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Processo n.º 752/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura
como recorrente A. e como recorrido o Secretário de Estado da Administração
Educativa, aquele, inconformado com a decisão do Tribunal Central Administrativo
que negou provimento ao recurso do indeferimento tácito, imputável àquele
Secretário de Estado, do recurso hierárquico que interpusera do acto que o
excluiu de um determinado concurso de professores, interpôs recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo, alegando, nomeadamente, o seguinte:
“[...] 12. Atento o que acima se disse e salvo o devido respeito por opinião
diferente, entende o recorrente que o seu curso deveria estar incluído no 2°
escalão das habilitações próprias para a docência do 1° grupo do 2° ciclo do
ensino básico (cód. 01).
13. Assim, o Despacho Normativo n° 32/84, de 9 de Fevereiro e os Despachos que
lhe seguiram, nomeadamente o Despacho Normativo n° 1‑A/99, de 20 de Janeiro, ao
não incluírem o curso do recorrente no 2° escalão das habilitações próprias para
a docência são inconstitucionais ou ilegais por violarem os diplomas legais
atrás referidos e ainda os princípios de igualdade, de justiça e da proporcional
idade consagrados no art.º 12° e 13°, al. b) do artº 58°, n° 2 do art.º 266° da
Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 3°, 4°, 5°, 6° e 6°-A do
Código do Procedimento Administrativo.
14. Também o douto acórdão ora em recurso, viola os mesmos princípios e
disposições legais atrás referidos, pelo que deve ser revogado. [...]”
2. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 2 de Junho de 2005, decidiu
negar provimento ao recurso. Para tanto, escudou-se na seguinte fundamentação:
“[...] O recorrente em sede de recurso jurisdicional, limita-se a reproduzir,
ipsis verbis, o teor da sua alegação e respectivas conclusões formuladas no
recurso contencioso, apenas substituindo, a final a palavra “acto” pela palavra
“acórdão”, mas, mesmo assim, sem evitar que na conclusão 1ª da alegação
jurisdicional mantenha a expressão “presente recurso contencioso”.
Poderia dizer-se que o mesmo pretende, por essa via, a sindicação pelo tribunal
superior da apreciação feita pelo tribunal a quo relativamente aos fundamentos
em que sustentou, em sede contenciosa, a ilegalidade do acto recorrido, e que
isso seria suficiente para considerar cumprido o ónus de alegação.
Mas não é assim.
Mesmo a jurisprudência menos exigente quanto ao âmbito formal do ónus de
impugnação, ancorada numa maior prevalência dos princípios anti formalista e pro
actione, e na garantia constitucional de reapreciação das decisões judiciais
pelo tribunal superior não descura a exigência de que os fundamentos da decisão
judicial impugnada devam ser obrigatoriamente afrontados pelo recorrente, não
bastando que este reedite o ataque ao acto administrativo sem qualquer
referência aos específicos fundamentos da decisão judicial impugnada, mormente
quando estes consubstanciam argumentação não abordada pelo recorrente e que, por
isso, não foi por ele anteriormente rebatida ou, sequer, equacionada.
Afirmou-se, a tal propósito no Ac. do Pleno de 16.10.2003 - Rec. 45.943: [...]
O que significa que, no recurso jurisdicional, não pode o recorrente limitar-se
a atacar de novo o acto recorrido, repetindo os argumentos anteriormente
aduzidos e com que visara demonstrar a ilegalidade daquele acto, tendo antes o
encargo de - sob pena de comprometer o êxito do recurso - expor as suas razões
de discordância relativamente à solução encontrada no acórdão impugnado atacando
os fundamentos em que o mesmo se sustenta.
Na situação sub judice, constata-se linearmente que o recorrente se limita a
reproduzir a alegação apresentada no recurso contencioso, decalcando as
conclusões ali formuladas, e sem fazer a mínima referência à decisão recorrida e
aos seus específicos fundamentos.
Ora, a decisão jurisdicionalmente impugnada negou provimento ao recurso
contencioso após julgar improcedentes os vícios invocados pelo recorrente, com a
adopção de fundamentos específicos que, independentemente da sua bondade, não
foram referidos, e muito menos afrontados na alegação para este STA.
[...]
Esses fundamentos da decisão em que o tribunal a quo contrariou a posição d[o]
recorrente concluindo no sentido da sua inconsistência, foram ignorados ou
silenciados pel[o] recorrente, que se limitou a reeditar mecanicamente a peça
alegatória anterior sendo assim evidente que não foi exercido devidamente o ónus
de alegação o que conduz necessariamente ao improvimento do recurso.[...].”
3. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de constitucionalidade,
através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], recorrente no processo supra identificado, porque, não se conformando
com o Douto Acórdão em que lhe foi negado o provimento ao recurso contencioso,
vem dele, respeitosamente, interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao
abrigo dos disposto na al. b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15
de Novembro, alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/9,
de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei n.º13-A/98, de
26 de Fevereiro, para apreciação da inconstitucionalidade material que o
recorrente suscitou, desde logo, na petição inicial e depois em todas as
alegações, por violação dos art°s. 12º, 13º, al. b) do art°. 58° e o nº.2 do
art.º. 266º da Constituição da República Portuguesa. [...]”
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte relevante, o seu teor:
“Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (artigo
76º, n.º 3, da LTC).
4.1. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional - o interposto pelo recorrente - pressupõe,
nomeadamente, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio
decidendi, a norma cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
Ora, como vai sumariamente ver-se, é manifesto que tal não aconteceu.
De facto, as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente questionou e
pretende ver apreciadas, por alegada violação “dos art°s. 12º, 13º, al. b) do
art°. 58° e o nº.2 do art.º. 266º da Constituição da República Portuguesa”, são
as constantes do “Despacho Normativo n° 32/84, de 9 de Fevereiro e os Despachos
que lhe seguiram, nomeadamente o Despacho Normativo n° 1‑A/99, de 20 de
Janeiro”, “ao não incluírem o curso do recorrente no 2° escalão das habilitações
próprias para a docência”.
Acontece, porém, que o acórdão recorrido manifestamente não aplicou, como ratio
decidendi, aquelas normas. Na verdade, constatando que, o recorrente não
afrontou os fundamentos da decisão judicial impugnada, ao contrário do que, no
entender da decisão recorrida, obrigatoriamente deveria ter feito, tendo-se
limitado a reiterar “o ataque ao acto administrativo sem qualquer referência aos
específicos fundamentos da decisão judicial impugnada, mormente quando estes
consubstanciam argumentação não abordada pelo recorrente e que, por isso não foi
por ele anteriormente rebatida ou, sequer, equacionada”, o acórdão concluiu que
“não foi exercido devidamente o ónus de alegação o que conduz necessariamente ao
improvimento do recurso” [itálico aditado]. Ou seja, o acórdão negou provimento
ao recurso, não porque tenha aplicado os despachos alegadamente
inconstitucionais, mas antes por ter considerado que não foi cumprido pelo
recorrente “o ónus de alegação”.
Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que
não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade que o
recorrente pretendeu interpor, por manifesta falta de, pelo menos, um dos seus
pressupostos legais de admissibilidade; a saber: ter a decisão recorrida
efectivamente aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja constitucionalidade
pretendia ver apreciada.
4.2. Afirma ainda o recorrente que vem interpor recurso ao abrigo do disposto na
alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro. Mas só por
lapso manifesto o pode fazer. De facto, basta ler a decisão recorrida, que supra
transcrevemos na parte relevante, para verificar que nela não foi recusada a
aplicação de qualquer “norma constante de acto legislativo, com fundamento na
sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado”.
5. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta,
na parte que à decisão desta reclamação importa, nos seguintes termos:
“[...] recorrente nos autos de recurso melhor identificado em epígrafe, não se
conformando com a douta decisão sumária proferida pelo Mmo Juiz Relator a fls
dos autos, vem, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3, da Lei 28/82, de 15
de Novembro, reclamar dessa decisão para a Conferência, nos termos e com os
seguintes fundamentos
Como, aliás, consta da decisão de que ora se reclama, o reclamante, quer perante
o TCA, quer perante quer perante o STA, suscitou e, portanto, pretendeu ver
apreciada, através dos competentes recursos que interpôs para esses Tribunais, a
inconstitucionalidade do Despacho Normativo n.º 32/84, de 09 de Fevereiro e os
Despachos que lhe seguiram, nomeadamente, o Despacho Normativo n.º 1 – A – 99,
de 20 de Janeiro, ao não incluírem o curso do reclamante no 2º escalão, das
habilitações próprias, ao 1º grupo – código 01, do 2º ciclo, ensino básico (5º e
6º anos de escolaridade).
Sucede que,
O TCA negou provimento ao recurso interposto, com esse fundamento, pelo
reclamante, entendendo não haver inconstitucionalidade alguma, em consequência,
decidiu aplicar os Despachos em causa, com prejuízo evidente para o ora
reclamante, que, assim se viu excluído do concurso de professores, para o ano
escolar de 2002/03 ao 1º grupo do ensino básico (2º ciclo), grupo que tem a
designação de Português e Ciências Sociais (as disciplinas de leccionação, deste
grupo, são Português e História de Portugal)
Na verdade, o Acórdão do TCA, apesar “em negar provimento ao recurso e manter o
acto recorrido.”, não invoca expressamente que o reclamante não tem habilitação
à docência do grupo em questão, antes, questiona “Então por que não equipara o
recorrente a sua licenciatura à licenciatura em Ciências Sociais previstas neste
4º escalão do Grupo I do Mapa a que se refere o Despacho Normativo n.º 32/84?”.
Ora, como fácil é de ver, este Acórdão não afirma que o reclamante não tem
habilitação para a docência ao grupo, antes pondo, somente, em questão qual o
escalão das habilitações em que o reclamante deve ser enquadrado.
Mas, como adiante se fará prova de forma objectiva e taxativa, na verdade, o
reclamante reúne, na plenitude, os requisitos habilitacionais, sabendo-o o
Mi[ni]stério da Educação, porque é a entidade competente na homologação das
disciplinas e dos curso dos diferentes níveis e graus de ensino básico: 1º, 2º e
3º ciclos, secundário e superior), para estar integrado no 1º/2º escalão das
habilitações próprias para a docência ao grupo.
Por sua vez,
O STA negou, igualmente, provimento ao recurso do reclamante por (unicamente)
ter considerado que este não exerceu devidamente o ónus da alegação.
Perante o exposto,
O Mmo Juiz Relator na douta decisão reclamada, considerando que «o acórdão negou
provimento ao recurso, não porque tenha aplicado os despacho alegadamente
inconstitucionais, mas antes por ter considerado que foi cumprido pelo
recorrente “o ónus de alegação”», decidiu não conhecer do objecto do presente
recurso de constitucionalidade por manifesta falta dos seus pressupostos legais
de admissibilidade, designadamente, “ter a decisão recorrida efectivamente
aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja constitucionalidade pretendia ver
apreciada.”
Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, entendemos que não assiste razão
ao Mmo Juiz relator, uma vez que, se é certo que o STA não aplicou, como ratio
decidendi, as normas (despachos) cuja constitucionalidade pretende ver
apreciada, não é menos certo que, por força da decisão do STA – que negou
provimento ao recurso do reclamante, por razões puramente processuais e não por
entender que não ocorria inconstitucionalidade alguma – o reclamante se vê
confrontado com uma decisão (a do TCA) que lhe é absolutamente desfavorável e
que se estriba em normas (despachos) cuja constitucionalidade foi por ele
questionada,
Ou seja,
Transitado em julgado o Acórdão do STA, o reclamante ficará vinculado à decisão
do TCA, que aplicou aquelas normas.
O mesmo é dizer que,
Se o STA, na decisão que proferiu, não aplicou directamente as normas
(despachos) em crise, acaba, com essa decisão, e como é por demais evidente, por
aplicá-las por via indirecta, ao não conhecer o objecto de recurso, e desse
modo, não apreciando as inconstitucionalidades invocadas.[...]”
6. O Secretário de Estado da Administração Educativa, reclamado, notificado da
presente reclamação, sustentou o indeferimento da mesma.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
7. Na decisão sumária ora reclamada decidiu-se não ser possível conhecer do
objecto do recurso, por evidente falta de, pelo menos, um dos seus pressupostos
legais de admissibilidade, a saber: ter a decisão recorrida efectivamente
aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja constitucionalidade o recorrente
pretendia ver apreciada.
O recorrente vem reclamar daquela decisão, confirmando, todavia, que assim foi.
Na verdade, conforme se lê na referida reclamação, “é certo que o STA não
aplicou, como ratio decidendi, as normas (despachos) cuja constitucionalidade
pretende ver apreciada”. Ora tanto basta para que a mesma não possa proceder,
uma vez que os poderes de cognição deste Tribunal, no âmbito do recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – o que está em causa
-, estão limitados às normas aplicadas na decisão recorrida.
Invoca o ora reclamante que, assim, fica confrontado com “uma decisão (a do TCA)
que lhe é absolutamente desfavorável e que se estriba em normas (despachos) cuja
constitucionalidade foi por ele questionada”. Sibi imputet, uma vez que, não
tendo cumprido um ónus de alegação, viu improceder o seu recurso perante o
Supremo Tribunal Administrativo, sem que este se tivesse pronunciado sobre a
questão de constitucionalidade.
Finalmente, alega o reclamante que “se o STA, na decisão que proferiu, não
aplicou directamente as normas (despachos) em crise, acaba, com essa decisão, e
como é por demais evidente, por aplicá-las por via indirecta, ao não conhecer o
objecto de recurso, e desse modo, não apreciando as inconstitucionalidades
invocadas.” Não tem, porém, qualquer razão.
É que, como sem qualquer dificuldade se alcança, uma decisão que nega provimento
a um recurso, como o fez a decisão recorrida, com determinado fundamento - neste
caso a falta de cumprimento de um ónus de alegação, imputável ao próprio
recorrente -, se bem que implique a manutenção da decisão então recorrida, não
aplica, nem directa nem indirectamente, nem explicita nem implicitamente,
qualquer das normas em que esta mesma se baseou. Limita-se, única e
exclusivamente, a entender que o recurso, pelas razões invocadas, e não por
quaisquer outras, não pode proceder. Nada mais.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a
decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 21 de Outubro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício