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Proc.Nº 595/97 Acórdão Nº 676/97
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - Por despacho de 24 de Outubro de 1997, proferido ao abrigo do artigo 20º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 26 de Setembro, a M.ma Juiza do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, decidiu quanto à 'validade das candidaturas', no que respeita à lista apresentada às eleições autárquicas para a Freguesia de Santa Maria dos Olivais pelo 'M.I.C. - MOVIMENTO INDEPENDENTE DE CIDADÃOS' o seguinte:
'Na Freguesia de Santa Maria dos Olivais, estando recenseados 11.166 cidadãos eleitores, que elegem 13 membros para a Assembleia de Freguesia, o número de proponentes terá que ser 60x o número de membros da Assembleia, ou seja, 780 proponentes (conforme arts.5º do Dec.Lei nº 100/84 e 5º, nºs 1 e 2, alínea d) do Dec.Lei nº 701-A/76, de 29.09).
A lista concorrente a tal órgão 'M.I.C. - MOVIMENTO INDEPENDENTE DE CIDADÃOS', apresenta um total de 380 proponentes, pelo que não está em condições de ser admitida.
Entendendo nós que o número de proponentes é condição de admissibilidade e validade das candidaturas, declara-se EXCLUÍDA a lista 'M.I.C. - MOVIMENTO INDEPENDENTE DE CIDADÃOS' à eleição para a Assembleia de Freguesia de Santa Maria dos Olivais.'
Notificado deste despacho em 27 de Outubro de 1997, por carta registada (fls.23), o mandatário da referida lista de candidatura veio apresentar reclamação nos termos e para efeitos do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, alegando o seguinte:
- a lista não foi admitida por se ter considerado que a falta do número necessário de proponentes é um elemento essencial para a admissibilidade e validade da candidatura;
- o Tribunal Constitucional tem considerado como
'irregularidades processuais', as insuficiências, quer respeitem a candidatos, quer a proponentes, não distinguindo entre irregularidades essenciais e não essenciais ou entre irregularidades mais ou menos importantes (v. Acórdão nº
222/85, DR 2ª Série, nº 59);
- também o Tribunal Constitucional entende que é possível sanar qualquer vício ou falta de elementos obrigatórios previstos no artigo 18º do Decreto-Lei nº 701-B/76, devendo aceitar um documento de candidatura mesmo que não indique candidatos, desde que nele se revele uma vontade inequívoca (v. Acórdão nº 698/93, DR 2ª Série, nº 16);
- não podendo o Tribunal fazer distinção entre listas de Grupos de Cidadãos Eleitores em relação às candidaturas partidárias, requer a admissão da lista do 'M.I.C. - MOVIMENTO INDEPENDENTE DE CIDADÃOS' e que se notifique o seu mandatário para em 3 dias suprir as faltas existentes.
2. - Em 31 de Outubro de 1997, foi proferido pela Senhora Juíza um despacho a reafirmar o decidido no anterior despacho de 24 de Outubro, julgando improcedente a reclamação, com os seguintes fundamentos:
'Nos termos do artº15º do citado diploma [refere-se ao Dec.Lei nº
701-B/76, de 29.09] as listas de candidaturas só podem ser apresentadas por:
- órgãos de partidos políticos estatutariamente competentes.
- grupos de cidadãos eleitores nos casos em que a lei os admite, e
- coligações de partidos.
xx
Ninguém questiona a decisão de exclusão de uma lista que não seja subscrita por um partido nem se reconduza às outras duas situações referidas.
Quanto às coligações, se as mesmas não respeitarem o disposto no artº 16 nº 2 também é pacífico de que as listas por si subscritas devem ser excluidas (v.g. Ac. do T.C. nº 250/85 - DR II Série, nº 59).
Por isso se a lista for apresentada por grupos de cidadãos eleitores que não respeitem o disposto no artº 5º nº 2 de Dec.Lei 701-B/76 de 29 Setembro o regime de tratamento deve ser o mesmo.'
E concluindo, decidiu-se manter o despacho reclamado nos seus precisos termos.
3. - O despacho que julgou improcedente a reclamação foi notificado ao mandatário da respectiva lista em 4 de Novembro de 1997.
Em 6 de Novembro de 1997, pelas 14.05H, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar um requerimento pelo qual o mandatário da lista em causa interpõe recurso para este Tribunal Constitucional da decisão que julgou improcedente a reclamação.
Em 7 de Novembro de 1997, pelas 12.00H, foram afixadas as listas concorrentes às eleições autárquicas.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
4. - Importa antes de mais apreciar se existe ou não algum obstáculo de ordem formal ao conhecimento do mérito do presente recurso.
Tratando-se no caso de uma decisão de exclusão de lista da candidatura 'M.I.C.', que veio a ser afastada das eleições por se entender que a falta do número legalmente previsto de proponentes era uma condição de validade e admissibilidade da mesma, o mandatário da candidatura em causa, uma vez notificado do despacho de exclusão da lista, veio dele reclamar, requerendo que fosse admitida a lista e o mandatário notificado para em 3 dias suprir as faltas existentes.
Proferido pela Senhora Juíza, em 3 de Novembro de 1997, o despacho a mandar afixar as listas com excepção da lista rejeitada, veio o mandatário da lista em causa apresentar recurso para o Tribunal Constitucional.
A decisão recorrida tem de se considerar uma decisão final para os efeitos do nº 1, do artigo 25º do Decreto-Lei nº 701-B/76, uma vez que a lista recorrente ficou afastada do processo eleitoral, só sendo notificada das decisões que lhe diziam especificamente respeito e do despacho de afixação das listas, sendo a recorrente parte legítima.
Tendo o recurso a data de 6 de Novembro de 1997, é ele anterior à data da afixação à porta do edifício do Tribunal de Comarca da relação das listas admitidas (artigo 22º, nº 5, do referido decreto-lei), a qual ocorreu em 7 de Novembro pelas 12.00H (cfr. cota de fls.729 dos autos).
O Tribunal Constitucional tem dito que a prematuridade da interposição do recurso não obsta ao seu conhecimento (cfr. Acórdão nº
715/93, in DR, 2ª série, de 15 de Fevereiro de 1994). Assim, tem que se considerar tempestivo o recurso apresentado.
Importa agora considerar a questão suscitada no recurso a qual se pode resumir da seguinte forma: a falta de indicação do número legalmente previsto de proponentes (artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-A/76, de 29 de Setembro - devia indicar 780 proponentes e só indicou 380) que apresentem uma candidatura de grupo de cidadãos eleitores recenseados à respectiva Assembleia de Freguesia, pode considerar-se uma condição de admissibilidade e validade da candidatura, ou trata-se apenas de uma mera irregularidade processual suprível do processo de candidaturas?
O Tribunal Constitucional tem sobre esta matéria uma jurisprudência firme, que não distingue entre irregularidades essenciais e não essenciais nem entre irregularidades mais ou menos importantes, considerando que nesta matéria 'é perigoso ser o intérprete a fazer distinção'.
No caso, a decisão que excluiu a lista recorrente considerou a falta de proponentes para preencher o legalmente exigido como condição de validade da candidatura, ou seja, considerou tal elemento em falta como um vício insuprível, por respeitar a pressuposto ou condição de candidatura não satisfeita.
Vejamos se será assim.
5. - De acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, a apresentação das candidaturas consiste na entrega da lista dos candidatos devidamente instruída e, tratando-se de listas apresentadas por grupos de cidadãos eleitores, podem apresentar tais candidaturas um número mínimo de cidadãos recenseados na área da freguesia conforme o respectivo número de eleitores (artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-A/76, de 29.09 e artigo 5º, nº1, do Decreto-Lei nº100/84, de 29 de Março).
Não vem questionado nos autos que, no caso em apreço, o número mínimo de proponentes fosse de 60 vezes o número de membros da assembleia, que é 13, ou seja 780 proponentes.
Não vindo também questionado que a lista recorrente apenas apresentou um total de 380 proponentes.
Será que a incompletude do número de proponentes constitui um vício insuprível?
De acordo com a jurisprudência do Tribunal, não se distinguindo entre irregularidades essenciais e não essenciais, só será insuprível a irregularidade que pela própria natureza das coisas não possa já ser, de todo em todo, corrigida, por se referir, por exemplo, a pressupostos ou condições de candidatura não cumpridos dentro de prazos taxativamente estabelecidos (v.g., a publicitação de coligações ou frentes). Ora, parece perfeitamente possível que a lista candidata pudesse ainda recolher o número em falta dos proponentes dentro do prazo em questão. Tanto mais que no que se refere à lista de grupos de cidadãos eleitores, das exigências formais específicas constantes dos nºs 3 e 5 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 701-B/76, não resulta qualquer obstáculo à possibilidade de suprimento da falta de proponentes.
Assim, ao contrário do que vem decidido, o tribunal entende que a situação em causa não se enquadra numa situação de vício insuprível.
7. - Resta saber se ainda é possível remediar a situação criada suprindo o vício.
A este propósito, importa chamar à colação um dos princípios reitores do processo eleitoral - o princípio da aquisição progressiva dos actos - que é inteiramente respeitado pelo Decreto-Lei nº 701-B/76, na medida em que ali se estabelece com nitidez o faseamente do iter processual eleitoral. O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o processo eleitoral se desenvolve em cascata, 'de tal modo que não é nunca possível passar
à fase seguinte sem que a fase anterior esteja definitivamente consolidada. A não ser assim, 'o processo eleitoral, limitado por uma calendarização rigorosa, acabaria por ser subvertido mercê de decisões extemporâneas, que, em muitos casos, determinariam a impossibilidade de realização dos actos eleitorais' (cfr. Acórdãos nºs 262/85, 322/85 e 35/86, respectivamente in DR, 2ª série de 18 de Março de 1986, 16 de Abril de 1986 e 13 de Maio de 1986).
Este critério tem de nortear toda a disciplina jurídica do acto eleitoral de modo a manter intocado o início do período da campanha eleitoral, e, reflexamente, o dia pré-determinado para as eleições.
Assim sendo, o juiz ao verificar a existência de uma irregularidade processual, deve ordenar a notificação imediata do mandatário da lista para a suprir no prazo de 3 dias. Se o juiz se não dá conta da irregularidade ou não cumpre o estatuído no artigo 20º, por considerar que se está perante um vício insuprível, a iniciativa do suprimento espontâneo por parte do mandatário pode ainda ocorrer, mas tão-somente até ao momento em que o juiz decide sobre a admissão ou rejeição das listas.
No caso, este momento tem de considerar-se como verificado na data de 3 de Novembro de 1997, que é a data em que expirou o prazo para suprimento das irregularidades e o juiz passa a proferir o despacho de admissão ou rejeição das listas.
Ora, a lista da candidatura 'M.I.C. - MOVIMNENTO INDEPENDENTE DE CIDADÃOS' não tomou a iniciativa de suprir, espontaneamente, a omissão dos 400 cidadãos proponentes até essa data, pelo que, pelo princípio da aquisição progressiva dos actos eleitorais não é já possível remediar tal situação.
Com efeito, como se escreveu no Acórdão nº 527/89, já citado, 'O suprimento sponte sua ou por iniciativa do juiz, não é, sublinhe-se, um direito garantido ao mandatário: só que, quanto ao primeiro, se ele tem a possibilidade de suprir irregularidades depois de notificado para o efeito, na sequência de despacho do juiz, é lógico que o possa fazer por sua iniciativa, ainda que o juiz as não tenha detectado, até ao momento do despacho liminar.'
Na verdade, aos partidos políticos, coligações ou frentes de partidos e aos grupos de cidadãos eleitores incumbe, através dos seus mandatários, apresentar as candidaturas com observância dos requisitos exigidos legalmente, pelo que sobre eles recai o ónus de cuidar da sua regularidade, da autenticidade dos documentos, e da elegibilidade dos candidatos.
Assim, face ao despacho de rejeição da lista e ao facto de não ter sido suprida espontaneamente a omissão que fundamentou a rejeição dentro do prazo acima referido (decisão de admissão ou rejeição das listas ou, para quem entende que a teoria da cascata é demasiado rigorosa e admite o suprimento da irregularidade até à reclamação), tem de concluir-se que a situação se consolidou, pelo que se tem de negar provimento ao recurso.
III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e, embora com fundamentos diversos, confirmar a decisão recorrida.
Lisboa,12 de Novembro de 1997 Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa Messias Bento Luís Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves José de Sousa e Brito (vencido, em conformidade com a minha declaração de voto junta ao Acórdão nº 527/89)
Armindo Ribeiro Mendes (vencido em conformidade com a minha declaração de voto junta ao acórdão nº 527/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14 vol., pags. 321-325)
Guilherme da Fonseca (vencido em conformidade com a minha declaração de voto junta ao Acórdão nº 698/93, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Janeiro de 1994) José Manuel Cardoso da Costa