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Processo n.º 42/05 Plenário Relator: Conselheiro Gil Galvão
(Conselheiro Rui Moura Ramos)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Em 20 de Janeiro de 2005, o Presidente da Câmara Municipal de Almeida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da deliberação tomada em reunião plenária da Comissão Nacional de Eleições, realizada em 18 do mesmo mês e ano, e comunicada ao recorrente por ofício com data de 19. Nessa deliberação, a Comissão Nacional de Eleições reiterou o entendimento expresso no seu parecer aprovado em sessão de 16 de Maio de 2004 e, nesse sentido, decidiu que, nos termos do artigo 9º da Lei n.º 14/79, de 18 de Maio, a suspensão do mandato é obrigatória para todos os presidentes de Câmara Municipal candidatos às eleições para a Assembleia da República e que, portanto, “deverá o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Almeida suspender de imediato o seu mandato”.
No requerimento de interposição de recurso, o Presidente da Câmara Municipal de Almeida começou por imputar à deliberação da Comissão Nacional de Eleições o vício decorrente da violação do artigo 133º, n.º 2, alínea f), do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que, possuindo tal deliberação carácter vinculativo, não participou o interessado na sua formação, como prescreve o artigo 267º, n.º 4, da Constituição, e o artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo.
Aduziu, por outro lado, que, sendo Presidente da Câmara Municipal de Almeida e candidato às eleições para a Assembleia da República, pelo círculo eleitoral da Guarda, por despacho de 7 de Janeiro de 2005, de que juntou cópia, delegou na Vice-Presidente da Câmara Municipal a competência para a prática dos actos de processo eleitoral previstos na Lei n.º 14/79, de 16 de Maio.
Afirmou que, desse modo, procedeu à suspensão das suas funções «três dias antes da data limite da entrega das candidaturas, limitando-se a exercer funções de mero expediente». Para comprovar que as competências relativas ao processo eleitoral têm vindo a ser exercidas pela Vice-Presidente da Câmara, nos termos do citado despacho de 7 de Janeiro, apresentou cópia de documentação sobre desdobramento de assembleias de voto subscrita precisamente pela Vice-Presidente da Câmara Municipal de Almeida.
A concluir, sustentou o recorrente que a suspensão de funções realizada através do mandato de delegação de competências na Vice-Presidente da Câmara dá pleno cumprimento ao estabelecido na Lei n.º 14/79, tal como, de resto, foi entendido pela Comissão Nacional de Eleições aquando das eleições legislativas de 1995, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 404/89 e, enfim, pela Associação Nacional de Municípios, em parecer aprovado pelo seu Conselho Directivo em 29 de Junho de 2004.
2. O recurso para este Tribunal foi apresentado na Comissão Nacional de Eleições em 20 de Janeiro de 2005 e o recorrente havia sido notificado da deliberação daquela Comissão por ofício de 19 de Janeiro de 2005. Nesse sentido, o recurso é tempestivo, nos termos do n.º 2 do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional. Entende igualmente o Tribunal que o acto é recorrível, na medida em que se mostra lesivo de interesses juridicamente tutelados do recorrente. Importa ainda assinalar que não são postas em dúvida quer a candidatura do recorrente à eleição para a Assembleia da República quer a sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Almeida.
3. A norma em relação à qual existe uma divergência interpretativa entre o recorrente e a Comissão Nacional de Eleições é o artigo 9º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a Lei nº 14/79, de 16 de Maio, que, na redacção da Lei n.º 10/95, de 7 de Abril, dispõe o seguinte:
“Artigo 9º
(Obrigatoriedade de suspensão do mandato)
Desde a data da apresentação de candidaturas até ao dia das eleições os candidatos que sejam presidentes das câmaras municipais ou que legalmente os substituam não podem exercer as respectivas funções”.
De acordo com o entendimento expresso pela Comissão Nacional de Eleições, essa norma, após a alteração da respectiva epígrafe introduzida pela Lei n.º 10/95, impõe a suspensão do mandato dos presidentes das câmaras municipais candidatos a eleições à Assembleia da República.
O recorrente considera que aquela norma impõe apenas a suspensão de funções enquanto presidente da câmara, tal como foi decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 404/89 (cit.). E, para comprovar que deu cumprimento ao disposto no artigo 9º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, o recorrente juntou cópia de despacho, por si proferido, em papel timbrado da Câmara Municipal de Almeida, autenticado pelo Director de Departamento da mesma Câmara, com o seguinte teor:
“Despacho A., Presidente da Câmara Municipal de Almeida, nos termos do n.º 2 do artigo 69º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, delega [«delegada», no original] na Senhora Vice-Presidente desta Câmara Municipal Drª B., a competência própria que lhe advém da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, com as posteriores alterações, autorizando também a Senhora Vice-Presidente a Sub-Delegar no Senhor Vereador a tempo inteiro Professor C. a competência ora delegada. Almeida, 7 de Janeiro de 2005 O Presidente da Câmara ass.) A.”.
4. O Tribunal Constitucional considerou, no Acórdão n.º 404/89, que o artigo 9º da Lei n.º 14/79 impunha apenas o não exercício de funções, excluindo a ideia de que esse preceito exigia a suspensão do mandato.
Simplesmente, em momento posterior àquela decisão do Tribunal, entendeu o legislador alterar a Lei n.º 14/79. Assim, através do projecto de lei n.º
225/VI, subscrito por deputados do Partido Social Democrata e apresentado em 9 de Novembro de 1992, foram propostas diversas alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, não se prevendo, todavia, qualquer modificação ao artigo 9º, seja no tocante ao corpo do preceito, seja no tocante à respectiva epígrafe [cf. o texto do projecto de lei nº 225/VI - por lapso, intitulado
“proposta de lei n.º 225/VI” -, in DAR, II Série-A, Suplemento, nº 7, de
13-11-1992, pp. 88-(2)-88-(5)]. O projecto de lei n.º 225/VI foi aprovado na generalidade pela Assembleia da República, com os votos a favor do PSD e os votos contra do PS, do PCP, do CDS, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé [cf. DAR, I Série, n.º 23, de 18-12-1992, p.
887]. A modificação da epígrafe do artigo 9º viria a constar do texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias [cf. DAR, II Série-A, nº 17, de 27-1-1995, pp. 192-197]. Esse texto foi aprovado, na especialidade e em votação final, na reunião plenária de 25 de Janeiro de 1995, tendo a referida votação ocorrido por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé [cf. a intervenção explicativa do Deputado José Magalhães, que não refere o problema aqui em análise, e a votação in DAR, I Série, n.º 35, de
26-1-1995, pp. 1267-1268 e p. 1271, respectivamente]. O texto do decreto n.º
197/VI previu, assim, a alteração da epígrafe do artigo 9º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, onde, em vez de “Incompatibilidades”, se passou a ler- “Obrigatoriedade de suspensão do mandato” [cf. o texto do decreto in DAR, II Série-A, nº 25, de 9-3-1995, pp. 372-377].
Devendo ter-se presente que, na altura em que o legislador alterou a Lei n.º
14/79, já o Tribunal Constitucional havia considerado, pelo Acórdão n.º 404/89, que a norma do artigo 9º apontava tão-só para a proibição do exercício de funções, não pode deixar de se atribuir relevância àquela modificação. Na verdade, sendo de pressupor que o legislador conhecia a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria – tanto mais que a alteração da epígrafe foi avançada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias -, considera este Tribunal que, ao alterar a epígrafe do artigo 9º, se clarificou a interpretação do referido preceito, no sentido de se entender que a proibição do exercício de funções, a que se refere o corpo do artigo, significa
“obrigatoriedade de suspensão de mandato”. É que, à interpretação em que assentou o Acórdão n.º 404/89, também não foi alheia a epígrafe da versão então vigente do referido artigo 9ª - “Incompatibilidades”.
Esta solução, sendo obviamente compatível com uma preocupação de transparência democrática, é também justificada à luz do artigo 150º da Constituição, sendo que não se mostra de todo em todo desproporcionada em face do período em que tal suspensão deve ocorrer.
Assim sendo, não se vislumbram, neste ponto, razões para conceder provimento ao recurso.
5. Aliás, resulta claramente do despacho supra transcrito que o Presidente da Câmara Municipal de Almeida não procedeu, sequer, à suspensão de funções enquanto autarca, antes se limitou a delegar na Vice-Presidente da Câmara a competência para a prática dos actos que lhe são deferidos pela Lei Eleitoral para a Assembleia da República. Em tudo o mais – i.e, em relação a todas as outras competências que detém enquanto presidente do executivo municipal – nada permite concluir que o recorrente formalizou a sua suspensão das funções de Presidente da Câmara Municipal de Almeida.
Desse modo, ainda que se aderisse à tese sustentada pelo recorrente – a saber: para o cumprimento do disposto no artigo 9º da Lei n.º 14/79 é suficiente a suspensão de funções, não sendo exigível a suspensão do mandato – certo é que, em rigor, através do despacho supra citado não se procedeu a uma suspensão das funções de presidente da câmara municipal, pelo que, por aí, também não poderia proceder integralmente o recurso.
6. Alega, ainda, o recorrente que a deliberação da Comissão Nacional de Eleições seria anulável por falta de audiência prévia do sujeito interessado.
Quanto a este ponto, importa apenas referir que a todo o processamento do contencioso eleitoral ou dos actos da administração eleitoral presidem valores de celeridade – expressos, por exemplo, no que respeita ao recurso de actos da administração eleitoral (artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional), em prazos extremamente reduzidos – e que tais valores de celeridade implicam a aplicação do regime do artigo 103º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo e, nessa medida, a dispensa de audiência dos interessados.
Decisão
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2005
Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ( com declaração) Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto (com a declaração de que acompanho as considerações expendidas nº nº 2 da declaração de voto da Srª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza) Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração. Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da declaração de voto junta. Maria João Antunes (votei vencida, pelas razões constantes da declaração de voto do Senhor Conselheiro Moura Ramos) Vítor Gomes (vencido, conforme declaração anexa) Benjamim Rodrigues (Independentemente de dúvidas sobre a competência da C.N.E. para praticar o acto e da questão de saber se o Tribunal poderia oficiosamente conhecer de tal vício, votei vencido pelas razões aduzidas no voto do Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos) Artur Maurício
Declaração de voto
1. Em primeiro lugar, votei no sentido da rejeição do recurso, por não ter por objecto um acto contenciosamente recorrível. A deliberação da Comissão Nacional de Eleições em causa limita-se a declarar, sem qualquer eficácia constitutiva, um efeito que, a meu ver, decorre imediata e automaticamente do artigo 9º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio.
2. Uma vez que o Tribunal assim não entendeu, ter-me ia pronunciado, em segundo lugar, pela incompetência da Comissão Nacional de Eleições para a aprovação da deliberação em recurso. Pesem embora os termos da mesma deliberação, nunca a Comissão Nacional de Eleições teria competência para praticar um acto com o alcance de determinar ao recorrente que suspendesse o seu mandato como Presidente da Câmara. Na verdade, a possibilidade de suspender o exercício de um cargo público corresponde a um poder que exigiria um grau de concretização muito superior ao que poderá resultar de disposições legais que apenas lhe conferem a competência para assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos ou a igualdade de oportunidades a que se referem as alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro. Não tendo sido possível, pela urgência do processo, aprofundar o estudo que seria necessário para me pronunciar, com segurança, no sentido de que tal incompetência provocaria a nulidade da deliberação, votei no sentido de que, gerando mera anulabilidade, o Tribunal Constitucional não poderia conhecer do vício, por não ter sido invocado pelo recorrente.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanho as dúvidas expressas pelos Senhores Conselheiros Maria dos Prazeres Beleza e Paulo Mota Pinto quanto à competência da Comissão Nacional de Eleições para poder determinar, através do acto impugnado, a suspensão do mandato autárquico do recorrente.
Quanto ao fundo, sou de parecer que o dever imposto pelo artigo 9º da Lei n.
14/79 de 18 de Maio se concretiza pelo modo previsto no artigo 79º da lei das autarquias (Lei n. 5-A/2002 de 11 de Junho) o que, pelo menos formalmente, não impõe uma verdadeira suspensão do mandato, circunstância que releva para efeitos da não interrupção do processamento das remunerações abonadas ao recorrente por força do disposto no artigo 24º n. 3 do Estatuto dos Eleitos Locais.
Carlos Pamplona de Oliveira
Declaração de voto
Votei vencido por não acompanhar o Tribunal quando entendeu que o artigo 9° da Lei n° 14/79, de 16 de Maio, impõe a suspensão do mandato, e não a simples suspensão de todas e quaisquer funções autárquicas, sem qualquer distinção ou restrição, como sustentei na qualidade de primitivo relator, acompanhando o entendimento do mesmo preceito feito no Acórdão n° 404/89 deste Tribunal. Na verdade, não vejo que a discrepância de sentido ora existente entre o corpo do artigo e a sua epígrafe deva ser resolvida a favor da dimensão interpretativa favorecida por esta última, e que representa uma medida muito mais “drástica” ou
“intrusiva” em relação à situação jurídica do autarca, quando a ratio da estatuição legal (manter o autarca-candidato afastado do exercício de poderes em relação ao processo eleitoral) se basta perfeitamente com a suspensão de funções. Independentemente da questão de saber se poderia ter ido mais longe, entendo que se o legislador o tivesse pretendido fazer, com isso adoptando um entendimento distinto do até então consagrado, não exigido pela razão de ser da medida e mais limitativo dos direitos decorrentes do mandato autárquico, não deixaria de ter expresso de forma clara o seu pensamento. Nestes termos, daria provimento ao recurso, na medida em que o referido artigo 9° da Lei n° 14/97 apenas determina que os presidentes das câmaras municipais “não podem exercer as respectivas funções”, e não também que eles devam suspender o mandato, como se disse no Acórdão acima citado.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanho a interpretação, que prevaleceu, de que o artigo 9.º da Lei n.º 14/97, na redacção emergente da Lei n.º 10/95, estabelece a obrigatoriedade de suspensão do mandato.
Julgaria, todavia, o recurso procedente porque tenho a referida norma, com esse sentido, por inconstitucional e não vejo, pelas precisas razões em que essa interpretação se sustenta, possibilidade de interpretação conforme, o que muito sumariamente passo a justificar.
Como se disse no Acórdão n.º 473/92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 22 de Janeiro de 1993:
“... toda a norma que estabelece uma incompatibilidade tem natureza restritiva;
independentemente da sua etiologia e, bem assim, da sua dimensão legal, contém, por definição, um limite. O direito de participar na vida pública, previsto no artigo 48.º, da Constituição, o direito de sufrágio a que se reporta o artigo 49.º, nomeadamente na sua dimensão de capacidade eleitoral passiva – e o direito de ser eleito implica o da manutenção no cargo eleito –, o direito de acesso a cargos públicos e o direito a não ser prejudicado em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos, reconhecidos pelo artigo
50.º, nºs. 1 e 2, são direitos fundamentais de participação política cuja restrição só pode ocorrer nos precisos casos contemplados no n.º 2 do artigo
18.º da Lei Fundamental, sendo certo que as leis que autorizadamente os restrinjam, além de revestirem carácter geral e abstracto, não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o conteúdo essencial daqueles preceitos constitucionais. A restrição, por conseguinte, há-de operar-se por via constitucional, ou por ela prevista, e visa acautelar direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos, com aptidão e idoneidade para alcançar esse objectivo, e só nessa medida, salvaguardando sempre o conteúdo essencial do preceito. São limites vinculantes os indicados pelo n.º 2 do artigo 18.º e, de resto, realçados pelos autores (v.g. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 167, e Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pp. 232-233)(...).”
Ora, impondo a suspensão de mandato – que implica a cessação do exercício de todas as competências do visado, ainda que em nada se refiram a actos de administração eleitoral e, pelo menos, a cessação do processamento das respectivas remunerações e compensações, por força do n.º 3 do artigo 24.º do Estatuto dos Eleitos Locais – a medida vai além do necessário para salvaguardar os interesses constitucionalmente protegidos que a legitimam. Efectivamente, para assegurar a imparcialidade e a transparência dos actos de administração eleitoral que a lei comete ao presidente da câmara bastaria o correspondente impedimento.
Nem me parece aceitável o argumento de que o objectivo da lei vai além disso, visando tutelar, de um modo mais geral, a igualdade de candidaturas e a genuidade da escolha pelo eleitor, evitando situações de captatio benevolentiae ou o exercício do cargo autárquico de modo a, directa ou indirectamente, voluntária ou involuntariamente, extrair vantagens na campanha eleitoral. Se assim fosse a lei estabeleceria um tratamento arbitrário, que não passaria o teste do princípio da igualdade, uma vez que atinge somente e de modo demasiado intrusivo o presidente da câmara e o respectivo substituto relativamente a outros titulares de cargos públicos electivos – autárquicos ou não – relativamente aos quais não vejo diferenciação material, nesta perspectiva.
Consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da Constituição, desaplicaria a norma do artigo 9.º da Lei n.º 14/97, por violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2 com referência ao artigo 48.º, n.º 1 da Constituição e consequentemente, anularia o acto impugnado – a “imposição” ou declaração de obrigatoriedade de suspensão do mandato do impugnante – por falta de base legal que lhe permita tal conteúdo.
Vítor Gomes
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050034.html ]