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Processo n.º 878/05
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
A., B. e C., pretenderam recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão
proferido em 1 de Junho de 2005 na Relação de Coimbra pelo qual improcedeu o
recurso interposto pelos arguidos recorrentes.
Todavia, o recurso não lhes foi admitido, por despacho do seguinte teor:
Os arguidos A., B. e C. vêm a fls. 1073, interpor recurso para o Tribunal
Constitucional do acórdão proferido nos autos.
Alegam, para o efeito, que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do art. 70º da Lei 28/82 de 15/11, na redacção dada pela Lei 85/89 de 7 de
Setembro e pela Lei 13-A/98, de 16 Fevereiro.
Pois bem, nos termos do referido preceito legal, “Cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
– b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.”
Alegam os arguidos que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada na
motivação de recurso para este Tribunal.
Sucede que lendo e relendo a referida motivação, não se consegue descobrir onde
é que tal inconstitucionalidade foi suscitada.
Assim sendo, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e
condeno os recorrentes na taxa de justiça de 3 UC’s pelo incidente provocado.
Inconformados, reclamam nos termos do n.º 4 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro (LTC), dizendo:
1.º Por requerimento de 14 de Junho de 2005, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do art. 70 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, posteriormente alterada,
interpuseram os recorrentes recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão
do Tribunal da Relação de Coimbra, de 1 de Junho de 2005.
2.º Pretendia-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos nºs 6 e
7 do art. 11.º do DL n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro (RJIFNA), na redacção que lhe
foi dada pelo DL 394/93, de 24 de Novembro,
3.º por violação dos princípios da igualdade, necessidade e proporcional idade
da pena, consagrados nos art.. 13.º e 18.º n.º 2 da Constituição,
respectivamente,
4.º bem como do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade
pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo
direito à liberdade e à segurança consagrado no art. 27 n.º 1 da Constituição,
em consonância com o previsto no art. 1.º do Protocolo n.º 4 adicional à
Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
5.º A questão da inconstitucionalidade foi oportunamente suscitada na Motivação
do Recurso para o Venerando Tribunal da Relação.
6.º Porém, pelo Meritíssimo Desembargador Relator foi proferido o despacho
recorrido, no qual se pode ler, para além dos mais, o seguinte:
…Alegam os arguidos que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada na
motivação de recurso para este Tribunal.
Sucede que lendo e relendo a referida motivação, não se consegue descobrir onde
é que tal inconstitucionalidade foi suscitada…
7.º Ora, contrariamente ao teor do referido despacho, a questão da
inconstitucionalidade das normas referidas em 2.º foi efectivamente suscitada,
ainda que de modo indirecto, na motivação do Recurso e respectivas Conclusões.
8.º Com efeito, a certa altura de motivação é possível ler-se o seguinte:
Assente que a moldura penal aplicável é a da prisão ou da multa, optando o
julgador pela aplicação da pena de prisão, suspensa, mas condicionando-se esta
suspensão ao pagamento das dívidas tributárias, tem que se reconhecer que,
contra a marcha da história e da civilização, se recupera a prisão por dívidas.
E, a final, concluiu-se:
O julgador não atendeu à real situação económica dos 2.º 3º e 4º arguidos.
E, se atendeu, só se pode concluir que aplicou aos três arguidos uma verdadeira
pena de prisão por dívidas, porquanto condicionou a pena de substituição à
verificação de uma condição que o julgador bem sabe que os arguidos nunca
poderão concretizar: pagar em três anos o que nunca conseguirão pagar com os
seus magros rendimentos.
9.º Na verdade, as citadas normas dos nºs 6 e 7 do art. 11.º do RJIFNA, ao
condicionar automaticamente a suspensão da pena de prisão ao pagamento ao Estado
do imposto devido e respectivos acréscimos legais, sem atender às possibilidades
económico-financeiras dos arguidos para satisfazer as prestações tributárias em
causa, consagram uma autêntica prisão por dívidas.
10º E dessa forma violam os referidos princípios da igualdade, necessidade e
proporcionalidade da pena, bem como o princípio de que ninguém pode ser privado
da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual.
11.º A questão da inconstitucionalidade de tais normas foi, pois, oportunamente
suscitada nos presentes autos.
12.º Uma posição diversa, como parece ser a que o despacho recorrido perfilha,
viola de forma gritante o art. 20.º n.º 1 da Constituição, por coarctar o acesso
dos recorrentes ao Tribunal Constitucional para aí verem apreciada a questão da
inconstitucionalidade suscitada.
Termos em que deve a presente reclamação ser atendida e, consequentemente, ser
revogado o despacho reclamado e ordenado o prosseguimento do presente recurso.
O representante do Ministério Público neste Tribunal emite o seguinte parecer:
A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério, já que os
recorrentes não suscitaram – podendo obviamente tê-lo feito – durante o processo
e em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa idónea para integrar o objecto do recurso o objecto de recurso de
fiscalização concreta interposto.
Cumpre decidir.
Entendem os recorrentes que suscitaram na motivação do recurso para a Relação de
Coimbra a questão de inconstitucionalidade que pretendem ver apreciada neste
Tribunal, mediante a alegação de que 'O julgador não atendeu à real situação
económica dos 2.º 3º e 4º arguidos. E, se atendeu, só se pode concluir que
aplicou aos três arguidos uma verdadeira pena de prisão por dívidas, porquanto
condicionou a pena de substituição à verificação de uma condição que o julgador
bem sabe que os arguidos nunca poderão concretizar: pagar em três anos o que
nunca conseguirão pagar com os seus magros rendimentos.'
Razão têm, no entanto, quer o Relator que, na Relação de Coimbra, não
descortinou nesta alegação qualquer questão de inconstitucionalidade reportada
às normas que se pretende ver apreciadas, quer o representante do Ministério
Público neste Tribunal, ao entender que os recorrentes 'não suscitaram – podendo
obviamente tê-lo feito – durante o processo e em termos processualmente
adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea para
integrar o objecto do recurso o objecto de recurso de fiscalização concreta
interposto.'
Na verdade, a alegação dos recorrentes não concretiza – directa ou
indirectamente – a suscitação de uma qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, pois dela não é possível retirar qualquer intuito de provocar um
julgamento sobre a conformidade constitucional de uma norma aplicada no tribunal
recorrido de forma determinante para a condenação dos arguidos. Tal é o
suficiente para concluir pela improcedência da presente reclamação pois,
conforme bem se afirmou no despacho reclamado, constitui pressuposto do recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC que o recorrente haja
suscitado, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade
normativa que pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional.
Termos em que se indefere a reclamação, com custas pelos reclamantes. Taxa de
Justiça 20_ UC.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos