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Processo n.º 11/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. Relatório
1.1. A. reclamou para o Tribunal Constitucional, nos termos do
artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o
despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 10 de
Novembro de 2005, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele
interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o acórdão
do STJ, de 20 de Outubro de 2005.
De acordo com o respectivo requerimento de interposição, o
recorrente pretende que seja “apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber:
a) do artigo 412.°, n.° 5, do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi
na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o recorrido está obrigado a
manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os
mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório,
não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria
de facto, por afrontamento do artigo 32.°, n.° 1, da CRP; b) do artigo 412.°,
n.° 3, alíneas a) e b), do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na
decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Ministério Público não é obrigado
a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os
factos pretensamente errados, a titulo exemplificativo, podendo o juiz ajudar
na especificação de tais elementos, por afrontamento do artigo 32.°, n.°s 1 e
5, da CRP”.
1.2. O despacho de não admissão do recurso é do seguinte teor:
“Não recebo o recurso constitucional de fls. 4295.
Relativamente ao artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, porque a decisão
recorrida o não interpretou «no sentido de que o Ministério Público [recorrente]
não é obrigado a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas». Ou seja,
o STJ, na decisão ora recorrida, não «aplicou norma cuja inconstitucionalidade
haja sido suscitada durante o processo» (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
Aplicou essa norma, sim, mas com sentido diferente daquele cuja
inconstitucionalidade havia sido anteriormente suscitada. E, por isso, «outra»
norma. Com efeito, a decisão recorrida pressupôs que o Ministério Público
«especificou, desde logo, os pontos de facto que considerou incorrectamente
julgados (artigo 412.º, n.º 3, alínea a)» (item 7.3) e «ao mesmo tempo,
especificou ‘as provas que impunham decisão diversa da recorrida’ (artigo 412.º,
n.º 3, alínea b)» (item 7.4): «7.5 Daí que, tendo o recorrente invocado (e
especificado), a par do texto da decisão recorrida e das regras da experiência
comum, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e as provas
que impunham decisão diversa, não pudesse – nem devesse – a Relação limitar a
sua apreciação – a pretexto de uma (eventualmente) incorrecta (e, porventura,
apenas hiperbólica) denominação dada pelo recorrente ao erro invocado – ao
‘texto da decisão recorrida’, abstraindo das provas concretamente
especificadas, omissão que, a ocorrer, implicaria – essa sim – ‘omissão de
pronúncia’ e nulidade do acórdão (artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea
c), do CPP)».
E, relativamente ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP, porque o recurso é
manifestamente infundado (artigo 76.º, n.º 2, da LTC). Pois que, não obstante a
matéria impugnada no recurso interlocutório (do arguido) haver sido utilizada
para fundamentar o recurso principal (do Ministério Público), o arguido
poderia, em recurso subordinado ou na própria resposta ao recurso do Ministério
Público, ter manifestado (e não manifestou) o seu interesse no conhecimento do
recurso retido. Tanto bastaria, segundo a decisão recorrida, para que a Relação
dele devesse tomar conhecimento. Doutro modo, a Relação nem sequer saberia –
nem estaria obrigada a saber – da existência, nas profundezas do processo, de
tal remoto e recôndito recurso.
Recorde‑se, para melhor entendimento, o que, a este respeito, realmente se
passou no processo:
«6.3. O ora recorrente – conformado com a decisão do tribunal colectivo – não
interpôs recurso da decisão final. Fê‑lo todavia, em seu detrimento, o
Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja
legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria
competido a este, por isso, alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal, pelo
menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação aos
quais mantivesse interesse (artigo 412.º, n.º 5).
6.4. E, como esse alerta era ‘obrigatório’ (dele dependendo, por isso mesmo, o
conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas, uma: a) ou
recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de
maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do
recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava
a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção
ou repristinação desse seu interesse.
6.5 Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento
processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
6.6. Repare‑se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa
(pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004)
oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão‑só, em
posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), em que veio
tardiamente explicitar que, ‘para além dos vícios assacados à decisão
recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a
omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório’. Só que, por não se
verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento de recurso
retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do Ministério
Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse),
não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora,
oficiosamente.»”
1.3. Na reclamação contra o precedente despacho, aduz o
recorrente:
“1 – A decisão reclamada entende que o recurso é manifestamente infundado
porquanto o reclamante teria de «... alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal,
pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação
aos quais mantivesse interesse (..). E, como esse alerta era ‘obrigatório’, (…)
o interessado, de duas uma: a) ou recorria, subordinadamente, da própria
sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu
interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do
recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a contramotivação do recurso para
manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou repristinação desse seu
interesse».
2 – A decisão reclamada parte de triplo pressuposto de facto errado, que se
especifica:
a) que o recorrente tinha obrigatoriamente de alertar para o recurso retido;
b) que, para isso, ou recorria subsidiariamente da sentença com que se
conformara ou
c) aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal
superior o seu interesse no recurso retido.
3 – Ora, quanto à obrigatoriedade de alertar o tribunal superior, parte a
decisão reclamada de afirmação que não justifica e que a lei não prevê. O que a
lei impõe é que o recorrente especifique os recursos retidos em que mantém
interesse. Nada diz quanto ao recorrido, pelo que tal ónus não lhe pode ser
imposto. O recorrido não tem que contramotivar, ao contrário do recorrente que
tem de motivar, por a motivação ser elemento essencial ao recurso.
4 – Era impossível o recurso subordinado, no caso. É que este tipo de recurso só
ocorre se ambas as partes ficarem vencidas e quando cada uma delas pretenda
obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável. No caso, a
decisão, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, foi‑lhe
plenamente favorável, pelo que não tinha legitimidade para o recurso (artigo
401.º, n.º 1, do CPP).
5 – Tal significa que os pressupostos de facto da decisão reclamada não são
verdadeiros.
6 – Assim, o recurso tem de ser admitido, já que o direito ao recurso está
constitucionalmente garantido (artigo 32.°, n.° 1, da CRP) e as escutas
telefónicas – objecto do recurso retido – foram utilizadas contra o recorrente
quando o mesmo as tinha questionado, sem que o problema, questão prévia à
decisão que colocara, tivesse sido resolvido.
7 – É que as escutas foram elemento de prova considerado válido pela Relação,
sem que a mesma tenha analisado que a sua validade estava questionada.”
1.4. O Conselheiro Relator do STJ, por despacho de 6 de Dezembro
de 2005, manteve o despacho reclamado, consignando:
“Mantenho o despacho reclamado. Tanto mais que o ora reclamante era, no recurso
retido, o «recorrente» e, daí, que – se nele mantivesse interesse – se lhe
impusesse alertar o tribunal ad quem para a persistência desse seu interesse.
Desde logo, no prazo do recurso da decisão final (se dela não recorresse) ou,
pelo menos, na contramotivação. De qualquer modo e mesmo que o tribunal ad quem
(no caso, a Relação) dele tivesse que conhecer mesmo que não alertado para a
existência algures nas profundezas do processo, a verdade é que, dessa
(eventual) omissão, o ora reclamante não reclamou nem recorreu. Donde que o
Supremo não tivesse que conhecer, porque não recorrida, dessa pretensa omissão.”
1.5. No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério
Público emitiu o seguinte parecer:
“Afigura‑se que o acórdão, proferido pelo STJ, sobre a «segunda questão»
suscitada (fls. 16 verso e 17 dos autos) – a cognoscibilidade pela Relação do
recurso interlocutório, interposto pelo arguido e retido nos autos – assentou
num duplo fundamento alternativo:
– por um lado, a aplicação da norma constante do artigo 412.º, n.º 5, do CPP,
interpretada em termos de o ónus de especificação dos recursos retidos, aí
previsto, vincular o arguido que interpôs certo recurso interlocutório, mesmo
nos casos em que figure como recorrido no recurso interposto – apenas pelo
Ministério Público – da decisão final;
– por outro lado, a conclusão de que a relevância processual de tal recurso
interlocutório ficou irremediavelmente precludida no momento em que o recorrente
não incluiu a omissão, imputada à Relação, no elenco de questões que levou, no
recurso interposto do acórdão por ela proferido, à apreciação do STJ –
limitando‑se a equacionar «tardiamente», «em acto avulso» posterior, tal omissão
de pronúncia.
Ou seja: na óptica do Supremo, a preclusão na apreciação jurisdicional do
recurso interlocutório do arguido assenta no incumprimento de um duplo ónus: o
de ter «alertado» a Relação para a relevância e actualidade da pronúncia sobre
a matéria que dele era objecto, e o de incluir a omissão de pronúncia que
julgasse existir no objecto do recurso que interpôs para o STJ, fazendo‑se,
deste modo, aplicação implícita da norma segundo a qual o objecto do recurso é
delimitado irremediavelmente pelo elenco das conclusões da motivação,
tempestivamente apresentadas.
Ora, não questionando o recorrente este segundo fundamento do acórdão
recorrido – autónomo relativamente ao primeiro, esse sim conexionado com a norma
constante do artigo 412.º, n.º 5, do CPP – é evidente a inutilidade da dirimição
da questão de constitucionalidade suscitada quanto a esta norma, o que determina
a improcedência da presente reclamação.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. O recorrente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, mencionou duas questões de constitucionalidade: a primeira
reportada a determinada interpretação do artigo 412.º, n.º 5, do Código de
Processo Penal (CPP) (relativo à obrigatoriedade da especificação dos recursos
retidos que mantêm interesse); a segunda reportada a determinada interpretação
das alíneas a) e b) do n.º 3 do mesmo artigo (relativas à obrigatoriedade de
especificação, na impugnação da decisão da matéria de facto, dos pontos de
facto considerados incorrectamente julgados e das provas que imporiam decisão
diversa da recorrida).
O despacho reclamado não admitiu o recurso relativamente a ambas as
questões.
Na presente reclamação, o recorrente apenas impugna essa decisão enquanto não
admitiu o recurso na parte relativa à primeira questão de inconstitucionalidade.
Considera‑se, assim, assente a decisão de não admissão de recurso quanto à
segunda questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 412.º, n.º 3,
alíneas a) e b), do CPP.
2.2. Para apreciação do mérito da presente reclamação interessará assinalar
as principais vicissitudes processuais verificadas neste processo, conforme
resultam do acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005 e de elementos
complementares solicitados pelo relator:
1) O reclamante interpôs recurso do despacho (fls. 2384 e seguintes do
processo principal) que indeferiu requerimento de declaração de nulidade de
escutas telefónicas (requerimento de fls. 2350 a 2353 do processo principal),
sustentando na respectiva motivação (fls. 2487 a 2489 do processo principal e
31 a 33 destes autos) a nulidade das escutas por violação do disposto nos
artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal (CPP), quer por nos despachos
que as autorizaram não haverem sido concretizadas as razões pelas quais se
entendeu que tal diligência era necessária para a descoberta da verdade e para a
prova, quer por falta de acompanhamento judicial das escutas entre a decisão que
as ordenou e a que ratificou a sua transcrição, e suscitando a questão da
inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da
República Portuguesa (CRP), da interpretação dos artigos 97.º, n.º 4, e 188.º,
n.º 1, do CPP, no sentido de que é possível autorizar escutas sem concretizar as
razões pelas quais se entende que a diligência se revelará de interesse para a
descoberta da verdade ou para a prova e tomar posição sobre a manutenção das
escutas sem que se tenha acompanhado a evolução destas até à altura de tomar tal
decisão;
2) Esse recurso foi admitido, por despacho de 3 de Junho de 2003 (fls. 2491
do processo principal e 35 destes autos), para subir a final, nos próprios
autos, com o recurso interposto da decisão que pusesse termo à causa;
3) Por acórdão de 1 de Março de 2004, o Tribunal Colectivo do 2.º Juízo
Criminal do Seixal condenou o ora reclamante, como autor de um crime previsto e
punido pelo artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal (detenção de substância
radioactiva), na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa por dois anos, e
absolveu‑o do crime de tráfico agravado de drogas ilícitas;
4) Contra esse acórdão interpuseram recursos, para o Tribunal da
Relação de Lisboa, três co‑arguidos (B., C. e C.) do ora reclamante e o
Ministério Público na parte relativa ao ora reclamante e a outro co‑arguido
(E.);
5) Na parte do recurso relativa ao ora reclamante, o Ministério Público
propugnou o reenvio do processo para novo julgamento, por existência de erro
notório na apreciação da prova, essencialmente no que concerne à valoração de
conversações interceptadas através de escutas telefónicas, gerador de anulação
do julgamento (artigos 410.º, n.º 2, alínea c), e 426.º, n.º 1, do CPP);
6) O ora reclamante não apresentou resposta ao recurso do Ministério Público;
7) Por acórdão de 14 de Julho de 2004 (fls. 4005 a 4060 do
processo principal e 36 a 91 destes autos), o Tribunal da Relação de Lisboa
concedeu parcial provimento ao recurso do Ministério Público, condenando o
arguido, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e
punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na
pena de 4 anos e 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada
pelo crime do artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 5 anos e 6
meses de prisão;
8) Para atingir esse resultado, o Tribunal da Relação de Lisboa
considerou que da decisão recorrida não resultava a existência de erro notório
na apreciação da prova, contrariamente ao que sustentava o Ministério Público,
mas que a argumentação deste podia ser entendida como integrando pretensão de
reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso e, procedendo a esse
reexame, com recurso às transcrições das escutas telefónicas, concluiu,
diversamente do entendido na 1.ª instância, estarem suficientemente provados
factos demonstrativos da participação do ora reclamante na actividade de
tráfico de estupefacientes;
9) Nesse acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa não faz
qualquer alusão ao recurso retido interposto pelo ora reclamante;
10) O ora reclamante recorreu, em 9 de Agosto de 2004, para o
STJ, sustentando a nulidade do acórdão da Relação, quer por ter alterado a
matéria de facto sem que o então recorrente (Ministério Público) o pedisse e sem
que cumprisse as exigências elencadas no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, quer por,
sem ter fixado os factos concretos apurados quanto ao ora recorrente, os ter
subsumido ao crime de tráfico de estupefacientes (cf. motivação de fls. 4086 a
4091 do processo principal e 92 a 97 destes autos);
11) Em 28 de Setembro de 2004, veio o ora reclamante explicitar, em
requerimento avulso (fls. 4139 do processo principal e 99 destes autos), que
“para além dos vícios assacados à decisão recorrida, ocorre que a mesma tem um
outro de conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso
interlocutório interposto oportunamente pelo recorrente, admitido para ser
conhecido, a final, com o que viesse a ser interposto desta decisão, e que,
face ao facto de a decisão de V. Ex.as ter utilizado as escutas como elemento de
prova, é questão prévia à possibilidade de utilização das mesmas, mantendo,
pois, a sua utilidade como recurso”;
12) Por acórdão de 9 de Dezembro de 2004 (fls. 4158 a 4162 do
processo principal e 175 a 179 destes autos), o STJ declarou “nula a decisão
recorrida no que se refere ao recorrente, devendo ser explicitados os factos
que se tiveram por provados em relação a ele, alterando os dados como assentes
pela primeira instância e decidindo em conformidade”;
13) Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, aí, em conferência,
foi proferido, em 6 de Abril de 2005, o acórdão de fls. 4177 a 4234 do processo
principal e 106 a 159 destes autos, que reproduziu o acórdão anterior anulado,
com o acrescentamento do intróito (fls. 106) e da menção dos factos que se
aditavam e eliminavam da matéria de facto considerada assente na decisão da 1.ª
instância (fls. 147 e 148), continuando a não fazer qualquer alusão ao recurso
retido do ora reclamante;
14) O ora reclamante interpôs recurso deste acórdão para o STJ, terminando a
respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:
“I – O processo foi julgado na Relação, em conferência, quando o deveria ser em
audiência. E devia sê‑lo em audiência, porquanto não se verificava nenhuma das
circunstâncias que permitem o julgamento em conferência, isto é, as previstas no
artigo 419.º, n. °s 3 e 4, do CPP. Ao ter ocorrido tal, cercearam‑se as
garantias de defesa do recorrente, por se ter omitido uma diligência de carácter
obrigatório: as alegações orais. Ocorreu, assim, uma nulidade, que deve ser
sanada ordenando‑se a remessa à 2.ª instância para que o julgamento corra da
forma legal.
II – O recorrente tinha, em tempo oportuno, interposto recurso da decisão que
considerara válidas as escutas telefónicas. Tal recurso foi admitido para subir
com o que fosse interposto da decisão final, decisão transitada em julgado. Tal
recurso não se tomou inútil, porquanto a 2.ª instância veio a interpretar as
escutas em sentido diferente da 1.ª instância e, pois, contra o ora recorrente.
Sendo assim, a Relação tinha de conhecer do problema da validade das escutas, já
que o mesmo era questão prévia à sua utilização como meio de prova contra o
recorrente. Não se diga que a Relação não tinha essa obrigação, porquanto o
recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 412.º, n.° 5, do CPP. É que
esse ónus é imposto apenas e só ao recorrente e não ao recorrido, sendo certo
que este nem sequer tem que responder à tese daquele. Por mera cautela, desde já
se vem arguir a inconstitucionalidade do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, quando tal
norma seja interpretada no sentido de que o recorrido está obrigado a manifestar
nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos
tornado inúteis, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
III – O âmbito do recurso é fixado pelas conclusões da motivação, conforme
entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência. O Ministério Público, em
sede de conclusões da 1.ª para a 2.ª instância, restringiu o seu recurso à
previsão do artigo 410.º, n.° 2, alínea c), do CPP, que, na sua perspectiva,
obrigava ao reenvio do processo para novo julgamento. A decisão recorrida
entendeu que se não verificava tal erro. No entanto, alterou a matéria de facto.
Não poderia alterar a matéria de facto, porquanto o recorrente não questionou a
matéria de facto, a não ser como erro notório na apreciação da prova, isto é,
não só não disse quais eram especificadamente os pontos de facto considerados
incorrectamente julgados, como não indicou especificadamente as provas que
imporiam decisão diversa da recorrida, como o determina a lei (artigo 412.º,
n.º 3, do CPP). A decisão recorrida é nula por esse facto, já que se pronunciou
para além das questões de que poderia tomar conhecimento, Tal nulidade é
subsumível à previsão do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP e impõe que na
sanação da mesma o recorrente seja absolvido na parte em discussão. Desde já, e
por mera cautela, se vem arguir a inconstitucionalidade do artigo 412.º, n.º 3,
na interpretação com que foi acolhido na decisão recorrida, isto é, no sentido
de que o juiz se pode substituir ao Ministério Público na especificação dos
elementos previstos nas suas alíneas a) e b), por violar a estrutura acusatória
do processo penal, prevista no artigo 32.º, n.º 5, da CRP.”
15) O acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005, relativamente à
questão reportada ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP, consignou o seguinte:
“6.1. Em 30 de Maio de 2003, o ora recorrente havia recorrido –
intercalarmente (fls. 2487 e seguintes – do despacho de pronúncia («Não foram
[indicadas] nos despachos que autorizaram as escutas concretizadas as razões
pelas quais se entendeu que tal diligência era necessária para a descoberta da
verdade e da prova; as escutas não foram acompanhadas judicialmente entre a
decisão que as ordenou e a que ratificou a sua transcrição; as decisões que
ordenaram as escutas não têm motivação de facto; a sua evolução deveu‑se a
estrito critério policial: tal torna‑as nulas»).
6.2. Esse recurso foi recebido, em 3 de Junho de 2003, para «subir a final
com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa» (fls. 2491).
6.3. Acontece, porém, que o ora recorrente – conformado com a decisão do
tribunal colectivo – não interpôs recurso da decisão final. Fê‑lo todavia, em
seu detrimento, o Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas
telefónicas cuja legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso
retido. Teria competido a este, por isso, alertar – «obrigatoriamente» – o
tribunal, pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em
relação aos quais mantivesse interesse (artigo 412.º, n.º 5).
6.4. E, como esse alerta era «obrigatório» (dele dependendo, por isso mesmo, o
conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas, uma: a) ou
recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de
maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do
recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a
contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou
repristinação desse seu interesse.
6.5. Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento
processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
6.6. Repare‑se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa
(pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004)
oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão‑só, em
posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), em que veio
tardiamente explicitar que, «para além dos vícios assacados à decisão
recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a
omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório». Só que, por não se
verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento do recurso
retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do Ministério
Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse),
não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, oficiosamente.”
2.3. Como se assinalou no precedente n.º 1 (em que se fez menção
ao teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, do
despacho que o não admitiu, da reclamação deduzida e do parecer do
representante do Ministério Público neste Tribunal), são diversos os
fundamentos de inadmissibilidade do recurso invocados no despacho reclamado e no
parecer do Ministério Público: aquele assenta na natureza manifestamente
infundada da questão de inconstitucionalidade suscitada; este, na inutilidade de
conhecimento do recurso de constitucionalidade, por a decisão recorrida se
basear em fundamento alternativo autónomo, suficiente, só por si, para manter o
sentido da decisão de que se pretendia interpor recurso de constitucionalidade.
Segundo esta última posição, “na óptica do Supremo, a preclusão na apreciação
jurisdicional do recurso interlocutório do arguido assenta no incumprimento de
um duplo ónus: o de ter «alertado» a Relação para a relevância e actualidade da
pronúncia sobre a matéria que dele era objecto, e o de incluir a omissão de
pronúncia que julgasse existir no objecto do recurso que interpôs para o STJ,
fazendo‑se, deste modo, aplicação implícita da norma segundo a qual o objecto do
recurso é delimitado irremediavelmente pelo elenco das conclusões da motivação,
tempestivamente apresentadas”.
Começando pela apreciação deste último fundamento, entende‑se que
o mesmo não procede. Ele radica no que consta do n.º 6.6. do acórdão do STJ de
20 de Outubro de 2005, acabado de transcrever. Mas o que nessa passagem se
afirma – após registar não ter o recorrente reclamado, na motivação do recurso
interposto em 9 de Agosto de 2004 para o STJ, contra a pretensa omissão de
pronúncia que teria sido cometida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14 de Julho de 2004, ao não conhecer do recurso interlocutório retido, só o
tendo feito em posterior acto avulso, datado de 28 de Setembro de 2004 – é que
“por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento do
recurso retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do
Ministério Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu
interesse), não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora,
oficiosamente” (sublinhado acrescentado). Nesta construção, a impossibilidade
de conhecimento oficioso do vício surge ligada à própria inverificação do
referido vício, o que retira autonomia a este fundamento do acórdão do STJ.
Assim sendo, surge como admissível que, se se concluísse pela
inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada, com a consequência
de que a Relação deveria ter conhecido do recurso retido, já o STJ poderia ter
decidido apreciar o vício de omissão de pronúncia. Neste contexto, não se pode
afirmar, com a necessária segurança, que o eventual provimento do recurso de
inconstitucionalidade que o reclamante pretende interpor é, de todo,
insusceptível de se repercutir neste segundo fundamento do acórdão que se visou
impugnar, pelo que o conhecimento deste recurso não se antolha como inútil.
2.4. Resta, assim, o fundamento, invocado no despacho ora
reclamado mas a que o representante do Ministério Público neste Tribunal não se
associou, de ser manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade
suscitada.
Nem o Código de Processo Penal de 1929, nem o de 1987, na sua
versão originária, continham disposição equivalente à do actual n.º 5 do artigo
412.º. Ela foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, representando
reconhecidamente uma importação (incompleta, como a seguir se verá) da inovação
introduzida, pela reforma do processo civil de 1995/1996 (Decretos‑Leis n.ºs
329‑A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), com a redacção dada
ao artigo 748.º do CPC (inserido na Subsecção dedicada ao Agravo interposto na
1.ª instância, e cujo regime o artigo 761.º, n.º 2, tornou extensivo ao agravo
interposto na 2.ª instância), que passou a ter o seguinte teor (redacção de
1996, indicando‑se entre parênteses rectos a versão de 1995):
“1 – Ao apresentar [apresentarem] as alegações no recurso que motiva a subida
dos agravos retidos, o agravante especificará [as partes especificarão]
obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse [para o
agravante].
2 – Se omitir [omitirem] a especificação a que alude o número anterior, o
relator convidará a parte a apresentá-la [convidá‑las‑á a apresentá‑la], sob
cominação de, não o fazendo, se entender que desiste dos agravos retidos [que
deles desistem].”
Como se lê no relatório do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, com o
estabelecimento destas regras visou‑se – na sequência da eliminação da
possibilidade de a alegação do agravo ser apenas apresentada na altura em que o
agravo retido devesse subir –, “no que se refere aos agravos retidos que apenas
sobem com um recurso dominante”, impor, “com base no princípio da cooperação,
um ónus para o recorrente, que deverá obrigatoriamente especificar nas alegações
do recurso que motiva a subida dos agravos retidos quais os que, para si,
conservam interesse, evitando que o tribunal superior acabe por ter de se
pronunciar sobre questões ultrapassadas, para além de se correr o risco, em
processos extensos e complexos, de «escapar» a apreciação de algum recurso não
precludido. Na verdade, ninguém melhor que o recorrente estará em condições de
ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e qual a utilidade na sua
apreciação final”. Por seu turno, como refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes
do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra,
2004, p. 636), “o n.º 2 procura atenuar – em termos de funcionamento de um
princípio geral de proporcionalidade e adequação – o efeito cominatório e
preclusivo associado ao incumprimento do ónus previsto no n.º 1: assim, se o
recorrente omitir a especificação aí prevista, deverá o relator convidá‑lo a
apresentá‑la, em prazo curso (5 dias), sob pena de se entender que desiste dos
agravos retidos”.
A doutrina não é unânime quanto à questão de saber se este ónus é
extensível (e em que termos) aos recorridos no recurso que determina a subida
dos agravos retidos por eles interpostos. Para Jacinto Fernandes Rodrigues
Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª edição, Lisboa, 2001,
p. 307) “parece que esta norma é de aplicar ao recorrido que tenha interposto
agravos que ficaram retidos; na sua contra‑alegação deverá, igualmente,
especificar quais os agravos que mantêm interesse para ele, sendo‑lhe aplicável
também o n.º 2”. Por seu turno, Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos
em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra, 2005, p. 327) sustenta que “sendo o
agravante recorrido no recurso dominante e não contra‑alegar neste, o que aliás
não é obrigado a fazer, deve igualmente o relator, por analogia com o que se
dispõe no artigo 748.º, n.º 2, convidá‑lo a indicar quais, dos agravos retidos,
os que mantêm interesse, sob cominação de, não o fazendo, se entender que
desiste deles”. Similar é a opinião defendida por Abílio Neto (Breves Notas ao
Código de Processo Civil, Lisboa, 2005, p. 225), para quem “a regra deste
preceito deve, por identidade de razão, ser aplicada ao recorrido que tenha
interposto agravos retidos: na sua contra‑alegação deverá, também ele,
especificar quais os agravos que, para ele mantêm interesse, sendo‑lhe, de igual
modo, aplicável o n.º 2”. Diferente é a posição sustentada por Carlos Lopes do
Rego (obra e local citados), para quem “o ónus previsto neste preceito não é
aplicável (…) quando o agravante (no agravo retido) for o recorrido no recurso
dominante, que determina a respectiva subida: na verdade, inexistindo um ónus de
contra‑alegar, não pode impor‑se ao recorrido o encargo de especificar os
agravos que, na sua óptica, conservam interesse – já que este pode legitimamente
optar por não produzir qualquer alegações”; porém, “tal circunstância não obsta
(…) a que – se o agravante contra‑alegar efectivamente no recurso dominante –
não tenha todo o interesse em fazer também a indicação a que alude o n.º 1; por
outro lado, não o fazendo, será lícito ao tribunal, ao abrigo do princípio da
cooperação, convidá-lo expressamente a realizá‑la – nomeadamente quando possa
haver dúvida fundada sobre o interesse na apreciação do agravo retido, perante o
evoluir da causa”. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de
Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 174) manifestam concordância
com a posição defendida por Lopes do Rego, precisando, porém, que “se o
agravante for recorrido no recurso dominante e não tiver feito tal especificação
– tenha ou não apresentado contra‑alegação no recurso dominante –, o relator
poderá notificá‑lo para que a ela proceda, mas sem que funcione a cominação
consignada no n.º 2, em face inclusivamente do disposto no artigo 710.º, n.º 2”.
Como se referiu, foi este regime introduzido na reforma
processual civil de 1995/1996 que a reforma processual penal de 1998 acolheu no
novo n.º 5 do artigo 412.º do CPP, embora não integralmente, já que deste
preceito não consta formulação correspondente à do n.º 2 do artigo 748.º do CPC,
isto é, nem se prevê expressamente o dever de o relator, no caso de não
especificação espontânea pelo recorrente dos recursos em cujo conhecimento
mantém interesse, formular convite para suprimento dessa falta de especificação,
nem se comina explicitamente a consequência do incumprimento do ónus em causa.
No entanto, tem sido doutrinal e jurisprudencialmente sustentado
que também em processo penal se impõe o convite prévio ao suprimento da falta de
indicação, pelo recorrente do recurso dominante, dos recursos retidos em que
mantém interesse. Assim, Fernando Amâncio Ferreira (obra citada, p. 327, nota
655) entende que todo o regime do artigo 748.º do CPC vale em processo penal:
“quanto à obrigação de especificação dos recursos retidos que mantêm interesse,
por aplicação directa do n.º 5 do artigo 412.º do CPP; e quanto à sanção pelo
incumprimento da referida obrigação, após convite prévio, por aplicação
analógica do n.º 2 do artigo 748.º do CPC” (sublinhado acrescentado). E Simas
Santos e Leal‑Henriques (Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, Lisboa, 2002,
p. 99 e nota 116, e Código de Processo Penal Anotado, II vol., 2.ª edição,
reimpressão, Lisboa, 2004, p. 802), após assinalarem que a exigência do n.º 5 do
artigo 412.º do CPP “visa permitir ao tribunal superior o saneamento dos vários
recursos a apreciar, v. g. no caso de processos volumosos e recheados de
impugnações interlocutórias, que entretanto foram perdendo relevância com o
desenvolvimento processual”, anotam que “o Acórdão do STJ, de 24 de Outubro de
2001, proc. n.º 2380/01‑3.ª, decidiu que o incumprimento do prescrito neste n.º
5 não deve conduzir à imediata rejeição dos recursos retidos, devendo
previamente convidar‑se o recorrente a especificar quais deles devem ser objecto
de reexame, isto por se justificar a mesma solução que vem sendo adoptada para a
falta ou imperfeita especificação dos ónus a que se referem os n.ºs 2 e 3 do
preceito”. No entanto, algumas decisões de Tribunais da Relação têm considerado
que a falta de especificação, nas conclusões da motivação do recurso dominante,
dos recursos retidos em que o recorrente mantém interesse determina, sem mais, o
não conhecimento destes recursos, por se presumir que o recorrente deles
desistiu: cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de
2002, proc. n.º 115 603, e do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Junho de
2001, proc. n.º 110 457, de 6 de Fevereiro de 2002, proc. n.º 140 897, de 27 de
Novembro de 2002, proc. n.º 211 003, e de 5 de Fevereiro de 2003, proc. n.º 111
003, com sumários disponíveis em www.dgsi.pt/jtrl e www.dgsi.pt/jtrp,
respectivamente. Também Manuel Lopes Maia Gonçalves (Código de Processo Penal
Anotado e Comentando, 14.ª edição, Coimbra, 2004, p. 836), após realçar o muito
interesse do dispositivo do n.º 5 do artigo 412.º do CPP por, “em processos
volumosos e complexos, [ser] susceptível de facilitar o trabalho dos juízes do
tribunal superior”, considera que, apesar de a lei não dizer qual a consequência
da omissão desse ónus pelo recorrente, se deve entender, face à formulação
terminante do texto legal (“o recorrente especifica obrigatoriamente”), que “a
falta de especificação implica a desistência dos recursos retidos que não são
especificados”.
Já quanto à relevância de declaração do recorrente no sentido do
interesse no conhecimento dos recursos retidos constante de requerimento
posterior à apresentação da motivação (donde tal especificação não constava),
enquanto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Julho de 1999,
proc. n.º 41 663 (sumário em www.dgsi.pt/jtrl), a negava, já o acórdão da mesma
Relação, de 25 de Junho de 2002, proc. n.º 35 155 (texto integral em
www.dgsi.pt/jtrl), a admitia, em caso com alguma semelhança com o dos presentes
autos, consignando‑se nesse aresto que, não esclarecendo a lei “qual a
consequência para a falta de cumprimento da obrigação determinada no artigo
412.º, n.º 5, do CPP, embora seja clara acerca da necessidade de o arguido
definir tal questão e de o dever fazer no momento da motivação”, tem‑se
normalmente entendido “que, não o tendo feito no momento oportuno, o tribunal
concluirá pelo desinteresse do recorrente acerca do conhecimento dos mesmos face
ao teor da decisão final proferida”; porém, no caso, “tendo-o feito
posteriormente, entende‑se que não deverá deixar de apreciar‑se os recursos
retidos nos autos tanto mais que a apreciação do recurso interposto da decisão
final envolve a apreciação das questões suscitadas nos recursos das decisões que
concluíram pela inexistência de nulidades das escutas telefónicas e do
indeferimento de realização de nova perícia”.
Também o Tribunal Constitucional já foi chamado, por duas vezes,
a apreciar a constitucionalidade do n.º 5 do artigo 412.º do CPP, embora
relativamente a dimensões normativas distintas da que está em causa no processo
de que emerge a presente reclamação.
Fê‑lo, primeiro, no Acórdão n.º 191/2003 (Diário da República, II
Série, n.º 123, de 28 de Maio de 2003, p. 8287, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 55.º vol., p. 809, e com texto integral disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), que “julg[ou] inconstitucional, por violação das
disposições conjugadas do artigo 32.º, n.º 1, e do artigo 20.º, n.º 4, parte
final, da Constituição, o artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal,
interpretado no sentido de que é insuficiente para cumprir o ónus de
especificação ali consignado a referência a «todos» os recursos, nas conclusões
da motivação, sempre que no texto desta tenha sido feita a sua identificação
individualizada e seriada”. E fê‑lo, depois, no Acórdão n.º 724/2004 (Diário da
República, II Série, n.º 25, de 4 de Fevereiro de 2005, p. 1775, e com texto
integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou
inconstitucional, com o mesmo fundamento, o mesmo preceito, “interpretado no
sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o
recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatório, sob
pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão
do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da
motivação do recurso interposto da decisão final do processo”. Cumprirá ainda
anotar que, no primeiro Acórdão citado, o Tribunal Constitucional entendeu
maioritariamente não conhecer autonomamente, por considerar não suscitada, a
questão da inconstitucionalidade da norma em causa interpretada no sentido de
atribuir efeito irremediavelmente preclusivo ao incumprimento ou deficiente
cumprimento do aludido ónus, sem que ao recorrente fosse facultada oportunidade
processual de suprir o vício detectado, registando‑se que quer o representante
do Ministério neste Tribunal, quer o Juiz Conselheiro que votou pelo
conhecimento dessa dimensão normativa, manifestaram‑se no sentido de que a
reputariam inconstitucional.
2.5. Feita a resenha da origem e justificação da norma em foco e
das dúvidas que a mesma tem suscitado, quer em sede de interpretação, quer em
sede de conformidade constitucional, cumpre apurar se a questão de
inconstitucionalidade a seu respeito levantada nestes autos pode ser qualificada
de manifestamente infundada.
O critério normativo adoptado no acórdão recorrido foi o de que o
ónus previsto no n.º 5 do artigo 412.º do CPP é extensível ao arguido que
figure como recorrido no recurso que determina a subida dos recursos retidos, em
que ele figurou como recorrente, e de que ele deve proceder à especificação dos
recursos retidos em que mantém interesse ou em recurso subordinado [“da própria
sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu
interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do
recurso retido)”], ou na contramotivação do recurso dominante, sob pena, de, não
o fazendo por esses meios e nesse momento processual, o tribunal de recurso não
ter o dever de apreciar os recursos retidos.
Reputam‑se ainda relevantes, para aquilatar da pertinência (que
não da probabilidade de sucesso, que é realidade distinta) da questão de
constitucionalidade suscitada as seguintes considerações:
1) O preceito legal em causa refere‑se ao “recorrente”, e não ao
“recorrido”, e relativamente à norma do artigo 748.º do CPC [onde a expressão
“partes”, da versão do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, foi substituída pela expressão
“agravante”, na versão do Decreto‑Lei n.º 180/96], em que a ora em causa buscou
inspiração, têm‑se suscitado dúvidas quanto à sua extensão ao recorrido, em que
termos e com que consequências;
2) O recorrido penal não é obrigado a apresentar contramotivação
e existe jurisprudência do STJ no sentido de que, face ao disposto no artigo
404.º do CPP, não é admissível recurso subordinado em matéria penal, mas apenas
na parte relativa à acção civil exercida conjuntamente com a penal (cf. Acórdão
do STJ de 11 de Abril de 2002, proc. n.º 1073/02, com texto integral disponível
em www.dgsi.pt/jstj, que cita, no mesmo sentido, os Acórdãos de 30 de Novembro
de 1993, proc. n.º 44 603, e de 20 de Maio de 1998, proc. n.º 302/98, este
último publicado em Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal
de Justiça, ano VI, tomo II, p. 204);
3) A opção do ora reclamante em não apresentar contramotivação ao
recurso do Ministério Público nem manifestar nela a manutenção do seu interesse
no conhecimento do seu recurso retido poderia ter resultado do entendimento,
face ao pedido formulado pelo Ministério Público (de reenvio do processo para
novo julgamento), de que, nos dois desfechos mais plausíveis do recurso
dominante (improvimento, com confirmação da sua absolvição pelo crime de tráfico
de estupefacientes; ou provimento, com reenvio para novo julgamento), não era
crucial para a sua estratégia o prévio conhecimento do recurso interlocutório,
cuja relevância só se teria evidenciado por a Relação ter optado por uma
terceira via de solução (imediato reexame da decisão da matéria de facto);
4) Tendo este reexame – de que resultou a condenação do
reclamante pelo crime de tráfico de estupefacientes, do qual havia sido
absolvido na 1.ª instância – assentado, de forma determinante, na reavaliação
das escutas telefónicas, é patente o interesse do arguido no conhecimento do
recurso que interpusera impugnando a validade das escutas, como o próprio
despacho ora reclamado expressamente reconhece;
5) Se antes do primeiro acórdão da Relação (de 14 de Julho de
2004) o arguido não manifestara expressamente nos autos interesse em que com o
recurso do Ministério Público fosse conhecido o seu recurso interlocutório, o
certo é que antes do segundo acórdão da Relação (de 6 de Abril de 2005,
proferido na sequência da declaração de nulidade do primeiro, pelo acórdão do
STJ de 9 de Dezembro de 2004) ele apresentou o requerimento avulso de 28 de
Setembro de 2004, do qual resulta inequívoca e expressamente que considera que o
recurso interlocutório mantém utilidade, assim trazendo à superfície, em termos
de ser facilmente detectável pela Relação, um recurso que até então poderia ser
considerado “remoto”, “recôndito” ou perdido “nas profundezas do processo”, e
sendo de salientar que é deste segundo acórdão da Relação que foi interposto o
recurso para o STJ decidido pelo acórdão ora recorrido, tendo sido no seu âmbito
(e não no âmbito do primeiro recurso) que foi suscitada a questão da
inconstitucionalidade.
Não se pretende, com a exposição das precedentes considerações,
apontar qualquer sentido quanto à decisão de mérito da questão de
constitucionalidade, a qual competirá exclusivamente à formação deste Tribunal a
quem vier a caber o julgamento desse recurso, mas tão‑só carrear elementos que
permitem concluir – como se conclui – que tal questão não pode ser rotulada de
manifestamente infundada, qualificação que deve ser reservada para situações em
que, de modo incontroverso e incontrovertível, se patenteia a carência de
fundamento da questão suscitada, o que, salvo o devido respeito por opinião
divergente, não ocorre no presente caso.
Na verdade, apesar de o direito ao recurso constituir uma das
garantias de processo criminal constitucionalmente assegurada ao arguido, é
lícito ao legislador, na sua regulamentação, impor determinados ónus aos
diversos intervenientes processuais. Mister é, no entanto, que, ao fazê‑lo, o
legislador respeite o princípio da proporcionalidade. Para aferir do acatamento
deste princípio, há que, primeiro, apurar se o ónus em causa é apropriado à
prossecução do fim por ele visado; depois, se tal opção corresponde à “menor
desvantagem possível” para o direito regulamentado ou condicionado; e, por fim,
se foi respeitado o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, isto é,
se a vantagem obtida é proporcional à carga imposta. Parecendo incontroverso que
a imposição do ónus em causa é apropriada a proporcionar uma maior eficiência
do sistema jurisdicional, poupando os tribunais de recurso ao dispêndio de tempo
quer com o conhecimento de recursos que se teriam tornado inúteis para o
respectivo recorrente, quer com a busca, em processos por vezes muito volumosos,
de recursos interlocutórios admitidos com subida diferida, já pode ser
discutível a razoabilidade da solução se, simultaneamente com a extensão desse
ónus ao recorrido no recurso dominante, se restringe o modo e o tempo do seu
cumprimento à apresentação de peças processuais eventualmente incabíveis
(motivação de recurso subordinado) ou meramente facultativas (contramotivação
no recurso dominante), com irrelevância da manifestação em requerimento avulso
do interesse no conhecimento do recurso retido, mesmo em situação de óbvia
persistência desse interesse, e com o efeito imediato de libertar o tribunal de
recurso de conhecer do recurso retido, sem que previamente o interessado seja
convidado a suprir o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do ónus em causa.
Assim, não sendo de reputar como manifestamente infundada a
questão de inconstitucionalidade suscitada, nem se antolhando inútil o seu
conhecimento, dado que o eventual provimento do recurso de constitucionalidade é
susceptível de afectar o “segundo fundamento” da decisão recorrida, a presente
reclamação merece deferimento.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em deferir a presente reclamação,
devendo o recurso de constitucionalidade ser admitido com o âmbito atrás
realçado.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Março de 2006.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos