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Processo n.º 347/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., tendo sido condenado, como autor de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de dois de anos de prisão, no pagamento da quantia titulada pelos cheques (acrescida de juros moratórios, contados da data da apresentação dos mesmos a pagamento) e na medida de inibição de uso de cheque por 24 (vinte e quatro) meses, recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 5 de Março de 1997, lhe reduziu a pena de prisão para 18 (dezoito) meses.
Notificado desse aresto, o arguido reclamou dele, por nulidade, dizendo que o mesmo 'não está minimamente fundamentado'. E acrescentou: 'ao não proceder à fundamentação em sede desta matéria de direito, não só o acórdão violou o disposto no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, como o n.º 4 do artigo 97º do mesmo diploma, como, pior do que tudo, o próprio dever de fundamentação decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 208º da Constituição da República'.
A Relação de Coimbra, por acórdão de 23 de Abril de
1997, desatendeu a reclamação por nulidade.
2. O arguido veio, então, recorrer para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para que aqui se aprecie a '(in)constitucionalidade da interpretação e da aplicação que o tribunal a quo fez do disposto no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 208º da Constituição da República'.
Como o recurso não foi admitido, apresentou o arguido a presente reclamação.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal é de parecer que a reclamação deve ser indeferida.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Adianta-se que a reclamação deve ser indeferida, uma vez que, no caso, se não verificam os pressupostos do recurso interposto, que são, entre outros, os seguintes:
(a). ter o recorrente suscitado, durante o processo (ou seja, em regra, até ser proferida a decisão de que recorre), a inconstitucionalidade da norma jurídica que pretende que este Tribunal aprecie, sub specie constitutionis;
(b). Ter suscitado essa inconstitucionalidade, de forma clara e perceptível - o que, estando em causa (como no caso acontece) a interpretação de determinada norma jurídica, exige que ele indique o sentido que considera incompatível com a Constituição, com a precisão capaz de permitir ao Tribunal enunciá-lo na decisão que vier a proferir, no caso, obviamente, de o seu julgamento ser no sentido da inconstitucionalidade;
(c). Ter a norma sido aplicada pela decisão recorrida, com essa interpretação tida por inconstitucional.
Ora, no caso, o reclamante só suscitou a inconstitucionalidade de certa interpretação da norma do n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, que é a que pretende ver apreciada por este Tribunal, no respectivo requerimento de interposição de recurso, ou seja, num momento que já não é processualmente adequado. E, ainda assim, fê-lo de forma processualmente inadequada, pois que se referiu à '(in)constitucionalidade da interpretação e da aplicação que o tribunal a quo fez do disposto no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal', sem precisar o sentido com que tal norma foi aplicada e que ele reputa não conforme com a Constituição. Antes desse momento - recte, na reclamação por nulidades - o que o reclamante disse foi que
'o acórdão violou o disposto no n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal' e 'o próprio dever de fundamentação decorrente do disposto no n.º 1 do artigo 208º da Constituição da República'. Ou seja: a violação da Constituição imputou-a ao próprio acórdão, e não a certa interpretação do n.º 2 do artigo
374º do Código de Processo Penal. Esta norma teve-a ele também por violada pelo acórdão.
Ora, constitui jurisprudência firme deste Tribunal que, nos recursos para si interpostos, ele só pode controlar a constitucionalidade das normas jurídicas aplicadas pelas decisões judiciais, apesar de elas terem sido arguidas de inconstitucionalidade, e não a constitucionalidade dessas mesmas decisões consideradas em si mesmas.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 29 de Outubro de 1997
Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa