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Proc. nº 183/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. requereu que o procedimento criminal contra ela instaurado no Tribunal da Comarca de Fafe pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão fosse declarado amnistiado, nos termos do artigo 2º, nºs 1 e 2 da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, e do artigo 126º, nº 1 do Código Penal.
Por despacho de 21 de Junho de 1994, do Juiz a quo, tal pretensão foi indeferida.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso daquele despacho para o Tribunal da Relação do Porto.
2. Por acórdão de 10 de Julho de 1996, a Relação negou provimento ao recurso.
A recorrente deduziu, então, incidente de nulidade dessa decisão, por a mesma não se ter pronunciado sobre o facto de a recorrente nada dever ao queixoso e sobre a violação, pela decisão recorrida, dos artigos 99º e 169º do C.P.Penal e do artº 352º do CCivil. Nesse articulado suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 15/94, e do artigo 310º, nº 1, do C.P.Penal, na interpretação que deles fez o Acórdão impugnado 'ao considerar que a aludida condição [de reparação ao lesado] só pode ser satisfeita posteriormente ao despacho de pronúncia', por violação do artigo 32º, nº 1 da Constituição - garantias de defesa e presunção de inocência do arguido.
Por acórdão de 29 de Janeiro de 1997, a Relação do Porto julgou improcedente aquele incidente e condenou a recorrente em litigância de má-fé.
3. Inconformada, a recorrente pretendeu então interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 10 de Julho de 1996, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, b) e nº 2 da LTC, para apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 310º, nº 1, do C.P.Penal e 2º da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, (Lei da Amnistia), no entendimento a elas dado pelo acórdão recorrido, segundo o qual 'com a prolacção do despacho de pronúncia definiu-se o objecto do processo, ficando os factos nele indicados, se condizentes com os da acusação, insusceptíveis de ser alterados a não ser no julgamento respectivo', por violação dos artigos 32º, nº
1 e 2º da Constituição.
4. Por acórdão de 19 de Março de 1997, a Relação, em conferência, decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade, por considerar que não fora «suscitada durante o processo a inconstitucionalidade dos normativos referidos».
É deste acórdão que vem interposta a presente reclamação, que a recorrente conclui pela forma seguinte:
1 - Na decisão da 1ª instância em apreço no douto acórdão de
10.7.96 não foram citados nem interpretados os artºs 2º da Lei 15/94 e 310º do CPPenal, cujos só o foram neste acórdão;
2 - A recorrente deduziu um incidente de nulidade quanto a esse douto acórdão, desde logo suscitando a questão da inconstitucionalidade desses dispos-tivos legais, na interpretação que nele deles se fez;
3 - Posto que o estatuído no nº 1 do artº 666º do CPC não pode ser visto isoladamente, mas conjugado com o seu nº 2, o poder jurisdicional do Tribunal a quo não estava esgotado quanto à matéria da causa, pois poderia vir a alterar a sua decisão por via da apreciação desse incidente e inconstitucionalidade.
4 - Assim sendo, do referido douto acórdão de 10.7.96 cabe recurso para este Tribunal Constitucional.
Já neste Tribunal, o Ministério Público, no seu visto, pronunciou-se pela improcedência da reclamação, porquanto
A questão suscitada pela ora reclamante não se configura como uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de 'normas' ou de
'interpretações normativas', prendendo-se antes exclusivamente com a valoração da matéria de facto relevante [...]
Ora, é manifesto que se não situa no âmbito da competência deste tribunal apreciar se tal declaração do ofendido terá, porventura, tido lugar, proceder à respectiva interpretação e avaliar da sua validade e eficácia, já que - na apreciação das questões jurídico-constitucionais suscitadas - está naturalmente limitado pela matéria de facto dada como assente pelas instâncias.
Corridos os vistos, cumpre, então, decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Nos termos do estabelecido no artigo
70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso de constitucionalidade das decisões jurisdicionais que hajam aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Tem este Tribunal repetidamente afirmado que só se pode considerar suscitada a questão durante o processo, quando a tempo de o tribunal a quo sobre ela se pronunciar, antes de esgotado o seu poder jurisdicional. Significa isto que o requerimento de arguição de nulidades de uma decisão judicial é instrumento inidóneo para se levantar, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade, em termos de se abrir a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
Nem estamos perante uma situação em que tal momento era ainda idóneo para esse efeito (por ser um daqueles casos em que só após proferida a decisão é que seria exigível ao recorrente que o fizesse).
Com efeito, pretende a recorrente que
[...] não suscitou qualquer inconstitucionalidade quanto à referida decisão da 1ª instância, pois nesta não se citou nem interpretou nenhum dispositivo legal, e sendo certo que esta questão só surgiu com o douto acórdão de 10.7.96, entende a reclamante que o poder jurisdicional do Tribunal a quo não se esgotou com a prolacção desse acórdão [...]
Ora, competiria à recorrente, com vista a poder utilizar posteriormente a via do recurso de constitucionalidade, suscitar, na motivação do recurso interposto daquela decisão da 1ª instância, a questão da inconstitucionalidade daqueles normativos. É que, ainda que pretenda que aquela decisão não citou nem interpretou nenhum dispositivo legal, verificou-se na mesma aplicação directa ou implícita de normas de direito. Tanto mais que a questão radicou, desde aquela decisão de 1ª instância, na aplicação do artigo
2º, nº 1, da Lei nº 15/94, suscitada pela própria reclamante.
Significa isto, sem margem para dúvidas, que a reclamante não questionou, em momento oportuno, quando teve oportunidade processual para o efeito, a constitucionalidade das normas. Quando muito, considerou que as mesmas foram mal aplicadas.
III - DECISÃO
6. Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 29 de Outubro de 1997
Luís Nunes de Almeida
Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa