevereiro de 2003 considerou a mesma escritura válida em relação ao outro arrendatário, agora recorrente, com o fundamento de que, nesta acção, a escritura já fora considerada válida, pelo que o Assento que julgou de modo diferente não afectou esta decisão.
5. E, em consequência, foi decretado o despejo do arrendatário, sem levar em conta diversa factualidade invocada pela recorrente, que leva a que esta sentença seja a decisão judicial mais injusta, iníqua, imoral e discriminatória que o signatário conheceu em mais de 30 anos do exercício da advocacia.
6. A sentença de despejo foi confirmada pelo Acórdão do S. T. Justiça, de que se interpõe o presente recurso.
7. Daí que, nas suas alegações para o Tribunal da Relação e S. T. Justiça, a recorrente tenha suscitado a questão da inconstitucionalidade, invocando a violação do princípio da igualdade perante a lei, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Sem prejuízo das alegações a produzir no momento oportuno, desde já se afirma que os direitos consagrados na Constituição se referem a direitos materiais, que não podem ser afastados pelo acaso do funcionamento dos Tribunais, sem que os cidadãos tenham alguma culpa no facto de que numa acção, para azar do recorrente, o Tribunal tenha decidido mais depressa ou mais devagar a mesmíssima questão!
(...).».
Após convite do Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça para “indicar a alínea do n.º1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, ao abrigo da qual o recurso é interposto”, o Reclamante veio esclarecer que “a norma (...) é a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sendo a norma violada a que consagra o direito fundamental de igualdade de todos os cidadãos perante a lei, constante do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, directamente aplicável nos termos do artigo 18.º da mesma Constituição”.
3. Na sequência do exposto, foi prolatado a fls. 1127 a 1129 o seguinte despacho:
«(...)
Na acção a Ré sustenta que a escritura de doação de um imóvel com dever de a donatária entregar as respectivas rendas a um terceiro, em que assenta a pretensão da Autora, é inválida, por se tratar de uma doação com encargos a uma pessoa interditada: art.ºs 950º, n.º 1, 951º e 963º, do CC. E invoca em seu favor o acórdão deste STJ, unificador de jurisprudência, de 25/02/97, publicado no BMJ, 464-58. No acórdão de que ora se pretende recorrer para o TC relevou-se que tal questão havia sido neste processo posta, apreciada e decidida no sentido de que se trata de uma doação com reserva e não uma doação com encargos, por isso uma doação pura e consequentemente válida. Esta decisão, de 02/03/95, que se encontra publicada mesmo BMJ, 445-418, transitou em julgado, não podendo por isso ser alterada. De facto, a referida decisão de 02/03/95, proferida neste processo e transitada em julgado, é anterior à de 25/02/97, proferida no outro, unificador de jurisprudência. Os acórdãos unificadores de jurisprudência não têm efeito retroactivo e nunca poderiam sobrepor-se a decisões transitadas. Designadamente, no acórdão de que agora se pretende recorrer para o TC se escreveu:
Compreende-se bem a importância fulcral desta questão, mas o certo é que a mesma encontra-se decidida com trânsito: a doação feita à Autora era uma doação pura e por isso válida, com consequente consolidação no seu património da propriedade do prédio aqui em causa, nada mais havendo a discutir sobre este assunto. Esta questão encontra-se coberta pelo caso julgado formado na própria acção: art.º 671 do CPC. Não tem, por isso, pertinência discutir aqui de novo a aplicabilidade dos art.º 950, n.º 2 e 951, n.º 1, do CC, o que já foi feito, com trânsito. Por isso, nunca se poderia aderir agora aos fundamentos de direito, por muito excelentes que sejam, do assento de 25/02/97, publicado no DR, I Série-A, n.º 83, de 09/04/97 e depois no BMJ, 464-58 (a prolação de Assento foi pedida por haver oposição de jurisprudência entre os acórdãos deste STJ de
02/03/95, proferido em recurso interposto na presente acção, e de 03/05/90, proferido na revista 77.920), visto que há decisão anterior transitada em julgado e a uniformização de jurisprudência não tem efeito retroactivo. E também não há qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, consignado no art.º 13º, n.º 1, da CRP, que tem servido para tudo e não foi aqui minimamente prejudicado.
No recurso não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma da lei ordinária (que no presente caso seria a do art.º 963º do CC). Quer se considere a doação de um imóvel com reserva de rendas como uma doação pura ou como uma doação modal (este é que é o problema), a norma do art.º 963º do CC não resulta violadora do princípio da igualdade. Nem nunca a Ré sustentou isso. Nunca no processo se sustentou que determinada interpretação do art.º 963º do CC
(concretamente, no sentido de que uma doação com reserva de rendas seria uma doação pura e não uma doação com encargos) seria inconstitucional. O que a Ré sustenta é que perfilhar um entendimento num processo e outro noutro envolve tratamento diferente dos respectivos Réus. Mas isso (como já se sublinhou no acórdão), e independentemente da solução de mérito (de que se não cuidou aqui, precisamente por haver que respeitar uma decisão transitada), pode ser (e neste caso será) uma resultante da força do caso julgado formado dentro do processo
(art.º 671º do CPC), não envolvendo a violação de qualquer preceito constitucional. Deste modo, não está arguida a aplicação de qualquer norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. O que se diz é que foram tomadas decisões diferentes em acções diferentes sobre a mesma questão, o que não corresponde a arguição de inconstitucionalidade de normas. De qualquer modo, do que se trata aqui é de respeitar o caso julgado, não de dar tratamento diferenciado a duas pessoas em situações iguais. Nesta acção não estamos a julgar a outra, nem na outra se julgou esta. Se houvesse violação do princípio da igualdade neste processo por se ter decidido diferentemente do outro, então também haveria no outro por se ter decidido diferentemente deste. Não estando arguida a aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, do acórdão de 29/06/04 não pode recorrer-se para o TC: art. 280, n.º 1, b), da CRP e art. 70, n.º 1, b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro. Pelo exposto, decido não admitir o recurso, condenando a Ré nas custas do incidente.».
4. Inconformado com o seu teor, o recorrente veio, nos termos expostos, deduzir reclamação com base na seguinte argumentação:
«A. recorrente nos autos de recurso de revista à margem indicados, em que é recorrida B., vem reclamar do despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1. Nas alegações para o Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça o reclamante defendeu que a decisão proferida na 1ª instância ofendia o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no n.º 1 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
2. O douto Acórdão do S. T. Justiça decidiu que não foi violado o princípio consignado no art.º 13º, n.º 1, da CRP, acrescentando que este princípio 'tem servido para tudo' (o que é revelador de um mal disfarçado 'agastamento' pelo facto das suas decisões estarem sujeitas à tutela de um outro Tribunal, pelo que já era esperado o indeferimento do recurso).
3. O fundamento do indeferimento do recurso para o T.C. consistiu em o reclamante não ter invocado a norma da lei ordinária que tivesse sido violado
(que o S.T.J. entende que poderia ser o art.º 963º do C. Civil), mas tão somente invocado o referido preceito constitucional.
4. Ora, o n.º 1 do artigo 18º da Lei Constitucional estabelece que 'Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas'.
5. Por consequência, o princípio expresso no n.º 1 do artigo 13º da mesma Lei Constitucional, sendo um direito fundamental pode ser invocado directamente como tendo sido violado por uma decisão judicial, sem necessidade de apelar, com mais ou menos artificialidade, à violação de uma qualquer norma da lei ordinária.
6. A não ser assim, não se compreenderia a inclusão na Lei Constitucional da referida norma do artigo 18º, que ficaria completamente esvaziada de conteúdo e ineficaz.
7. Face ao exposto, deve ser revogado o douto despacho que, ao indeferir o requerimento de interposição de recurso com aquele fundamento, violou o disposto no transcrito n.º 1 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, e decidida a admissão do recurso.».
5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação porquanto, no seu entendimento, “o reclamante não coloca a este Tribunal a apreciação de qualquer questão de inconstitucionalidade de normas, integradoras do ordenamento infra-constitucional, susceptíveis de constituírem objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta”.
Cumpre agora decidir.
B. Fundamentação
6. Como é consabido, são requisitos específicos para o conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC: que a decisão judicial tenha aplicado a norma reputada de inconstitucional; que o juízo sobre a constitucionalidade da norma tenha sido uma verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da decisão recorrida; que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada “durante o processo”, entendida esta expressão em sentido funcional – em termos de tal invocação dever ser feita num momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão,
“antes [portanto] de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que respeita”, como se depreende do facto de a intervenção do Tribunal Constitucional apenas ocorrer em via de recurso, para apreciação ou reexame de uma questão que o Tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (cf., entre a vastíssima jurisprudência deste Tribunal, os Acórdãos nos 90/85, 352/94, 560/94,
155/95 (todos publicados na 2ª Série do Diário da Republica, respectivamente, em
11 de Julho de 1985, 6 de Setembro de 1994, 10 de Janeiro de 1995 e 20 de Junho de 1995), e, mais recentemente, os Acórdãos nos 23/2003 e 24/2003, ainda inéditos); e, por fim, que não seja admissível recurso ordinário da decisão judicial, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que cabiam no caso concreto. Assim prefigurados os requisitos determinantes da admissibilidade do recurso, importa afirmar, desde já, que, no caso sub judicio, é manifesto que o Reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Na verdade, como emerge dos autos, a Reclamante limitou-se a sustentar perante as instâncias que “(...) decidindo em contrário, o douto Acórdão recorrido violou, entre outros preceitos legais (...) o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa”. Contudo, tal argumentação não se reconduz, inequivocamente, à suscitação de qualquer problema de
(in)constitucionalidade de uma norma jurídica, antes se direcciona, directa e imediatamente, à conformidade da decisão do tribunal a quo com a Constituição. Ora, o objecto da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade são apenas normas jurídicas, não podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma
(eventual) “inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido o Acórdão n.º 199/88, publicado no DR, II Série, de 28 de Março de 1989, onde se afirmou que “este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade se questiona, ou no caso de se questionar certa interpretação de uma determinada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental”. Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na decisão recorrida como sua ratio decidendi, não podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos, o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e
223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm. Assim é, desde logo, porque este Tribunal não está configurado como uma instância de amparo com competência para sindicar o mérito jurídico da aplicação da lei efectuada pelas demais instâncias jurisdicionais, apenas lhe competindo apurar, nesses termos, da inconstitucionalidade de normas, pelo que não há, nesta sede, lugar para o conhecimento de recursos interpostos com fundamento em violação da lei por banda da decisão judicial recorrida, nem, pelos mesmos motivos, com base na
“inconstitucionalidade da decisão judicial”. E, contra o exposto, não cabe afirmar, como sustenta a Reclamante, que, para efeitos do recurso de constitucionalidade, “o princípio expresso no n.º 1 do artigo 13.º da mesma Lei Constitucional, sendo um direito fundamental, pode ser invocado directamente como tendo sido violado por uma decisão judicial, sem necessidade de apelar, com mais ou menos artificialidade, à violação de uma qualquer norma da lei ordinária” – acabando, assim, nessa senda, por afirmar que o despacho reclamado “ao indeferir o requerimento de interposição de recurso com aquele fundamento, violou o disposto no (...) n.º 1 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa”. Desde logo, porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade como um recurso de amparo no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda, antes recortou a competência do Tribunal Constitucional em torno do conhecimento de questões de constitutionalidade de normas, pelo que é perante tal conformação do sistema jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal pode actuar em termos de avaliar da bondade constitucional de critérios normativos quando estejam em causa os direitos fundamentais.
Assim sendo, não tendo sido suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer norma, não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para que este Tribunal possa tomar conhecimento do recurso ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
C. Decisão
Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante com taxa de justiça de 20 UC.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050021.html ]