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Processo n.º 720/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., SA. deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do
Porto, impugnação judicial das liquidações e cobranças da taxa de salubridade
que lhe foram efectuadas em 30 de Setembro de 2001 pela Câmara Municipal da
Póvoa de Varzim. No requerimento respectivo, depois de transcrever a regra 12.
do Tarifário de Saneamento Básico do Concelho da Póvoa de Varzim (cfr. fls. 2.
v.º e 3), sustentou, para o que aqui releva, que “o montante liquidado e cobrado
pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim a título de «taxa de salubridade» não é
devido, por ser aquele acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e
inconstitucionalidade dos preceitos de que resulta a criação da receita
respectiva – as normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de
Saneamento Básico que estabelecem o pagamento da taxa referida – vício que se
argui para todos os efeitos” (fls. 6).
2. A Câmara Municipal da Póvoa de Varzim contestou (fls. 23 e v.º),
tendo nomeadamente defendido que, contrariamente ao alegado pela impugnante, a
taxa de salubridade estaria prevista no n.º 2 do artigo 7º do Regulamento de
Saneamento Básico e não na regra 12. do Tarifário de Saneamento Básico e, bem
assim, que a taxa de salubridade não configurava um imposto.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da
impugnação (fls. 84 e seguinte).
3. Por sentença de 27 de Maio de 2004, o juiz do Tribunal Administrativo
e Fiscal do Porto julgou a impugnação improcedente, pelos seguintes fundamentos
(fls. 91 e seguintes):
“[…]
A questão a decidir nestes autos já foi decidida no processo de impugnação que
corre termos na 1ª secção do 3° Juízo deste Tribunal sob o n.º 21/02, em que era
também autor a aqui impugnante, versando sobre a mesma questão de direito embora
referente a liquidações relativas a períodos posteriores.
Uma vez que concordamos inteiramente com os argumentos ali sustentados, pela
inexistência de outros que possa ter interesse para a decisão da causa de acordo
com a posição por nós sufragada e pela inutilidade em que se traduziria estar a
sustentar por outras palavras a posição ali defendida, passamos a citar aquela
decisão, cujos fundamentos para aqui importamos.
«A tese que a impugnante traz a pleito para sustentar a sua pretensão
estriba-se, no essencial, na alegação de que a impugnante não recebe qualquer
contrapartida por parte da CMPV em resultado do pagamento da taxa de salubridade
aqui impugnada.
Ora, tal falta de sinalagma retiraria, na tese da impugnante, o carácter de taxa
ao tributo aqui em causa e conferir-lhe-ia contornos de verdadeiro imposto e daí
que os preceitos regulamentares que prevêem a dita taxa sejam inconstitucionais
e ilegais. Vejamos.
Decorre da norma contida no art. 16° n.º 1 alínea d) da Lei 42/98, de 6 de
Agosto, que, entre as receitas dos municípios, se conta ‘o produto da cobrança
de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município’.
A taxa é definida pela doutrina como ‘uma prestação tributária (ou tributo) que
pressupõe, ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma
relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um
bem ou serviço púbico’ – cfr. António de Sousa Franco, Finanças Públicas e
Direito Financeiro, pág. 63.
Na tarefa de definir aquilo que pode constituir a contraprestação específica a
doutrina portuguesa identifica três situações diversas: a da prestação de
serviços públicos; a de utilização do domínio público e a de remoção de limites
jurídicos impostos à actividade dos particulares – cfr. artº 4° n.º 2 da LGT.
No caso vertente, o cerne da questão está em saber se existe ou não uma
contrapartida a cargo do município em resultado do pagamento da taxa de
salubridade.
A este propósito, não nos iremos alongar em considerações doutrinárias sobre o
tema mas retomar por se nos afigurar de flagrante relevância, o discurso
judicativo-decisório ensaiado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão
410/2000, de 3 de Outubro de 2000, DR I Série, de 22 de Novembro de 2000.
Ali se considerou que, ‘o Tribunal Constitucional, ao distinguir o imposto da
taxa, tem surpreendido unilateralidade naquele e nesta carácter bilateral ou
sinalagmático (...).
No entanto, e recorrendo às características doutrinariamente assinaladas na
figura da taxa, como sejam a sinalagmaticidade e a correspectividade das
prestações, também já se observou no Acórdão 1108/96 não serem estas invocáveis
como critérios com o mero objectivo de subsunção conceptual quando está em causa
um juízo de constitucionalidade.
Independentemente da resposta da doutrina fiscal, o arquétipo do raciocínio
jurídico naquele plano de constitucionalidade deverá ser, no essencial, uma
distinção funcional determinada pelos fundamentos e objectivos constitucionais
da reserva de lei.
A subordinação do imposto à reserva de lei exprime (sempre nesse plano) a
exigência de um controlo democrático que tem a ver com o respeito da igualdade e
da justiça tributárias aferidas em função da capacidade contributiva de cada
cidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica, não necessariamente justificada
pelo exacto custo da prestação ou do benefício, se bem que juridicamente
estruturada através da sinalagmaticidade e correspectividade da prestação, tendo
como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu
pagamento.
Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo,
mais relevante a contenção da utilização de um serviço o que significa que o
carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao
custo do bem ou serviço prestado (...).
Já se o valor for manifestamente desproporcionado, ‘completamente alheio ao
custo do serviço prestado’, então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser
encarada, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto,
porque, desse modo, se afectaria a correspectividade. Assim, a
desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério
legitimante da taxa (...).
Ou seja (...) a base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe uma
sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída
juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e
aceite como tal pelos cidadãos atingidos’.
Ora, segundo consta do art. 7° n.º 2 do ‘Regulamento do Saneamento Básico’ do
Município da Póvoa de Varzim, ‘a taxa de salubridade consubstancia a
comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas,
correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização’.
O citado normativo regulamentar enuncia de modo muito claro qual o sentido da
taxa de salubridade e qual a contraprestação a cargo do município que lhe está
associada.
Do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os custos de
exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais, implicadas pela
utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização determina a
necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação ou o
lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a
contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com
o pagamento da taxa – cfr. Ac. TC n.º 357/99, DR II série, de 2 de Março de
2000.
Eis porque, ao contrário do que sustenta a impugnante, as liquidações em causa
não padecem dos vícios que a mesma lhes aponta».
Termos em que, pelos fundamentos expostos julga-se a impugnação improcedente
porque não provada e em consequência absolve-se a Câmara Municipal da Póvoa de
Varzim do pedido.
[…].”.
4. Inconformada, A., SA. recorreu para a Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 103), tendo nas alegações
respectivas (fls. 114 e seguintes) concluído do seguinte modo:
“1. Estando em causa a eventual desconformidade da «taxa de salubridade»,
importa proceder à qualificação da aludida figura;
2. A «taxa de salubridade» tem o seu fundamento legal no art. 20° da Lei das
Finanças Locais e no art. 7° n.º 2 do Regulamento de Saneamento Básico;
3. A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento
apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro
imposto;
4. Os Municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do
seu interesse específico;
5. As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da
natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não
consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao
respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção
de um limite jurídico à actividade dos particulares;
6. O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta
conexão com qualquer contraprestação retributiva;
7. O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência
constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em
causa;
8. Sendo a ora recorrente utente do sistema público de saneamento básico, não há
qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água,
da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos,
que possa justificar a liquidação da «taxa de salubridade»;
9. Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas,
uma vez que a ora recorrente não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida
económica proporcional por parte da Câmara;
10. O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de
autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro
imposto;
11. Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada
pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da
Póvoa de Varzim) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das
respectivas normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de
(Saneamento Básico, nos termos dos arts. 103° n.º 3 e 165° n.º 1 al. i) da
Constituição.”.
O Ministério Público sustentou que o recurso não merecia provimento
(fls. 141).
5. Por acórdão de 1 de Junho de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo
negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 148 e seguintes):
“[…]
3.1. Os actos de liquidação impugnados respeitam a taxa de salubridade a favor
da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, fundamentando-se a impugnação,
essencialmente, na inexistência de contrapartida por parte do Município, o que
faria da denominada taxa um verdadeiro imposto, ilegal por ter sido instituído
por deliberação daquela Câmara […].
A sentença recorrida entendeu, ao invés, que a «utilização [dos sistemas de
saneamento municipais] determina a necessidade, actual ou futura, da realização
de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento,
residindo aí a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia
conexionado com o pagamento da taxa». E por isso julgou a impugnação
improcedente.
No recurso jurisdicional que ora se nos apresenta a recorrente usa, para
contrariar a sentença, razões que se não afastam das que invocara na petição de
impugnação, e que condensa nas conclusões acima transcritas.
Já o Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal assume posição próxima
da que adoptou a sentença, por isso que propõe a sua confirmação.
3.2. A única questão em debate é a de saber se os tributos liquidados à
recorrente devem considerar-se verdadeiras taxas, como são denominados, por
haver contrapartida por parte da autarquia, ou se tal contrapartida inexiste,
caso em que estaremos perante um imposto, cujo ilegal nascimento implica a
ilegalidade das liquidações.
Não se controverte, no processo, por onde passa a linha separadora dos conceitos
de taxa e imposto; nem que este só pode ser criado pela Assembleia da República,
sob pena de ilegalidade da respectiva liquidação. Desnecessário é, pois, que nos
ocupemos do que respeita à distinção entre taxa e imposto, à reserva de lei da
Assembleia da República, e às consequências do seu desrespeito. As considerações
a tais propósitos feitas no processo, seja pela recorrente, seja pelo Mmº. Juiz
que proferiu a sentença recorrida, acompanham o que repetida e uniformemente tem
afirmado a jurisprudência, designadamente, a do Tribunal Constitucional – na
qual, aliás, confessadamente se inspiram – e a deste Supremo Tribunal
Administrativo.
Ora, em sede de matéria de facto – ainda que fora do capítulo especialmente
dedicado à enunciação dos factos provados e não provados –, estabelece-se na
sentença que «do que se trata é de cobrar receitas com vista a assegurar os
custos de exploração e conservação dos sistemas de saneamento municipais,
implicadas pela utilização dos mesmos por parte dos munícipes. Tal utilização
determina a necessidade, actual ou futura, da realização de obras de conservação
ou o lançamento de novas redes e sistemas de saneamento, residindo aí a
contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com
o pagamento da taxa».
Perante tal factualidade, fica de todo desapoiada a tese da recorrente, quando
afirma que «não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida económica
proporcional por parte da Câmara»; e que, assim, a taxa exigida «apresenta-se
como uma forma de autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos
de verdadeiro imposto» – vejam-se as conclusões n.ºs 9 e 10.
Diferentemente do que diz a recorrente, a sentença estabeleceu que o município
dispõe de sistemas de saneamento municipais, os quais são utilizados pelos
munícipes, e que «tal utilização determina a necessidade, actual ou futura, da
realização de obras de conservação ou o lançamento de novas redes e sistemas de
saneamento». Estabelece, ainda, a sentença, que a taxa em discussão se destina a
proporcionar «receitas com vista a assegurar os custos de exploração e
conservação» daqueles sistemas.
Daí que não possa deixar de se concluir, como na sentença, que, ao proporcionar
à recorrente a utilização dos falados sistemas de saneamento, que explora e
conserva, o município lhe presta um serviço, «residindo aí a contraprestação da
autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da
taxa» liquidada.
Acrescente-se que a recorrente, embora se refira, na conclusão n.º 9, à
inexistência de «qualquer contrapartida económica proporcional por parte da
Câmara», não quer, como se extrai do conjunto das suas alegações, afirmar que a
taxa em causa é contrapartida desproporcional do serviço que lhe é prestado,
pretendendo, antes, que não há contraprestação nenhuma, proporcional ou
desproporcional, por parte do município, ou seja, que falta, de todo, o
sinalagma que caracteriza a taxa e permite distingui-la do imposto.
De todo o modo, e ainda que se entendesse que a recorrente argui a desproporção
entre a taxa e a contraprestação do município, a questão não poderia aqui
apreciar-se, por a recorrente não indicar, e o processo não fornecer, quaisquer
elementos que possam servir de parâmetro para aferir dessa
(des)proporcionalidade.
3.3. Mas, verdadeiramente, a questão suscitada pela recorrente tem contornos
diversos daqueles que balizaram o que até aqui se afirmou.
A recorrente não sustenta que o município lhe não presta quaisquer serviços,
afirmando, pelo contrário, que é «utente do sistema público de saneamento
básico» (artigo 12° das alegações de recurso). Nem contesta que tal sistema foi
instituído pelo município, que o explora e conserva, e que tudo isso implica
custos. Consequentemente, também não recusa que, como contrapartida dessa sua
utilização, lhe possa ser exigida uma verdadeira taxa.
O que diz é que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim cobra, além daquela que
nos ocupa, «taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos
sólidos», como a autoriza o artigo 20° da Lei das Finanças Locais, e «não há
qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água,
da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos,
que possa justificar a liquidação da ‘taxa de salubridade’».
Afirma, pois, a recorrente, que já lhe são cobradas taxas (ou tarifas) como
contrapartida de todas as prestações que recebe do município: fornecimento de
água, esgotos, e recolha de resíduos sólidos. Não havendo outro qualquer
serviço, a denominada taxa de salubridade a nenhum corresponde, e outra coisa
não é senão um imposto, criado para além da autorização dada pelo artigo 20° da
Lei das Finanças Locais.
Vale aqui a certeira observação do Exmº. Procurador-Geral Adjunto: se for
verdadeira a afirmação da recorrente, então poderemos estar perante um caso de
dupla tributação, isto é, o município está a tributar por duas vezes, com taxas
diferentes, e com fundamento em normas diversas, o mesmo facto tributário.
Mas a dupla tributação, que «configura uma situação em que o mesmo facto
tributário se integra na hipótese de incidência de duas normas tributárias
diferentes, o que implica, de um lado, a identidade do facto tributário e, do
outro, a pluralidade de normas tributárias» (José Casalta Nabais, Direito
Fiscal, 2ª edição, pág. 230/231), não integra o elenco dos vícios invalidantes
do acto tributário.
E não prejudica a verificação, como acontece no caso, da existência de um
sinalagma entre o serviço prestado ao sujeito passivo e a taxa liquidada a esse
propósito.
De todo o modo, não vem estabelecido, em sede factual, que à recorrente tenham
sido liquidadas, relativamente ao mesmo período temporal, e a pretexto da mesma
prestação de serviços, outras taxas além da impugnada.
Daí a improcedência, também, deste fundamento.
[…].”.
6. A., S.A. recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo
a apreciação da “norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o
processo, [que] consta do Regulamento do Saneamento Básico, aprovado pela
Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em sessão 27/06/1996 entretanto
sucessivamente alterado” (requerimento de fls. 157).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 158.
7. Notificada, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal
Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso, A.,
S.A. veio esclarecer que pretende a apreciação da inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 7º do Regulamento de abastecimento de água, serviço de
saneamento e lixo, aprovado pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim em 17 de
Junho de 1996 e pela respectiva Assembleia Municipal em 27 de Janeiro de 1996, e
dizendo ainda que a inconstitucionalidade dessa norma havia sido suscitada na
petição inicial da impugnação (cfr. requerimento de fls. 166).
8. Proferido despacho para a produção de alegações, a recorrente A.,
S.A. concluiu assim as que apresentou neste Tribunal (fls. 170 e seguintes):
“[…]
1. Estando em causa a eventual desconformidade da «taxa de salubridade», importa
proceder à qualificação da aludida figura;
2. A «taxa de salubridade» tem o seu fundamento legal no art. 20º da Lei das
Finanças Locais e no art. 7° n.º 2 do Regulamento de Saneamento Básico;
3. A questão suscitada perante este Tribunal é a de saber se o dito regulamento
apenas concretizou a lei habilitante ou se, pelo contrário, criou um verdadeiro
imposto;
4. Os Municípios têm competência legislativa para a criação de taxas em áreas do
seu interesse específico;
5. As taxas revestem carácter sinalagmático, que deriva funcionalmente da
natureza do facto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que não
consiste na prestação de uma actividade pública especialmente dirigida ao
respectivo particular ou na utilização de bens do domínio público ou na remoção
de um limite jurídico à actividade dos particulares;
6. O imposto é uma prestação pecuniária, singular e reiterada, que não apresenta
conexão com qualquer contraprestação retributiva;
7. O critério de diferenciação entre imposto e taxa, segundo a jurisprudência
constitucional, consiste na unilateralidade ou bilateralidade dos tributos em
causa;
8. Sendo a ora recorrente utente do sistema público de saneamento básico, não há
qualquer outro serviço prestado para além dos serviços de fornecimento de água,
da taxa de saneamento relativamente aos esgotos e à recolha de resíduos sólidos,
que possa justificar a liquidação da «taxa de salubridade»;
9. Fica assim precludido o vínculo de reciprocidade que caracteriza as taxas,
uma vez que a ora recorrente não recebeu, nem recebe, qualquer contrapartida
económica proporcional por parte da Câmara;
10. O tributo cobrado pela Câmara apresenta-se como uma forma de
autofinanciamento da autarquia e, como tal, reveste contornos de verdadeiro
imposto;
11. Atenta a sua natureza jurídica, de verdadeiro imposto, só poderia ser criada
pela Assembleia da República (já não por deliberação da Assembleia Municipal da
Póvoa de Varzim) o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal das
respectivas normas do Regulamento de Saneamento Básico e do Tarifário de
Saneamento Básico, nos termos dos arts. 103° n.º 3 e 165° n.º 1 al. i) da
Constituição.
Deve assim, e em consequência, conceder-se provimento ao presente recurso, em
conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das normas referidas,
revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências.
[…].”.
Por sua vez, a recorrida Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
formulou as seguintes conclusões nas suas contra-alegações (fls. 178 e
seguintes):
“[…]
I - A impugnante, ora Recorrente, assenta a sua pretensão de anulação dos actos
de liquidação em causa nos presentes actos numa pretensa inconstitucionalidade
orgânica e formal dos preceitos regulamentares com fundamento nos quais aqueles
actos foram praticados, uma vez que, por alegada inexistência de
sinalagmaticidade, estaria em causa um tributo com contornos de verdadeiro
imposto.
II - Conforme doutamente decidido nas anteriores instâncias e, entretanto,
clara, categórica e irrepreensivelmente firmado no douto Acórdão desse Venerando
Tribunal Constitucional, de 16/11/2005, produzido nos Autos de Recurso n.º
1094/04 (mesma 1ª Secção), que teve por objecto a exacta questão e os concretos
normativos em causa, a tese defendida pela ora Recorrente não é merecedora de
acolhimento.
III - A tarifa de salubridade, prevista no n.º 2 do art. 7° do Regulamento de
Saneamento Básico, aprovado pela Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim,
funda-se no art. 22° in fine do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, e no
art. 20° da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto – normas habilitantes, expressamente
constantes do preâmbulo ou introdução do Regulamento –, não se verificando,
pois, a invocada inconstitucionalidade formal da norma regulamentar em questão.
IV - A tarifa de salubridade consubstancia «a comparticipação do utente nos
custos de exploração e conservação dos sistemas municipais de distribuição de
água e de drenagem de águas residuais, correspondentes aos encargos da sua
disponibilidade e utilização».
V - Além de pagar os preços correspondentes aos concretos volumes de água e de
águas residuais consumidos e drenados, respectivamente, a que se reportam as
verbas debitadas nas correspectivas parcelas constantes da factura/recibo
mensal, terá o utente dos sistemas de comparticipar nos custos de funcionamento
dos serviços e equipamentos necessários à prestação daqueles serviços – conforme
expressamente previsto no n.º 3 do art. 20° da já referida Lei das Finanças
Locais, o preço total pago pelo utente dos sistemas públicos de distribuição de
água e de drenagem de águas residuais não deverá ser inferior aos custos directa
e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e a prestação dos
serviços.
VI - Sendo disso, e apenas disso, que se trata na liquidação e cobrança da
tarifa de salubridade, a conclusão que se impõe é a de que esta tem natureza e
estrutura sinalagmática e correspectiva, não se configurando como «imposto».
VII - Não estando em causa um imposto, não padece a concreta norma regulamentar
posta em crise, produzida pelo município no exercício do respectivo poder
regulamentar, do assacado vício de inconstitucionalidade orgânica.
[…].”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
9. Através do presente recurso, a recorrente pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie a conformidade constitucional do artigo 7º do Regulamento
de Saneamento Básico [na resposta ao despacho de aperfeiçoamento a recorrente
atribui-lhe outra designação: supra, 7.], aprovado pela Assembleia Municipal da
Póvoa de Varzim em sessão de 27 de Junho de 1996, na redacção introduzida por
deliberação da mesma Assembleia, de 1 de Março de 2001 (cfr. documento de fls.
36 e seguintes).
O referido preceito dispõe o seguinte:
“Artigo 7º
Regime tarifário
1. Compete à Câmara Municipal estabelecer, nos termos legais, as tarifas
correspondentes aos serviços prestados no âmbito do saneamento básico e a tarifa
de salubridade.
2. A tarifa de salubridade consubstancia a comparticipação do utente nos custos
de exploração e conservação dos sistemas, correspondentes aos encargos da sua
disponibilidade e utilização.
3. A facturação será mensal e o seu montante será determinado em função do
consumo médio mensal de água em termos definidos pela Câmara Municipal””.
Embora no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, a recorrente indique genericamente o artigo 7º do
Regulamento de Saneamento Básico, apenas o n.º 2 pode constituir objecto do
presente recurso – e não as normas constantes de outros números do mesmo
preceito – pois que só em relação a esse n.º 2 foi suscitada, durante o
processo, a questão da sua inconstitucionalidade (cfr. artigo 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional).
A inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 7º – por
violação dos artigos 103°, n.º 3, e 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição –
foi invocada pela recorrente nas alegações para o Supremo Tribunal
Administrativo (supra, 4.), não obstante na resposta ao despacho de
aperfeiçoamento se ter afirmado que tal ocorrera na petição inicial da
impugnação (supra, 7.).
10. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre
a conformidade constitucional da norma que constitui objecto do presente
recurso. Fê-lo no Acórdão n.º 652/05, de 16 de Novembro, da 1ª Secção (publicado
no Diário da República, II série, n.º 4, de 5 de Janeiro de 2006, p. 159 ss.),
tendo concluído no sentido de que a norma impugnada não viola a Constituição da
República Portuguesa.
É a seguinte a fundamentação desse acórdão:
“[…]
2. Da leitura dos preceitos transcritos ressalta, desde logo, a circunstância
de, nas referências ao tributo em causa, ser utilizada quer a expressão taxa
quer a expressão tarifa. Não impressiona, porém, do ponto de vista da questão a
resolver, tal duplicidade de designação. Como se escreveu no Acórdão n.º 76/88
(Diário da República, I Série, de 21 de Abril de 1988): «(...) a tarifa, no
campo das finanças locais [não se] delineia como uma figura tributária em
absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o
imposto. Ela, de facto, e sob todos os aspectos, apresenta-se como uma simples
taxa, embora taxa sui generis, cuja especial configuração lhe advém apenas da
particular natureza dos serviços a que se encontra ligada (...). A tarifa, se ao
nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa
perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica,
ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa, e nada mais».
3. Não oferece dúvida que, caso venha a concluir-se estar em causa um imposto, a
norma se apresentará ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto
nos artigos 103º, n.ºs 2 e 3, e 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição da
República Portuguesa (CRP). Na verdade, a matéria de criação de impostos e
sistema fiscal integra a reserva relativa de competência legislativa da
Assembleia da República, estando em absoluto vedado às autarquias locais,
através dos seus órgãos, a intervenção normativa neste âmbito. Por esta razão,
já o Tribunal Constitucional se pronunciou pela inconstitucionalidade de
diversas normas criadas pelos municípios, considerando que, pese embora não
assumissem tal denominação, estavam em causa verdadeiros impostos (assim, v. g.,
Acórdãos n.ºs 313/92, 63/99 e 113/04, Diário da República, II Série,
respectivamente de 18 de Fevereiro de 1993, de 31 de Março de 1999 e de 31 de
Março de 2004).
Por outro lado, também é isento de dúvida que assiste às autarquias o poder de
criarem e cobrarem taxas, que constituem receitas próprias, pelos serviços por
si prestados (artigo 238º, n.ºs 1, 3 e 4, da CRP e 19º e 20º da Lei n.º 42/98,
de 6 de Agosto).
4. A extensa jurisprudência do Tribunal Constitucional que analisou já a questão
da distinção entre taxa e imposto, tem vindo a eleger como critério distintivo
entre as duas figuras a nota da sinalagmaticidade. Enquanto o imposto tem
carácter unilateral, a taxa apresenta-se sempre com a característica da
bilateralidade. Deste critério dá conta, entre vários outros, o Acórdão n.º
115/02 (Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002):
«O Tribunal Constitucional já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se
sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa.
O critério básico de diferenciação com que tem operado consiste na
unilateralidade ou bilateralidade dos tributos: enquanto o imposto tem estrutura
unilateral, a taxa caracteriza-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático.
Assim, a estrutura das taxas supõe a existência de uma correspectividade entre a
prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por
outra entidade pública.
Como se escreveu no acórdão n.º 558/98, publicado no Diário da República, II
Série, de 11 de Novembro de 1998, que se debruçou sobre a natureza jurídica das
‘taxas de publicidade’ previstas em regulamento de taxas e licenças municipais,
a relação sinalagmática característica da taxa implica uma contrapartida do ente
público, sendo entendimento da doutrina que ‘são essencialmente três os tipos de
situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na
utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização,
pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e,
finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas
actividades por parte dos particulares’ (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de
Finanças Públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, págs. 252 e segs. e ‘Noção Jurídica de
Taxa’ in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, págs. 289 e segs.;
Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, ‘Os
Conceitos de Taxa e Imposto A Propósito de Licenças Municipais’, in Fisco, n.ºs
51/52, págs. 3 e segs.).
Mas, como então se escreveu, ‘quando em causa se encontra a terceira daquelas
situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao
exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina
que o encargo pela remoção – in casu, a concessão de licenciamento para a
afixação ou inscrição de publicidade – só pode configurar‑se como ‘taxa’ se com
essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico (v.
autores por último citados e Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito
Financeiro, 4ª ed., vol. 1, p. 33, que, em vez de bens semipúblicos, fala de
bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão
pública, quer de bens colectivos impuros)’».
Importa também ter presente que o Tribunal tem vindo a referir, embora nem
sempre em decisões unânimes, outras notas na definição do critério distintivo
procurado. Assim, para qualificação do tributo, entendeu-se que não é relevante
a designação adoptada pelo autor da norma (Acórdãos n.ºs 29/83 e 357/99, Diário
da República, II Série, respectivamente, de 23 de Abril de 1984 e de 2 de Março
de 2000); que, no que concerne ao sinalagma, este não tem que corresponder a uma
equivalência económica entre as prestações, mas antes apenas a uma equivalência
jurídica (para além do já referido Acórdão n.º 76/88, cfr. os arestos com os
n.ºs 205/87 – Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987 –, e 410/00 –
Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 2000); que não é necessária
a utilização efectiva e imediata da prestação em causa, bastando a possibilidade
da sua utilização (Acórdãos n.ºs 357/99 e 410/00, já citados); finalmente, que
deve utilizar-se na distinção um critério funcional, que atenda aos fundamentos
e objectivos constitucionais da reserva de lei (Acórdãos n.ºs 1108/96, Diário da
República, II Série, de 20 de Dezembro de 1996 e 410/00, já mencionado).
5. No caso presente, uma primeira aproximação ao conteúdo da norma em causa pode
fazer-se pela negativa, partindo de uma leitura conjunta das normas transcritas
do Regulamento e do Tarifário.
Na verdade, deste ponto de vista, é possível identificar, desde logo, o que não
é a tarifa de salubridade: ela não corresponde nem ao valor do consumo de água,
nem ao da drenagem de esgotos, nem ao da recolha de resíduos sólidos (ponto 12.
das Normas Tarifárias); tão pouco corresponde ao valor de qualquer serviço
específico, identificado no ponto 13. das mesmas normas (de que são exemplo a
limpeza de fossas, a desobstrução de colectores e caixas particulares e a
desinfecção de cisternas).
Também resulta líquido, agora já face ao teor da norma, mas ainda considerando
os demais preceitos, que o tributo em causa, tendo sido criado no âmbito do
saneamento básico, não se reporta apenas ou ao fornecimento de água ou à
drenagem de esgotos, estando, contudo, relacionado com estas duas vertentes do
saneamento básico. Neste sentido, depõe a inserção sistemática da referência à
tarifa nas disposições comuns e, depois, o teor do artigo 16º, n.º 3, do
Regulamento, inserido no Capítulo relativo a fornecimento de água e drenagem de
águas residuais.
6. A norma em causa refere que a tarifa de salubridade consubstancia a
comparticipação do utente nos custos de exploração e conservação dos sistemas,
correspondentes aos encargos da sua disponibilidade e utilização.
Face à delimitação efectuada, é ainda possível descortinar a que se refere a
norma em análise?
A resposta não pode deixar de ser positiva, não acompanhando, por conseguinte, a
conclusão da decisão recorrida, no sentido de que «não se pode definir qualquer
contrapartida directa, a um sujeito passivo em concreto, à qual possa
corresponder uma taxa de salubridade». De facto, importa considerar, como se
referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, em termos que, nesta
parte, se têm por inteiramente transponíveis para a situação dos autos, que não
invalida a conclusão de que se está perante uma taxa
«(...) o facto de a parcela em causa da ‘tarifa de saneamento’ (...) se destinar
a financiar os encargos de exploração e de administração dos respectivos
serviços, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. De um
lado, porque, como atrás se notou, o decisivo, neste campo, não é o destino
financeiro da receita, mas a prestação ou não do um serviço. E, de outro lado,
porque, se tal destinação tivesse ainda aqui algum relevo, então sempre se
observaria que o custo da reintegração do equipamento é ainda custo do serviço,
como, aliás, era reconhecido expressamente pelo artigo 9º, n.º 2, do Decreto-Lei
n.º 98/84, e continua a sê-lo pelo artigo 12º, n.º 2, da Lei n.º 1/87, de 6 de
Janeiro, que praticamente o reproduz (neste sentido, v. ainda Marcelo Caetano,
Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., t. II, p. 1060, que,
significativamente, e a este respeito, escreve: ‘Os preços das prestações dos
serviços públicos são calculados a partir do custo de produção, mas
acrescentando a este os encargos gerais e administrativos, de maneira a cobrir
os gastos de exploração e de equipamento do serviço’)» (itálico aditado).
Também no caso presente se considera que os custos de exploração e conservação
dos sistemas são ainda custos dos serviços (de saneamento básico). Aliás, a Lei
n.º 42/98, que revogou a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, mencionada na decisão
citada, continua a sustentar, de forma expressa, a doutrina que se extrai do
aresto, estabelecendo, no n.º 3 do seu artigo 20º, que «As tarifas e os preços,
a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos
pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados, não devem, em
princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o
fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços» (itálico aditado).
Acresce que a leitura do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto, que aprova o
regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de
distribuição de água e drenagem de águas residuais, revela esses outros
encargos, com evidente expressão económica, que não se reconduzem ao mero custo
do fornecimento da água. Estabelece, designadamente, que cabe à entidade gestora
dos sistemas públicos, nomeadamente aos municípios (artigo 4º, n.º 2),
providenciar pela elaboração dos estudos e projectos dos sistemas públicos;
promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação
os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final
de águas residuais e de lamas; submeter os componentes dos sistemas de
distribuição de água e de drenagem de águas residuais, antes de entrarem em
serviço, a ensaios que assegurem a perfeição do trabalho executado; garantir que
a água distribuída para consumo doméstico, em qualquer momento, possua as
características que a definam como água potável e, ainda, promover a instalação,
substituição ou renovação dos ramais de ligação (artigo 4º, n.º 3, alíneas b),
c), d), e) e h)). Tais encargos, sendo necessários para a prestação dos serviços
em causa, para a garantia da sua continuidade e qualidade, são diversos do mero
valor, v.g., da água fornecida. Daí que, no Regulamento em apreço, apenas a
denúncia do contrato de saneamento, não a suspensão do fornecimento de água,
determine a cessação do seu pagamento (artigo 16º).
Em reforço do carácter sinalagmático do tributo em causa, importa considerar,
também, a respectiva fórmula de cálculo, por referência ao consumo de água. Na
verdade, existe «afectação das condições de fornecimento de água (o seu
aprovisionamento e tratamento), através da medida da solicitação do seu
fornecimento (...). É assim claro que quem mais consome mais exige da empresa
que fornece um bem relativamente escasso e dispendioso, na perspectiva do
tratamento e distribuição de tal bem (...)» (Acórdão n.º 1108/96, já referido).
Finalmente, diga-se, ainda, acompanhando o Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 357/99 (já citado), que a circunstância de a exploração e conservação dos
sistemas poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende
com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado, que delas retira,
ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão,
específico e divisível).
Reconhecido o carácter sinalagmático do tributo criado pela norma em apreciação
nos presentes autos de recurso, resta, pois, afirmar, como bem sustenta o
Ministério Público, que a mesma não viola a Constituição.
[…]”.
11. É esta jurisprudência que aqui se reitera. Pelos fundamentos
constantes do Acórdão n.º 652/05 deste Tribunal, conclui-se que não viola os
artigos 103°, n.º 3, e 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição a norma constante
do n.º 2 do artigo 7º do Regulamento de Saneamento Básico aprovado pela
Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim em sessão de 27 de Junho de 1996, na
redacção introduzida por deliberação da mesma Assembleia, de 1 de Março de 2001.
III
12. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2006
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido,
nos termos da declaração que junto
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido. Mantenho o entendimento que expressei nos Acórdãos 256/05 e 652/05:
O Tribunal Constitucional tem entendido (v.g., Acórdão n.º 1108/96, in DR 2ª
série de 20 de Dezembro de 1996), que o critério essencial de distinção entre a
unilateralidade do imposto e a bilateralidade da taxa reside na exigência de uma
relação sinalagmática, e que essa correspectividade se estende à relação entre o
valor pecuniário a pagar e a qualidade do serviço prestado, sendo que uma
flagrante desproporção desta relação afecta o carácter sinalagmático da
imposição pecuniária. Impor-se-ia, portanto, uma reflexão sobre o valor
(utilidade económica) do acto que determinou o pagamento da quantia em causa,
para poder concluir se ele é ou não totalmente alheio ao custo do serviço
prestado. Na verdade, se o elemento caracterizador da taxa reside na sua
sinalagmaticidade, afigura-se-me essencial que a contraprestação devida ocorra –
e se manifeste – em cada situação concreta, ao proporcionar ao particular
pagador a utilidade económica especificamente equivalente. Ora, quando a
utilidade proporcionada se dilui em tarefas que cabem nas competências
administrativas da pessoa pública e representa um benefício genericamente
atribuído, a correspectividade desaparece. Aliás, no presente caso é até muito
difícil aferir da proporcionalidade da taxa, pois a falta de concretização da
utilidade proporcionada prejudica de forma irreversível a possibilidade da sua
avaliação.
Carlos Pamplona de Oliveira