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Processo n.º 902/05
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 67 e seguintes, não se tomou
conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., SA., pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
5. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 4.), constitui seu
pressuposto processual a aplicação, pela decisão recorrida, da norma cuja
conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
É evidente, porém, que no presente caso tal pressuposto processual não se
encontra preenchido.
E isto porque a norma do artigo 278º do Código do Procedimento e de Processo
Tributário, cuja apreciação a recorrente pretende, não foi aplicada na decisão
recorrida, que é o acórdão do Pleno de fls. 54 (supra, 3.).
Na verdade, a decisão de não admissão do recurso para uniformização de
jurisprudência constante do acórdão recorrido assentou tão somente na
consideração de que o artigo 152º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos não é aplicável no domínio do contencioso tributário.
Não se mostrando preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso,
não é possível conhecer do respectivo objecto.
[…].”.
2. Inconformada, A., SA. reclamou desta decisão sumária para a
conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, pelos seguintes fundamentos (fls. 80 e seguintes):
“[…]
A decisão de V. Exa. resulta do modo imperfeito como veio interposto o recurso
e, por isso, cabe esclarecer: a recorrente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional após ter vindo notificada do acórdão do Pleno do STA de
13.07.2005, mas o recurso não é desse acórdão, vem do acórdão proferido em
22.09.2004. Do qual não cabia anteriormente recurso para este tribunal por estar
ainda pendente recurso ordinário, que findou com a decisão de 13.07.2005.
O presente recurso de constitucionalidade versa sobre a interpretação normativa
do art. 278° do Código de Procedimento e Processo Tributário aplicada pelo
acórdão de 22.09.2004. De facto, como V. Exa. bem afirma, no acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 13.07.2005 não foi feita aplicação do artigo 278° do
Código de Procedimento e de Processo Tributário. Mas foi-o naquela decisão de
22.09.2004, que é a recorrida, conforme se retira do requerimento de
interposição do recurso. Isso não resulta claro devido à falta de menção
expressa nesse sentido (e daí o despacho de V. Exa.), mas é o que se retira sem
margem para dúvidas do trecho onde se indicam as peças processuais em que a
recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade: alegações de reclamação
e recurso. A questão veio, pois, suscitada nas alegações de recurso e veio
apreciada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.09.2004, aqui
recorrido, para que este Tribunal Constitucional se pronuncie em via de recurso.
II - CONCLUSÕES
1) A decisão recorrida é a proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em
22.09.2004.
2) No qual foi feita aplicação da norma impugnada no presente recurso.
3) Pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
[…].”.
A Fazenda Pública, ora recorrida, não respondeu (fls. 86).
Cumpre apreciar.
II
3. Como a própria reclamante reconhece (supra, 2.), o modo como veio
interposto o presente recurso de constitucionalidade deve ser qualificado como
imperfeito, se, através desse recurso, se pretendia impugnar a decisão proferida
em 22 de Setembro de 2004.
É que a única decisão – entre tantas que foram proferidas nos presentes autos
– que se encontra referida no requerimento de interposição do recurso (cfr. fls.
60 e seguinte) é a decisão de 13 de Julho de 2005: a do Pleno do Supremo
Tribunal Administrativo (de fls. 54).
Assim sendo, é compreensível que, na decisão sumária ora reclamada, se tenha
pressuposto que a decisão recorrida era esta – a do Pleno do Supremo Tribunal
Administrativo –, e, com base nesse pressuposto, se tenha adoptado a
fundamentação que se adoptou.
E, sendo totalmente imputável à recorrente, ora reclamante, essa
circunstância, apenas sobre si deve recair o eventual prejuízo daí resultante,
não podendo admitir-se que só agora venha, afinal, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional da decisão de 22 de Setembro de 2004.
Não procede, assim, a argumentação da reclamante.
4. A isto acresce que, mesmo que tal argumentação procedesse, outros
motivos existiriam para que se não tomasse conhecimento do objecto do presente
recurso de constitucionalidade.
Na verdade, mesmo que se concedesse em entender que a decisão ora recorrida é
a do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Setembro de 2004 (a fls. 33 e
seguintes), sempre resultaria, da leitura do correspondente acórdão, que nem a
ora recorrente suscitou, perante esse Tribunal a questão de
inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada – a do artigo 278º do
CPPT, na interpretação segundo a qual “o conhecimento judicial da reclamação de
decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal deverá ter subida diferida,
após a penhora e venda – em contravenção do princípio da tutela judicial em
tempo útil”, por violação do disposto no artigo 268º, n.º 4, da Constituição
(cfr. requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a fls. 60
e seguinte) –, nem tal interpretação foi perfilhada pelo Supremo Tribunal
Administrativo, nesse acórdão.
Que a reclamante não suscitou tal questão perante o Supremo Tribunal
Administrativo, é algo que decorre da leitura das conclusões das alegações que
então produziu, transcritas nesse mesmo acórdão (cfr. fls. 33); que o Supremo
Tribunal Administrativo não perfilhou tal interpretação, é algo que também se
depreende da leitura da fundamentação do acórdão, que se limitou a aplicar o
artigo 684º, n.º 4, do Código de Processo Civil, entendendo que a pronúncia do
acórdão então recorrido sobre o artigo 278º, n.º 1, do CPPT se situava fora do
objecto do recurso dirigido àquele Supremo Tribunal (cfr. fls. 35). Diz-se, a
este propósito, no acórdão de 22 de Setembro de 2004:
“[…]
3.2. Sustenta o EMMP que a recorrente não ataca, nas suas alegações, o julgado
pois que a decisão em apreciação deferiu para mais tarde o conhecimento da
reclamação e o recorrente em vez de atacar essa decisão ataca um inexistente
indeferimento liminar de tal requerimento pelo que sai, assim, intocado o
julgado.
Concorda-se que a decisão recorrida não indeferiu liminarmente o recurso
interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela mas antes
ordenou a remessa dos autos à R.F., com vista ao prosseguimento dos autos para
que o recurso fosse apreciado depois de efectuada a penhora e a venda tal como
estabelece o art° 278° 1 do CPPT.
Daí que se possa concluir que não controverte o recorrente a decisão em
apreciação.
Do exposto resulta que a recorrente não discute a bondade desta decisão que
ordena a remessa dos autos à R.F., não lhe imputa qualquer vício nem afirma que
a mesma incorre em erro de julgamento.
Não afrontando o presente recurso a decisão recorrida ficou tal pronúncia fora
do objecto do recurso dirigido a este Tribunal não podendo este, nos termos do
artº 684° 4 do C.P. Civil, reapreciar o que sobre tal matéria foi apreciado na
decisão recorrida.
Por isso o presente recurso jurisdicional está condenado ao insucesso não
podendo deixar de se manter a decisão em apreciação.
Do exposto resulta que não merece provimento o presente recurso jurisdicional.
[…].”.
Deste modo, mesmo que se considerasse que o presente recurso vinha interposto
da decisão de 22 de Setembro de 2004, não podiam dar-se como verificados dois
dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional – a saber: a invocação, durante o
processo, da questão de inconstitucionalidade normativa que se submete à
apreciação do Tribunal Constitucional (cfr. também o artigo 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional), e a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa que se pretende ver apreciada.
Conclui-se assim que, também nesse caso, não seria possível conhecer do objecto
do presente recurso de constitucionalidade, pelo que a presente reclamação deve
ser indeferida.
III
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada que não tomou
conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades
de conta.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos