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Processo n.º 1049/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A fls. 376 e seguintes dos presentes autos, foi proferida decisão sumária
em que se decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto para este
Tribunal por A. e mulher, B., pelos seguintes fundamentos:
“[…]
9. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a invocação, durante o processo, da inconstitucionalidade da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que este
Tribunal aprecie (cfr. ainda o artigo 72º, n.º 2, daquela Lei).
Através do presente recurso, pretendem os recorrentes que o Tribunal
Constitucional aprecie a conformidade constitucional de várias interpretações,
que identificam no requerimento através do qual responderam ao despacho de
aperfeiçoamento (supra, 8.).
Sucede, porém, que durante o processo não suscitaram os recorrentes a questão da
inconstitucionalidade de qualquer dessas interpretações.
Na verdade, durante o processo limitaram-se os recorrentes a sustentar que a
interpretação perfilhada no despacho de 14 de Junho de 2005 – isto é, uma
interpretação que não chegaram a concretizar – dos artigos 690º, 700º, 701º e
704º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, seria inconstitucional, por
violação de determinados princípios constitucionais.
Não cumpriram, assim, os recorrentes o ónus a que aludem os artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que, por não se
mostrar preenchido o correspondente pressuposto processual do presente recurso,
não é possível conhecer do seu objecto.
10. Para além do que ficou exposto, outro motivo existe ainda para que não seja
possível conhecer do objecto do presente recurso.
É que a decisão recorrida não perfilhou qualquer das interpretações normativas
indicadas pelos recorrentes como objecto do presente recurso de
constitucionalidade, sendo certo que constitui pressuposto processual deste
recurso a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa
que se submete ao julgamento deste Tribunal (cfr. o artigo 70º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Na verdade, a interpretação que a decisão recorrida (supra, 6.) perfilhou foi a
de que não se conhece do objecto do recurso, nem se formula um novo convite,
quando o recorrente não respeita o convite à apresentação das conclusões,
reproduzindo apenas as alegações já apresentadas.
Dizendo de outro modo, o tribunal recorrido:
– não se limitou a entender que as conclusões das alegações não podem reproduzir
o que consta destas (o que também vale por dizer que não adoptou a muito
redutora primeira interpretação indicada pelos recorrentes);
– não entendeu que se deve dar prevalência à forma em detrimento da substância
(a segunda interpretação indicada pelos recorrentes), pois que em parte alguma
do texto do acórdão se produz tal afirmação, constituindo esta mero juízo
valorativo dos recorrentes, aliás insusceptível de ser apreciado, enquanto
interpretação normativa, por este Tribunal;
– não se limitou a comparar as conclusões com as alegações, antes acentuou a
circunstância de já ter sido formulado um convite à apresentação das conclusões
(o que também significa que não adoptou a terceira interpretação indicada pelos
recorrentes);
– e, por fim, não entendeu que a circunstância de as conclusões não terem sido
apresentadas com as alegações obstava, em si mesma, a novo convite à
apresentação das conclusões (a quarta interpretação indicada pelos recorrentes),
pois que o obstáculo ao novo convite radicava, antes de mais, na existência de
um anterior convite no mesmo sentido.
Não tendo a decisão recorrida aplicado as interpretações cuja apreciação os
recorrentes pretendem, não pode conhecer-se do objecto do recurso.
[…].”.
2. Notificados desta decisão, vieram A. e mulher reclamar para a conferência,
ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional,
nestes termos (requerimento de fls. 390 e seguinte):
“[…]
1- Os recorrentes não se conformam com o douto despacho por V. Exª proferido e
acima identificado, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 78°-A da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15/11), pelo que dele reclamam para a
conferência.
2- Fazem-no porque:
a) Nos autos, no seu requerimento de 4/07/2005, suscitaram a questão da
inconstitucionalidade.
b) Indicaram as disposições da Constituição e princípios constitucionais que se
mostravam violados.
c) Da decisão final, o douto Acórdão de 4/10/2005 não só apreciou as questões da
inconstitucionalidade suscitadas pelos recorrentes como suscitou outras pela 1ª
vez decorrentes do que decidiram, interpuseram recurso para este Tribunal
Constitucional relativo às questões da inconstitucionalidade que haviam já
suscitadas e daquelas que a última decisão pela 1ª vez suscitou.
d) Entendem por isso que não há razão para este Tribunal Constitucional não
conhecer o objecto deste recurso e referente às eventuais inconstitucionalidades
que do douto Acórdão de 4/10/2005 decorrem.
e) Se lhes afigurar que num processo como o destes autos, de valor económico
diminuto (o que permitiu que pessoas de modestíssimos recursos económicos venham
litigando sem recurso ao Apoio Judiciário) e lhes seja fixada uma taxa de
justiça de 7 Ucs, que se lhes afigura exagerada.
3- Neste contexto pedem e esperam que em Conferência V. Exªs decidam no sentido
de que se deve conhecer do objecto do recurso e, em consequência, ordenem o
prosseguimento destes autos de recurso.
[…].”.
3. Os recorridos não responderam (cota de fls. 393).
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. Na decisão sumária reclamada não se conheceu do objecto do recurso
interposto para o Tribunal Constitucional, por se ter entendido que não estavam
verificados os respectivos pressupostos processuais.
Invocaram-se nessa decisão dois fundamentos, sendo cada um deles, só por
si, susceptível de obstar ao conhecimento do objecto do recurso.
Em primeiro lugar, constituindo objecto do presente recurso a apreciação
da conformidade constitucional de várias interpretações, indicadas pelos
recorrentes na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, verificou-se que,
perante o tribunal recorrido – o Tribunal da Relação de Lisboa –, os recorrentes
não tinham suscitado a questão da inconstitucionalidade de qualquer das
interpretações que agora pretendem submeter ao julgamento do Tribunal
Constitucional.
Em segundo lugar, considerou-se que a decisão recorrida não perfilhou
qualquer das interpretações normativas indicadas pelos recorrentes como objecto
do presente recurso de constitucionalidade.
5. A argumentação usada na reclamação deduzida não infirma os fundamentos da
decisão sumária proferida nos autos.
5.1. Os reclamantes vêm sustentar que “no seu requerimento de
4/07/2005, suscitaram a questão da inconstitucionalidade” e que “indicaram as
disposições da Constituição e princípios constitucionais que se mostravam
violados”.
Ora, no requerimento de 4 de Julho de 2005 – em que reclamaram do despacho
da Relatora que, no Tribunal da Relação de Lisboa, julgara findo o recurso por
incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 690º do Código de Processo Civil –
os reclamantes sustentaram que tal despacho da Relatora “interpreta os artigos
690º, 700º, 701º e 704º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, de forma
inconstitucional, por violação dos princípios da funcionalidade e
proporcionalidade, extraídos cumulativamente dos artigos 18º, n.º 2 e 3 e do
artigo 20º, n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa” (fls. 341 e
seguinte).
Reitera-se portanto que, durante o processo, os recorrentes se limitaram a
sustentar que a interpretação perfilhada no despacho de 14 de Junho de 2005 –
isto é, uma interpretação que não chegaram a concretizar – dos artigos 690º,
700º, 701º e 704º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, seria
inconstitucional, por violação de determinados princípios constitucionais.
Com efeito, na expressão utilizada pelos ora reclamantes naquele
requerimento não pode ver-se a invocação em termos processualmente adequados das
interpretações indicadas na resposta ao despacho de aperfeiçoamento proferido
neste Tribunal, e que aqui se reproduzem:
“[…] a interpretação perfilhada na decisão recorrida que consideram
inconstitucional e que pretendem ver apreciada por este Tribunal é a seguinte:
- ter-se entendido que as Conclusões das Alegações não podem reproduzir o que
consta destas, ou seja, não é permitido em sede de Conclusões repetir o que já
sinteticamente se explanara em sede de alegações.
Sendo nas Conclusões (e não nas alegações) que se delimita o âmbito do recurso,
os recorrentes não poderiam, ou não conseguiriam, ser mais sintéticos do que já
haviam sido nas alegações. Sob pena de não conseguirem de forma correcta e clara
delimitarem o âmbito do seu recurso.
- ter-se dado prevalência à forma em detrimento da substância e verdade
material.
No Tribunal «a quo» optou-se por não apreciar a substância e verdade material
por mera apreciação de formalismo quanto à elaboração das Conclusões do recurso.
- não se ter entendido que sendo as Conclusões claras, simples e sintéticas isso
é o que importa, entendendo os recorrentes ser inconstitucional o considerar-se
mais importante não as analisar mas antes compará-las com as alegações e como
são quase idênticas isso é formalmente inaceitável e por isso não se conhece do
recurso (prevalecendo, também aqui a forma sobre a substância e sobre a justiça
material).
- a interpretação dada de que mesmo tendo sido proferido despacho para
apresentação de Conclusões, porque as mesmas – por razões já explicadas nos
autos – não foram apresentadas com as alegações, isso impede que haja despacho a
convidar a sintetizar e aperfeiçoar as Conclusões apresentadas.
São estas interpretações perfilhadas na douta decisão recorrida que pretendem
ver apreciadas, pois no modesto entendimento dos recorrentes fizeram uma
interpretação inconstitucional do disposto, pelo menos, nos artigos 690°, 700°,
701° e 704° do Código de Processo Civil.
[…].”.
Não tendo os ora reclamantes cumprido o ónus a que aludem os artigos 70º,
n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, impõe-se a
conclusão de que não se mostra preenchido um dos pressupostos processuais do
presente recurso e de que não é possível conhecer do seu objecto.
5.2. Acresce que – como se disse na decisão sumária reclamada – a
decisão recorrida não perfilhou qualquer das interpretações normativas indicadas
pelos ora reclamantes como objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Na verdade, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Outubro de
2005, que, confirmando o despacho da Relatora, julgou findo o recurso, entendeu
que não se conhece do objecto do recurso, nem se formula um novo convite para
apresentação de conclusões, quando o recorrente não respeita o convite à
apresentação das conclusões, reproduzindo apenas as alegações já apresentadas.
Quanto ao aspecto agora mencionado, nada se diz na reclamação deduzida,
havendo que concluir que a decisão sumária não foi impugnada nesta parte.
Constituindo pressuposto processual do recurso previsto no artigo 70º, n.º
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação, na decisão
recorrida, da norma ou interpretação normativa que se submete ao julgamento
deste Tribunal, tanto basta para que o Tribunal Constitucional não possa
conhecer do objecto do recurso interposto.
6. Na alínea e) da reclamação, vêm os reclamantes pedir a reforma da decisão
sumária quanto à condenação em custas que dela consta, invocando que o processo
é “de valor económico diminuto” e que são “pessoas de modestíssimos recursos”
que litigam “sem recurso ao apoio judiciário”.
O pedido de reforma da condenação em custas não pode proceder.
A tabela de custas aprovada pelo Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro,
alterou o regime da taxa de justiça que até então se encontrava em vigor. Como
justificação das alterações introduzidas, escreveu-se no preâmbulo do diploma:
“A taxa de justiça vigente, de extrema amplitude, entre o mínimo de 1 UC e o
máximo de 80 UC, é substituída por escalões mais estreitos, graduados em função
do tipo de decisões sujeitas a custas, da natureza colegial ou singular do
julgamento, como também pela intervenção do tribunal motivada por uma contumácia
crescente que importa desincentivar. O Tribunal Constitucional não pode ser
utilizado como a 4ª instância das ordens jurisdicionais, nem como pretexto para
se protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões”.
Determina-se agora que a taxa de justiça aplicável às decisões sumárias –
como é o caso em apreciação – será fixada entre 2 e 10 unidades de conta (artigo
6º, n.º 2).
Na decisão sumária reclamada, foi aplicada a taxa de justiça de 7 unidades
de conta, ou seja, uma taxa ligeiramente superior à média dos valores previstos
no citado artigo 6º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98.
Atendeu-se, para a fixação deste montante, aos critérios fixados no artigo
9º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei.
Neste contexto, a fixação da taxa de justiça em 7 unidades de conta no
processo em apreço não é desrazoável nem desproporcionada, antes se afigura
adequada e corresponde à prática uniforme e reiterada do Tribunal.
Além de tudo, constando da lei a tabela de custas vigente neste Tribunal,
não poderiam os reclamantes ignorar a taxa de justiça a que estavam sujeitos em
caso de não conhecimento do objecto do presente recurso.
Indefere-se, assim, o pedido de reforma quanto a custas da decisão sumária
de fls. 376 e seguintes.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária que não
tomou conhecimento do objecto do recurso;
b) Indeferir o pedido de reforma quanto a custas.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos