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Processo n.º 608/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., mandatário do Partido Social Democrata, PPD/PSD no distrito de Viseu, interpõe recurso do despacho da Juiz da comarca de Sátão, que indeferiu a reclamação que, antes, tinha apresentado contra o despacho que havia admitido a lista de candidatos à eleição para a assembleia de freguesia de S. Miguel de Vila Boa, do concelho de Sátão, proposta pelo grupo de cidadãos eleitores, denominado 'A Nossa Terra', cujo mandatário é B..
Alega, em síntese, que a declaração de propositura da candidatura impugnada não está assinada pelos proponentes, uma vez que o respectivo mandatário, tendo sido convidado pela Juiz a juntar as assinaturas em falta no respectivo processo, não o veio fazer. Ora - diz -, essas assinaturas são essenciais, pois, 'se a assinatura dos proponentes da lista de cidadãos eleitores não fosse necessária, seriam facilmente ilididos os requisitos e exigências legais, devido à facilidade em organizar listas ordenadas de nomes de eleitores com os dados identificativos, face aos meios informáticos e outros que cada vez mais imperam'.
O mandatário da lista proposta pelo mencionado grupo de cidadãos eleitores 'A Nossa Terra' - dito B. -, notificado para responder, veio dizer que 'protesta veementemente contra a posição estranhamente assumida pelo mandatário distrital do PPD/PSD, e não pelo mandatário concelhio (....) de interpor recurso para este Tribunal (...)'. E acrescentou: 'Lamentamos ainda a interpretação abusiva da lei, o que confere àquele protesto um tom ofensivo à dignidade moral, cívica e democrática deste grupo tão alargado de cidadãos independentes e empenhados no bem-estar e progresso das gentes da sua terra e não movidos pelo vil metal e por interesses pouco legítimos e democráticos que parecem orientar a estratégia eleitoralista do PPD/PSD, na pessoa do seu cabeça de lista a esta assembleia de freguesia e actual presidente da junta, como o comprovam a sua actuação junto do eleitorado, com ameaças sistemáticas de perseguição, de processos crime e com medidas de retaliação junto dos proponentes da lista 'A Nossa Terra'.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. Os factos:
Segundo consta do despacho judicial recorrido, que indeferiu a reclamação apresentada pelo mandatário do PPD/PSD contra a admissão da lista proposta pelo grupo de cidadãos eleitores 'A Nossa Terra', os proponentes são em número de 164, 'superior, portanto, ao mínimo legalmente exigido', que - diz-se aí - é de 141.
Ainda de acordo com o mesmo despacho, os proponentes da lista 'A nossa Terra' não assinaram a declaração de propositura; e, tendo o respectivo mandatário sido convidado pela Juiz a apresentar essas assinaturas, não o veio ele fazer, do mesmo modo que não respondeu à reclamação apresentada pelo PPD/PSD contra a admissão da lista.
4. O direito:
Prescreve o artigo 15º, n º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral das Autarquias Locais), que as listas de candidatos às eleições para os órgãos autárquicos podem ser apresentadas por grupos de cidadãos eleitores, 'nos casos em que a lei os admite'.
Resulta do artigo 5º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º
701-A/76, de 29 de Setembro, que os grupos de cidadãos eleitores podem apresentar candidaturas à eleição para as assembleias de freguesia.
O número de cidadãos eleitores proponentes deve ser igual a múltiplos do número de membros da assembleia de freguesia de cuja eleição se trata. O factor de multiplicação varia em função do número de cidadãos eleitores desse órgão autárquico (cf. o nº2 deste artigo 5º). O número de membros das assembleias de freguesia varia, por sua vez, em função do número dos respectivos eleitores, como resulta do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março.
Dispõe o artigo 23º, n.º 4, do citado Decreto-Lei n.º
701-B/76 que as listas propostas por grupos cidadãos eleitores devem adoptar uma denominação 'não superior a cinco palavras que não façam parte das denominações oficiais dos partidos políticos com existência legal' e um símbolo 'de numeração romana entre 1 e 20, a sortear'.
Os grupos de cidadãos eleitores, que propuserem candidatos à eleição para uma assembleia de freguesia - para além de deverem indicar um mandatário e uma morada na sede do município para ele aí ser notificado (cf. artigo 18º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 701-B/76) - devem ainda, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 18º (redacção introduzida pela Lei n.º 110/97, de 16 de Setembro), instruir a lista 'com uma declaração de propositura, indicando os requerentes, o número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia, ou do passaporte ou, no caso de estrangeiros não nacionais de países da União Europeia, da autorização de residência, devendo ainda comprovar que se encontram recenseados na autarquia a que respeita a eleição'.
Na declaração de propositura, os proponentes
'ordenar-se-ão, à excepção do primeiro, e sempre que possível, pelo número de inscrição no recenseamento e serão identificados pelo nome completo e demais elementos de identificação' - dispõe o n.º 5 do mencionado artigo 18º (redacção da Lei n.º 9/95, de 7 de Abril).
5. O direito do caso:
5.1. O que, neste caso, importa decidir é se a declaração de propositura da lista de candidatos à eleição para a assembleia de freguesia tem de conter as assinaturas dos cidadãos eleitores que a propõem; ou se pode consistir apenas numa simples listagem de pessoas devidamente identificadas, que se apontam como proponentes, indicando-se os números, as datas e as entidades emitentes dos respectivos bilhetes de identidade (ou, sendo o caso, dos documentos equivalentes, dos passaportes ou das autorizações de residência) e juntando-se as certidões comprovativas de que elas se encontram recenseadas na freguesia.
A resposta a esta questão não pode deixar de ser a seguinte: os cidadãos eleitores proponentes da lista de candidatos à eleição para a assembleia de freguesia têm que assinar a proposta que fazem (scilicet, a declaração de propositura). De contrário, não seria uma declaração de propositura, mas uma proposta sem paternidade, pois que não haveria garantia de que aqueles cidadãos que aí apareciam indicados como proponentes da lista, realmente, a quisessem propor. Seria, ao cabo e ao resto, uma proposta de candidatura de algum modo anónima, sem proponentes que, com a aposição da sua assinatura, declarassem assumi-la.
Ora, não é isso, seguramente, o que pretende a lei: esta quer que os cidadãos participem por si, sem necessidade da mediação dos partidos políticos, na apresentação de candidaturas à eleição para as assembleias de freguesia. Mas pretende também ter a garantia de que as propostas de candidatura são, mesmo, feitas por grupos de cidadãos recenseados na respectiva freguesia. Exige-o a genuinidade do sufrágio que, nos termos do artigo 113º, n.º 1, da Constituição, há-de ser 'directo, secreto e periódico'.
5.2. No despacho recorrido (recte, no despacho de admissão da candidatura, para o qual aquele se remete), para sustentar que a declaração de candidatura pode ser uma simples listagem de proponentes, com indicação dos elementos identificadores referidos e documentada com as respectivas certidões de eleitor, a Juiz lembra que o mencionado n.º 3 do artigo
18º, antes da redacção introduzida pela Lei n.º 110/97, de 16 de Setembro, exigia 'uma declaração de propositura sendo as assinaturas reconhecidas nos termos gerais', enquanto que, agora, apenas exige 'uma declaração de candidatura indicando os requerentes, o número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade (...)'.
5.3. A alteração introduzida na redacção do n.º 3 do referido artigo 18º pela Lei n.º 110/97 não tem, porém, o sentido que a Juiz recorrida lhe atribui.
Tal alteração legislativa visou apenas harmonizar esse dispositivo legal com a disciplina constante do Decreto-Lei n.º 250/96, de 24 de Dezembro, relativamente ao reconhecimento notarial.
De facto, este Decreto-Lei n.º 250/96 - depois de prescrever, no artigo 1º, que 'são abolidos os reconhecimentos notariais de letra e assinatura, ou só de assinatura, feitos por semelhança e sem menções especiais relativas aos signatários' - dispôs, no artigo 2º, que 'a exigência em disposição legal de reconhecimento por semelhança ou sem determinação de espécie considera-se substituída pela indicação, feita pelo signatário, do número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade ou documento equivalente emitido pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou do passaporte'.
Ora, o dito n.º 3 do artigo 18º, na redacção anterior à Lei n.º 110/97, exigia reconhecimento notarial das assinaturas dos proponentes da candidatura, mas não indicava a espécie desse reconhecimento. Dizia apenas que as assinaturas deviam ser reconhecidas nos termos gerais.
Por isso, abolido esse reconhecimento notarial, a lei
(dito n.º 3 do artigo 18º, na nova redacção) substituiu-o pela exigência da indicação do número, data e entidade emitente do respectivo bilhete de identidade (...), tal como se determina no artigo 2º do mencionado Decreto-Lei n.º 250/96.
5.4. Conclusão:
O citado n.º 3 do referido artigo 18º do Decreto-Lei n.º
701-B/96, de 29 de Setembro (redacção da Lei n.º 110/97, de 16 de Setembro), não dispensa, pois, as assinaturas dos cidadãos eleitores que se agruparam para propor uma lista de candidatos à eleição para uma assembleia de freguesia. Em consonância com o que preceitua o Decreto-Lei n.º 250/96, de 24 de Dezembro, o artigo 18º, n.º 3, apenas deixou de exigir que essas assinaturas sejam reconhecidas por notário.
Assim sendo, o despacho recorrido não pode manter-se.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos:
(a). concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho impugnado;
(b). e, em consequência, rejeita-se a lista de candidatos à eleição para a assembleia de freguesia de S. Miguel de Vila Boa, do concelho de Sátão, proposta pelo grupo de cidadãos eleitores, denominado 'A Nossa Terra'.
Lisboa, 18 de Novembro de 1997
Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa