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Proc.nº 250/97 (Reclamação)
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. Nuns autos de inventário facultativo para partilha da herança de A. e B., correndo termos pelo Tribunal Judicial de Paredes de Coura, no qual são interessados a aqui reclamante, C. e D. e seu marido, foi, na conferência de interessados, requerida a constituição em regime de propriedade horizontal de determinado imóvel.
Determinado, por despacho judicial, à cabeça-de-casal a comprovação do cumprimento de dois preceitos, respectivamente do Código do Notariado e do Código da Contribuição Predial, foi pela mesma cabeça-de-casal (a aqui reclamante) interposto recurso deste despacho, para o Tribunal da Relação do Porto que dele tomou conhecimento na espécie de agravo com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, já que se entendeu que a sua retenção o tornaria absolutamente inútil.
2. Foi tal recurso decidido. A recorrente, porém, mantendo-se inconformada, agravou em segunda instância. O Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão certificado a fls. 6/8, decidiu não tomar conhecimento do recurso, determinando a baixa dos autos à primeira instância para aí prosseguirem os seus termos.
Com efeito, entendeu o Supremo Tribunal, ponderando as especificidades do regime dos recursos no processo de inventário (artigo 1396º do Código de Processo Civil), que o agravo 'não devia ter subido imediatamente, uma vez que não é contemplado no artigo 734º nº 2 do CPC, que prescreve:«sobem também imediatamente os agravos cuja retenção as tornaria absolutamente inúteis»', e que tal inutilidade só é absoluta 'quando o resultado do recurso, seja ele qual fôr, devido à retenção, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo processado possibilite a anulação de alguns actos, incluindo o do julgamento, por ser isso um risco próprio ou normal dos recursos diferidos'.
3. Indeferido um pedido de aclaração e arguição de nulidades
(requerimento e Acórdão certificados, respectivamente, a fls. 13/15 e 9/10) pretendeu a mesma recorrente interpor recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), reportando-o à interpretação dada pelo Supremo Tribunal aos artigos 734º nº 2,
735º nº 2 e 1369º do CPC, por violação do princípio do Estado de direito e do disposto nos artigos 205º, nº 2 e 20º nº 2 da Constituição.
Não foi tal recurso admitido (parecer e Acórdão certificados a fls.10/12), por se entender ter a recorrente invocado como fundamento a circunstância de o Supremo ter dado 'uma interpretação àquelas normas de sorte à mesma colidir com normas e princípios constitucionais', sendo que a
'interpretação de normas comuns consideradas constitucionais' não constituiria
'fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional, face ao artigo 70º nº1 alínea b) da Lei nº 28/82'.
É esta a decisão aqui objecto de reclamação.
4. Colhido que se mostra o Parecer do Ministro Público (que é no sentido da procedência da reclamação) e corridos os pertinentes vistos da Secção, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
II FUNDAMENTAÇÃO
5. Em síntese, como se indica no Parecer do Ministério Público, a questão cuja apreciação pretende a reclamante trazer a este Tribunal, reconduz-se essencialmente ao conceito de 'agravo cuja retenção o tornaria absolutamente inútil', questão normativamente reportada ao nº 2 do artigo 734º do CPC (operante in casu através do artigo 1396º do CPC, sendo certo estar-se perante inventário de valor superior à alçada da Relação - v.João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. III, 3ª ed., Coimbra 1980, pp.236/238), e que na interpretação aqui pretendida sindicar, se pode enunciar nos seguintes termos: deverá ou não esse conceito de absoluta inutilidade 'abranger os casos em que a retenção do agravo interposto - pela tramitação e encaminhamento do processo decorrente da manutenção provisória, até ao momento da subida diferida, do despacho recorrido - pode conduzir a uma frustração dos objectivos prosseguidos pelas partes na causa?' (citado Parecer de fls. 17vº).
Trata-se, enfim, de sindicar uma interpretação do nº 2 do artigo 734º, que é uniforme na nossa jurisprudência, segundo a qual 'a inutilidade do agravo, resultante da retenção tem de ter carácter absoluto, como diz a lei, isto é, apenas quando sucede que a eventual retenção teria um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual (por exemplo, a repetição de certos actos processuais) (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo
Civil, 2ª ed., Lisboa 1994, p.236 e nota 2; v. também João António Lopes Cardoso, ob. e loc. cit. nota 3542).
6. Importa, desde já, sublinhar que o recurso de constitucionalidade, reportado necessariamente a normas, não exclui um pronunciamento - e logo uma legitima suscitação - referido à interpretação ou sentido com que a norma 'foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida' (José Manuel Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra 1992, p. 50, nota 49 b). Constitui esta, com efeito, uma modalidade correcta de suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa e foi, neste caso, a forma através da qual a reclamante introduziu tal questão.
Acrescentar-se-á, ainda, que o fez em momento processualmente adequado (no requerimento certificado a fls 13/15) sendo certo que só então, pela primeira vez, no processo (note-se que se trata substancialmente de um requerimento de arguição de nulidades do Acórdão pretendido recorrer) foi a reclamante confrontada no processo com o já indicado sentido interpretativo do artigo 734º nº 2, em termos de não lhe ser exigível colocar previamente a questão. Com efeito, para além do carácter desfavorável à sua posição processual
(e não se pode exigir às partes que levantem ao longo do processo questões novas que em última análise as podem desfavorecer), importa não esquecer que o recurso em causa foi julgado na Relação na base do entendimento de que a retenção do agravo o tornaria inútil e que a admissão do agravo em segunda instância se baseou no mesmo pressuposto.
Temos, pois, uma questão de inconstitucionalidade normativa relevantemente suscitada e em momento adequado, face ao processamento seguido.
Deve, assim, admitir-se o recurso.
III DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se deferir a presente reclamação, determinando-se a admissão do respectivo recurso.
Lisboa, 29 de Outubro de 1997 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa