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Processo nº 280/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio apresentar reclamação perante este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto no artigo 77º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e 668º do Código de Processo Civil', do 'douto despacho do Tribunal da Relação de Évora através do qual se recusa a admissão do recurso oportunamente interposto para o Tribunal Constitucional', para o que invoca, em síntese, o seguinte:
- 'o requerente havia suscitado a inconstitucionalidade de normas jurídicas, em recurso interposto de despacho da Meretíssima Juíza de Direito do tribunal judicial da comarca de Abrantes, que condenou o reclamante em 2 UCs, por alegada injustificação de falta a acto policial, praticado em inquérito do Ministério Público junto daquela comarca', mas o Tribunal da Relação de Évora 'proferiu decisão, desprezando inteiramente a arguida inconstitucionalidade, pelo que fez aplicação implícita de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, abrindo a possibilidade de recurso ao alegante para o venerando Tribunal Constitucional' e 'decidiu não com base nas conclusões das alegações de recurso, mas sim em questão suscitada pelo Ministério Público, sem audição prévia do recorrente, proferindo decisão-surpresa, totalmente inesperada, violando o princípio constitucional da igualdade de armas, amiúde lembrado pelo Tribunal Constitucional em repetidas decisões'.
- 'Ademais, aplicou ao recorrente custas no montante de
36 000$00 (3UCs), em recurso onde se defendia a não aplicação de condenação em 2 UCs'.
- interposto o recurso de constitucionalidade (lendo-se no respectivo requerimento que aquele acórdão 'aplicou implicitamente normas cuja inconstitucionalidade incidental foi suscitada no processo', bem como aplicou
'normas processuais que fixam o 'Thema decidendum' (conclusões das alegações), de que o douto acórdão se desviou, constituindo decisão-surpresa, ao seguir o douto parecer do Ministério Público, sem audição prévia do recorrente (violação do princípio constitucional da igualdade de armas)' (e notificado o recorrente,
'nos termos e para os efeitos do artigo 75º-A, 5 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro', veio pedir esclarecimentos ('esclarecer concretamente quais dentre os
'elementos previstos no presente artigo' que pretende que o recorrente indique em novo requerimento aperfeiçoado de interposição de recurso', tal como se expressa o recorrente), na base de que, e no essencial, estando 'convencido que o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é suficientemente explícito', não consegue alcançar o 'conteúdo concreto' do despacho.
- e, na sequência desse requerimento, foi proferido pelo Relator do processo o despacho ora reclamado, na base de que o recorrente 'não indicou os elementos impostos pelo artigo 75º-A nºs 1 e 2 referido' e daí que
'de harmonia com o artigo 76º nºs 1 e 2 da referida Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, não admito o recurso interposto a fls. 45'.
- 'O recurso havia sido interposto em prazo e uma questão de aperfeiçoamento não justifica o seu indeferimento liminar, sobretudo num caso em que o douto despacho judicial de aperfeiçoamento era ela também obscuro e revelador de dificuldades de interpretação da norma a que fazia referência' - é como termina o reclamante o seu requerimento de reclamação.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se neste sentido:
'Interposto recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade sem que o respectivo requerimento cumprisse o preceituado no artº 75º-A da Lei nº 28/82, foi o recorrente notificado, nos termos dessa mesma disposição legal, para aperfeiçoar, querendo, o dito requerimento, cumprindo o ónus que lhe é efectivamente imposto por tal disposição legal.
Reagiu o recorrente o tal convite através da apresentação de uma espécie de aclaração, que visava obter do relator esclarecimento sobre quais eram, em concreto, os elementos previstos naquele preceito legal que cumpria especificar. O relator considerou que, não tendo o recorrente procedido, no prazo legal, ao efectivo aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, havia que indeferi-lo, nos termos do nº 2 do artº 76º da Lei nº 28/82.
Deverá consentir-se ao recorrente, convidado a aperfeiçoar um requerimento de interposição de recurso manifestamente deficiente, o uso do mecanismo de esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades, por essa forma se protelando no tempo a fase de interposição dos recursos de fiscalização concreta?
A resposta parece-nos que deverá ser negativa, já que - sendo obrigatório o patrocínio no âmbito dos recursos de constitucionalidade - mal se compreenderia que o mandatário judicial (ou o magistrado litigando em causa própria, àquele necessariamente equiparado), notificado para cumprir o claramente estabelecido em certo preceito legal, pudesse vir pedir ao juiz explicações complementares sobre a forma concreta de cumprir no processo os ónus que sobre ele impendem, especificando o que emerge ou resulta de norma invocada. Aliás, no caso dos autos, nem sequer tendo o recorrente especificado qual a alínea do nº 1 do artº
70º ao abrigo do qual o recurso tinha sido interposto, é evidente que não cumpria ao próprio relator ter de especificar - relativamente a cada um dos tipos de recurso, em abstracto possíveis - quais os elementos que deveriam constar do novo requerimento a apresentar pelo recorrente.
Em suma: entendemos que a apresentação de um manifestamente infundado pedido de aclaração do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não deverá prorrogar o prazo para o recorrente acatar tal convite, eximindo-se à rejeição do recurso, decorrente do preceituado no nº 2 do artº 76º da Lei nº 28/82'.
3. Vistos os autos, cumpre decidir.
Das certidões juntas aos autos colhe-se ainda, no que aqui pode interessar, que o reclamante é queixoso nos 'autos de inquérito nº 1492/94 dos Serviços do Mº Pº na comarca de Abrantes' e recorreu para o Tribunal da Relação de Évora 'do despacho da Mmª Juíza que o condenou em 2 UCs de multa pela injustificação da falta a diligência para que fora convocado em 24 de Abril de
1996'.
Por acórdão daquela Relação, de 17 de Dezembro de 1996, foi dado 'parcial provimento ao recurso' e, consequentemente, revogado 'o despacho recorrido, devendo na 1ª instância notificar-se o interessado nos termos e, para os fins do artº 145º nº 6 do C.P.C.', tributando-se ainda 'o Recorrente em 3 UCs de taxa de justiça'.
Manifestando discordância com essa condenação em taxa de justiça e dizendo logo pretender 'interpor recurso para o Tribunal Constitucional', veio o reclamante requerer 'a reforma do douto acórdão, esclarecendo-se expressamente quais as concretas normas jurídicas aplicadas na condenação do recorrente em 3UCs de taxa de justiça, a fim de poder aceitá-la ou contra ela reagir, como lhe parecer de direito', o que mereceu o seguinte esclarecimento do Relator do processo: 'esclarece-se o Recorrente de que a sua condenação no acórdão, na referida taxa de justiça, tem por fundamento o artigo
188º nº 1 alínea b) do Código das Custas Judiciais aplicável à data da decisão'.
Seguiu-se a interposição do recurso de constitucionalidade com a sequência processual que atrás ficou relatada, na síntese colhida do requerimento de reclamação.
4. Está fora de qualquer dúvida que o reclamante pretendeu ver questionada por via do recurso de constitucionalidade a inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, alínea b), do Código das Custas Judiciais então em vigor, tal como anunciou no pedido de aclaração apresentado no Tribunal da Relação de Évora, face à sua condenação 'em 3UCs da taxa de justiça' ('na medida em que é desproporcionadamente violadora do direito de acesso aos tribunais, consignado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa', podendo essa alegação 'ser feita sem prévia arguição no processo da inconstitucionalidade, visto que o recorrente só dela toma conhecimento na decisão final', conforme se lê no requerimento de reclamação).
É também claro que no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o reclamante, manifestando a vontade de recorrer para o Tribunal Constitucional e discreteando sobre o pretendido recurso, não identificou nenhuma norma jurídica - a norma objecto de recurso e a norma ou princípio constitucional que se considera violado - e não precisou o tipo de recurso em causa, sendo que isto seria o mínimo exigível para ser cumprido o artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
Daí a sua notificação para dar cumprimento àquelas exigências feitas no citado artigo 75º-A, o que o reclamante não respeitou, antes aproveitando para formular um pedido de aclaração do despacho que determinou tal notificação (despacho que, aliás, é claro e elucidativo quanto ao dever processual imposto ao reclamante).
Por consequência, como não foram satisfeitos pelo reclamante os requisitos daquele artigo 75º-A, e ao convite não respondeu ele em termos de prestar as indicações em falta, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional tinha de ser, como foi no despacho reclamado, rejeitado ou não admitido (e com a inadmissão foi implicitamente indeferido o tal pedido de aclaração).
O 'fait divers' está no meio processual que o reclamante utilizou para formular o referido pedido de aclaração, sem deixar de manifestar pretender 'cumprir rigorosamente com o ordenado no douto despacho em referência'
(o despacho que o mandou notificar, 'nos termos e para os efeitos do artigo
75º-A, nº 5 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89 de 7 de Setembro').
Só que isso significa que o recorrente não acedeu ao convite a que se refere aquele nº 5 do artigo 75º-A, em termos tão claros que resultam de uma simples leitura do preceito: um convite para prestar as indicações em falta e que estão prescritas nos nºs 1 a 4 do mesmo artigo (e imediatamente tinha o reclamante o dever de se aperceber que, não constando do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade a identificação de nenhuma norma jurídica, faltava pelo menos, a indicação da 'alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto' e da 'norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o tribunal aprecie' (nº 1) e 'da norma ou princípio constitucional ou a legal que se considere violado'
(nº 2)). Tanto mais que, tendo anteriormente o recorrente manifestado a sua discordância com a sua condenação 'em 3UCs de taxa de justiça' e adiantando que pretendia interpor recurso para o Tribunal Constitucional - tema que se reconduziria à aplicação da norma do artigo 188º, nº 1, b) do Código das Custas Judiciais então em vigor e no qual insiste como tema único no requerimento de reclamação -, referiu-se de modo pouco claro no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade a 'normas cuja inconstitucionalidade incidental foi suscitada no processo' e a 'normas processuais que fixam o 'Thema decidendum' (conclusões das alegações)'. Pretenderia com isso alargar a questão de inconstitucionalidade a outras normas, além da norma citada do Código das Custas Judiciais? Se assim é, porque não identificou a norma ou as normas - todas elas - em causa?
Em suma, não pode aproveitar-se o reclamante de um pedido de aclaração - 'um manifestamente infundado pedido de aclaração', com lhe chama o Ministério Público - para se eximir ao ónus, que não respeitou, de acatar o convite a que se refere o nº 5 do artigo 75º-A, cujo teor literal não suscita qualquer tipo de dúvida, nem é ambíguo ou obscuro. E o incumprimento desse convite só pode gerar a inadmissão do recurso de constitucionalidade.
Com que não merece censura o despacho reclamado.
4. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta. Lisboa, 29 de Outubro de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa