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Processo n.º 907/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. No recurso interposto para este Tribunal por A., decidiu-se, através
da decisão sumária de fls. 4690 e seguintes:
– não conhecer do objecto do recurso quanto às normas dos artigos 666º, n.º 1, e
673º do Código de Processo Civil, interpretadas “no sentido de que transita em
julgado decisão pendente de recurso próprio relativamente à qual o Tribunal
Superior se não pronunciou por questão prévia o ter impedido”;
– negar provimento ao recurso quanto à questão da inconstitucionalidade, por
alegada violação do artigo 32º, n.º 9, da Constituição, dos artigos 419º e 435º
do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que “a decisão sobre
nulidade ou aclaração de acórdão subscrito por quatro juízes pode ser efectuada
por três”.
1.1. Quanto à decisão de não conhecer do objecto do recurso relativamente à
questionada interpretação das normas dos artigos 666º, n.º 1, e 673º do Código
de Processo Civil são os seguintes os fundamentos da decisão sumária proferida:
“[…]
Relativamente à primeira dessas interpretações – a que corresponde à das normas
dos artigos 666º, n.º 1, e 673º do Código de Processo Civil, “no sentido de que
transita em julgado decisão pendente de recurso próprio relativamente à qual o
Tribunal Superior se não pronunciou por questão prévia o ter impedido” –,
verifica-se que tal interpretação não foi aplicada nas decisões ora recorridas
(a fls. 4611 e seguintes, fls. 4654 e seguintes e fls. 4674 e seguintes).
Com efeito, nas decisões ora recorridas não se entendeu que fosse possível o
trânsito em julgado de uma decisão pendente de recurso próprio sem haver
pronúncia sobre essa mesma questão pelo tribunal superior.
E isto porque as decisões ora recorridas pressupuseram que tal pronúncia
efectivamente teve lugar: é o que claramente resulta da leitura do texto do
acórdão de fls. 4654 e seguintes, onde a certo passo (cfr. fls. 4656) se diz que
o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2003, manteve, embora
porventura ilegalmente, por a respectiva fundamentação a tanto não conduzir, a
decretada perda do apartamento a favor do Estado.
Dito de outro modo: contrariamente ao que sustenta a recorrente, o tribunal ora
recorrido interpretou o acórdão do mesmo Supremo, de 9 de Julho de 2003, como
contendo pronúncia sobre a questão da perda de um apartamento a favor do Estado,
pelo que não pode afirmar-se que, do ponto de vista desse tribunal, fosse
possível o trânsito em julgado da decisão da Relação que decretou essa perda, e
da qual se recorreu para o Supremo, sem haver pronúncia sobre essa mesma questão
pelo Supremo, no correspondente recurso.
A recorrente – como decorre do requerimento de interposição do presente recurso
e da leitura das peças processuais de fls. 4639 e seguintes e 4664 e seguintes –
não interpretou desse modo o acórdão do Supremo, de 9 de Julho de 2003.
Mas a questão da melhor interpretação deste acórdão não pode ser apreciada pelo
Tribunal Constitucional, pois que constitui um pressuposto de facto da
interpretação normativa acolhida pelo tribunal recorrido. Ao Tribunal
Constitucional apenas compete apreciar normas, ou interpretações normativas,
como resulta da leitura das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional. É-lhe vedado proceder ao controlo dos pressupostos de
facto de que partiu o tribunal recorrido.
Tendo o tribunal recorrido perfilhado uma interpretação normativa diversa
daquela cuja apreciação a recorrente pretende – desde logo, porque tal tribunal
não partiu do mesmo pressuposto de facto –, conclui-se que não é possível
conhecer do objecto do presente recurso, no que toca às normas dos artigos 666º,
n.º 1, e 673º do Código de Processo Civil, interpretadas “no sentido de que
transita em julgado decisão pendente de recurso próprio relativamente à qual o
Tribunal Superior se não pronunciou por questão prévia o ter impedido”.
E é assim porque, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional – que regula o único recurso de constitucionalidade que
pode agora estar em causa –, o Tribunal Constitucional só pode apreciar normas
(ou interpretações normativas) que tenham sido aplicadas pelo tribunal
recorrido. Esta aplicação constitui, pois, pressuposto processual do presente
recurso, cuja não verificação determina, nos termos gerais, o não conhecimento
do respectivo objecto.
[…].”.
1.2. Quanto à decisão de negar provimento ao recurso relativamente à
questionada interpretação dos artigos 419º e 435º do Código de Processo Penal,
por alegada violação do princípio do juiz natural, consagrado no artigo 32º, n.º
9, da Constituição, a decisão sumária proferida, que se fundamentou na
jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional a propósito do princípio do
juiz natural – sintetizada e desenvolvida no Acórdão n.º 614/2003, de 12 de
Dezembro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 85, de 10 de Abril de
2004, p. 5660), cujo texto extensamente se transcreveu –, concluiu assim:
“[…]
Sendo embora problemática a densificação do princípio do juiz natural ou legal –
como resulta do acórdão que acabou de se transcrever –, é por demais evidente
que a interpretação normativa em causa no presente recurso, quando analisada à
luz do preceito constitucional que consagra tal princípio (o artigo 32º, n.º 9)
– preceito que a recorrente invoca no correspondente requerimento de
interposição –, constitui uma questão de inconstitucionalidade manifestamente
improcedente.
Na verdade, se desse preceito constitucional decorre a necessidade
de consagração de «regras, suficientemente determinadas, que permitam a
definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas»,
já dele não decorre que tenham de ser as mesmas as regras aplicáveis à
determinação do tribunal competente para apreciar arguições de nulidade ou
pedidos de aclaração e à determinação do tribunal competente para proferir a
própria decisão cuja nulidade se sustenta ou cujo esclarecimento se pede.
Dito de outro modo: quando a lei estabelece que, para a apreciação
de arguições de nulidade ou de pedidos de aclaração, o tribunal competente é um
certo tribunal funcionando em conferência e não em audiência, a competência que
daí resulta é ainda uma competência resultante de «regras, suficientemente
determinadas, que permitem a definição do tribunal competente segundo
características gerais e abstractas», não sendo esta conclusão afastada pela
circunstância de, para proferir a própria decisão cuja nulidade se arguiu ou
cujo esclarecimento se pretende, ser competente o mesmo tribunal funcionando em
audiência.
Em suma, não configurando a segunda questão de inconstitucionalidade
colocada pela recorrente uma questão de inconstitucionalidade minimamente
pertinente à luz do princípio do juiz natural ou legal, o presente recurso não
merece provimento, quanto a essa questão.
[…].”.
2. A., notificada desta decisão, veio apresentar reclamação para a
conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, através do requerimento de fls. 4728 e seguinte, em que afirma:
“[...]
II. Ora, o que o recorrente entende que fere os princípios e normas
constitucionais, são normas e interpretações normativas, aplicadas pelo Tribunal
recorrido. Não é observado o disposto no artg. 32° n.º 1 da C. R. P. na
interpretação que é feita aos artgs. 666° n.º 1 e 673º do C. P. Civil e no
sentido que o foi. Estas normas foram aplicadas pelo Tribunal recorrido, ao
invés do sustentado na decisão sumária proferida e constitui pois pressuposto
processual do recurso interposto.
Por outro lado,
III. No que tange à segunda questão evidenciada a decisão sumária proferida, não
obstante bem expendida e fundamentada, não tem o poder de convencer de que a
decisão sobre nulidade ou aclaração de acórdão subscrito por quatro juízes pode
ser efectuada por três sem que tal fira o princípio do juiz natural, sendo assim
a interpretação feita aos artgs. 419° e 435° do C. P. Penal violadora do
disposto no artg. 32° n.º 9 da C. R. P..
O artg. 204° da C. R. P. não permite que tal aconteça.
Termos em que se aduz a presente reclamação requerendo seja a questão decidida
em conferência, ordenando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento do
objecto do recurso.
[…].”.
3. Notificado para se pronunciar sobre esta reclamação, o recorrido
Ministério Público respondeu (fls. 4731):
“1 - A reclamação deduzida é manifestamente improcedente.
2- Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da
decisão reclamada, que deverá, por inteiro, ser confirmada.”.
4. Como resulta do texto transcrito, na reclamação agora apresentada, a
reclamante vem dizer apenas:
– quanto à primeira questão, que “Não é observado o disposto no
artg. 32° n.º 1 da C. R. P. na interpretação que é feita aos artgs. 666° n.º 1 e
673º do C. P. Civil e no sentido que o foi. Estas normas foram aplicadas pelo
Tribunal recorrido, ao invés do sustentado na decisão sumária proferida e
constitui pois pressuposto processual do recurso interposto”;
– quanto à segunda questão, que “a decisão sumária proferida, não
obstante bem expendida e fundamentada, não tem o poder de convencer de que a
decisão sobre nulidade ou aclaração de acórdão subscrito por quatro juízes pode
ser efectuada por três sem que tal fira o princípio do juiz natural, sendo assim
a interpretação feita aos artgs. 419° e 435° do C. P. Penal violadora do
disposto no artg. 32° n.º 9 da C. R. P.. O artg. 204° da C. R. P. não permite
que tal aconteça”.
Verifica-se, assim, que a recorrente se limita a manifestar a sua
discordância relativamente ao julgamento feito por este Tribunal, não invocando
qualquer razão susceptível de pôr em causa os fundamentos da decisão sumária
reclamada.
Nada mais resta do que confirmar o decidido.
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente
reclamação, confirma-se a decisão sumária proferida e decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso quanto às normas dos artigos 666º,
n.º 1, e 673º do Código de Processo Civil, interpretadas “no sentido de que
transita em julgado decisão pendente de recurso próprio relativamente à qual o
Tribunal Superior se não pronunciou por questão prévia o ter impedido”;
b) Negar provimento ao recurso quanto à questão da
inconstitucionalidade, por alegada violação do artigo 32º, n.º 9, da
Constituição, dos artigos 419º e 435º do Código de Processo Penal, interpretados
no sentido de que “a decisão sobre nulidade ou aclaração de acórdão subscrito
por quatro juízes pode ser efectuada por três”.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos