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Processo n.º 585/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., identificado nos autos, vem arguir a nulidade e invocar a falsidade da
decisão sumária de 21 de Novembro de 2005, que teve o seguinte teor:
«1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Maio de 2005, foi
negado provimento ao recurso interposto por A. e B. do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de 8 de Abril de 2003, que, julgando procedente o recurso de
agravo interposto por C., S.A., da decisão da 5.ª Vara Cível da Comarca de
Lisboa (que em 13 de Novembro de 2001 indeferira o requerimento, apresentado por
aquela sociedade em 19 de Abril de 1999, de admissão de prestação de caução em
substituição da providência cautelar não especificada, decretada nos autos em 17
de Novembro de 1997), revogou a decisão recorrida e ordenou a sua substituição
por outra que admitisse a caução requerida. Consequentemente, o Supremo Tribunal
de Justiça confirmou o acórdão recorrido. Pode ler-se nesse aresto:
«Desencadeada pela D., S.A., operação tendente à aquisição, ao abrigo do art.º
490.°, n.º 1, do CSC, do domínio total da E., S.A., houve oposição de pequenos
accionistas, que vem dando lugar a vários processos. No que ora interessa:
Dois desses accionistas requereram e obtiveram providência cautelar não
especificada, decretada em 17/11/97, que ordenou àquela D. (e a outros – F. [ora
G.] H., I. e J.) que se abstivessem de subtrair (sic) das contas dos então
requerentes as acções da E. de que eram titulares e de praticar qualquer acto
que impedisse ou dificultasse o exercício dos direitos sociais inerentes a essas
acções.
Mantida essa providência cautelar em 10/9/98, esta decisão foi confirmada por
acórdão deste Tribunal de 1/4/2001.
Em 19/4/99, a D., S.A., apresentou, ao abrigo do art.º 387.°, n.º 3, do CPC,
requerimento de substituição da predita providência cautelar por caução.
A acção ordinária de que esse procedimento cautelar e estes autos de prestação
espontânea de caução constituem apensos foi julgada por sentença de 22/2/2000,
que declarou nula a escritura pública de aquisição das acções efectuada pela
requerente da caução, lavrada em 16/10/95.
Essa sentença foi objecto de recurso de apelação, com efeito suspensivo.
Em 13/11/2001, o requerimento de admissão da prestação de caução apresentado
pela predita D. foi, na 5.ª Vara Cível (1.ª Secção) da comarca de Lisboa,
indeferido.
Por acórdão de 8/4/2003, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o
recurso de agravo que a requerente da caução interpôs dessa decisão. Discorreu
para tanto assim:
Na esteira de parecer do Prof. Raúl Ventura, a fls. 50 e 51 dos autos,
distinguiu, nos direitos inerentes às participações sociais, os direitos
patrimoniais, que habilitam os sócios a exigir uma prestação em dinheiro ou
outros valores, como é o caso do direito aos dividendos e ao saldo de
liquidação, e o de preferência na aquisição de acções ou de obrigações
convertíveis em acções, e os direitos administrativos ou de soberania, que
habilitam os sócios a intervir na vida social, como é o caso do direito de voto,
do direito à informação, do direito de ser eleito para um órgão social, e do
direito de impugnação de deliberações sociais. Citando-o, adiantou que a acção é
um bem patrimonial que agrega e consubstancia todos esses direitos, que
representa. Dela não separáveis, os preditos direitos administrativos são já
tomados em conta no valor da acção.
Pacífico este outro ponto, quando destinadas a evitar prejuízos de natureza
patrimonial, as providências cautelares podem ser sempre substituídas por
caução.
Daí a solução então alcançada, o sobredito acórdão revogou a decisão recorrida e
ordenou a sua substituição por outra que admita a caução requerida.
***
É contra tal que os requerentes da providência aludida, A. e B., reagem com este
recurso.
Deduzem, a final da alegação respectiva, as conclusões que seguem, sendo do CPC
todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação:
1.ª – Em violação do art.º 660.º, n.º 2, o acórdão impugnado é nulo por omissão
de pronúncia sobre todas as questões propostas na alegação dos agravados,
sintetizadas nas conclusões respectivas.
2.ª – E também por falta absoluta de fundamentação de direito, em violação do
art.º 158.º, n.º 1, interpretado em conformidade com o art.º 205.º, n.º 1, da
Constituição.
3.ª – O acórdão impugnado viola a norma do art.º 990.°, uma vez que a causa em
que se pretende a prestação de caução já não está pendente, encontrando-se
definitivamente julgada, pelo que a directiva dada ao tribunal de 1.ª instância
é inexequível.
4.ª – A norma extraída do art.º 387.º, n.º 3, é inconstitucional, por violação
das normas dos art.ºs 18.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 61.º, n.º 1,
201.º, n.ºs 1 e 2, e 282.º, n.º 3, da Constituição, esta última interpretada em
conjugação com a do (predito) art.º 990.º.
5.ª – A norma do segundo segmento do art.º 156.º, n.º 1, é inconstitucional
quando extensiva a decisões em que tenha sido feita aplicação de norma
inconstitucional.
6.ª – O acórdão impugnado violou a norma do art.º 312.º e fez aplicação errada
do art.º 305.º, n.º 1.
Houve contra-alegação da D. recorrida, e, corridos os vistos legais, cumpre
decidir.
***
A matéria de facto a ter agora em conta é a já enunciada na parte deste acórdão
que precede a transcrição das conclusões da alegação dos recorrentes. Lembrado o
princípio de utilidade subjacente ao art.º 137.º, resulta desnecessário
repeti-la.
***
Como decorre dos art.ºs 684.º, n.ºs 2 a 4, e 690.º, n.ºs 1 e 3, o âmbito ou
objecto deste recurso encontra-se circunscrito às questões propostas nas
conclusões da alegação de quem recorre.
As questões a resolver são, por isso, como referido na contra-alegação da
recorrida, estas:
1.ª – nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia e falta de
fundamentação de direito;
2.ª – violação do art.º 990.º, por já não estar pendente a causa em que se
pretende prestar caução;
3.ª – aplicação de normas inconstitucionais;
4.ª – violação do art.º 312.° e errada aplicação do art.º 305.º.
***
Reportado aos art.ºs 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, al. d), o início da alegação
dos ora recorrentes abstrai de que, como já referido e os nossos tribunais
superiores vão quotidianamente fazendo notar, o âmbito ou objecto dos recursos
é, em princípio, delimitado ou definido pelas conclusões da alegação de quem
recorre. Isso mesmo se apura, como dito, do disposto nos art.ºs 684.º, n.ºs 2 a
4, e 690.º, n.ºs 1 e 3.
Com ressalva apenas do que for de conhecimento oficioso, assim necessariamente
circunscrito o âmbito ou objecto do recurso da então agravante, ora agravada, de
que se conheceu no acórdão impugnado, pelas conclusões da alegação respectiva,
só nos termos do art.º 684.º-A, podia ter sido – mas não foi – ampliado.
Como assim, e em resposta à retórica interrogação dos agravantes sobre se no
entender do tribunal são parte, basta responder singelamente que sim, mas, mais,
também, que, a exemplo de toda e qualquer parte em todo e qualquer processo, se
encontram sujeitos aos preceitos da lei adjectiva acima mencionados. Por outro
lado:
Despropositada a invocação, também no texto da alegação dos recorrentes, do
art.º 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, é, isso sim, cogente, quanto à
natureza e efeito do recurso, o disposto no n.º 3 do art.º 700.º.
Mais relevando o disposto no art.º 708.º, é, em todo o caso, de recordar ainda
que o art.º 691.º se refere à sentença final.
Não pode, de todo o modo, transformar-se em omissão de pronúncia eventual erro
relativo à natureza e efeito do recurso interposto pela antes agravante.
Inexiste, enfim, a reclamada nulidade prevenida na al. d) do n.º 1 do art.º
668.º.
Trata-se, aliás, de vício não propriamente relativo à não apreciação dos
documentos (meios de prova) com que as partes instruem o processo, mas sim à
omissão do conhecimento das questões propostas por quem recorre. E são os
próprios recorrentes que reconhecem ter-se emitido, no acórdão impugnado,
julgamento sobre a suficiência da caução oferecida para reparar integralmente a
lesão que as providências decretadas visavam prevenir.
Com apoio na doutrina de Alberto dos Reis, “Anotado”, V, 54, e de Rodrigues
Bastos, “Notas ao CPC”, III, 3.ª ed. (2001), 195-5, a jurisprudência tem
esclarecido repetidamente não deverem confundir-se as questões a resolver – e é
sobre tal que o tribunal deve pronunciar-se – com os argumentos utilizados pelas
partes para defender as respectivas teses ou pontos de vista, como é
designadamente o caso dos sucessivamente apoiados na natureza escritural, regime
jurídico e bloqueio das acções em referência.
A decisão ora impugnada tem, por último, necessariamente implícito um juízo de
legalidade do objectivo do processo de prestação de caução, da possibilidade,
ainda, e da adequação e eficácia desta. Do mesmo modo, pois que não se lhe
refere, não tendo o tribunal considerado ocorrer má fé, nem contradição alguma
com decisão anterior, ou a inconstitucionalidade de norma nele aplicada.
Basta, por outro lado, a simples leitura do resumo do acórdão recorrido
adiantado no relatório deste para concluir pela falta de razão da arguição da
nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 668.º, na vertente alegada, que é
a falta de fundamentação de direito. E tal assim, nomeadamente, no que respeita
à natureza (patrimonial) dos direitos sociais tutelados pelas providências
decretadas, questão esta expressamente desenvolvida nesse acórdão. Quanto a
disposições legais, o acórdão recorrido cita os art.ºs 305.º e 387.º, n.º 3.
A este respeito, a doutrina (Reis, ob. e vol. cit.s, 140; Rodrigues Bastos, ob.,
vol. e ed. cit.s, 193; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil
Declaratório”, III, 141; Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”,
2.ª ed., 687) e a jurisprudência (v., por último, Ac. STJ de 14/4/99, BMJ,
486/250-10.) têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou
erro da fundamentação de direito com a sua falta absoluta – só a esta última se
reportando a alínea referida. Ainda:
Pendente a acção principal até trânsito em julgado da decisão final respectiva,
e subsistentes até essa altura as providências decretadas, está‑se sempre, até
esse momento, em tempo de, havendo nisso interesse, as substituir por caução. O
que tudo, aliás, realmente se disse já no acórdão a fls. 248 v.º (último par.) –
249 (1.º par.), que transitou em julgado, como observado na contra-alegação da
ora agravada (então também agravante).
Estando em causa participações sociais em sociedades de capitais, ou seja, em
estruturas em que prevalece o interesse económico, a adequação da garantia
oferecida não sofre dúvida, sendo, em relação a esse tipo ou espécie de
sociedades, claramente de rejeitar a proposição de que “os direitos sociais
inerentes a uma participação societária consubstanciam direitos ao
desenvolvimento da personalidade (…)”.
Não mais consubstanciando que a detenção de um valor patrimonial, não se vê que
a titularidade de acções envolva efectivamente valores humanos atendíveis.
Como em contra-alegação se reitera (respectiva pág. 9, a fls. 485 dos autos), no
valor patrimonial das acções inclui-se o de todos os direitos que lhes são
inerentes. É esse o caso tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos
sociais ou administrativos, por igual reduzíveis a dinheiro. Daí que o valor do
dano resultante da privação de acções seja, na realidade, correspondente ao
valor das mesmas.
Cai, deste modo, por sua insubsistente base a arguição de inconstitucionalidade
deduzida pelos agravantes.
Provisória, por sua natureza, a decisão que decretou as providências aludidas, e
sendo a própria lei que consente a sua substituição por caução, obviamente
inexiste a violação de caso julgado arguida. Nem também se mostra transitada em
julgado a sentença da acção principal.
Não aplicada nenhuma norma inconstitucional – designadamente não o sendo o art.º
387.º, n.º 3, também não ocorre a pretensa inconstitucionalidade do art.º 156.º,
n.º 1. E nem, de facto, como em contra-alegação (respectiva pág. 15, a fls. 491
dos autos) se obtempera, o acórdão recorrido se referiu especificamente a este
último preceito, ainda menos interpretando-o com o sentido que os recorrentes
por si mesmos conceberam.
É, de facto, pacífico, ainda, que as providências tendentes a evitar um prejuízo
de natureza patrimonial podem sempre ser substituídas por caução (v., Rodrigues
Bastos, ob., vol. e ed. cit.s, e aí citada jurisprudência, invocados pela ora
recorrida).
Nem com tal bulindo os art.ºs 266.º, n.º 1, e 266.º-A, é óbvio, mais, não ser ao
tribunal que cumpre requisitar certidão que a própria parte possa obter.
Por último, e como decorre do já exposto, sem cabimento o art.º 312.º, e menos
bem cabido também o art.º 305.º, n.º 1, deve efectivamente atender-se ao valor
da causa indicado pelas partes na conformidade do art.º 313.º, n.º 3, al. d).
Depreende-se, com efeito, dessa disposição ser esse o valor do prejuízo que com
as faladas providências se pretendeu evitar – com tal, portanto, devendo
coincidir o valor da garantia (art. 313.º, n.º 2).
De harmonia com quanto se vem de dizer, alcança-se a decisão que segue:
Nega-se provimento a este recurso, com custas pelos recorrentes.»
2. Desta decisão interpôs o recorrente A. recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal
Constitucional), pela forma seguinte:
«1. Sobre a questão geral do objecto do recurso de constitucionalidade
1.1. No dizer do Prof. Gomes Canotilho, objecto do recurso é a “norma,
interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, porque a norma deve ser
apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi dada na decisão”
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6.ª ed., Coimbra, 2002, p.
981). Sublinhado da ora Recorrente.
1.2. No dizer do Conselheiro Mota Pinto, as normas não existem na prática a não
ser na interpretação com que foram aplicadas (Ac. TC n.º 196/2003, DR, II Série,
de 16.10.2003).
1.3. No dizer da Conselheira Maria Fernanda Palma, a distinção entre norma e
decisão não é material, mas lógica, e depende, sobretudo, da perspectiva em que
se entende e descreve uma concreta interpretação jurídica ( cf. citado Ac. do
TC).
1.4. No dizer do Conselheiro Mário Torres, quando das disposições legais em
causa se podem extrair diferentes proposições normativas ou diferentes
interpretações, devem ser tomadas como objecto de verificação de
constitucionalidade as normas aplicadas de acordo com o sentido normativo
decisivamente aceite e aplicado pelo tribunal recorrido (cf. citado Ac. do TC).
1.5. Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/94 (DR, II Série, de
11.1.1995), o Tribunal Constitucional vem entendendo, numa jurisprudência
longamente firmada, que invocar a inconstitucionalidade de uma dada
interpretação de certa norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da
própria norma, nessa interpretação.
1.6. Na interpretação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, feita pelo
Prof. Vital Moreira, a questão de constitucionalidade tanto pode respeitar a uma
norma (ou parte dela) como também à interpretação ou sentido com que foi tomada
no caso concreto e aplicada (ou desaplicada) na decisão recorrida, ou mesmo a
norma “construída” pelo juiz recorrido, a partir da interpretação ou integração
de várias normas textuais (desde que estas sejam devidamente identificados).
Para o efeito o Ilustre Professor apoia‑se em vários acórdãos do TC, citando,
entre vários outros, os n.º 106/92, 151/94, 507/94, 612/94, 243/95, 829/96,
205/99, 655/99 e 383/2000 (cf. BFDUC, Vol. Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 846).
2. Face à doutrina e jurisprudência acima citada, e tendo em conta a realidade
documentada nos autos, fácil é constatar que, confirmando tal acórdão a decisão
e os fundamentos do acórdão da Relação, a fls 445-448, estribando-se, ambos, nos
art.ºs 387.º, n.º 3, e 156.º, n.º 1, do CPC, foi feita aplicação de normas
previamente arguidas de inconstitucionalidade.
3. Sendo, porém, de notar, desde já, que nenhuma das razões invocadas para
arguir a inconstitucionalidade de tais normas foi objecto de pronúncia no
acórdão ora impugnado.
4. Também as injunções judiciais objecto da pretensão da Requerida e Requerente
surgem no acórdão ora impugnado relatadas com alguma inexactidão e muito
sinteticamente. Pelo que, para comodidade do Tribunal, aqui se transcrevem,
tendo em vista a apreciação da inconstitucionalidade das normas com que se
pretende retirar-lhes eficácia:
a) Ordeno que as requeridas se abstenham de subtrair das contas dos requerentes
as 7.467 acções E. de que são titulares, e a praticar qualquer acto que impeça
ou dificulte o exercício dos direitos sociais a elas inerentes;
b) Ordeno que a 3.ª requerida anule as instruções referidas no requerimento
inicial relativas à transferência das ditas acções E..
5. Também para comodidade do Tribunal, aqui melhor se identificam as Requeridas
sobre as quais impendem as injunções supra, não obstante a pretensão de
substituição das mesmas por caução, provir apenas da 4.ª Requerida:
· F. – H., SA, ora integrada, por fusão, no G., SA, pessoa colectiva
………, com estabelecimento no …….. – ….. Lisboa,
· I., SA, ora integrado no M., SA,
· J., ora denominada de L., SA,
· D., SA.
6. A dimensão normativa com que foram aplicadas as normas extraídas dos
sindicados preceitos legais, viola as normas e os princípios consagrados nos
art.ºs 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 61.º,
n.º 1, 62.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 204.º e 282.º, n.º 3, da Constituição.
7. A inconstitucionalidade de tais normas foi suscitada na alegação de recurso
para o Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento do disposto no art.º 72.º,
n.º 2, da LTC, em termos julgados bastantes atento o princípio legal e
constitucional de que iura novit curia, mas que em alegação perante o tribunal
ad quem se demonstrarão mais cabalmente.»
Notificada dessa interposição, respondeu a recorrida nos seguintes termos:
«1. Cumpre assinalar que não estão preenchidos os pressupostos de que depende o
recurso para o Tribunal Constitucional relativamente a nenhuma das normas cuja
constitucionalidade o Recorrente pretende impugnar.
2. Com efeito, é patente que, relativamente a essas normas, o que o Recorrente
invocou nos autos não foram autênticas inconstitucionalidades normativas, mas
simples discordâncias com o decidido.
3. No que respeita ao art.º 156.º, n.º 1, do C.P.C., aliás, tal preceito não foi
sequer aplicado nos autos, menos ainda com o sentido que o Recorrente alega.
4. Isso mesmo foi já doutamente decidido no Acórdão de 12.05.2005, onde se
exarou, quanto a essa norma, o seguinte: “E nem, de facto (...), o acórdão
recorrido se referiu especificamente a este preceito, ainda menos
interpretando-o com o sentido que os recorrentes por si mesmos conceberam”.
5. Assim é, na verdade, pois que em lugar algum do douto Acórdão da Relação de
Lisboa se afirma que devam ser observadas as decisões dos Tribunais Superiores
quando estas últimas fazem aplicação de normas inconstitucionais, ao que acresce
que nenhuma disposição inconstitucional foi aplicada nesse Acórdão, pelo que a
questão suscitada pelos aí Agravantes nem sequer se punha.
6. Nunca poderia, por conseguinte, o recurso ser admitido quanto a esta norma.
7. Também a arguição de inconstitucionalidade do art.º 387.º, n.º 3, do C.P.C.
mais não traduz do que a discordância do Recorrente em face do decidido tanto no
douto Acórdão da Relação de Lisboa como no não menos douto Acórdão deste Supremo
Tribunal que o confirmou.
8. A referência que é feita na alegação do Recorrente a este respeito não
configura, de facto, qualquer juízo de inconstitucionalidade de um preceito mas
antes de uma decisão que aí se reputa violadora da lei de processo, o que é
coisa bem diversa de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa e
não legitima o recurso para o Tribunal Constitucional.
9. Refira-se ainda, a este propósito, que não tem qualquer fundamento o afirmado
pelo Recorrente no ponto 3 do seu requerimento, pois no douto Acórdão ora
recorrido expressamente se rejeitou que fossem objecto de aplicação nos autos
quaisquer normas feridas de inconstitucionalidade.
10. Não se vislumbra, outrossim, qualquer pertinência, em sede de requerimento
de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, no que o Recorrente
menciona nos pontos 4 e 5 do seu requerimento, pelo que deverão os mesmos ser
por completo desconsiderados.
Termos em que não deverá admitir-se o recurso para o Tribunal Constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional. Entendendo-se que não é de tomar conhecimento do recurso,
lavra-se a presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A do mesmo diploma.
4. Com efeito, e como é sabido, no nosso sistema de fiscalização concentrada e
incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem
controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos,
nem controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se
as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de
constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela
Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da
constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação
enunciativa) ou em determinada interpretação, aplicada na decisão recorrida.
Para se poder tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade como o
presente, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional, torna-se necessário, não só que tenham sido esgotados
os recursos ordinários e que a questão de constitucionalidade tenha sido
suscitada durante o processo, como também que a norma, ou interpretação
normativa, impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão
recorrida: isto é, que tal norma ou interpretação normativa tenha constituído
fundamento decisivo para o tribunal recorrido.
Este último requisito não é, aliás, mais do que expressão da necessária
utilidade da intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se
a norma impugnada não foi ratio decidendi – mas antes é apenas mencionada num
obiter dictum –, ou se existe outro fundamento, só por si bastante para se
chegar a decisão idêntica à recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional
sobre a sua constitucionalidade, qualquer que ela fosse, sempre seria
insusceptível de alterar o sentido da decisão do tribunal recorrido. Nestas
condições, o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso.
5. No presente caso, o recorrente diz no requerimento de recurso que pretende
que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dos artigos 387.º,
n.º 3, e 156.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por entender que “tendo em
conta a realidade documentada nos autos, fácil é constatar que, confirmando tal
acórdão a decisão e os fundamentos do acórdão da Relação, a fls. 445-448,
estribando-se ambos, nos art.ºs 387.º, n.º 3, e 156.º, n.º 1, do CPC, foi feita
aplicação de normas previamente arguidas de inconstitucionalidade”, sendo que “a
dimensão normativa com que foram aplicadas as normas extraídas dos sindicados
preceitos legais viola as normas e os princípios consagrados nos art.ºs 18.º,
n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, 62.º,
n.º 1, 202.º, n.º 2, 204.º e 282.º, n.º 3, da Constituição”, e que a
inconstitucionalidade de tais normas foi “suscitada na alegação de recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento do disposto no art.º 72.º, n.º 2,
da LTC, em termos julgados bastantes atento o princípio legal e constitucional
de que iura novit curia”.
Passando à análise dos requisitos para se poder tomar conhecimento do presente
recurso em relação a cada uma das normas impugnadas, verifica-se, quanto ao
artigo 387.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que o recorrente não indica
expressamente no seu requerimento de interposição de recurso qual é a
interpretação dessa norma que impugna. Mas, confrontando as suas alegações para
o Supremo Tribunal de Justiça afigura-se que o mesmo pretende impugnar a
constitucionalidade da “interpretação” da norma do artigo 387.º, n.º 3, do
Código de Processo Civil, que diz aplicada na decisão recorrida, segundo a qual
“a prestação de uma fiança bancária é adequada e suficiente para substituir
injunções judiciais de abstenção de subtracção das contas de registo de acções
escriturais, de acções que nelas se encontram inscritas e bloqueadas, e de não
impedir ou dificultar o exercício dos direitos sociais inerentes às mesmas
acções” (alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 466 e
ss. dos autos).
A este propósito discorreu o acórdão recorrido:
«Pendente a acção principal até trânsito em julgado da decisão final respectiva,
e subsistentes até essa altura as providências decretadas, está‑se sempre, até
esse momento, em tempo de, havendo nisso interesse, as substituir por caução. O
que tudo, aliás, realmente se disse já no acórdão a fls. 248 v.º (último par.) –
249 (1.° par.), que transitou em julgado, como observado na contra-alegação da
ora agravada (então também agravante).
Estando em causa participações sociais em sociedades de capitais, ou seja, em
estruturas em que prevalece o interesse económico, a adequação da garantia
oferecida não sofre dúvida, sendo, em relação a esse tipo ou espécie de
sociedades, claramente de rejeitar a proposição de que “os direitos sociais
inerentes a uma participação societária consubstanciam direitos ao
desenvolvimento da personalidade (…)”.
Não mais consubstanciando que a detenção de um valor patrimonial, não se vê que
a titularidade de acções envolva efectivamente valores humanos atendíveis.
Como em contra-alegação se reitera (respectiva pág. 9, a fls. 485 dos autos), no
valor patrimonial das acções inclui-se o de todos os direitos que lhes são
inerentes. É esse o caso tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos
sociais ou administrativos, por igual reduzíveis a dinheiro. Daí que o valor do
dano resultante da privação de acções seja, na realidade, correspondente ao
valor das mesmas.
Cai, deste modo, por sua insubsistente base a arguição de inconstitucionalidade
deduzida pelos agravantes.
Provisória, por sua natureza, a decisão que decretou as providências aludidas, e
sendo a própria lei que consente a sua substituição por caução, obviamente
inexiste a violação de caso julgado arguida. Nem também se mostra transitada em
julgado a sentença da acção principal.»
Desde logo por aqui se verifica que o recorrente não preencheu o requisito da
suscitação, perante o tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade de
qualquer norma ou dimensão normativa, uma vez que aquilo que verdadeiramente
impugnou foi a decisão judicial em si mesma considerada, que entende ser
violadora da lei de processo. Ora, tal matéria, claramente desprovida de
natureza “normativa”, não constitui objecto idóneo do recurso de fiscalização da
constitucionalidade.
Assim, por o recorrente não ter cumprido o ónus, indispensável para poderem
fazer uso do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, de suscitar uma questão de
constitucionalidade normativa durante o processo (cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da
Lei do Tribunal Constitucional), antes tendo sempre imputado a
inconstitucionalidade à decisão, não pode, pois, o Tribunal Constitucional,
quanto à norma do artigo 387.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tomar
conhecimento do presente recurso.
6. Quanto ao artigo 156.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de novo
confrontando as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode
concluir-se que o recorrente pretenderá impugnar a norma do artigo 156.º, n.º 1,
do Código de Processo Civil no segmento relativo ao dever de cumprir as decisões
de tribunais superiores, com a interpretação que diz ter sido aplicada pela
decisão recorrida, isto é, de que tal norma “impõe aos juízes o dever de cumprir
as decisões dos tribunais superiores mesmo quando nela haja sido feita aplicação
de norma inconstitucional” (alegações de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, a fls. 467 dos autos).
A este propósito lê-se no acórdão recorrido:
«Não aplicada nenhuma norma inconstitucional – designadamente não o sendo o
art.º 387.°, n.º 3, também não ocorre a pretensa inconstitucionalidade do art.º
156.°, n.º 1. E nem, de facto, como em contra-alegação (respectiva pág. 15, a
fls. 491 dos autos) se obtempera, o acórdão recorrido se referiu especificamente
a este último preceito, ainda menos interpretando-o com o sentido que os
recorrentes por si mesmos conceberam.» (itálicos nossos)
Da transcrição efectuada fica claro que a norma do artigo 156.º, n.º 1, do
Código de Processo Civil não foi de todo aplicada no acórdão recorrido, o
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2005, muito menos com a
interpretação indicada pelo recorrente – aliás, como também não tinha sido já
aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 8 de Abril de
2003 (a fls. 445 e ss. dos autos). Em nenhum desses acórdãos se afirmou, ou
pressupôs, que a norma do artigo 156.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
“impõe aos juízes o dever de cumprir as decisões dos tribunais superiores mesmo
quando nela haja sido feita aplicação de norma inconstitucional”.
Mais uma vez, o que o recorrente realmente pretende é afirmar a sua discordância
com o decidido, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo Supremo
Tribunal de Justiça. Ora, como ficou já dito, o recurso de constitucionalidade
não é a sede própria para averiguar a bondade ou não das decisões judiciais em
si mesmas. É um recurso restrito à inconstitucionalidade de normas, sendo
necessário, para que tenha utilidade o recurso quanto à constitucionalidade de
normas aplicadas na decisão recorrida, que elas tenham aí sido aplicadas como
ratio decidendi.
Por a norma extraída do artigo 156.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na
interpretação impugnada, não ter sido aplicada pelo tribunal recorrido como
ratio decidendi, não pode o Tribunal Constitucional conhecer, também quanto a
ela, do recurso.»
2.O requerimento apresentado pelo reclamante tem o seguinte teor:
«A., recorrente nos autos supra, notificado da decisão sumária de 21 de Novembro
de 2005, sem que, previamente, tivesse sido mandado ouvir nos termos consignados
nos artigos 75.°-A, n.º 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC, doravante),
e 704.°, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC, doravante) aplicável ex vi
artigo 69.° da LTC, vem arguir NULIDADE PROCESSUAL e REQUERER O SEU SUPRIMENTO
PELO RELATOR, nos termos e com os fundamentos infra.
I – NULIDADE DO ART.º 201.°, N.° 1, DO CPC
1. Determina o artigo 704.°, n.º 1, do CPC, que
Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, antes de
proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.
Esta norma concretiza, no plano adjectivo, uma das garantias fundamentais dos
cidadãos consagrada no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República
(CRP, doravante). Com efeito,
1.1. A CRP, ao garantir, no seu artigo 20.°, n.º 1, que
· a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos,
concretiza um dos valores fundamentais do
· Estado de direito democrático baseado na garantia de efectivação dos
direitos fundamentais, consignado no artigo 2.° da mesma LEI.
1.2. A CRP, ao garantir, no seu artigo 20.°, n.º 4, que
· Todos têm o direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de
decisão mediante processo equitativo,
concretiza um dos valores fundamentais do
· Estado de direito democrático baseado na garantia de efectivação dos
direitos fundamentais, visando o aprofundamento da democracia participativa.
1.3. Da consagração constitucional do Estado de direito democrático e da
garantia constitucional do processo equitativo, decorre a imperatividade do
respeito pelo contraditório no processo civil e no processo constitucional.
De entre as finalidades que a CRP consigna ao Estado de direito democrático,
sobressai a de visar o aprofundamento da democracia participativa. Esta
finalidade impõe que o contraditório só o seja, efectivamente, quando exercido
perante entidade pública dotada de poderes para assegurar a defesa dos direitos
e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, antes de tal poder ter sido
exercido.
A este título, impõe-se ter presente que o aprofundamento da democracia
participativa não se realiza apenas no plano da actividade política dos cidadãos
e das instituições. Ela realiza-se também no plano da actividade administrativa
(stricto sensu), fiscal, da segurança e, sobretudo, da judicial.
Esta última é mesmo aquela em que a participação dos cidadãos na realização da
democracia participativa assume maior densidade normativa e intensidade
concretizadora.
1.4. A garantia constitucional do contraditório encontra-se genericamente
consagrada no CPC, no seu artigo 3.°, n.º 2, nos termos seguintes:
· Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências
contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
A supra citada norma do art.º 704.°, n.º 1, do CPC, é apenas uma das específicas
concretizações de tal garantia constitucional. Esta norma aplica-se também ao
processo civil constitucional ex vi artigo 69.º da LTC. Mas, ainda que este
preceito legal não o ordenasse, sempre teria de aplicar-se-lhe por constituir
uma garantia constitucional integrante dos direitos fundamentais.
1.5. O Tribunal Constitucional tem cumprido tal norma em inúmeras decisões.
Assim o fez, designadamente, no processado em que foram proferidos os acórdãos
seguintes:
· n.º 28/94, de 19.1.94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
· n.º 11/99, de 12.1.99, in DR, II Série, de 24.3.99,
· n.º 466/2000, de 7.11.2000, in DR, II Série, de 7.6.200 1,
· n.º 189/2003, de 8.4.2003, in DR, II Série, de 24.6.2003,
· n.º 660/2004, de 17.11.2004, in DR, II Série, de 7.1.2005,
· n.º 79/2005, de 15.2.2005, in DR, II Série, de 6.4.2005,
· n.º 499/2005, de 4.10.2005, in DR, II Série, de 23.11.2005.
E não pode deixar de o fazer sempre que o Relator entenda que não pode
conhecer-se do objecto do recurso, porque a norma que confere ao recorrente o
direito de ser previamente ouvido consta de preceito constitucional directamente
aplicável.
2. Determina o art.º 75.°-A, n.º 5, da LTC:
· Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos
elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar
essa indicação no prazo de 10 dias.
Esta norma regula uma das situações concretas em que o Relator prevê a
possibilidade de não poder conhecer-se do objecto do recurso.
O incumprimento, no entendimento do Relator, das normas dos n.ºs 1 e 2 do mesmo
artigo, suscita, com efeito, a questão do eventual não conhecimento do objecto
do recurso.
2.1. Tal norma, em cuja previsão se inscreve, explicitamente, o requerimento de
interposição do recurso, não é mais do que um afloramento da norma de âmbito
geral, concretizada no art.º 704.°, n.º 1, do CPC, que, por sua vez, é, conforme
acima sustentado, uma norma consagrada por via dos artigos 2.° e 20.°, n.ºs 1 e
4, da CRP.
2.2. Tal norma vincula tanto o Relator no tribunal a quo como o Relator no
tribunal ad quem, conforme explicitado no n.º 6 do mesmo artigo.
3. A audição prévia do recorrente sobre razões que, no entendimento do Relator
no tribunal ad quem, justificam o não conhecimento do objecto do recurso,
integrante da garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, e do
direito a uma decisão do recurso mediante processo equitativo, quer por
eventuais deficiências imputáveis ao requerimento de interposição do recurso
quer por eventuais deficiências no cumprimento do disposto no art.º 280.º, n.º
1, alínea b), da CRP, e 72.°, n.º 2, da LTC, é acto integrante da previsão da
norma do artigo 201.°, n.º 1, do CPC, no segmento referente a acto que a lei
prescreve. Sendo que a lei, no plano do recurso de constitucionalidade normativa
concreta, é a própria Lei Fundamental.
3.1. A omissão de tal acto produz nulidade porque a Constituição o declara
expressamente no seu art.º 3.°, n.º 3, sob a designação de invalidade.
Esta invalidade é designada de inexistência jurídica nos termos do art.º 172.°,
n.º 2, da CRP.
3.2. Mas, ainda que tal omissão não estivesse expressamente declarada na lei,
conforme previsto no art.º 201.°, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 3.°, n.º 3, da CRP,
ela sempre geraria nulidade do processado por influir na decisão do recurso. Com
efeito,
· a audição prévia do recorrente, quer relativamente ao requerimento de
interposição do recurso, quer relativamente aos termos em que tenha sido
suscitada a questão de inconstitucionalidade ou outras, é condição de
juridicidade de qualquer decisão subsequente à sua violação.
4. O teor da decisão sumária notificada ao recorrente, revela, exuberantemente,
a influência que a violação das normas dos art.ºs 3.°, n.º 2, e 704.°, n.º 1, do
CPC, e 75.°-A, n.º 5, da LTC, teve na sua prolação. Com efeito,
· tal decisão é absolutamente dependente da não consideração do que o
recorrente arguiu na alegação de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça,
e do incumprimento da norma do art.º 75.°-A, n.º 1, da LTC, quanto ao teor do
requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no art.º 201.º,
n.º 2, do CPC.
4.1. Para o evidenciar, basta reproduzir aqui o teor da parte III da dita peça,
no que respeita à inconstitucionalidade da norma do art.º 387.°, n.º 1, do CPC.
Aí se argúi:
· Os direitos sociais inerentes a uma participação societária,
consubstanciam direitos ao desenvolvimento da personalidade através da livre
constituição e permanência em associações, e de livre iniciativa económica
privada, garantidos nos art.ºs 26.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, e 61.º, n.º 1, da
Constituição.
· Tais direitos são direitos de personalidade constitucionalmente assumidos
como direitos fundamentais.
· Aqueles preceitos constitucionais são directamente aplicáveis e vinculam
as entidades públicas e privadas.
· Nenhuma norma ordinária pode restringir tais direitos sem ser para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cf.
art.º 18.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
· Os direitos e interesses invocados pela Requerente não têm protecção
constitucional – não têm sequer protecção legal. Bem pelo contrário, são
pretensões sancionadas pela lei penal.
· . Basta ver que na acção principal já foi decidida a nulidade da
“escritura” que ela invoca, em razão da qual foi tentada a violação das
inscrições constantes das contas de valores mobiliários escriturais dos
Requerentes do procedimento cautelar de que emerge o incidente.
· E, tendo sido também invocada a falsidade da mesma escritura, já o
Tribunal da Relação ordenou a ampliação da matéria de facto para comprovação
dessa falsidade. Falsidade essa que terá de ser oficiosamente comunicada ao
Ministério Público para efeitos criminais.
· A lesão que a substituição da caução permitiria, sendo irreparável, tanto
dos direitos subjectivos dos Requerentes como a das normas legais que visam a
sua protecção, não pode ser integralmente prevenida nem integralmente reparada
por qualquer valor patrimonial.
· Por isso, a norma aplicada segundo a qual a prestação de uma fiança
bancária é adequada e suficiente para substituir injunções judiciais de
abstenção de subtracção das contas de registo de acções escriturais, de acções
que nelas se encontram inscritas e bloqueadas, e de não impedir ou dificultar o
exercício dos direitos sociais inerentes às mesmas acções, é inconstitucional
por violar as normas dos supra referidos preceitos da Lei Fundamental.
· Mas é também inconstitucional por violar a garantia do respeito pelo caso
julgado consagrada no art.º 282.º, n.º 3, da Lei Fundamental, quando aplicada a
decisões judiciais contendo injunções destinadas à tutela efectiva dos mesmos
direitos, já transitadas em julgado.
· A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que
julga. Se a sentença já não é susceptível de recurso ordinário nem de
reclamação, também já não pode ser substituída por medida que altera os seus
precisos limites e termos (cfr. art.ºs 673.° e 677.º).
· E é ainda inconstitucional enquanto extensiva a substituição de
providências destinadas a prevenir lesões decorrentes de actos já declarados
ilícitos na acção principal, em virtude de os tribunais serem órgãos de
soberania com incumbência de assegurar a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, e a reprimir a violação da legalidade
democrática (cfr. art.º 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP) – não a permitir a prática de
actos por si já declarados ilícitos, lesivos de direitos fundamentais dos
cidadãos e em vias de serem declarados violadores de interesses de ordem pública
tutelados pela lei penal.
4.2. Para o evidenciar, reproduz-se também o arguido na parte IV da dita peça,
relativamente à norma do artigo 156.°, n.º 1, do CPC, no segmento relativo ao
dever de cumprir as decisões dos tribunais superiores.
· Os tribunais são, segundo a Constituição, órgãos de soberania
independentes, apenas sujeitos à lei, nesta se compreendendo a própria Lei
Fundamental.
· Os juízes não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. art.º 204.º da CRP).
· A norma do art.º 156.º, n.º 1, que impõe aos juízes o dever de cumprir as
decisões dos tribunais superiores mesmo quando nelas haja sido feita aplicação
de norma inconstitucional, é, pois, inconstitucional por violar a norma do art.º
204.º da CRP. O dever de cumprir, dos juízes dos tribunais inferiores, tem de
entender-se com a ressalva da observância desta norma constitucional
directamente aplicável.
· A decisão recorrida fez também aplicação de norma inconstitucional quando
decretou a revogação da decisão da 1.ª instância e ordenou a sua substituição
por outra que admita a caução requerida.
4.3. Nada, ou quase nada, do alegado, acima reproduzido, foi considerado na
decisão sumária subsequente à omissão de actos que a lei e a Constituição
prescrevem. Nem sequer para verificar se o seu teor foi objecto de apreciação no
acórdão recorrido.
4.4. A mesma decisão sumária diz
· que o recorrente não indica expressamente no seu requerimento de
interposição de recurso qual é a interpretação dessa norma – a do art.º 387.°,
n.º 3, do CPC – que impugna.
A entender-se que o art.º 75.°-A, n.º 1, da LTC, impõe tal obrigação, a prática
do acto imposto pelo n.º 5, do mesmo artigo supriria a lacuna. A omissão de tal,
ocorrida in casu, fere de nulidade todo o processado posterior à sua ocorrência,
por força do disposto no art.º 201.°, n.º 2, do CPC.
II – INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ART.º 75.°-A, N.° 1, DA LTC
5. O texto do art.º 75.°-A, n.º 1, da LTC, como o de qualquer outro texto legal,
não é a sua norma. Esta até poderia ter sido comunicada em hieróglifos, depois
que Champollion fez a sua histórica descoberta.
É no processado nesse Tribunal que tem de descobrir-se qual é a norma que se
entende ser veiculada pelo referido texto. Ora,
5.1. Verifica-se que,
· foi entendido que o requerimento de interposição do recurso não indica
expressamente qual é a interpretação dessa norma do art.º 387.º, n.º 3, do
Código de Processo Civil que o recorrente impugna,
· mas o recorrente não foi convidado a prestar essa indicação.
5.2. Os actos judiciais correspondem sempre, por força da lei e da Constituição,
à aplicação de normas jurídicas. Neste sentido, ensinou, o Insigne Mestre J.
Baptista Machado, para o caso extremo do art.º 10.°, n.º 3, do Código Civil:
· o legislador não remete o intérprete para juízos de equidade, para a
justiça do caso concreto, antes, bem ao contrário, o incumbe de elaborar e
formular uma “norma”, isto é, uma regra geral e abstracta que contemple o tipo
de casos em que se integra o caso omisso – o que faz,
· em razão de um postulado que decorre da própria natureza do Direito ou,
pelo menos, de um postulado de objectiva juridicidade.
(cfr. p. pág. 203, da Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra
1991).
5.3. Neste contexto, fáctico por um lado, normativo por outro, verifica-se que a
norma a que se refere o art.º 75.°- A, n.º 1, da LTC, na interpretação do
Tribunal Constitucional, estatui:
· o juiz, se o entender necessário, convidará o requerente a prestar essa
indicação…
Tal norma infringe as normas e os princípios constitucionais dos art.ºs 2.°,
20.°, n.ºs 1 e 4, e 221.º da CRP. Com efeito,
· administrar justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, impõe
a observância do respeito pelos direitos fundamentais conferidos pelo art.º
20.°, n.ºs 1 e 4, da CRP, entre os quais se conta o de audição prévia sobre uma
eventual providência contra o recorrente que requereu ao órgão
constitucionalmente competente [que] fosse apreciada a constitucionalidade de
norma que indicou nos termos que, pelo menos em texto, se encontram consagrados
no art.º 75.º-A, n.º 1, da LTC,
· direitos subjectivos que, antes, ainda, de expressamente conferidos pelo
art.º 20.°, n.ºs 1 e 4, da CRP, já se entendia decorrerem dos princípios
consagrados no art.º 2° da mesma LEI.
III – INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ART.º 78.°-A, N.° 1, PRIMEIRO SEGMENTO,
DA LTC
6. As normas e princípios constitucionais infringidos pela norma que o Tribunal
Constitucional, através do Relator, entendeu resultar do texto do art.º 75.°-A,
n.º 1, da LTC, são igualmente infringidos pela norma que também foi entendido
resultar do texto do art.º 78.°-A, n.º 1, primeiro segmento, da LTC. Com efeito,
6.1 Tal norma autoriza a violação das normas do art.º 20.º, n.ºs 1 e 4, e os
princípios plasmados no art.º 2.° da CRP, que consagram o direito fundamental de
audição prévia do recorrente sobre a eventual prática de um acto denegatório de
justiça jurídico-constitucional.
6.2. Tal norma viola também a norma do artigo 224.°, n.º 2, da CRP, que
autoriza, apenas limitadamente, que a lei determine o funcionamento do Tribunal
Constitucional por secções.
A lei não pode autorizar que o Tribunal Constitucional exerça as suas
competências em sistema de tribunal singular .
6.3. A lei que dispõe em contrário, designadamente a que confere poderes ao
relator para incumprir a norma e os princípios dos art.ºs 20.º, n.ºs 1 e 4, e
2.°, da CRP, é manifestamente inconstitucional.
6.4. Tal norma viola a norma do art.º 280.º, n.º 4, da CRP, integrada pelas
normas da LTC, cujo artigo 79.° contém implícito o direito à produção de
alegações no Tribunal Constitucional, ao consignar que elas serão produzidas
nessa sede.
Sem produção de alegações não há recurso: o requerimento de interposição dele é
apenas o primeiro acto integrante do mesmo.
A sindicada norma do art.º 78.°-A, n.º 1, primeiro segmento, da LTC, priva o
cidadão do direito ao recurso de constitucionalidade nos termos consagrados no
art.º 280.°, n.º 1, alínea b), da CRP.
6.5. Não se argua que o direito à reclamação previsto no artigo 75.º-A, n.º 3,
da LTC, constitui sucedâneo, constitucionalmente válido, e reparação
constitucionalmente bastante, do direito ao recurso de constitucionalidade nos
termos das disposições conjugadas dos artigos 2.°, 20.º, n.ºs 1 e 4, 221.º e
280.°, n.º 1, alínea b), da CRP.
O instituto processual da reclamação é realidade bem diversa do instituto do
recurso nos termos previstos na lei e na Constituição.
A reclamação de uma decisão proferida pelo relator que impede o recorrente de
apresentar alegações sem prévio cumprimento da norma do art.º 704.°, n.º 1, do
CPC, e mediante aplicação da norma inconstitucional do artigo 75.°-A, n.º 5, na
interpretação que dele foi feita pelo Ex.m.º Relator, não constitui sucedâneo de
alegação de recurso nos termos constitucionalmente consagrados.
IV – FALSIDADE DO DOCUMENTO EM QUE SE ENCONTRA EXARADA A DECISÃO SUMÁRIA
7. No documento de que o recorrente foi notificado, encontra-se exarado:
· por aqui se verifica que o recorrente não preencheu o requisito da
suscitação, perante o tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade de
qualquer norma ou dimensão normativa,
· uma vez que aquilo que verdadeiramente impugnou foi a decisão judicial
considerada,
· que entende ser violadora de lei de processo.
Este texto não consubstancia julgamento de matéria de facto: é uma atestação de
factos que o seu subscritor declara terem sido por si verificados. Ora,
7.1. Dispõe-se no artigo 372.°, n.º 2, do Código Civil:
· o documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto de
percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se
não verificou.
7.2. Dispõe-se no artigo 551.°-A, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 69.º da
LTC:
· A falsidade de qualquer outro acto judicial deve ser arguida no prazo de
10 dias, a contar daquele em que deve entender-se que a parte teve conhecimento
do acto.
O facto ora em causa, veio ao conhecimento do recorrente com a notificação de 28
de Novembro de 2005. Pelo que,
· não pode o ora arguente deixar de, desde já, arguir a falsidade do
documento em que se encontra exarada tal atestação, com a natureza de autêntico.
7.3. Dispõe-se no dito art.º 551.°-A, n.º 3:
· Ao incidente de falsidade de acto judicial é aplicável, com as necessárias
adaptações, o disposto no art.º 549.º do CPC.
Neste, dispõe-se que, com a arguição de falsidade, podem as partes requerer a
produção de prova, e que, a produção de prova, bem como a decisão, terão lugar
juntamente com a da causa, cujos termos se suspenderão para o efeito, quando
necessário.
Mais se dispõe que a decisão proferida sobre a arguição será notificada ao
Ministério Público.
7.4. A prova, in casu, só pode ser documental.
Ela encontra-se na peça que foi objecto de apreciação no acórdão recorrido.
Dela não consta – até por impossibilidade material – qualquer impugnação da
decisão recorrida – que é, temporalmente, posterior.
Dela não consta – até por impossibilidade material – qualquer impugnação da
decisão recorrida – que é, temporalmente, posterior – por o recorrente entender
ser violadora da lei de processo.
Dela consta a arguição de inconstitucionalidade de normas bastantemente
especificadas.
É essa a prova documental que o arguente requer seja apreciada, com os efeitos
legalmente consignados.
V – NATUREZA PROCESSUAL DO PRESENTE REQUERIMENTO
8. Como decorre do exposto, o presente requerimento é de arguição de nulidade
processual.
Nos termos do disposto no artigo 700.°, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art.º
69.º da LTC, compete ao relator julgar os incidentes suscitados.
Atento o disposto no art.º 551.°-A, n.º 2, do CPC, o presente requerimento é
também de arguição de falsidade de acto judicial.
Ele não é de reclamação para a conferência.
9. Nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo
69.° da LTC,
· o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes,
salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, sendo o presente requerimento de arguição de nulidade processual – e, por
força das circunstâncias já explicitadas – de arguição de falsidade de documento
judicial não pode o mesmo ser, oficiosamente, convolado em reclamação para a
conferência.
A tanto se opõem as normas dos artigos 661.°, n.º 1, e 668.º, n.º 1, alíneas d)
e e), do CPC, aplicáveis ex vi artigo 69.ºda LTC.
VI – Pedidos Finais
10. Sintetizando o que já acima ficou exposto, pede o reclamante, ao Ex.m.º Juiz
Conselheiro Relator, que:
a) Supra as nulidades decorrentes da omissão dos actos previstos nos artigos
704.°, n.º 1, do CPC, e 75.°-A, n.º 5, na sua dimensão conforme à Constituição,
da LTC, em conformidade com o determinado no artigo 201.°, n.º 1, do CPC,
ordenando a notificação do recorrente para os respectivos efeitos,
b) Anule todo o processado subsequente de forma a eliminar a falsidade arguida,
ou, subsidiariamente, dela conheça nos termos e com os efeitos previstos no
art.º 549.° do CPC.»
3.A recorrida, D., S.A., respondeu pela seguinte forma:
«1. O requerimento do Recorrente é totalmente improcedente, pelo que deverá ser
indeferido.
2. O Recorrente invoca, em primeiro lugar, uma pretensa nulidade processual
supostamente decorrente de não ter sido ouvido previamente à prolação da douta
decisão sumária que recusou tomar conhecimento do objecto do recurso.
3. Quanto a esta arguição, cumpre salientar, antes de mais, que se afigura que a
mesma não é sequer admissível, dado que o único meio legalmente disposto para a
impugnação das decisões sumárias proferidas nos termos do art.º 78.°-A da Lei do
Tribunal Constitucional é a reclamação prevista no n.º 3 deste mesmo artigo,
sendo que o Recorrente expressamente afirma que o seu articulado não deve ser
entendido como uma tal reclamação (cfr. pontos 8. e 9. do seu requerimento).
4. Sempre se dirá, de todo o modo, que tudo quanto o Recorrente alega a este
respeito carece por inteiro de fundamento.
5. Não se vendo, desde logo, que se esteja perante um caso de aplicação do art.º
75.°-A da Lei do Tribunal Constitucional, não faz sentido algum a invocação que
é feita dessa norma e, bem assim, de que a mesma seria inconstitucional, não se
justificando a este propósito quaisquer outras considerações.
6. Quanto à desnecessidade de audição do Recorrente com anterioridade à prolação
da decisão sumária, a Recorrida louva-se inteiramente nas judiciosas
considerações proferidas a esse respeito por este Alto Tribunal nos autos do
recurso n.º 707/03 (1.ª Secção), que ora se transcrevem na parte relevante:
“É certo que, nos termos do artigo 69.° da LTC, as normas do Código de Processo
Civil, em especial as que regulam o recurso de apelação são subsidiariamente
aplicáveis à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional.
Isto não significa que aos meios processuais típicos do recurso de
constitucionalidade, em fiscalização concreta, regulados na LTC, devam ser
aplicáveis as regras do CPC que disciplinem meios que revelem algum paralelismo
com aqueles.
Há, de facto, esse paralelismo entre a decisão sumária, regulada no artigo
78.°-A da LTC, que permite o julgamento pelo relator de recursos manifestamente
infundados e o não conhecimento do objecto do recurso quando este careça dos
devidos pressupostos e os julgamentos previstos no artigo 700.°, n.º 1, alíneas
e) e g), do CPC.
Quanto a estes últimos, verifica-se que, enquanto o julgamento de não
conhecimento do objecto do recurso deve ser precedido de audição das partes nos
termos do artigo 704.°, n.º 1, do CPC, já quanto ao julgamento previsto no
artigo 705.° não é exigível essa audição.
A decisão sumária prevista na LTC tem porém um tratamento unitário para as duas
situações, não se impondo, em qualquer caso, a audição prévia das partes.
E nada obsta a que o legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação,
regule de modo diverso meios processuais paralelos, desde que assegurados os
direitos fundamentais das partes, particularmente os direitos ao contraditório e
a um processo equitativo.
Não mais do que isso visa, no CPC, a audição prévia das partes, em caso de não
conhecimento do objecto do recurso.
É outra a forma de visar o mesmo fim que ficou estabelecida na LTC. E ela é a de
proporcionar ao recorrente a reclamação para a conferência nos termos do n.º 3
do citado artigo 78.°-A, permitindo a exposição de razões que, no entendimento
do recorrente, deveriam conduzir ao conhecimento do objecto do recurso ou
contrariam a decisão de considerar a questão controvertida como simples ou
manifestamente infundada.
É esta a jurisprudência firmada por este Tribunal quando confrontado com a
questão da suposta violação do contraditório pela específica tramitação da
decisão sumária na LTC, como se vê, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 80/99,
550/99, 567/99, 223/01 e 265/02.”
7. Destas considerações resulta com toda a clareza, outrossim, que a norma do
art.º 78.°-A da Lei do Tribunal Constitucional não padece da
inconstitucionalidade ficcionada pelo Recorrente sob o ponto II do seu
requerimento.
8. Em segundo lugar, o Recorrente invoca uma suposta “falsidade” de que
padeceria “o documento em que se encontra exarada a decisão sumária”, quando
nele se entendeu, no tocante à norma do art.º 387.°, n.º 3, do C.P.C., que o
Recorrente “não preencheu o requisito de suscitação, perante o tribunal
recorrido, da questão de constitucionalidade de qualquer norma ou dimensão
normativa, uma vez que aquilo que verdadeiramente impugnou foi a decisão
judicial em si mesma considerada, que entende ser violadora da lei de processo”.
9. Tal descabida arguição de falsidade mais não consubstancia, como é patente,
do que discordância do Recorrente relativamente ao doutamente decidido na
decisão sumária, o que nada tem que ver com a arguição de uma falsidade
documental. É notório, na verdade, que o segmento da douta decisão em causa não
consubstancia, contrariamente ao que o Recorrente infundadamente alega, qualquer
atestação de factos que tivessem sido verificados pelo Mm.º Conselheiro Relator,
mas verdadeiro e próprio julgamento de facto e de direito, o que desde logo
afasta a possibilidade de invocação de qualquer falsidade que seja.
10. Deverá, pois, sem mais, rejeitar-se liminarmente essa arguição.
Termos em que deverá julgar-se o requerimento do Recorrente totalmente
improcedente.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, da decisão sumária proferida pelo relator pode reclamar-se para
a conferência, nessa reclamação tendo o recorrente ocasião de manifestar a sua
discordância com os seus fundamentos, incluindo a que se baseie em alegada falta
de correspondência à verdade (falsidade) dos factos em que assentou essa
fundamentação. Assim, e apesar da qualificação assumida pelo reclamante, que não
vincula o Tribunal, o requerimento por si endereçado a este tribunal não pode
deixar de ser tratado como uma reclamação para a conferência da decisão
proferida em 21 de Novembro de 2005, sendo, aliás, este o único meio legalmente
previsto para a impugnação das decisões sumárias proferidas no âmbito do recurso
de constitucionalidade.
5.Adianta-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento.
Com efeito, o reclamante, no seu extenso requerimento de reclamação, não chega
verdadeiramente a questionar os fundamentos da decisão reclamada, limitando-se a
invocar a existência de pretensas nulidades processuais e ainda uma falsidade
dessa decisão sumária, por alegadamente conter factos não verdadeiros.
Quanto à existência de pretensas nulidades processuais, diz o recorrente, em
suma, que elas resultariam de não lhe ter sido dada oportunidade para se
pronunciar previamente “sobre razões que no entendimento do Relator no tribunal
ad quem, justificam o não conhecimento do objecto do recurso”, e ainda que lhe
deveria ter sido endereçado o convite previsto no artigo 75.º-A, n.º 6, da Lei
do Tribunal Constitucional, sendo que tal omissão “fere de nulidade todo o
processado posterior à sua ocorrência, por força do disposto no art.º 201.º, n.º
2, do CPC”.
Começando por este último fundamento, nota-se que o convite previsto no n.º 6 do
artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional – para aperfeiçoamento do
requerimento de interposição do recurso – apenas tem cabimento quando esse acto,
pela análise dos autos, não se revele inútil. No presente caso, o reclamante
pretendia que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre “a
constitucionalidade dos artigos 387.º, n.º 3, e 156.º, n.º 1, do Código de
Processo Civil”, por entender que “tendo em conta a realidade documentada nos
autos, fácil é constatar que, confirmando tal acórdão a decisão e os fundamentos
do acórdão da Relação, a fls. 445-448, estribando‑se ambos, nos art.ºs 387.º,
n.º 3, e 156.º, n.º 1, do CPC, foi feita aplicação de normas previamente
arguidas de inconstitucionalidade”, sendo que “a dimensão normativa com que
foram aplicadas as normas extraídas dos sindicados preceitos legais viola as
normas e os princípios consagrados nos art.ºs 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1, 4
e 5, 26.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 204.º e
282.º, n.º 3, da Constituição”, e que a inconstitucionalidade de tais normas foi
“suscitada na alegação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em
cumprimento do disposto no art.º 72.º, n.º 2, da LTC, em termos julgados
bastantes atento o princípio legal e constitucional de que iura novit curia”.
No entanto, compulsados os autos, verificou-se que não estavam preenchidos os
requisitos para que se pudesse conhecer do objecto do recurso, como ficou já
dito na decisão reclamada, pelo que qualquer convite para aperfeiçoar o
requerimento de recurso seria inútil. Em relação à norma do artigo 387.º, n.º 3,
do Código de Processo Civil, não foi impeditivo do conhecimento dessa questão o
facto de o reclamante não ter indicado, no seu requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade, qual a interpretação dessa norma que impugna,
uma vez que essa questão foi ultrapassada pela leitura das suas alegações para o
Supremo Tribunal de Justiça. Impeditivo do conhecimento do objecto do recurso
foi, antes, o facto de o reclamante não ter suscitado uma verdadeira questão de
constitucionalidade normativa, pois o que verdadeiramente impugnara durante o
processo fora a decisão judicial em si mesma considerada, que tem por violadora
da lei de processo. E essa falha nos pressupostos para o conhecimento do objecto
do recurso não poderia ser já corrigida através de uma resposta a um convite a
aperfeiçoamento do requerimento do recurso, como pretende o reclamante. Quanto à
norma do artigo 156.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, verificou-se que essa
norma não foi de todo aplicada no acórdão recorrido (o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2005). Não faria, pois, sentido convidar o
recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso, quando o
pressuposto em falta para se dele poder tomar conhecimento não podia ser suprido
pela resposta que viesse a ser dada a esse convite.
Pelo que, independentemente de quaisquer outras considerações, conclui-se que
não assiste razão ao reclamante para invocar a nulidade que pretende existir.
Também não procede, aliás, o primeiro dos argumentos invocados – de que a
decisão sumária padeceria de invalidade por não ter sido dada oportunidade ao
reclamante de se pronunciar previamente. No n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional está prevista a possibilidade de o relator, nos casos aí
descritos, proferir decisão sumária sem audição prévia das partes, sem que daqui
resultem lesados direitos das partes, nomeadamente o direito ao contraditório e
o direito a um processo equitativo, uma vez que, no n.º 3 do mesmo artigo, está
previsto um meio de as partes reagirem contra essa decisão sumária – a
reclamação para a conferência – na qual podem expor os motivos que contrariam
aquela decisão – e que o recorrente, aliás, utilizou, dando origem a esta
reclamação. É, aliás, jurisprudência constante deste Tribunal que o artigo
78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional não padece de qualquer
inconstitucionalidade (cf., por ex., os acórdãos n.ºs 19/99, 80/99, 550/99,
567/99, 223/01, 265/02, 266/02 e 26/04, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
6.Invoca ainda o reclamante falsidade da decisão sumária por nela se ter
decidido, quanto à norma do artigo 387.º, n.º 3, do Código de Processo Civil,
que o reclamante “não preencheu o requisito da suscitação, perante o tribunal
recorrido, da questão de constitucionalidade de qualquer norma ou dimensão
normativa, uma vez que aquilo que verdadeiramente impugnou foi a decisão
judicial em si mesma considerada, que entende ser violadora da lei de processo”.
Ora, esta arguição de falsidade é manifestamente infundada, mais não
representando do que uma expressão da discordância, por parte do reclamante,
relativamente ao decidido. Aliás, contrariamente ao que defende o reclamante, o
exarado na decisão sumária não consubstancia qualquer atestação de factos que
tenham sido verificados pelo seu subscritor, mas a simples conclusão da
necessária verificação do preenchimento dos requisitos do recurso, retirada pelo
relator a partir da análise dos autos, e no sentido de que o reclamante não
preenchera o requisito referido.
Conclui-se, pois, que a decisão sumária de 21 de Novembro de 2005 merece ser
confirmada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar
o reclamante em custas, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos