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Processo n.º 171/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., recorrente no presente processo, em que figura como recorrido B., S.A.,
intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção emergente de contrato
individual de trabalho, pedindo que lhe fosse reconhecido o “direito a ver a sua
pensão de reforma integrada, desde 1 de Janeiro de 2001, com a quantia mensal de
81.990$00 correspondente à remuneração complementar percebida mensalmente no
activo (30% do vencimento-base) e, em consequência, a Ré condenada a pagar-lhe,
a esse título, as prestações já vencidas até 31 de Outubro do corrente no valor
total de 2.049.750$00 (€ 10.224,11) e ainda as que se vencerem após tal data,
até integral cumprimento”. Por decisão de 7 de Maio de 2003, o Tribunal de
Trabalho de Lisboa decidiu julgar a acção totalmente improcedente e,
consequentemente, absolver o réu do pedido.
O autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 21 de
Janeiro de 2004, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida. Pode ler-se nesse aresto:
«(…)
A questão que emerge das conclusões do recurso consiste em saber se a
remuneração complementar auferida pelo A. ao serviço do R. deve integrar o
cálculo da pensão de reforma.
Acontece que esta questão foi muito bem analisada na decisão recorrida, a qual,
após uma longa exposição sobre a evolução do sistema de segurança social dos
bancários, conclui nos termos que, com a devida vénia, se transcrevem:
“Nos termos da cláusula 137.ª do ACTV para o sector bancário (versão publicada
no BTE, 31/1992), no caso de doença ou invalidez os trabalhadores terão direito
a uma pensão que será calculada a partir do nível salarial em que estão
inseridos à data da reforma, cujo valor consta do anexo VI do ACTV, e que está
sujeita a uma percentagem correspondente à antiguidade do trabalhador, de acordo
com o anexo V do ACTV. As prestações daí resultantes não poderão, porém, ser
inferiores ao valor ilíquido da retribuição do nível mínimo da admissão do grupo
em que o trabalhador estava colocado à data da sua passagem à reforma (n.º 2 da
cl.ª 137.ª). Por outro lado, ao valor da pensão acrescem diuturnidades,
calculadas de acordo com a antiguidade do trabalhador (cl.ª 138.ª do ACTV). Nos
termos do n.º 8 da cl.ª 137.ª, a pensão é actualizada sempre que seja
actualizado o anexo II do ACTV (o qual contém o valor da retribuição de base
correspondente aos diversos níveis salariais).
O A. invoca, em especial, o n.º 7 da cláusula 137.ª do ACTV.
O teor da aludida cláusula (expurgada do número 5, para o caso absolutamente
irrelevante ), é o seguinte:
“1 – No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das
percentagens do anexo V; aos valores fixados no anexo VI;
b) A um subsídio de Natal de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea
a), a satisfazer no mês de Novembro;
c) A um 14.° mês de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a), a
satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º
3 da cláusula 102.ª.
2 – Cada uma das prestações a que os trabalhadores têm direito, nos termos do
número anterior, não poderá ser de montante inferior ao do valor ilíquido da
retribuição ao nível mínimo de admissão do grupo em que estavam colocados à data
da sua passagem a qualquer das situações previstas no n.º 1 desta cláusula.
3 – Os trabalhadores em regime de tempo parcial terão direito às prestações
referidas nos n.ºs 1 ou 2, calculadas proporcionalmente ao período normal de
trabalho.
4 – As mensalidades fixadas, para cada nível, no anexo VI serão sempre
actualizadas na mesma data e pela aplicação da mesma percentagem em que o forem
os correspondentes níveis do anexo II.
5-(...)
6 – O trabalhador que completar 40 anos de serviço antes de atingir 65 anos de
idade ou o que completar 35 anos de serviço tendo mais de 60 anos de idade pode
ser colocado na situação de invalidez presumível, mediante acordo com a
instituição.
7 – Da aplicação do anexo V não poderá resultar diminuição das anteriores
mensalidades contratuais cujo pagamento se tenha iniciado.
8 – Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à
actualização das mensalidades recebidas sempre que seja actualizado o anexo II;
quer tenham sido colocados nas situações de doença, invalidez ou invalidez
presumível antes ou depois de cada actualização.
9 – Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na
situação de doença, invalidez ou invalidez presumível, quer tenham sido
colocados nessas situações antes ou depois da entrada em vigor deste acordo.”
Do teor da aludida cláusula, conjugado com as restantes cláusulas e anexos a que
se fez referência, resulta que as “anteriores mensalidades contratuais”
mencionadas no n.º 8 da cl.ª 137.ª são mensalidades da mesma natureza das
previstas nessa cláusula, ou seja, mensalidades ou prestações pensionísticas,
que eventualmente estivessem a ser pagas ao trabalhador reformado à data da
entrada em vigor do anexo V. Com esse número pretende‑se evitar que, por força
das reduções às mensalidades fixadas no anexo VI (que são as mensalidades por
inteiro, correspondentes à antiguidade máxima para efeito de determinação do
montante da reforma), impostas pelo anexo V de acordo com a antiguidade do
trabalhador, o trabalhador reformado veja diminuídas as mensalidades
pensionísticas anteriormente auferidas, nomeadamente por força de contrato
vigente entre ele e a entidade patronal.
Assim, as prestações pensionísticas devidas pelas instituições bancárias são as
constantes nas tabelas (anexos) previstas no ACTV, acrescidas das diuturnidades
nele referidas, não levando em consideração a concreta remuneração auferida pelo
trabalhador. Tal não significa que a retribuição que o trabalhador recebia seja
completamente despicienda. Essa retribuição é tida em consideração, através do
nível salarial que lhe correspondia à data da reforma. Só que esse nível
salarial não toma em consideração, necessariamente, a totalidade das prestações
retributivas auferidas pelo trabalhador. A tal não obsta qualquer preceito
constitucional (a Constituição da República Portuguesa não se pronuncia sobre a
forma de determinação das pensões, excepção feita à obrigatoriedade da
consideração da totalidade do tempo de prestação de trabalho – art.º 63.°, n.º
5), assim como não obsta qualquer preceito legal. É certo que o art.º 26.°, n.º
1, da Lei n.º 28/84, de 14.8 (que ainda estava em vigor à data da reforma do A.)
estabelece que “constitui critério fundamental para a determinação do montante
das prestações pecuniárias do regime geral substitutivas dos rendimentos do
trabalho, reais ou presumidos, o nível desses rendimentos”. Porém, a própria lei
admite, como se viu, a manutenção de regimes especiais, entre os quais o regime
especial do sector bancário (o qual é, aliás, caracterizado pela ausência de
contribuições dos trabalhadores para o efeito da reforma), pelo que, na falta de
disposição legal e constitucional que disponha em contrário, as prestações
pensionísticas devidas aos trabalhadores bancários não integrados no sistema
público de segurança social são apuradas nos termos previstos no ACTV, supra
descritos (neste sentido, cfr. o citado acórdão do STJ, de 13.11.2002).
O A., à data da celebração do acordo referido na matéria de facto, estava
integrado no nível de retribuição 13. Porém, a R. reconheceu-lhe a integração no
nível 14, com efeitos a partir da data da reforma. Daí resultou que o A.
auferisse uma pensão global no valor de €1523,98, em vez de uma pensão global no
valor de €1409,25, que seria a normalmente devida ao abrigo do ACTV. Assim, a R.
cumpriu, com excesso, aquilo a que estava obrigada face ao ACTV, sendo certo que
o A. aceitou a forma de determinação da pensão, através do acordo que
subscreveu. O facto de sobre a remuneração complementar terem incidido descontos
é irrelevante, uma vez que não foi alegado que tais descontos visassem assegurar
ao A. a integração da aludida remuneração no cálculo da pensão de reforma. É
certo que o A. alegou (e a R. não impugnou), que anteriormente a R. havia
incluído a mencionada remuneração complementar na pensão de reforma de outros
trabalhadores/colegas do A.. Porém, o A. não alegou factos de que resulte que
tais situações correspondiam à assunção, para futuro, por parte da R., da
obrigação de assim proceder em relação a todos os seus trabalhadores. Aliás,
desconhece-se em que condições tal ocorreu, nomeadamente se os aludidos
trabalhadores também beneficiaram da atribuição de um nível retributivo superior
àquele que era o seu quando estavam no activo.”
Concordando inteiramente com esta fundamentação, não podemos deixar de confirmar
a respectiva decisão, remetendo para os fundamentos da mesma, nos termos do
art.º 713.°, n.º 5, do CPC.
Acrescentaremos apenas, para responder à matéria das alegações do Recorrente,
que a questão objecto do presente recurso já foi analisada em vários acórdãos do
STJ, nomeadamente no de 13.11.2002 (revista n.º 274/01), em www.dgsi.gt (doc.
n.º SJ200211130042744) de que foi relator Victor Mesquita, onde se referem
outros Ac. do STJ de 6.02.02 (revista n.º 3760/01), de 29.05.02 (revista n.º
3719/01), de 19.06.02 (revista n.º 3718/01), e de 16.10.02 (revista n.º
3897/01), todos da 4.ª secção, nos quais se considerou, em síntese, “que a
pensão de reforma não é calculada com base na retribuição global auferida pelo
trabalhador à data da reforma, mas sim com base nas percentagens fixadas no
Anexo V e retribuição fixada no Anexo VI do ACTV para o sector bancário e para o
nível salarial do trabalhador. Por esse motivo, nos referidos acórdãos, não foi
acolhida a tese sustentada pelo recorrente/trabalhador no sentido da inclusão da
retribuição adicional (isenção de horário de trabalho, prémio de produtividade e
de mérito, remuneração complementar, etc.) no cálculo da pensão de reforma.”
Consequentemente, concordando nós também com esta jurisprudência, a pretensão do
Autor de ver incluído no cálculo da sua pensão a remuneração complementar
(correspondente a 30% da remuneração base) não pode deixar de improceder.
É que o sector bancário sempre esteve fora do sistema público de Segurança
Social, constituindo um sub-sistema que tem sido expressamente reconhecido pelas
Leis da Segurança Social (art.º 69.° da Lei 28/84, de 14.08, e art.º 109.° da
Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, a qual entrou em vigor em 9 de Fevereiro de
2001, e pelo art.º 123.° da Lei n.º 32/2002, que entrou em vigor em 19 de
Janeiro de 2003). Por isso, as disposições do ACTV do sector bancário que
estabelecem o regime de previdência dos trabalhadores bancários não podem estar
em oposição com as referidas leis precisamente porque são estas que admitem e
autorizam a existência do regime de previdência previsto no ACTV dos Bancários,
o qual, porém, se rege exclusivamente pelas respectivas estipulações.
Assim, os trabalhadores do sector bancário, relativamente à sua reforma, só
podem ter como expectativas as que decorrem do regime previsto nos respectivos
ACTV, que estabelecem um regime próprio, como já se referiu, com regras
específicas sobre o cálculo das pensões de reforma, o valor mínimo das mesmas e
as respectivas actualizações.
A regra do ACTV que para efeitos de cálculo da pensão de reforma manda atender
ao nível remuneratório, não atenta contra o princípio da irredutibilidade da
retribuição (art.ºs 19.°, b), e 21.°, n.º 1, al. c), do regime aprovado pelo
Dec.-Lei n.º 49.408, de 24.11.69), porquanto este princípio só vigora na
vigência do contrato de trabalho, o qual cessa com a reforma do trabalhador, não
se projectando no cálculo da reforma, a qual obedece às regras específicas que
regulamentam o respectivo regime.
O Recorrente entende que a mesma regra do ACTV que manda atender para efeitos do
cálculo da reforma ao nível remuneratório viola o art.º 63.°, n.º 5, da
Constituição da República Portuguesa. Contudo, a Constituição não alude em
nenhum dos seus preceitos à forma de cálculo da pensão de reforma, estabelecendo
apenas os princípios da universalidade do direito à reforma e de que “todo o
tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de
velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido
prestado”, o que manifestamente não tem a ver com a questão em apreço.
Aliás, a pensão de reforma não é um direito exclusivo dos trabalhadores, mas um
direito garantido constitucionalmente a todos os cidadãos.
E também não se vê como possam ter sido violadas as al.s a), b) e c) do n.º 1 do
art.º 6.° do Dec-Lei n.º 519-C1/79, de 29.12, pois o Recorrente não refere
factos de onde resulte que o regime previdencial do sector bancário limite o
exercício de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, ou que
contrarie normas legais imperativas, ou que contenha qualquer disposição que
importe para os trabalhadores regime menos favorável do que o estabelecido na
lei.
Ao invés, até se pode dizer que, nas situações normais, o regime do ACTV
estabelece um regime mais favorável aos trabalhadores do que o sistema público
da Segurança Social, na medida em que garante uma pensão mínima que não poderá
ser de montante inferior ao do valor ilíquido da retribuição correspondente ao
nível mínimo de admissão do grupo em que estavam colocados à data da sua
passagem à reforma (cls. 137.ª ), enquanto no sistema público da segurança
social o cálculo é feito pela média do total das retribuições auferidas pelo
trabalhador dos 10 anos a que correspondessem retribuições mais elevadas nos
últimos 15 anos.
Alega, ainda, o Recorrente que o R. adoptou, relativamente ao A., um tratamento
discriminatório e violador do princípio da igualdade, violando o art.º 13.°, n.º
2, da Constituição e o art.º 23.°, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos
do Homem e ainda a Convenção da OIT n.º 111, de 1958.
A este propósito apenas está provado que “anteriormente, a R. havia incluído a
mencionada remuneração complementar na pensão de reforma de outros
trabalhadores/colegas do A.” (facto n.º 14).
Mas isto não chega para evidenciar uma prática desigual e discriminatória
relativamente ao A., uma vez que se desconhecem as circunstâncias concretas em
que foi incluída na pensão de reforma dos colegas do A., a remuneração
complementar, sendo que relativamente ao A. também a R. o beneficiou,
integrando-o no nível remuneratório 14 quando pela regra do ACTV lhe competia o
nível 13 em que estava classificado à data de reforma, além de que lhe
reconheceu a situação de invalidez, sem necessidade de sujeição a junta médica,
como prevê o ACTV, e acordou com o A. pagar-lhe uma compensação pecuniária
global de certo montante, conforme consta do doc. de fls. 9 a 12.
Aliás, o citado princípio da igualdade previsto no art.º 13.° da CRP não
significa uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que
possa haver, justificadamente, tratamento diferenciado, ou seja, que a
diferenciação de tratamento se mostre legitimada sempre que se baseie numa
diferença objectiva de situação e não se fundamente em razão de “(...)
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social” (
art.º 13.º, n.º 2, da CRP).
No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República
Portuguesa, 3.ª ed., Almedina, pág. 128) “O que se exige é que as medidas de
diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança
jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem
em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de
tratamento podem ser legitimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva
de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2
do art.º 13.°; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional
positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do
seu objectivo”.
Porém, no presente caso, não estão provados elementos de facto suficientes para
se poder aferir da violação pelo R. dos referidos princípios da igualdade ou o
tratamento desigual do recorrente relativamente a outros trabalhadores.
E era sobre o Autor que recaía o ónus da alegação e da prova dos factos
respectivos, por serem constitutivos do seu invocado direito, sendo que a prova
do facto constante do n.º 14 da matéria de facto não inverte esse ónus, que
continua a pertencer ao A., nos exactos termos do art.º 342.° do Cód. Civil.
Aliás, esse facto não prova a existência de um uso ou de uma prática da empresa
de inclusão da remuneração complementar nas pensões de reforma dos seus
trabalhadores. Dele resulta apenas que isso sucedeu relativamente a alguns
colegas do Autor, desconhecendo-se as respectivas circunstâncias, o que,
manifestamente, não confere ao Autor/Recorrente o direito a que seja incluído na
sua pensão de reforma o valor correspondente à remuneração complementar (30%
sobre a retribuição base) que auferia à data da reforma.
Improcedem, pois, todas as conclusões da apelação.»
2.Inconformado, o autor interpôs o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, “ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º
4, 71.º, 72.º, n.º 1, alínea b), e 75.º da Lei do Tribunal Constitucional”,
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da cláusula 137.ª do Acordo
Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, publicado no Boletim do Trabalho e
do Emprego, 1.ª Série, de 15 de Novembro de 1994, que não foi julgada
inconstitucional pelo tribunal recorrido, invocando violação dos artigos 13.º e
63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Em 17 de Março de 2004 foi proferida, ao abrigo do artigo 78.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, decisão sumária de não conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto, com fundamento no facto de dever considerar-se
excluída a cláusula em apreço, constante de uma instrumento convencional de
regulamentação colectiva de trabalho “do controlo da constitucionalidade, a
realizar por este Tribunal, por se tratar de preceito resultante de actuação em
autonomia privada (colectiva), conducente a acordos concluídos pelos
trabalhadores (ou seus representantes) e empregador – e não de actos emanados de
um poder público, ou objecto de um reconhecimento público, cujo conteúdo se
imponha vinculativamente por essa sua qualidade (como seria eventualmente o caso
se fosse aplicável apenas por força de uma portaria de extensão)”.
3.Dessa decisão reclamou o recorrente para a conferência.
Após mudança de relator, a reclamação foi deferida, pelo acórdão n.º 580/2004,
tirado em 28 de Setembro de 2004 com votos de vencido.
4.Ordenado o prosseguimento dos autos, as partes foram notificadas para
apresentar alegações. O recorrente concluiu pela seguinte forma as suas:
«1. A douta sentença recorrida, ao considerar como improcedente por não provada
a pretensão deduzida pelo A. – inclusão no cálculo da pensão de reforma toda a
remuneração auferida no activo – partiu da interpretação errada de que os
conceitos de retribuição e pensão de reforma são dissociáveis.
2. O ACTV aplicável ao sector bancário, na parte relativa ao modo como devem ser
calculadas as pensões de reforma, não deixa de evidenciar (através da análise
comparativa dos Anexos II e VI) que existe uma relação de dependência entre os
mesmos conceitos.
3. Ora, constituindo o regime de segurança social do sector bancário um
subsistema de previdência, previsto na Lei de Bases da Segurança Social, criado
através do mecanismo da negociação colectiva, não se consegue alcançar o
entendimento de que tal subsistema possa estar em contradição e em oposição aos
princípios gerais do próprio sistema.
4. Não se pode conceber, à luz de todo o ordenamento jurídico, e do princípio da
hierarquia das normas, que o ACTV possa entrar em contradição com a Lei que
determinou e autorizou a sua existência e aplicação.
5. A Lei de Bases de Segurança Social manda atender, para efeitos de reforma, ao
nível dos rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador, enquanto que o ACTV,
em sentido divergente, aponta para um cálculo baseado no nível remuneratório e
não aos rendimentos reais auferidos no activo.
6. No caso “sub judice” existe uma evidente incongruência entre a situação
vivida pelo demandante no activo e aquela que passaria a ter na reforma.
7. “Na fixação do valor da pensão de reforma não foi levada em consideração uma
remuneração complementar, correspondente a 30% do vencimento base que o
recorrente auferia mensalmente, de forma regular e periódica, havia mais de 10
anos, e que fazia parte integrante da sua retribuição (cfr. art.º 82.° da LCT).
8. O ACTV em discussão, ao não atender ao princípio atrás consignado, viola
diversos princípios constitucionais, bem como o art.º 63.°, n.º 5, da
Constituição da República.
9. A expressão “todo o tempo de trabalho”, consagrada no art.º 63.°, n.º 5, da
CRP, decorrente do princípio do “aproveitamento total do tempo de trabalho para
efeitos de pensões de velhice e invalidez”, só poderá ser interpretado no
sentido de que todos os trabalhadores tem o direito de ver protegida a sua
condigna subsistência também na reforma.
10. O direito à segurança social, e consequentemente à atribuição de uma pensão
de reforma, encontrar-se aliado a outros valores constitucionais como a
protecção especial concedida aos trabalhadores, a protecção da família e da
terceira idade.
11. Da conjugação dos artigos 59.°, 67.° e 72.° da CRP e de forma a efectivar a
promoção da justiça social, do aumento do bem-estar social e económico e da
qualidade de vida das pessoas (cfr. art.º 81.°, alínea a) e b), da CRP) –
exige-se que as pensões de reforma reflictam o real estatuto remuneratório do
trabalhador no activo.
12. Torna-se, portanto, impreterível, que a pensão de reforma, enquanto
benefício económico merecido após uma vida laboral activa, consiga garantir um
rendimento equivalente e que substitua aquele que até aí era recebido.
13. Só assim, calculado correctamente o montante da pensão de reforma, se
conseguirá obter um sistema justo, igualitário e conforme o espírito e o
pensamento do legislador aquando da criação do regime especial de segurança
social para o sector bancário.
14. O ACTV ao atender, para efeitos de reforma, ao nível remuneratório, e não à
retribuição real e efectivamente paga ao trabalhador no activo, limita direitos
fundamentais constitucionalmente garantidos, contrariando o espírito da lei.
15. Por outro lado, o banco R., relativamente a colegas do A., fez-lhes incidir
na pensão de reforma a remuneração complementar.
16. Ao não proceder do mesmo modo para com o ora Recorrente, o R. adoptou
tratamento discriminatório, contrário ao que dispõe o art.º 13.° da Constituição
da República, bem como contrário ao que dispõe o art.º 23.°, n.º 2, da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda Convenção da OIT n.º 11, de
1958.
17. Ora, o ACTV ao estabelecer que a pensão de reforma seja calculada com base
nas percentagens fixadas no anexo V e na retribuição fixada no anexo VI, tendo
em conta o nível salarial do trabalhador, trata de forma desigual, uma idêntica
situação remuneratória face ao regime geral da Segurança Social que manda
atender, para efeitos de reforma, ao nível dos rendimentos realmente auferidos
pelo trabalhador.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao recurso ora interposto e, consequentemente:
a) ser declarada inconstitucional a cláusula 137.ª (e anexos referidos) do ACTV
do Sector Bancário (BTE n.º 42, 1.ª Série, de 15 de Novembro de 1994), relativa
à forma como se determina o cálculo das pensões de reforma, por violação dos
princípios constitucionais e do disposto nos artigos 63.° e 13.° (princípio da
igualdade) da Constituição da República Portuguesa;
b) Ser revogada a decisão recorrida, condenando-se o Banco R. nos termos
reclamados na petição inicial.»
Por sua vez, o recorrido disse:
«A. Os pedidos formulados pelo recorrente
O recorrente formula ao Tribunal nas suas alegações os seguintes pedidos:
. que seja “declarada inconstitucional a cláusula 137.ª e Anexos V e VI do ACTV
do Sector Bancário, relativa à forma como determina o cálculo das pensões de
reforma, por violação dos princípios constitucionais e do disposto nos artigos
63.° e 13.° (princípio da igualdade) da Constituição da República Portuguesa”;
. que seja “revogada a decisão recorrida, condenando-se o Banco R. nos termos
reclamados na petição inicial”.
É claro, porém, que, ainda que o primeiro dos pedidos pudesse vir a ser atendido
– e não pode, como se verá – o pedido de condenação do Banco nunca poderia obter
provimento, por falta de competência deste Venerando Tribunal.
Efectivamente, nos recursos de constitucionalidade, como é o caso, o objecto do
recurso é uma norma não conforme à Constituição e não a decisão do tribunal “a
quo” sobre o mérito da causa.
Conforme se estabelece no n.° 2 do artigo 80.° da Lei do Tribunal
Constitucional, se este Tribunal der provimento ao recurso, ainda que só
parcialmente, os autos baixam ao tribunal donde provieram, a fim de que este,
consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com
o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.
B. A cláusula 137.ª do ACTV do Sector Bancário e o artigo 63.º da Constituição
Do contexto das suas alegações (cf., designadamente, a conclusão 8.ª), vê-se que
é o n.° 5 do artigo 63.° da Constituição, resultante da revisão constitucional
operada pela Lei n.° 1/89, de 8 de Julho, correspondente ao n.° 4 da redacção
actual, que o recorrente considera ofendido pela Cláusula 137.ª do ACTV do
Sector Bancário.
Vejamos então.
Estabelecia o referido n.° 5 do artigo 63.° da Constituição:
“Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das
pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sector de actividade em
que tiver sido prestado”.
Por seu lado, consigna-se no n.° 1 da cláusula 137.ª do ACTV do Sector Bancário:
“1. No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das
percentagens do Anexo V aos valores fixados no Anexo VI,
sendo que o dito Anexo VI contém os valores das mensalidades dos trabalhadores
bancários com uma carreira completa, isto é, com 35 ou mais anos de antiguidade,
para os diversos níveis de retribuição em que os trabalhadores estejam colocados
à data da sua passagem à situação de reforma
e o Anexo V as percentagens daqueles mesmos valores que, em função da
antiguidade, cabem aos trabalhadores com menos de 35 anos completos de serviço.
Isto é, em ligação directa com a cláusula 137.ª, os outorgantes do ACTV criaram
uma tabela contendo os valores mínimos das mensalidades de reforma dos
trabalhadores bancários com 35 ou mais anos de antiguidade (Anexo VI)
e organizaram um quadro para cálculo do valor mínimo das mensalidades de reforma
dos trabalhadores com menos de 35 anos de antiguidade (Anexo V).
Assim, para se saber se a cláusula 137.ª do ACTV está ou não em conformidade com
o antigo n.° 5 do artigo 63.° da Constituição, parece que bastará olhar para o
conceito de antiguidade usado no ACTV e verificar se “todo o tempo de trabalho”
– como se diz naquele preceito constitucional – é considerado pelo ACTV para
efeitos de cálculo da pensão de reforma.
Ora, o conceito de antiguidade do ACTV do Sector Bancário, designadamente, para
efeitos de cálculo da pensão de reforma, consta das cláusulas 17.ª e 143.ª do
mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que se transcrevem:
“Cláusula 17.ª
Para todos os efeitos previstos neste Acordo, a antiguidade do trabalhador será
determinada pelo tempo de serviço prestado nos seguintes termos:
a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito
com actividade em território português;
b) Todos os anos de serviço, prestado nas ex-colónias, nas Instituições de
Crédito portuguesas com actividade nesses territórios e nas antigas Inspecções
de Crédito e Seguros;
c) Todos os anos de serviço prestado nos restantes países estrangeiros às
1nstituições de Crédito portuguesas;
d) Todos os anos de serviço prestado às entidades donde provierem, no caso de
trabalhadores integrados em Instituições de Crédito por força de disposição
administrativa e em resultado da extinção de empresas e associações ou de
transferência para aquelas de serviços públicos;
e) Todos os anos de serviço prestado em sociedades .financeiras ou nas antes
designadas Instituições Parabancárias.”
“Cláusula 143.ª
Aos trabalhadores colocados nas situações previstas no n.º 1 da cláusula 137.ª,
a partir de 1/6/80, será contado, para efeitos de aplicação do Anexo V; o tempo
de serviço prestado na função pública, entendendo-se este como tempo que for
indicado pela Caixa Geral de Aposentações”.
Parece bem claro, face à redacção destas cláusulas, que não existe qualquer
conflito entre o ACTV, designadamente entre a sua cláusula 137.ª e Anexos V e VI
e o antigo n.° 5 do artigo 63.° da Constituição, pois a exigência constitucional
da consideração de “todo o tempo de trabalho” no cálculo das pensões de velhice
e invalidez está não só respeitada, mas contemplada por largo excesso: é
considerado no cálculo das pensões de reforma da responsabilidade das
Instituições de Crédito, não só todo o tempo de serviço a elas prestado, mas,
inclusivamente, tempo de serviço prestado a entidades terceiras.
No entanto, na conclusão 8.ª das suas alegações, diz o recorrente que o ACTV do
Sector Bancário, ao não atender “ao princípio atrás consignado” (pensa-se, pelo
que diz nas conclusões 5.ª e 7.ª, que se queira referir ao “princípio” de que na
fixação do valor da reforma deve ser levado em consideração o nível de
rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador), viola diversos princípios
constitucionais, bem como o artigo 63.°, n.° 5, da Constituição.
Parece, assim, o recorrente raciocinar como se o antigo n.° 5 do artigo 63.° da
Constituição contivesse qualquer imposição concreta relativa à consideração no
cálculo da pensão de reforma de todas as prestações remuneratórias auferidas
pelo trabalhador enquanto no activo.
O recorrido, no entanto, confessa-se incapaz de acompanhar a argumentação do
autor.
A assimilação que o recorrente pretende fazer do elemento “todo o tempo de
trabalho”, constante do antigo n.° 5 (actual n.° 4) do artigo 63.° da
Constituição, a “toda a remuneração mensal” a pretexto de que a Lei de Bases da
Segurança Social em vigor à data da sua passagem à situação de reforma (Lei n.°
28/84, de 14 de Agosto), no seu artigo 26.° estabelecia que “constitui critério
fundamental para a determinação do montante das prestações pecuniárias do regime
geral substitutivas dos rendimentos do trabalho, reais ou presumidos, o nível
desses rendimentos” (cf. alegações fls. 8. parágrafos 4.° e 5.°) é, com o devido
respeito, claramente abusiva.
Efectivamente,
nem as normas legais, ainda que de valor reforçado, constituem instrumentos
susceptíveis de ser utilizados como guias para a interpretação da Constituição;
nem existe qualquer correspondência entre os textos do artigo 26.° da Lei de
Bases da Segurança Social e do antigo n.° 5 do artigo 63.° da Constituição;
nem sequer o artigo 26.° daquela Lei de Bases contém qualquer princípio que se
imponha por forma a poder dizer-se que a sua não observância traz consigo uma
ilegalidade.
Os princípios que enformavam a Lei n.° 24/84, são os enumerados no n.° 1 do seu
artigo 5.°, isto é, os da universalidade, da unidade, da igualdade, da eficácia
da descentralização, da garantia judiciária, da solidariedade e da participação,
com o significado e alcance constantes dos n.ºs 2 a 9 do mesmo artigo.
E nenhum desses princípios impõe que se atenda “para efeitos de reforma, ao
nível de rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador”.
Não se nega, evidentemente, que o artigo 26.° da Lei n.° 24/84 estabeleça que
“constitui critério fundamental para a determinação do montante das prestações
pecuniárias do regime geral substitutivas dos rendimentos do trabalho, reais ou
presumidos, o nível desses rendimentos”
Isso, no entanto, é coisa bem diferente da afirmação de um princípio geral de
observância obrigatória.
É, antes, nas palavras da própria lei, um critério ou linha de orientação que,
aliás, logo a seguir (cf. n.° 2 do mesmo preceito legal) se autoriza a abandonar
e a substituir por outros critérios, “consoante os casos”: “A determinação dos
montantes das prestações pecuniárias do regime geral pode ser subordinada a
outros critérios, nomeadamente (sublinhado nosso) e consoante os casos, o
período de contribuições, os recursos do beneficiário ou do seu agregado
familiar, o grau de incapacidade e os encargos familiares”.
Acresce que é a própria Lei n.° 28/84 que mantém fora do seu âmbito de aplicação
os bancos e os seus trabalhadores, ao referir no artigo 69.° que serão
gradualmente integrados no regime geral “os regimes especiais de segurança
social de outros grupos de trabalhadores” não referidos no artigo 68.° (um
desses regimes especiais é precisamente o dos bancários).
Por isso, não tendo, até hoje, sido publicada legislação a fazer a integração
dos bancários no sistema público de segurança social, não é lícito, obviamente,
invocar disposições legais ou princípios desse sistema para regular situações
concretas de trabalhadores por ele não abrangidos.
A Constituição, ao contrário do que o recorrente pretende, não define e não
concretiza o conteúdo do direito à segurança social e também não estabelece
prazos para a sua concretização. Encarrega o Estado – o mesmo é dizer – remete
para a lei a tarefa de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança
social unificado e descentralizado, com a participação das associações
sindicais, de outras associações representativas dos trabalhadores e de
associações representativas dos demais beneficiários.” (artigo 63.°, n.° 2).
Note-se, de resto, que mesmo no único caso em que a Constituição de algum modo
se refere a elementos a tomar em consideração para efeitos de cálculo da pensão
de reforma (o tempo de trabalho a que alude o n.° 4 (antigo n.° 5 do artigo
63.°) é para a lei que remete a sua concretização: “4. Todo o tempo de trabalho
contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
E é essa mesma lei para a qual remete a Constituição – Lei de Bases da Segurança
Social – que, afirmando embora a necessidade de se avançar na formação de um
sistema unificado (não de um sistema único) de segurança social, não substituiu,
por razões de oportunidade, o sistema de Segurança Social do Sector Bancário,
criado e aperfeiçoado ao longo de décadas pelos próprios interessados (artigo
69.° da Lei n.° 24/84, de 14 de Agosto; artigo 109.° da Lei n.° 17/2000, de 8 de
Agosto; e artigo 123.° da Lei n.° 32/2002, de 20 de Dezembro).
As cláusulas do ACTV, designadamente a cláusula 137.ª, não representam, face ao
que se deixa exposto, qualquer violação da Constituição da República, pois a
concretização do direito à segurança social foi deixada para a lei ordinária
pela Constituição e foi a própria lei que se satisfez, pelo menos
transitoriamente, com o pré-existente regime de segurança social dos bancários,
deixando os bancários de fora do sistema estatal de segurança social.
As responsabilidades dos bancos em matéria de segurança social, assumiram-nas
eles originariamente no âmbito da negociação colectiva e não por força de
qualquer imperativo legal e fizeram-no desde data muito anterior à da
Constituição de 1976 que, pela primeira vez, instituiu o direito à segurança
social como um direito de todos os cidadãos.
Foi no livre desenvolvimento da negociação entre os representantes das
instituições de crédito e os representantes dos trabalhadores, ao longo dos
anos, mediante cedências e conquistas de parte a parte, que acabou por
construir-se o que é hoje o ACTV , onde se encontram plasmados, além do regime
específico das relações de trabalho do sector, o regime especial de segurança
social e de saúde dos trabalhadores bancários.
E é evidente para qualquer pessoa que tenha um mínimo de experiência em matéria
de contratação colectiva que o que foi aceite por qualquer das partes
outorgantes em certas áreas, seja em matéria de relações de trabalho, seja de
saúde ou de segurança social teve naturalmente, as suas contrapartidas em outras
áreas do ACTV, dentro ou fora da matéria específica em que essa cedência teve
lugar.
O ACTV constitui um todo unitário e só as partes outorgantes são os juízes da
bondade da composição alcançada.
Seria, por isso, subverter por completo todo o equilíbrio contratual,
laboriosamente conseguido ao longo dos anos, pretender impor aos Bancos, à
margem da negociação colectiva, e em aditamento aos direitos já consignados no
ACTV, novas responsabilidades, sem consideração das circunstâncias em que as
partes fundamentaram a sua decisão de contratar.
Um tal caminho, a ser trilhado, não poderia deixar de conduzir fatalmente à
resolução do ACTV, por alteração das circunstâncias, nos termos do artigo 437.°
do Código Civil e do artigo 561.° do Código do Trabalho, para o que, “ad
cavendum”, se pede a douta atenção do Tribunal.
*
E não adianta também dizer, como faz o recorrente a fls. 12 das suas alegações
que “uma vez que ao longo do tempo de trabalho no activo a entidade bancária é
obrigada a constituir um fundo de pensões com base na remuneração global
auferida pelo trabalhador, tal só poderá significar que (...) deve o montante
total auferido pelo trabalhador, no activo, incluindo a prestação recebida a
título de remuneração complementar ser englobada na pensão de reforma.”
É que, nem a obrigação das Instituições de Crédito de constituírem fundos de
pensões para garantia das suas responsabilidades com pensões de reforma e de
sobrevivência resulta, como é evidente, de qualquer exigência constitucional,
designadamente do preceito que se diz violado; nem é exacto que “a entidade
bancária” esteja obrigada a constituir um fundo de pensões com base na
remuneração global auferida pelo trabalhador.
A obrigação das Instituições de Crédito de constituírem fundos de pensões para
garantia das suas responsabilidades com pensões de reforma e de sobrevivência
resulta do Aviso n.° 6/95 do Banco de Portugal, de 08/09/95, publicado no Diário
da República, II Série, n.° 219, de 21/09/95, onde no ponto 1.° se consigna que
“os bancos, a Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Económica Montepio Geral devem
assegurar a cobertura de todas as suas responsabilidades por pensões de reforma
e sobrevivência exclusivamente através de fundos de pensões (...)”, mas onde, em
parte alguma, se faz referência, directa ou indirecta, à medida dessas
responsabilidades ou à origem dos fundos para o respectivo financiamento.
Argumentar como faz o recorrente é, além de ignorar a realidade das coisas,
deslocar a discussão do problema do âmbito do recurso de constitucionalidade
relativo à Cláusula 137.ª do ACTV por violação do artigo 63.°, n.° 5, da
Constituição, para o campo do mérito da causa, para conhecimento do qual o
Tribunal Constitucional não tem competência.
C. A invocada violação do princípio da igualdade
O objecto do recurso de constitucionalidade é, insiste-se, conforme resulta do
n.° 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, uma norma jurídica cuja
conformidade com a Constituição esteja posta em causa.
Assim, o autor equivoca-se ao pretender que este Venerando Tribunal faça a
censura da actuação do Banco, que considera discriminatória e violadora do
artigo 13.° da Constituição (conclusões 15.ª e 16.ª das suas alegações), ou a
censura da decisão do Tribunal da Relação, que não considerou existir tal
discriminação (alínea b do pedido).
E também se equivoca, quando diz que a cláusula 137.ª do ACTV do Sector Bancário
“ao estabelecer que a pensão de reforma seja calculada com base nas percentagens
fixadas no Anexo VI na retribuição fixada no Anexo VI, tendo em conta o nível
salarial do trabalhador, trata de forma desigual uma idêntica situação
remuneratória face ao regime de segurança social que manda atender, para efeitos
de reforma, ao nível de rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador”.
Em primeiro lugar, é a própria Lei de Bases da Segurança Social que, como vimos
já, exclui do seu âmbito de aplicação vários regimes especiais de segurança
social, entre os quais o do ACTV do Sector Bancário.
Depois, não existe, como também já vimos, qualquer preceito da referida Lei de
Bases que imponha a consideração na pensão de reforma da totalidade dos
rendimentos auferidos pelo trabalhador.
Aliás, o recorrente não pode escolher uma norma isolada, que lhe convenha, do
regime de reformas do ACTV para comparar os resultados da sua aplicação com os
resultados da aplicação duma outra norma que entenda que lhe corresponde no
regime geral de reformas da segurança social.
Só tomando em consideração a globalidade de cada um dos dois regimes é possível
fazer um juízo de valor acerca da superioridade ou das vantagens de um em
relação ao outro.
Ora, basta uma simples leitura do clausulado do ACTV do Sector Bancário que
contém o regime de segurança social dos bancários para se constatar que se trata
de um regime claramente mais vantajoso para a grandíssima maioria dos bancários
(para aqueles que, no activo, não beneficiaram de prestações complementares de
valor significativo), do que o Regime Geral de Segurança Social.
Bastará pensar , designadamente,
. na inexistência de qualquer período de garantia para o trabalhador bancário
ter direito a pensão de reforma (cláusula 137.ª e Anexo V);
. no valor mínimo da pensão de reforma dos bancários, que é o valor ilíquido da
retribuição do nível mínimo de admissão no Grupo a que o trabalhador pertence
(cláusula 137.ª, n.° 2);
. no valor das diuturnidades a considerar, que é mais elevado do que o valor das
diuturnidades no activo e que é adicionado, por inteiro, ao valor da mensalidade
da cláusula 137.ª (cláusula 138.ª, n.ºs 1 e 2);
. no valor (resultante da aplicação da cláusula 137.ª) da mensalidade de reforma
dos trabalhadores com uma carreira bancária de 35 anos ou mais antiguidade, que
é sensivelmente idêntico a 100% do valor líquido da retribuição que auferiram no
activo nos casos em que os trabalhadores não tinham remunerações complementares
de valor significativo, como acontece com a enorme maioria dos bancários
(cláusula 137.ª e Anexos V e VI);
. nas taxas de formação da pensão de reforma (Anexo V);
. nos 35 anos de antiguidade que são o suficiente para o bancário ter direito à
pensão completa (Anexo V);
. no especial regime de contagem de antiguidade para efeitos de reforma
(cláusulas 17.ª e 143.ª)
. na pensão dos meses subsequentes à passagem à situação de reforma (tantos
meses quantos os anos de antiguidade), em que – não obstante as taxas de
formação da pensão, em função da antiguidade, não serem suficientes – o
reformado tem direito a receber mensalidades de reforma de valor igual às
mensalidades constantes do Anexo VI (Anexo V);
. na actualização das pensões de reforma na mesma data e pela aplicação da mesma
percentagem em que o forem as retribuições dos trabalhadores no activo (cláusula
137.ª, n.° 4, e cláusula 138.ª, n.ºs 1 e 2);
. na não sujeição dos trabalhadores bancários a qualquer quotização para a
formação das suas pensões de reforma.
Tudo isto em contraposição às situações recíprocas, de longe muito menos
favoráveis, do regime geral de segurança social.
Trata-se de um regime (o dos bancários), sem dúvida diferente do regime geral de
segurança social mas, como se escreveu no douto Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 13 de Novembro de 2002, de que se juntou cópia à contestação como
doc. n.° 2
“... como resulta do confronto do artigo 59.° (que trata dos direitos dos
trabalhadores) com o artigo 63.° da CRP (referente à Segurança Social), o
direito a prestações da Segurança Social, como o direito à reforma, não é um
direito exclusivo dos trabalhadores, mas sim um direito dos cidadãos”(sublinhado
nosso).
“E – acrescenta – nada na lei obriga a que o cálculo das pensões de reforma seja
igual para todos os trabalhadores, independentemente do regime de protecção
social de que beneficiem, tempo de serviço, etc.”
Acresce que nem sequer é verdade, como o autor parece querer fazer crer, que, se
a sua pensão de reforma tivesse sido calculada segundo as regras do regime geral
da segurança social em vigor em 1 de Janeiro de 2001 (data da sua passagem à
reforma por invalidez), seria de montante superior àquela que autor e réu
fixaram por ACORDO.
Como se sabe, à data em que o autor se reformou, a remuneração de referência do
regime geral da segurança social, para efeitos do cálculo das pensões de reforma
por invalidez e velhice, era constituída, não pela totalidade da remuneração que
o trabalhador auferia à data da sua passagem à situação de reforma, mas pela
média do total das remunerações dos 10 anos civis a que correspondessem
remunerações mais elevadas compreendidos nos últimos 15 anos com registo de
remunerações (artigo 33.° do DL n.° 329/93, de 25 de Setembro), sendo que para
essa média entraria, no caso do autor, além do salário base e das diuturnidades,
a remuneração complementar.
E a taxa de formação da sua pensão seria, nos termos do n.° 1 do mesmo diploma
legal, de 2% por cada ano com registo de contribuições.
Isto é, como o autor tinha 29 anos de serviço, e supondo que havia registo de
contribuições em todos os anos, teria direito a uma pensão de valor
correspondente
ou a 58% da referida remuneração de referência, que seria necessariamente
inferior à que auferia quando passou à situação de reforma (29 anos x 2%);
ou a 68%, dessa remuneração, se requeresse e lhe fosse autorizada a contagem
para efeitos de reforma dos 5 anos de serviço militar.
Uma pensão seguramente de valor inferior àquela que por ACORDO fixaram, cujo
valor corresponde a 100% da mensalidade do ANEXO VI do ACTV para o nível
imediatamente superior àquele em que o autor estava colocado à data da reforma
(e que, nessa altura, correspondia sensivelmente à retribuição líquida para esse
nível dos trabalhadores do activo), durante os primeiros 34 meses a seguir à
passagem à situação de reforma, e de 96% desse valor a partir do 35.° mês,
acrescida, desde o início, de 100% do valor das diuturnidades da cláusula 138.ª
do ACTV.
Pensão, aliás, actualizável nos mesmo termos das remunerações dos trabalhadores
do activo (n.° 4 da cláusula 137.ª e n.° 1 da cláusula 138.ª do ACTV), o que não
acontece com as pensões do regime geral da segurança social.
Não há, pois, qualquer violação pela cláusula 137.ª do ACTV do Sector Bancário
do n.° 5 (anterior redacção) do artigo 63.° da Constituição ou de qualquer outra
norma ou princípio constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
5.O presente recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, visando a
apreciação da conformidade constitucional da cláusula 137.ª do Acordo Colectivo
de Trabalho do Sector Bancário, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º
42, 1.ª Série, de 15 de Novembro de 1994 (ACT, de ora em diante). Entende o
recorrente que essa cláusula viola o “disposto nos artigos 13.º e 63.º, n.º 5,
da Constituição da República (segundo a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de
Julho, actualmente correspondente ao n.º 4 do mesmo artigo)”.
Dispõe a cláusula 137.ª do ACT, sob a epígrafe “Doença ou invalidez”:
“Cláusula 137.ª
Doença ou invalidez
1 – No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade
(invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das
percentagens do anexo V, aos valores fixados no anexo VI;
b) A um subsídio de Natal de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea
a), a satisfazer no mês de Novembro;
c) A um 14.º mês de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a), a
satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º
3 da cláusula 102.ª.
2 – Cada uma das prestações a que os trabalhadores têm direito, nos termos do
número anterior, não poderá ser de montante inferior ao do valor ilíquido da
retribuição ao nível mínimo de admissão do grupo em que estavam colocados à data
da sua passagem a qualquer das situações previstas no n.º 1 desta cláusula.
3 – Os trabalhadores em regime de tempo parcial terão direito às prestações
referidas nos n.ºs 1 ou 2, calculadas proporcionalmente ao período normal de
trabalho.
4 – As mensalidades fixadas, para cada nível, no anexo VI serão sempre
actualizadas na mesma data e pela aplicação da mesma percentagem em que o forem
os correspondentes níveis do anexo II.
5 – Excepcionalmente, e por acordo de ambas as partes, poderá o trabalhador, com
mais de 65 anos de idade e menos de 70, continuar ao serviço; a continuação ao
serviço dependerá de aprovação do trabalhador em exame médico, feito anualmente,
e a instituição pode, em qualquer momento, retirar o seu acordo a essa
continuação, prevenindo o trabalhador com 30 dias de antecedência.
6 – O trabalhador que completar 40 anos de serviço antes de atingir 65 anos de
idade ou o que completar 35 anos de serviço tendo mais de 60 anos de idade pode
ser colocado na situação de invalidez presumível, mediante acordo com a
instituição.
7 – Da aplicação do anexo V não poderá resultar diminuição das anteriores
mensalidades contratuais cujo pagamento se tenha iniciado.
8 – Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à
actualização das mensalidades recebidas sempre que seja actualizado o anexo II,
quer tenham sido colocados nas situações de doença, invalidez ou invalidez
presumível antes ou depois de cada actualização.
9 – Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na
situação de doença, invalidez ou invalidez presumível, quer tenham sido
colocados nessas situações antes ou depois da entrada em vigor deste acordo.”
Foram invocados, como padrões de aferição, os artigos 13.º e 63.º, n.º 5 (actual
n.º 4), da Constituição da República Portuguesa, isto é, os princípios da
igualdade e da solidariedade e segurança social, este último, na parte em que
consagra que, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, contribui
todo o tempo de trabalho, independentemente do sector de actividade em que tiver
sido prestado.
6.O problema que o recorrente traz a apreciação, nos presentes autos, às várias
instâncias é, sinteticamente, o seguinte: é ou não obrigatória a inclusão, no
cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores do sector bancário, do montante
percebido, enquanto trabalhadores no activo, a título de remuneração
complementar.
Tanto o Tribunal do Trabalho de Lisboa, como o Tribunal da Relação de Lisboa,
responderam negativamente a essa questão.
Adianta-se desde já que, como é sabido, não cabe ao Tribunal Constitucional
averiguar da bondade dessas decisões, em si mesmas consideradas ou perante a
melhor interpretação do direito infra-constitucional (incluindo da cláusula do
ACT em causa), com independência de uma questão de conformidade constitucional.
Com efeito, no nosso sistema de fiscalização concreta e incidental da
constitucionalidade não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo
como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer
controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as
normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de
constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela
Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da
conformidade constitucional de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação
enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão
recorrida.
7.O recorrente alega que a cláusula 137.ª do ACT seria inconstitucional por
violação do artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (actual
n.º 4).
No seu entendimento, a “expressão ‘todo o tempo de trabalho’, consagrada no
art.º 63.°, n.º 5, da CRP, decorrente do princípio do ‘aproveitamento total do
tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez’, só poderá ser
interpretado no sentido de que todos os trabalhadores tem o direito de ver
protegida a sua condigna subsistência também na reforma”, e “o direito à
segurança social, e consequentemente à atribuição de uma pensão de reforma,
encontra-se aliado a outros valores constitucionais como a protecção especial
concedida aos trabalhadores, a protecção da família e da terceira idade”. Assim,
“da conjugação dos artigos 59.°, 67.° e 72.° da CRP e de forma a efectivar a
promoção da justiça social, do aumento do bem-estar social e económico e da
qualidade de vida das pessoas (cfr. art.º 81.°, alínea a) e b), da CRP) –
exige-se que as pensões de reforma reflictam o real estatuto remuneratório do
trabalhador no activo”, e “torna-se, portanto, impreterível, que a pensão de
reforma, enquanto benefício económico merecido após uma vida laboral activa,
consiga garantir um rendimento equivalente e que substitua aquele que até aí era
recebido”. Diz ainda o recorrente que o ACT estaria em contradição com a Lei de
Bases da Segurança Social, a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, uma vez que essa
lei manda atender, para cálculo das pensões de reforma, ao nível de rendimentos
auferidos pelo trabalhador, enquanto que aquele instrumento de regulamentação
colectiva manda atender ao nível remuneratório e não aos rendimentos reais
auferidos no activo.
O recorrente pretende, com esta argumentação, conduzir à conclusão de que o
artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa deve ser lido de uma
forma lata, utilizando-se como elemento interpretativo dessa disposição o artigo
26.º da mencionada Lei de Bases da Segurança Social, de modo a abranger na sua
previsão outros factores para cálculo das pensões que não apenas a antiguidade,
desde logo a retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no activo.
No entanto, tal argumentação não procede. A Constituição da República Portuguesa
não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se
tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de
reforma, o montante da retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no
activo. Na verdade, a Constituição não define e não concretiza o conteúdo do
direito à segurança social, nem estabelece prazos para essa concretização,
remetendo para a lei, através do artigo 63.º, n.º 2, essa tarefa. Daqui decorre
que não procede a leitura da expressão “todo o tempo de trabalho” como tendo de
incluir, em si, a expressão “toda a remuneração mensal” realmente auferida pelo
trabalhador durante o tempo de trabalho. Pode – e, numa certa perspectiva,
haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo
de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de
cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos
(incluindo remuneração base e outros rendimentos complementares) durante o tempo
de trabalho.
Quanto à invocação, por parte do recorrente, da pretensa contradição entre o ACT
e a Lei de Bases da Segurança Social dir-se-á que as normas legais, mesmo
aquelas de valor reforçado, não se impõem como elementos interpretativos da
Constituição. Acresce que não existe qualquer correspondência entre o artigo
26.º da Lei de Bases da Segurança Social e o artigo 63.º, n.º 5 (actual n.º 4),
da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, que é a própria Lei de Bases
da Segurança Social que, na sua tarefa de concretização do conteúdo do direito à
segurança social, exclui do seu âmbito o sector bancário, satisfazendo-se com o
pré‑existente regime de segurança social dos bancários, deixando-os de fora do
sistema estatal de segurança social.
Quanto ao conceito de antiguidade, dispõe o ACT nas suas cláusulas 17.ª e 143.ª:
“Cláusula 17.ª
Para todos os efeitos previstos neste Acordo, a antiguidade do trabalhador será
determinada pelo tempo de serviço prestado nos seguintes termos:
a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito
com actividade em território português;
b) Todos os anos de serviço, prestado nas ex-colónias, nas Instituições de
Crédito portuguesas com actividade nesses territórios e nas antigas Inspecções
de Crédito e Seguros;
c) Todos os anos de serviço prestado nos restantes países estrangeiros às
1nstituições de Crédito portuguesas;
d) Todos os anos de serviço prestado às entidades donde provierem, no caso de
trabalhadores integrados em Instituições de Crédito por força de disposição
administrativa e em resultado da extinção de empresas e associações ou de
transferência para aquelas de serviços públicos;
e) Todos os anos de serviço prestado em sociedades financeiras ou nas antes
designadas Instituições Parabancárias.”
“Cláusula 143.ª
Aos trabalhadores colocados nas situações previstas no n.º 1 da cláusula 137.ª,
a partir de 1/6/80, será contado, para efeitos de aplicação do Anexo V; o tempo
de serviço prestado na função pública, entendendo-se este como tempo que for
indicado pela Caixa Geral de Aposentações”.
Das cláusulas transcritas decorre que está contemplada no ACT para o sector
bancário, para efeito de cálculo das pensões de reforma, a exigência
constitucional de consideração de todo o tempo de trabalho, pelo que não se
verifica, em relação a este ponto, qualquer desconformidade constitucional.
7. Argumenta ainda o recorrente que a “dimensão normativa” em apreço, extraída
da cláusula 137.ª do ACT, seria inconstitucional por violação do princípio da
igualdade constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, uma
vez que “o banco R., relativamente a colegas do A., fez-lhes incidir na pensão
de reforma a remuneração complementar”, e assim, “ao não proceder do mesmo modo
para com o ora Recorrente, o R. adoptou tratamento discriminatório, contrário ao
que dispõe o art.º 13.° da Constituição da República, bem como contrário ao que
dispõe o art.º 23.°, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e
ainda a Convenção da OIT n.º 11, de 1958”.
A referida cláusula do ACT seria ainda violadora do princípio da igualdade
quando comparada com o artigo 26.º da Lei de Bases da Segurança Social, uma vez
que “o ACT, ao estabelecer que a pensão de reforma seja calculada com base nas
percentagens fixadas no anexo V e na retribuição fixada no anexo VI, tendo em
conta o nível salarial do trabalhador, trata de forma desigual uma idêntica
situação remuneratória face ao regime geral da Segurança Social que manda
atender, para efeitos de reforma, ao nível dos rendimentos realmente auferidos
pelo trabalhador”.
Quanto ao primeiro dos argumentos invocados pelo recorrente, isto é, quanto ao
tratamento pretensamente discriminatório e violador do princípio da igualdade
por parte da recorrida, há que notar, porém, que, como é sabido e ficou já dito,
não cabe ao Tribunal Constitucional fiscalizar quer a concreta conduta da
recorrida, quer a decisão judicial, em si mesma considerada que julgou não ter
existido essa discriminação (por nem sequer ser apurável que tenha existido uma
qualquer desigualdade de tratamento, muito menos que tal desigualdade, a ter
existido, se não tenha sustentado em critérios material e objectivamente
justificados). Pelo que não se tomará conhecimento desta questão.
Quanto ao segundo dos argumentos avançados pelo recorrente – o de que o ACT
trata de forma desigual uma idêntica situação remuneratória face ao regime geral
da segurança social –, nada na Lei de Bases da Segurança Social obriga, porém, a
que o cálculo das pensões de reforma seja igual para todos os trabalhadores. Com
efeito, e como de resto é dito na decisão recorrida, é essa própria lei que
reconhece expressamente a subsistência transitória de regimes especiais (artigo
69.º), os quais podem também contemplar aspectos mais favoráveis. E entre esses
regimes conta‑se, justamente, o dos trabalhadores bancários, que se rege pelas
cláusulas do respectivo ACT, pelo que as expectativas dos trabalhadores
bancários quanto à sua pensão de reforma apenas poderão ser aquelas que decorrem
do referido ACT, e não do Regime Geral da Segurança Social.
Nestes termos, sendo a forma de cálculo das pensões de reforma igual para todos
os trabalhadores do sector bancário, não se verifica, por aqui, violação do
princípio da igualdade.
A idêntica conclusão se chega quando se perspectiva a mesma questão em relação
aos trabalhadores de outros sectores de actividade. O princípio da igualdade,
concretizado relativamente à retribuição no n.º 1 do artigo 59.º da Constituição
da República Portuguesa, não significa que tenha de existir equiparação absoluta
em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver um tratamento
justificadamente diferenciado. Com efeito, para se poder aferir da
admissibilidade de uma diferenciação de tratamento de duas situações não se pode
apenas considerá-las de forma isolada. Antes deve considerar-se toda a
disciplina de cada uma delas. Como tem sido repetidamente afirmado por este
Tribunal, a igualdade desejada pela Constituição não é uma igualdade
“matemática”, mas antes uma “proporcional” (cfr., entre outros, os Acórdãos nºs
375/89, publicado no Diário da República [D.R.], II Série, de 2 de Fevereiro de
1989, 1167/96, publicado no D.R., II Série, de 7 de Fevereiro de 1997; 454/97,
publicado no D.R., II Série, de 10 de Dezembro de 1997; e 672/98, publicado no
D.R., II Série, de 3 de Março de 1999). Tal como o regime da reforma dos
trabalhadores do sector bancário pode conter diferenciações no sentido positivo,
também nada obriga a que, no cálculo do montante da pensão, sejam seguidas
regras idênticas às de outros sectores, ou, mesmo, do regime geral da segurança
social.
Acresce, ainda, que, do confronto do artigo 59.º com o artigo 63.º, ambos da
Constituição, resulta que o direito à reforma não é exclusivo dos trabalhadores
por conta de outrem, mas antes um direito de todos os cidadãos, cuja
concretização será posteriormente feita por lei, e nada na lei obriga a que as
pensões de reforma tenham de ser calculadas para todos de forma igual.
Do exposto decorre que não existe, também quanto a este ponto, qualquer
divergência entre a cláusula 137.ª do ACT para o sector bancário e a
Constituição da República Portuguesa.
Conclui-se, portanto, que a referida cláusula convencional do sector bancário,
não violando os princípios da igualdade e da solidariedade e segurança social –
este, no segmento em que consagra que, para o cálculo das pensões de velhice e
de invalidez, contribuiu todo o tempo de trabalho, independentemente do sector
de actividade em que tiver sido prestado – não é passível de censura
constitucional. E, portanto, tem de negar-se provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a cláusula 137.ª do Acordo Colectivo de Trabalho
para o Sector Bancário, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 42, 1.ª
Série, de 15 de Novembro de 1994;
b) Em consequência, confirmar a decisão recorrida, no que concerne a esta
questão de constitucionalidade;
c) Condenar o recorrente em custas, fixando em 20 (vinte) unidades de conta a
taxa de justiça.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos