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Processo n.º 59/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 559 e seguintes, não se tomou conhecimento do
objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes
fundamentos:
“[…]
8. Através do presente recurso, interposto do acórdão do Pleno, de 16 de
Novembro de 2005, pretende o recorrente, em primeiro lugar, a apreciação de
certas questões de inconstitucionalidade – que não especifica – do artigo 1º,
n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.
Refere, no requerimento de interposição do recurso (supra, 7.), que suscitou
tais questões nas alegações de 21 de Outubro de 2003 – portanto, nas alegações
do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do
Tribunal Central Administrativo (supra, 3.) –, bem como nas alegações de 24 de
Janeiro de 2001 – ou seja, nas alegações do recurso interposto da sentença da
primeira instância para o Tribunal Central Administrativo (supra, 2.).
Sucede, porém, que nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2,
da Lei do Tribunal Constitucional, tais questões de inconstitucionalidade
deveriam ter sido suscitadas de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a delas
conhecer.
Assim sendo, deveria o recorrente ter suscitado tais questões no recurso que
interpôs para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo, de modo que, na decisão recorrida – que é, como afirma o próprio
recorrente no requerimento de interposição do presente recurso, a do Pleno –,
pudessem (e devessem) tais questões ter sido apreciadas.
Não o tendo feito, verifica-se que, quanto às mencionadas questões de
inconstitucionalidade reportadas ao artigo 1º, n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de
Janeiro, não se encontra preenchido um dos pressupostos processuais do presente
recurso, pelo que, sem necessidade de aferir a verificação dos restantes
pressupostos processuais, se conclui que não é possível conhecer do respectivo
objecto.
9. Pretende ainda o recorrente a apreciação de certas questões de
inconstitucionalidade – que, mais uma vez, não especifica – das normas
constantes do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas do Município de Lisboa.
Afirma que suscitou tais questões nas alegações apresentadas em 21 de Outubro de
2003 – ou seja, nas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal
Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo (supra, 3.) –, bem
como «nos números 1 a 3 e conclusões 1ª a 3ª das alegações apresentadas a
2005.05.17» – isto é, nas alegações do recurso para o Pleno da Secção de
Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (supra, 5.).
Simplesmente, afirma-se no acórdão recorrido (supra, 6.) que as questões
enunciadas nas mencionadas conclusões 1ª a 3ª não constituíam o objecto do
recurso que, ao Pleno, competia conhecer, pois que tal objecto integrava
unicamente a questão «da nulidade ou anulabilidade das liquidações em causa, que
não das deliberações, normativas ou não, de que resultam e que não foram objecto
de qualquer apreciação concreta e específica, no acórdão recorrido».
Deste modo, a decisão recorrida não aplicou as normas constantes do Regulamento
da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa,
cuja inconstitucionalidade o recorrente censura e pretende ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
Ora, constituindo a aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja conformidade
constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie um dos
pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional – o recurso que foi agora interposto (supra,
7.) –, conclui-se que, também quanto às normas desse Regulamento, não é possível
conhecer do objecto do recurso.
[…].”.
2. Desta decisão sumária vem agora A. reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo,
em síntese, o seguinte (fls. 575 e seguintes):
“[…]
Pela decisão sumária ora reclamada entendeu-se, por um lado, que de acordo com
os artigos 70º, n.º 1 b) e 72º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, não se
encontrava preenchido um requisito processual para conhecer das questões de
constitucionalidade reportadas ao artigo 1°/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro e,
por outro, que a decisão recorrida não aplicou as normas constantes do
Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do
Município de Lisboa.
Salvo o devido respeito – e é muito – não podemos concordar com tal
entendimento.
2. Relativamente ao primeiro aspecto enunciado, cremos ser manifesta a sua
improcedência, pois o recorrente suscitou tais questões no recurso que interpôs
para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo.
Com efeito, no caso sub judice a questão de inconstitucionalidade é a dimensão
normativa do art. 1°/4 de Lei 1/87, de 6 de Janeiro, com o âmbito e extensão que
lhe foi definido no douto aresto recorrido – excluindo a aplicação do respectivo
regime de nulidade a actos de liquidação, como se verifica in casu – que foi
invocada pelo ora recorrente e foi expressamente apreciada no douto acórdão
recorrido.
A recusa de aplicação do dispositivo legal em causa face à dimensão ou sentido
normativo que lhe foi atribuído, sempre seria claramente inconstitucional pois,
sem fundamento material bastante, trataria de forma desigual situações
essencialmente idênticas (v. art. 13° da CRP), dado que em qualquer dos casos os
prejuízos suportados pelos particulares em virtude da exigência e pagamento dos
tributos inválidos são precisamente os mesmos, violando ainda o disposto nos
arts. 20°, 103° e 168°/1/i) da CRP.
Aliás, no presente processo não se discute – e nunca se poderia discutir – se o
art. 134° do CPA permitiria a conclusão no sentido de os actos de liquidação
impugnados serem anuláveis, pois tal consequência sempre resultaria da previsão
desse normativo, cuja inconstitucionalidade nunca foi questionada.
A questão suscitada no presente processo é totalmente distinta e independente
daquela:
– sem prejuízo da qualificação dos actos em análise como anuláveis, face ao
disposto no art. 134° do CPA – cuja constitucionalidade não foi questionada –,
será ou não constitucionalmente legítima a recusa de aplicação do art. 1°/4 da
Lei 1/87, de 6 de Janeiro, que determinaria ainda a nulidade dos mesmos actos,
como expressa e implicitamente se decidiu em todos os arestos proferidos no
presente processo.
No que toca ao segundo aspecto enunciado, registe-se que as liquidações em causa
são resultado das deliberações normativas do Regulamento da Taxa pela Realização
de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa, que criaram uma
contribuição especial, pelo que, nos termos do art. 4º/3 da LGT, têm natureza de
imposto não previsto na lei (v. arts. 103º/2 e 165º/1/i da CRP).
Por conseguinte, a aplicação – ou recusa de aplicação – das normas supra
referidas suscitam questões de constitucionalidade, que foram evidenciadas ao
longo do processo, integrando além disso o objecto do recurso interposto para o
Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
3. Face ao exposto, cremos ser manifesto que o objecto do presente recurso é
constituído pelas questões de inconstitucionalidade do art. 1º/4 da Lei 1/87, de
6 de Janeiro bem como do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas do Município de Lisboa, nos termos invocados pelo ora reclamante.
[…].”.
3. A Câmara Municipal de Lisboa, ora recorrida, não respondeu (fls. 580).
Cumpre apreciar.
II
4. Na decisão sumária reclamada considerou-se que, quanto às questões de
inconstitucionalidade relativas ao artigo 1º, n.º 4, da Lei n.º 1/87, de 6 de
Janeiro, cuja apreciação pelo Tribunal Constitucional o recorrente pretendia,
não se mostrava verificado um dos pressupostos processuais do recurso que havia
sido interposto (contemplado nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da
Lei do Tribunal Constitucional): concretamente, não havia o recorrente suscitado
tais questões no recurso que interpusera para o Pleno da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Segundo o reclamante, tal afirmação não corresponde à verdade, pois que,
nas suas próprias palavras, “o recorrente suscitou tais questões no recurso que
interpôs para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo”.
A resolução da contradição entre o afirmado na decisão sumária e o
afirmado pelo recorrente exige necessariamente a análise das conclusões das
alegações produzidas perante o Pleno (a fls. 474 e seguintes e 491 e seguintes),
conclusões que, aliás, se encontram transcritas no ponto 5. da decisão sumária
reclamada.
Dessa análise resulta indesmentivelmente que, quanto ao artigo 1º, n.º 4,
da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, não foi suscitada qualquer questão de
inconstitucionalidade.
O reclamante não aponta, aliás, qualquer trecho dessas alegações que
infirme esta asserção, ou seja, não identifica qualquer trecho no qual tenha
sustentado que tal preceito, em si mesmo considerado ou em certa dimensão
interpretativa, seria inconstitucional.
Improcede, assim, a argumentação do reclamante.
5. Considerou-se ainda, na decisão sumária reclamada, que as questões de
inconstitucionalidade reportadas às normas constantes do Regulamento da Taxa
pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa – que o
recorrente também pretendia submeter ao julgamento deste Tribunal – não podiam
ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional no âmbito do presente recurso, pois
que o tribunal recorrido não aplicara tais normas, constituindo essa aplicação
um dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
A conclusão, a que se chegou, de que o tribunal recorrido não aplicara
tais normas, alicerçava-se na circunstância de, no correspondente acórdão, se
afirmar que as questões enunciadas nas conclusões 1ª a 3ª das alegações do
recurso para o Pleno não constituíam objecto do recurso que, ao Pleno, competia
conhecer, pois que tal objecto integrava unicamente a questão “da nulidade ou
anulabilidade das liquidações em causa, que não das deliberações, normativas ou
não, de que resultam e que não foram objecto de qualquer apreciação concreta e
específica, no acórdão recorrido”.
O reclamante não explica como pode ter o tribunal recorrido aplicado as
normas constantes do Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas do Município de Lisboa, quando, no correspondente acórdão, se
afirma expressamente que essa matéria não podia ser apreciada porque não fazia
parte do objecto do recurso então interposto.
E não o faz porque, efectivamente, não se verificou a aplicação das normas
constantes desse Regulamento.
Improcede assim, também quanto a este aspecto, a argumentação do
recorrente.
6. Note-se, por último, que na reclamação agora deduzida o reclamante se
refere, em diversas passagens, a uma eventual “recusa de aplicação” das normas
questionadas, que pretenderia submeter ao julgamento deste Tribunal.
Relativamente a este ponto, importa apenas observar que o tipo de recurso
interposto tem necessariamente como objecto normas “aplicadas” na decisão
recorrida – como de resto já antes se explicitou – e não normas a que o tribunal
a quo tivesse recusado aplicação na decisão recorrida.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente
reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada, que não tomou conhecimento
do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 29 de Março de 2006
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos