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Processo n.º 818/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. O recorrente foi condenado por acórdão proferido, em 23 de maio de 2012, no Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, pela prática, em coautoria, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 26.º e 210.º, n.os 1 e 2 alínea b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2 alínea f) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; em coautoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1 alínea g), 3.º, n.º 1 e n.º 5 alínea g), 7.º, n.º 1 e n.º 2 alínea a) e 86.º, n.º 1 alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de um ano de prisão.
Em cúmulo das duas penas parcelares, foi condenado na pena única de quatro anos e três meses de prisão.
2. Inconformado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 4 de outubro de 2012 negou provimento ao recurso e confirmou a condenação em 1.ª instância.
3. Desta decisão o arguido, mais uma vez inconformado, interpôs ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), o presente recurso de constitucionalidade.
4. “Pretende o recorrente sindicar (…) no que à sua interpretação e aplicação respeita, a alínea f) do n.º2 do artigo 204.º do Código Penal, na justa medida em que aquela alínea possa servir de elemento qualificador do próprio crime de roubo, previsto e punido no artigo 210.º do Código Penal, por remissão da alínea b) do n.º2 daquela norma. Tal entendimento (…) viola o princípio da proibição do “ne bis in idem”, na justa medida em que é a própria utilização da arma que constitui o meio de constrangimento da vítima.”
5. Na sequência das alegações produzidas foi ordenada a notificação do recorrente e recorrido, sendo o primeiro com cópia da alegações produzidas pelo segundo, para, no prazo de 10 (dez) dias se pronunciarem sobre a eventualidade de o recurso não ser objeto de conhecimento por ausência de objeto normativo ou pelo facto de a dimensão interpretativa impugnada não corresponder à ratio decidendi do acórdão recorrido (artigo 704.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
6. Produzidas estas, cumpre começar por apreciar a questão prévia da cognoscibilidade do recurso.
II – Fundamentação
Questão prévia
7. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional invocando a alínea b) do artigo 70.º, n.º 1 da LTC.
Nos termos desta disposição legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Tratando-se de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade indispensável é que a norma, ou critério normativo identificado com caráter de generalidade, cuja inconstitucionalidade se requer, tenha constituído o fundamento normativo da decisão recorrida.
8. É a seguinte a pretensão formulada no requerimento de recurso:
“Pretende o recorrente sindicar perante este Venerando Tribunal, no que à sua interpretação e aplicação respeita, a alínea f) do n.º2 do artigo 204.º do Código Penal, na justa medida em que aquela alínea possa servir de elemento qualificador do próprio crime de roubo, previsto e punido no artigo 210.º do Código Penal, por remissão da alínea b) do n.º2 daquela norma”. E logo esclarece: “Tal entendimento, na humilde opinião do recorrente, viola o principio da proibição do “ne bis in idem”, na justa medida em que é a própria utilização da arma que constitui o meio de constrangimento da vitima.”
Segundo o recorrente, “se a utilização da arma constitui em si mesmo uma forma de constrangimento da vítima, colocando-a na impossibilidade de resistir, não pode esta mesma circunstância servir de elemento qualificador quando já serviu para qualificar o próprio crime de furto – entendendo-se o crime de roubo como um furto qualificado pelo facto de ao mesmo tempo que lesa bens jurídicos patrimoniais lesar igualmente bens jurídicos pessoais como a integridade física ou liberdade pessoal.”
9. O recorrente parte, assim, da premissa de que o Tribunal recorrido subsumiu os factos provados no crime de roubo (artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal), e não no crime de furto (artigo 204.º do Código Penal) pela circunstância de os arguidos serem portadores de arma no momento do crime, para de seguida voltar a socorrer-se da mesma circunstância para qualificar o crime de roubo (artigo 210.º, n.º 2 b) do Código Penal).
“É com este entendimento que o recorrente não se conforma”, conforme concretiza ainda no requerimento de interposição do recurso, uma vez que o mesmo “viola o princípio da proibição do “ne bis in idem” na medida em que por um mesmo facto, entenda-se fazer-se acompanhar de arma, o arguido vê, num primeiro momento, o seu comportamento qualificado como roubo, ao invés de simples furto, e, num segundo momento, vê o próprio crime de roubo qualificado ao abrigo da remissão feita pela alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do código penal”.
10. Lida a decisão recorrida, não é possível, todavia, afirmar que a razão do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa assenta na subsunção jurídico-penal dos factos indicada pelo recorrente.
Com efeito, em passo algum do acórdão recorrido é possível identificar a utilização da arma entre os concretos factos que serviram para enquadrar a conduta do agente no crime de roubo, i.e., os factos que integraram o elemento típico deste crime consubstanciado no “constrangimento” através de “ameaça”, “violência”, “perigo para a vida ou para a integridade física” ou “colocação na impossibilidade de resistir”, caracterizadores do roubo.
O acórdão recorrido limita-se a qualificar o crime de roubo, pela circunstância prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal, em confirmação do enquadramento jurídico-penal dos factos assumido na decisão condenatória proferida em 1.ª instância, não sendo possível afirmar que foi por referência exclusiva à ponderação da mesma circunstância - uso ou porte da arma - que subsumiu a conduta do arguido no crime de roubo, e não no crime de furto.
Independentemente da bondade de uma tal decisão, cuja apreciação não cabe ao Tribunal Constitucional, a não evidenciação da aplicação na decisão proferida pelo Tribunal a quo da interpretação pretendida pelo recorrente como padecendo de inconstitucionalidade constitui impedimento do conhecimento do presente recurso.
Na verdade, não sendo possível confirmar a aplicação como ratio decidendi, no acórdão recorrido do critério normativo que o recorrente identifica como objeto do recurso, a apreciação do presente recurso de constitucionalidade deixaria sempre intocado o sentido da decisão recorrida, o que, atendendo à natureza instrumental deste tipo de recursos – traduzida na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir na solução jurídica do caso – torna inadmissível o seu conhecimento.
III - Decisão
11. Termos em que se decide não conhecer do objeto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 20 de março de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro.