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Processo nº 509/2005
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 231 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. intentou acção declarativa sob a forma ordinária contra a CAIXA GERAL DE
APOSENTAÇÕES, pedindo lhe fosse concedido o direito de pensão por morte de B.,
com quem a Autora viveu em união de facto.
Por sentença de 10 de Maio de 2005, de fls. 208 e seguintes, o juiz da 9ª Vara
Cível da Comarca de Lisboa decidiu:
“a) declaro inconstitucional a norma que se extrai dos artigos 40º, n.º 1, e
41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31.3, na redacção do Decreto-Lei n.º
191-/79, de 25.6, quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão
de sobrevivência por morte do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a
quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do
companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido,
direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio
reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d)
do artigo 2009º do Código Civil por violação do princípio da proporcionalidade,
tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º
1, 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição;
b) declaro inconstitucional a norma do artigo 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
142/73, na parte em que estabelece o dia do início do prazo de vencimento da
pensão de sobrevivência é materialmente inconstitucional por violação do
princípio da igualdade;
c) julgo a acção procedente por provada, declarando que a Autora tem direito à
pensão de sobrevivência por óbito de B. a ser processada pela Ré, sendo tal
pensão devida desde Outubro de 2003 se a Autora o requerer no prazo de seis
meses após o trânsito em julgado desta sentença.”
Relativamente à decisão contida na alínea a), acima transcrita, a sentença
da 9ª vara Cível da Comarca de Lisboa baseou-se na argumentação expendida no
Acórdão n.º 88/04, deste Tribunal (publicado no Diário da República, II Série,
de 16 de Abril de 2004).
2. Entretanto, o Ministério Público recorreu para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro, consignado que as normas cuja apreciação está em
causa são, por um lado, “a que se extrai dos arts 40º, n.º 1, e 41º, n.º 2, do
D-L n.º 142/73, de 31/3, na redacção do D-L n.º 191-/79, de 25/6,, quando
interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte
do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele convivia em união
de facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber
alimentos da herança do companheiro falecido, direito esse a ser invocado e
reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade
da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil”,
bem como, por outro lado, a norma “do art. 41º, n.º 2, do D-L n.º 142/73, na
parte em que estabelece o dia do início do prazo de vencimento da pensão de
sobrevivência”.
3. Através do seu Acórdão n.º 159/05, este Tribunal decidiu não julgar
inconstitucional a norma do artigo 41º, n.º 2, 1ª parte, do Estatuto das Pensões
de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na
interpretação segundo a qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso
de união de facto depende de o companheiro do falecido estar nas condições do
artigo 2020º do Código Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da
herança, por não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009º, n.º 1,
alíneas a) a d), do mesmo Código.
Por seu turno, no caso paralelo das pertinentes normas relativas às pensões de
sobrevivência no âmbito dos regimes de segurança social, o Tribunal decidiu
igualmente, através dos seus Acórdãos n.º 195/03 e n.º 233/05 (o primeiro
publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 2003 e o segundo
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não julgar inconstitucionais as
normas do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e do artigo 3º
do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, na parte em que fazem
depender a atribuição do direito ao subsídio por morte do beneficiário da
segurança social a quem com ele convivia em união de facto da obtenção de
sentença judicial que lhe reconheça o direito a alimentos da herança do falecido
nos termos do n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil ou, no caso de não ser
reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens
da herança, do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquela
prestação, obtido mediante acção declarativa proposta contra a instituição de
segurança social competente para a atribuição da mesma prestação.
Em todos os arestos mencionados entendeu-se, no que toca ao princípio da
proporcionalidade, invocado na sentença recorrida, e atendendo à circunstância
de à união de facto ser alheia a existência de um dever de solidariedade
patrimonial entre os companheiros, não se afigurarem excessivas as condições
específicas previstas nas normas desaplicadas para ser reconhecido o direito à
pensão ao companheiro sobrevivo.
Pelo contrário, considerou-se que tais condições específicas são uma simples
decorrência da circunstância de a união de facto não implicar forçosamente, por
opção das partes, deveres patrimoniais, ou uma geral solidariedade patrimonial,
como sucede com o casamento.
É este entendimento que agora cabe aplicar no caso dos autos, remetendo-se para
a fundamentação dos aludidos Acórdãos n.º 159/05, relativo às normas
desaplicadas na sentença recorrida, e n.º 195/03 e n.º 233/05, respeitantes ao
caso paralelo das pertinentes normas relativas às pensões de sobrevivência no
âmbito dos regimes de segurança social.
4. A sentença recorrida desaplicou ainda a norma do artigo 41º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 142/73, por considerar que esta “na parte em que estabelece o
dia do início do prazo de vencimento da pensão de sobrevivência é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da igualdade”.
Uma vez que a questão de constitucionalidade aqui em causa pressupõe a
desaplicação das normas dos artigos 40º, n.º 1, e 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º 191-/79, de 25 de Junho,
interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte
do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele convivia em união
de facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber
alimentos da herança do companheiro falecido, direito esse a ser invocado e
reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade
da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil,
desaplicação essa que aqui se afasta, dela não se tomará conhecimento.
5. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da
decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
Assim, decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 40º, n.º 1, e 41º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º
191-/79, de 25 de Junho, quando interpretadas no sentido de que a atribuição da
pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da Caixa Geral de
Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova
do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do
companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do
falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos
termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil, pelos fundamentos
constantes do Acórdão n.º 159/05, e ainda dos Acórdãos n.º 195/03 e 233/05;
b) Não conhecer do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do
artigo 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 142/73, na parte em que estabelece o dia
do início do prazo de vencimento da pensão de sobrevivência;
c) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da
decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo sobre a questão de
constitucionalidade.»
2. Inconformado, o Ministério Público reclamou para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da
decisão sumária.
Invocou que a questão de constitucionalidade em causa neste recurso havia sido
julgada de forma divergente pelos citados acórdãos n.ºs 159/05 e 88/04, e que,
enquanto o conflito de jurisprudência não estivesse resolvido, não deveria o
mesmo ser julgado através de decisão sumária. E sustentou que deveria ser
conhecida a questão relativa ao n.º 2 do artigo 41º da Decreto-Lei n.º 142/73,
na parte relativa à fixação do início do prazo do vencimento da pensão, sob pena
de, eventualmente, a decisão recorrida transitar nessa parte.
Notificada para se pronunciar, A. não respondeu.
3. Sucede que, entretanto, foi julgado o recurso interposto do acórdão n.º
159/05, para o plenário do Tribunal, pelo Ministério Público, com o objectivo de
resolver o apontado conflito de jurisprudência, nos termos previstos no artigo
79º-D da Lei nº 28/82.
Pelo acórdão n.º 614/05, foi negado provimento ao recurso, e, consequentemente,
confirmado o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 159/05,
nos termos e pelos fundamentos dele constantes.
Desaparecendo o obstáculo apontado pelo Ministério Público ao julgamento do
recurso por decisão sumária, resta confirmar, pelas razões nela apontadas, o
juízo de não inconstitucionalide das normas dos artigos 40º, n.º 1, e 41º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º
191-/79, de 25 de Junho, na interpretação descrita na decisão reclamada.
4. No que respeita à decisão de não conhecimento da questão da
inconstitucionalidade da norma do artigo 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 142/73,
na parte em que estabelece o dia do início do prazo de vencimento da pensão de
sobrevivência, admite-se que se possa colocar a dúvida suscitada pelo Ministério
Público quanto aos seus efeitos sobre a decisão recorrida.
Sucede, todavia, que não tem realmente utilidade conhecer dessa questão, dada a
sua absoluta dependência do sentido do julgamento da primeira, dependência que
será naturalmente tida em conta na reformulação da decisão recorrida.
Mantém-se, assim, o não conhecimento do recurso, por inutilidade, nesta parte.
5. Nestes termos, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão de:
a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 40º, n.º 1, e 41º, n.º 2,
do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º
191-/79, de 25 de Junho, quando interpretadas no sentido de que a atribuição da
pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da Caixa Geral de
Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova
do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do
companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do
falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos
termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil;
b) Não conhecer do recurso quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do
artigo 41º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 142/73, na parte em que estabelece o dia
do início do prazo de vencimento da pensão de sobrevivência;
c) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da
decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 16 de Novembro de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício