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Processo n.º 12/06
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. EP – Estradas de Portugal, E.P.E. reclama do despacho de 10 de Novembro de
2005, do relator do processo no Tribunal da Relação do Porto que não admitiu um
recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
O recurso não foi admitido, em síntese, por se ter considerado que a
questão de inconstitucionalidade não fora suscitada perante o Tribunal da
Relação em termos de este estar obrigado a dela conhecer, não sendo momento
idóneo as alegações de um recurso de revista interposto da mesma decisão e de
que o Supremo Tribunal de Justiça não veio a tomar conhecimento.
A reclamante sustenta que o recurso deveria ter sido admitido, pelo
seguinte:
“(…)
3.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se à ora impetrante que o recurso para o
Tribunal Constitucional deveria ter sido admitido.
4.
Isto porque, nas alegações de recurso de Revista, a questão da nulidade
suscitada (que, recorde-se, tem a ver com a falta de fundamentação da decisão
judicial ínsita no Acórdão de 28/12/2002) a não ser considerada procedente,
incorreria numa interpretação inconstitucional dos artigos 158.º, n.º 1 e 668.º
n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil no sentido de que, em processo de
expropriação, a remissão para o relatório dos peritos escolhidos pelo Tribunal
para o acto de avaliação, decorrente do facto de os mesmos se presumirem
credíveis e imparciais, é suficiente para fundamentar a decisão judicial. Ora,
no entender da recorrente, tal interpretação está ferida de
inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 20.º e no artigo 205.º,
n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
5.
Donde, ao entender sustentar o Acórdão precedente (o de 28/11/2002) quanto à
nulidade, o Acórdão de 27 de Março de 2003 decidiu nos precisos termos em que
aquele vício tinha sido suscitado, ponderando decerto os precisos termos que
foram alegados e constantes das respectivas conclusões.
6.
Ora, a alegação efectuada pela recorrente foi precisamente a afirmação de que a
decisão negativa quanto à nulidade suscitada seria tomada com base numa
interpretação que feriria de inconstitucionalidade os artigos 158.º, n.º 1 e
668.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil, conforme se alcança pela transcrição
das Conclusões acima efectuada.
7.
Pelo que, no entender da recorrente, deveria ter sido admitido o recurso do
Acórdão sustentador da decisão arguida como nula para o Tribunal Constitucional,
ao contrário do que foi decidido pelo despacho de 10 de Novembro de 2005, do
qual agora se reclama.
(…).”
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, não pode considerar-se suscitada “durante o processo” a questão de
constitucionalidade que apenas é colocada, pela primeira vez, no âmbito de um
recurso de revista do qual o STJ não vem a tomar conhecimento, por considerar
irrecorrível o acórdão da Relação que dirimiu definitivamente a questão do valor
da indemnização a arbitrar ao expropriado, inexistindo o conflito
jurisprudencial em que se ancorava a interposição do dito recurso de revista.”
2. Para decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais seguintes:
a) Por acórdão de 28 de Novembro de 2002, o TRP negou provimento a recurso
interposto pelo Instituto de Estradas de Portugal (IEP) de sentença do Tribunal
Cível do Porto (8ª Vara) que fixara a indemnização devida pela expropriação por
utilidade pública de uma parcela de terreno ( parcela n.º 67 da planta
cadastral) necessária à construção dos “acessos norte à Ponte do Freixo”;
b) O IEP interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em cujas
alegações concluiu, além do mais, o seguinte:
“3.A nulidade do acórdão recorrido
Entende-se, que salvo o respeito por opinião contrária, que o acórdão recorrido
é nulo por vício de falta de fundamentação da decisão a que logrou chegar.
Trata-se de invalidade processual incorrida no próprio aresto recorrido,
estando, destarte, verificados os pressupostos de admissibilidade do presente
recurso - cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 754.º do CPC.
Na realidade, o aresto recorrido, colocado perante as questões suscitadas pela
expropriante na sua apelação, fundamenta essencialmente a sua decisão por
remissão para o relatório pericial. Ora, atento o exposto na introdução destas
alegações, e que aqui se considera reproduzido, entendemos que se trata de
fundamentação manifestamente insuficiente.
Na verdade, para fixação da indemnização o tribunal deverá atender aos elementos
probatórios que constam dos autos, logrando aqui plena aplicação o principio da
liberdade da apreciação da prova - cfr. José Osvaldo Gomes, in Expropriações por
Utilidade Pública, 1997, Texto Editora, pág.373. Neste sentido, o julgador é
instado à produção de uma valoração própria e autónoma, fundada nos critérios
constitucionais e legais, e que não pode reconduzir-se a uma simples, mecânica e
automática adesão à avaliação efectuada pelos peritos indicados pelo tribunal.
No exercício da sua actividade valorativa e judicativa, o julgador, para
apreciar livremente a prova, há-de socorrer-se da análise dos elementos que
constam do processo e das regras da experiência comum, efectuando, assim, uma
tarefa de ponderação e contextualização critica dessa mesma prova. Só esta
actividade é verdadeiramente judicativa e só ela justifica e fundamenta a
intervenção do julgador no processo de cálculo da indemnização justa a atribuir
ao expropriado.
Aliás, de harmonia com o disposto no artigo 158.º CPC “as decisões proferidas
sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo
são sempre fundamentadas”, e, na decisão a proferir sobre a matéria de facto, o
tribunal deve analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que
foram decisivos para a convicção do julgador - cfr. artigo 653.º, n.º 2 do CPC.
Por outro lado, de acordo com o n.º 1, do artigo 205.º da Constituição da
República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente
são fundamentadas na forma prevista na lei.
Ora, o aresto recorrido, ao debruçar-se sobre a maioria das conclusões da
expropriante, remete para o relatório dos peritos do tribunal em vez de se
debruçar directamente sobre os temas e as questões suscitadas.
É assim com a conclusão 7ª respeitante ao factor de localização e qualidade
ambiental, com a conclusão 8ª respeitante à aplicabilidade do n.º 5, do artigo
25° do CE, a conclusão 9ª, respeitante à capacidade construtiva da parcela, a
conclusão 10ª, respeitante à percentagem com os custos da construção, com a
conclusão 12ª, respeitante ao custo de aquisição da denominada “Casa da …” e ao
seu relevo para a definição da indemnização e com a conclusão 13ª, respeitante
ao preço de construção por metro quadrado.
Ou seja, perante as questões ali suscitadas, o douto aresto sob impugnação
limitou-se, no essencial, a remeter para o relatório dos três peritos escolhidos
pelo tribunal, ao invés de criticar e rebater o mérito das aludidas questões. E
o problema conquista particular acuidade quando é certo que o que está
essencialmente em causa é a escolha entre dois relatórios - um dos árbitros e o
outro dos peritos escolhidos pelo tribunal -, que são elaborados por pessoas
provenientes da mesma lista oficial, com a mesma formação e adstritos à
observação da mesma realidade de facto e à aplicação dos mesmos critérios. A
opção entre um e outro dos relatórios é um acto critico e não pode ser
fundamentada dizendo-se tão somente que “a jurisprudência e doutrina têm vindo a
entender que o laudo unânime dos peritos do tribunal merece maior credibilidade
por parte do julgador, dada a natural imparcialidade de que está revestido” -
cfr. o aresto recorrido.
Ora, esta fundamentação não colhe, justamente porque os árbitros, sendo
escolhidos e nomeados pelo tribunal, também gozam de uma especial presunção de
credibilidade e imparcialidade. Ou seja, neste ponto, o apelo à especial
credibilidade dos peritos do tribunal não pode servir de critério para a
decisão.
E não pode servir de critério, porquanto, tratando-se de optar entre relatórios
de especialistas igualmente nomeados pelo tribunal, a opção pelo relatório dos
peritos do acto de avaliação equivaleria à afirmação da inexistência de
credibilidade e idoneidade por parte dos árbitros!
Cremos, destarte, que tal remissão simples, à luz daquilo que acima se expôs,
não preenche os requisitos nem os objectivos do dever constitucional de
fundamentação das decisões judiciais equivalendo a fundamentação manifestamente
insuficiente e incapaz de explicar de forma racional e convincente o sentido e
significado da decisão judicial.
Neste sentido, não temos dúvidas em afirmar que uma interpretação conjugada dos
artigos 158.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil no
sentido de quê, em processo de expropriação, a remissão para o relatório dos
peritos escolhidos pelo tribunal para o acto de avaliação, decorrente do facto
de os mesmos se presumirem credíveis e imparciais, é suficiente para fundamentar
a decisão judicial, está ferida de inconstitucionalidade por violação do
disposto no artigo 20.º e no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa.
Como referem J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República
Anotada, 3ª edição revista, pág. 798 ss “o dever de fundamentação é uma garantia
integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, ao menos quanto
às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como
instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de
garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a
fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição
concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que
justificam a decisão.”
De tudo o exposto, deflui, então, a nulidade do acórdão sub judice, por violação
dos artigos 158.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil.”
c) Por acórdão de 10 de Fevereiro de 2003, o Tribunal da Relação do Porto
decidiu:
“[…]
Feita a observação que se acabou de expor, diremos, a propósito da invocada
nulidade, nos termos do estatuído nos artºs. 668.º n.º 4 e n.º 1 do art.º 716.º,
que se entende que aquele Acórdão de fls. 916 e sgs. não enferma da nulidade que
lhe é imputada. Com efeito, já em tal Acórdão se observou em que circunstâncias
uma sentença ou, no caso concreto, um Acórdão, podem considerar-se feridos da
nulidade invocada pela entidade expropriante. Afigura-se-nos, todavia, que a ora
recorrente não leu com a necessária atenção o que se escreveu, a fls. 931, no
que respeita à nulidade prevista na alín. b) do n.º 1 do art.º 668.º, a qual,
como se disse acima, nada tem a ver com o disposto nos art.º 158.º e 653.º n.º
2, preceito este que a recorrente esquece ou omite na conclusão 25.ª, para, em
seu lugar, invocar o art.º 668.º n.º 1, alín. b ). Ali se escreveu, com efeito,
- e ora se repete que, “como é sabido, para que ocorra a nulidade de sentença
defendida pela apelante (art.º 668.º n.º 1, alín. b) - no caso concreto Acórdão
-, é necessário, por um lado, que o Juiz “não especifique os fundamentos de
facto e de direito que justifiquem a decisão”... Quanto ao 1.º ponto, (nulidade
da alín. b) são doutrina (cfr. v.g. Prof. A. Varela, in RLJ, Ano 121.º, p. 312)
e jurisprudência (cfr., por todos, Acs. STJ, 3/10/73, in BMJ, 229, p.155; de
8/4/75, in BMJ, 246, p.131, e de 18/2/99, in CJ, TI, p.115) correntes as de que
a nulidade prevista na mencionada alin. b) só opera quando haja falta ou omissão
total dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão”. Ora, do
Acórdão em causa constam não só a factualidade ti da por assente, provada e
relevante para a decisão do recurso, como também as razões ou fundamentos de
direito por que se adoptou - tal como acontecera já a nível do Tribunal de
comarca - o laudo maioritário dos peritos do Tribunal, salientando-se,
outrossim, que são essas não só a doutrina como a jurisprudência dominantes,
“cujos inúmeros Acórdãos nos abstemos de referir aqui, por desnecessário, para
não tomar fastidiosa a exposição” (cfr. fls. 932). Não obstante, porque a ora
recorrente dá a entender que não será assim, ao referir apenas um, já
relativamente antigo, Acórdão desta Relação (fls.984), diremos que mereceu,
quanto a nós, atenção designadamente a doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa,
de 23/01/2001, publicado na CJ, 2001, TI, p.98, onde se escreveu: “O Juiz,
embora decida livremente, só deverá recusar o laudo pericial (maioritário ), se
tiver havido infracção da lei ou tiverem sido adoptados critérios arbitrários”,
o que, a nosso ver, não aconteceu no caso concreto, como também se fez notar a
fls. 933 do Acórdão ora em recurso, podendo consultar-se , entre muitos outros,
v .g. os Acs. desta Relação, de 10/10/96, in CJ, TIV, p.223 ; da Rel. de Lisboa,
de 15/4/99, in CJ, TIII, p.103 ; da Rel. de Coimbra, de 21 de Maio de 1991, in
CJ, TIII, p.74 e da Rel. de Évora, de 7/1/97 in BMJ 385 p.628.
Deste modo, não padecendo, como, a nosso ver, não padece o Acórdão recorrido da
nulidade que lhe é assacada pela recorrente, digamos que, ao fim e ao resto -
tal como se diz, em contra-alegações, a fls.1028, depois de se terem citado, a
fls. 1014 e sgs., recentes Acs. do STJ -, a discordância da recorrente não está
propriamente na nulidade assacada ao Acórdão recorrido, mas no facto de ele não
estar “fundamentado como pretenderia a recorrente, o que é questão bem
diferente”.
É certo que a entidade expropriante defende, a fls. 986, que, no exercício da
sua actividade valorativa e judicativa, o julgador...há-de socorrer-se
(inclusive) ' das regras da experiência comum'.
No entanto, a este propósito, diremos que no mencionado Acórdão de fls. 916 e
sgs. também se fez constar que “sendo a avaliação uma diligência obrigatória
(art.º 59.º n.º 2 do Cód. das Exprop. aplicável), é ela, em processos de
expropriação por utilidade pública, a rainha das provas, que o Tribunal tem de
considerar, e, entre os vários laudos, não pode deixar de ser descurado -
queríamos dizer atendido - o laudo maioritário pelas razões já sobejamente
conhecidas”.
Aliás, sendo os peritos os técnicos, são eles - maxime os do laudo maioritário
ou seja, no caso concreto, os peritos do Tribunal - que, com o seu saber e a sua
experiência, hão-de fornecer ao julgador os necessários elementos para a
decisão. É da sua experiência, ou melhor, das suas regras de experiência e do
seu saber de técnicos qualificados, que o julgador há-de servir-se para decidir
- inclusive nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 22.º, 23.º n.º 3
e suas alíns. t), g) e h) do Cód das Exprop/91 -, tudo conforme se fez constar
do mencionado Acórdão de fls. 916 e sgs., “sem menosprezo, como é evidente, dos
demais laudos”, como, de igual modo, se fez constar daquele Acórdão agora em
recurso de revista.
Em conformidade com todo o exposto, entende-se que o Acórdão em causa não padece
da nulidade que lhe é imputada pela recorrente. Oportunamente, remeta os autos
ao Supremo Tribunal de Justiça nos termos habituais.”
d) Por acórdão de 6 de Julho de 2005, considerando inadmissível a revista,
o Supremo Tribunal de Justiça, não tomou conhecimento do recurso.
e) A recorrente, notificada deste acórdão por carta registada de 5 de Julho
de 2005, apresentou, em 22 de Setembro de 2005, um requerimento dirigido ao
Tribunal da Relação do Porto, do seguinte teor:
“EP- Estradas de Portugal, E.P.E, por sucessão legal nos direitos e obrigações
do Instituto Estradas de Portugal (IEP), operada pelo artigo 2.º, n.º 1 e n.° 2
do Decreto-Lei n.º 239/04 de 21 de Dezembro de 2004, recorrente nos presentes
autos, vem ao abrigo do disposto na aliena b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, requerer a admissibilidade de recurso para o
Tribunal Constitucional com o seguinte fundamento:
1. No presente processo de apelação foi proferido douto acórdão de 28 de
Novembro de 2002, em que foi julgado improcedente o recurso interposto pela
expropriante, ora requerente.
2. A ora requerente apresentou requerimento e alegações de Recurso de Revista
para o Supremo Tribunal de Justiça, com base:
- na invocação da nulidade da decisão constante de tal acórdão por falta de
fundamentação;
- na preterição de jurisprudência obrigatória;
- e na oposição de julgados da Relação que determinaria a necessidade de
uniformização de jurisprudência em revista ampliada.
3. O Venerando Tribunal da Relação do Porto apreciou as alegações de recurso de
Revista apresentadas pela ora requerente em 10 de Fevereiro de 2003 nos termos
do previsto no artigo 744.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o
artigo 668.º, número 4 do mesmo Código.
4. Essa apreciação foi expressa em Acórdão de 27 de Março de 2003, e através
dela, o Tribunal da Relação do Porto:
- Sustentou a decisão tomada, entendendo que não se verificava a nulidade
arguida pela ora requerente nas suas alegações;
- Admitiu o recurso de Revista e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal
de Justiça.
5. O Supremo Tribunal de Justiça, por douto Acórdão de 6 de Julho de 2005, veio
a recusar a Revista, por inadmissibilidade, não conhecendo do seu objecto.
6. Nas supra citadas alegações da Recorrente, apresentadas em 10 de Fevereiro de
2003, estavam incluídas as seguintes conclusões:
“4. O relatório de avaliação dos peritos escolhidos pelo Tribunal está submetido
à livre apreciação do julgador e deve ser objecto duma leitura crítica, tendo em
conta a sua comparação com os demais elementos dos autos.
5. Uma interpretação conjugada dos artigos 158.º, n.º 1 e 668.º n.º 1, alínea b)
do Código de Processo Civil no sentido de que, em processo de expropriação, a
remissão para o relatório dos peritos escolhidos pelo Tribunal para o acto de
avaliação, decorrente do facto de os mesmo se presumirem credíveis e imparciais,
é suficiente para fundamentar a decisão judicial, está ferida de
inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 20.º e no artigo 205.º,
n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
…………….
11. Encontra-se definido nos autos o valor com que compensar a arrendatária -
aquilo que os proprietários teriam que pagar-lhe pela cessação do arrendamento
para que pudessem vender o terreno para construção -, pelo que, tal valor deve
ser retirado à indemnização a pagar aos proprietários e que previamente se
calcule, nesta medida se revogando o arresto recorrido.
11.[bis] Uma interpretação conjugada dos artigos 22.º, 23.º e 25.º do Código das
Expropriações de 1991, normas que definem o critério de cálculo da indemnização
a pagar ao proprietário, no sentido de que a fixação da indemnização devida aos
proprietários pela expropriação de um solo apto para construção não deve
considerar-se a existência de um arrendamento é inconstitucional por violação do
n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, por ofensa ao
princípio da justa indemnização ali inscrito, e por violação do princípio da
igualdade (artigo 13.º), o que expressamente se invoca.
7. Perante tais conclusões, bem como perante as alegações que lhe serviram de
suporte, o douto Tribunal da Relação limitou-se a referir o seguinte (Acórdão de
27 de Março de 2003):
“Em conformidade com todo o exposto, entende-se que o Acórdão em causa não
padece da nulidade que lhe é imputada pela recorrente”
8. Ou seja, o douto aresto apreciou as questões de inconstitucionalidade
levantadas, mas sustentou a sua decisão.
9. Afigura-se, portanto, que o douto aresto não sufragou o entendimento
perfilhado pela expropriante nas suas alegações de recurso, qual seja, a
inconstitucionalidade decorrente de determinada interpretação normativa. Assim,
o douto aresto, ao considerar como fundamentação suficiente de uma decisão
judicial em processo de expropriação a mera adesão e remissão ao relatório dos
peritos indicados pelo Tribunal, sem tomar em conta os demais dados factuais
constantes do processo, procedeu a uma interpretação das normas que obrigam à
fundamentação das decisões judiciais que as torna inconstitucionais, se
interpretadas estas no sentido acima enunciado.
10. Trata-se dos artigos 158.º, n.º 1 e 668.º n.º 1, alínea b) do Código de
Processo Civil.
11. Os aludidos normativos, interpretados no sentido acima enunciado, ofendem os
princípios constitucionais consagrados no artigo 20.º e no artigo 205.º, n.º 1
da Constituição da República Portuguesa.
12. Igualmente, o douto aresto não sufragou o entendimento perfilhado pela
expropriante nas suas alegações de recurso, relativamente à
inconstitucionalidade decorrente de outra interpretação normativa. Assim, o
douto aresto, ao considerar que na fixação da indemnização devida aos
proprietários pela expropriação de um solo apto para construção não deve
tomar-se em ponderação a existência de um arrendamento, procedeu a uma
interpretação das normas que obrigam à fixação de uma justa indemnização que as
torna inconstitucionais, se interpretadas estas no sentido aqui enunciado.
13. Trata-se aqui dos artigos 22.º, 23.º e 25.º do Código das Expropriações de
1991, aplicáveis ao caso concreto.
14. Estes normativos, interpretados no sentido acima enunciado, ofendem os
princípios constitucionais consagrados no n.º 2 do artigo 62.º e no artigo 13.º
da Constituição da República Portuguesa, violando os princípios constitucionais
da justa indemnização e da igualdade.
16. A ora requerente, dado que o seu recurso de Revista subiu, aguardou o
respectivo resultado.
17. Agora que foi decidida a inadmissibilidade de tal recurso, e não podendo a
expropriante conformar-se com o douto aresto que procedeu à aplicação das
aludidas normas, interpretando-as de forma manifestamente inconstitucional, vem
interpor recurso do mesmo para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
Destarte, nos termos do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
indica-se o seguinte:
a) o presente recurso é interposto ao abrigo da aliena b), do n.º 1, do artigo
70.º da Lei n.ºo 28/82, de 15 de Novembro;
b) pretende-se que o tribunal aprecie a inconstitucionalidade dos artigos 158.º,
n.º 1 e 668.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, na medida em que, na
sua interpretação, se admita a mera adesão ao relatório dos peritos nomeados
pelo Tribunal para fundamentação de decisão judicial;
c) pretende-se que o tribunal aprecie a inconstitucionalidade dos artigos 22.º,
23.º e 25.º do Código das Expropriações de 1991, na medida em que se interpretem
no sentido de considerar que na fixação da indemnização devida aos
proprietários pela expropriação de um solo apto para construção não deve
tomar-se em ponderação a existência de um arrendamento;
d) foram violados os artigos 13.º, 20.º, 62.º, n.º 2 e 205 n.º 1 da Constituição
da República Portuguesa;
e) a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações do recurso de
revista intentado pela expropriante contra o Acórdão do Tribunal da Relação de
28 de Novembro de 2002 e apreciadas por este mesmo Tribunal por Acórdão de 27 de
Março de 2003.
Termos em que, em face de tudo o exposto, deve o presente recurso para o
Tribunal Constitucional ser admitido, seguindo-se os demais termos até final.”
f) Que foi objecto do despacho reclamado, do seguinte teor:
“EP-Estradas de Portugal, E.P.E., vem, ao abrigo do disposto na alín. b) do n.º
1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, para o que invoca inclusive por um lado que “a questão
da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso de revista
intentado pela expropriante contra o Acórdão do Tribunal da Relação de 28 de
Novembro de 2002 e apreciadas por este mesmo Tribunal por Acórdão de 27 de Marco
de 2003” (sublinhado do signatário) e, por outro, que “o Supremo Tribunal de
Justiça, por douto Acórdão de 6 de Julho de 2005, veio a recusar a revista, por
inadmissibilidade, não conhecendo do seu objecto” (cfr. fls. 1215).
Acontece que a invocada questão de inconstitucionalidade não foi suscitada em
1.ª instância, designadamente quando foram apresentadas alegações perante o
Exm.º Juiz, a fls. 661-684, nem tão pouco o foi nas alegações do recurso de
apelação para esta Relação, a fls. 789-815, pelo que de tal questão não tinha
esta Relação que tomar conhecimento, como efectivamente não tomou no falado Ac.
de 28 de Novembro de 2002, a fls. 916-934.
Foi apenas nas alegações de recurso para o STJ, a fls. 982-1001, que foi, pela
primeira vez, suscitada nos autos a dita questão de inconstitucionalidade, como
pode ler-se designadamente nas conclusões 11 e 25, a fls.998-999.
Estranha-se, por isso, que a ora requerente venha invocar em seu mencionado
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que “O
Venerando Tribunal da Relação do Porto apreciou as alegações de recurso de
Revista” (cfr. fls. 1214, in fine) no Ac. de 27 de Março de 2003, a fls.
1083-1085. É que, neste Ac. de 27/03/2003, esta Relação não só não se pronunciou
sobre qualquer questão de inconstitucionalidade - como de facto não tinha que
pronunciar -, como se limitou, simplesmente, a dar cumprimento ao legislado nas
disposições dos art.ºs 668.º, n.º 4 e 716.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil,
uma vez que ao mencionado Ac. de 28 de Nov. de 2002 eram imputadas nulidades.
Não fora a dita imputação de nulidades ao mencionado Ac. de 28 de Nov. de 2002,
e não teria sido proferido sequer o Ac. de 27 de Março de 2003, por estar já,
então, esgotado ou findo o poder jurisdicional desta Relação com a prolação
daquele Ac. de 28 de Nov. de 2002. Aliás, se bem se interpretou o teor do
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional,
entende-se que é do dito Ac. de 27/03/2003 que a requerente pretende interpor o
recurso para o Tribunal Constitucional. Não se chega a perceber bem, de resto,
s.d.r., o que é que a requerente pretende dizer ou significar na frase de seu
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, acima
transcrita em primeiro lugar, na parte sublinhada. Seja, porém, como for, a
verdade é que em nenhum dos mencionados Acs. desta Relação se apreciou qualquer
questão de constitucionalidade, nem tão pouco tal tinha que ser feito, como dito
acima. É o que claramente resulta daquele Ac. de 27/3/2003, a fls. 1083-1085,
em conferência, como dele consta.
Deste modo, sendo, como é, conhecida a Jurisprudência corrente do Tribunal
Constitucional no sentido de que é “requisito indispensável para dele (recurso)
se poder tomar conhecimento, além do esgotamento dos recursos ordinários e da
suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, que a(s) norma(s)
impugnada(s) tenha(m) sido aplicada(s), como fundamento decisivo, pelo tribunal
recorrido”, por ser manifestamente infundado (art.º 76.º, n.º 2 da mencionada
L.T.C.), não se admite o recurso interposto pela requerente, a fls. 1214-1219,
para o Tribunal Constitucional (cfr. v.g. Ac. n.º 673/04, de 26/11/2004,
proferido no Proc. n.º 913/04, da 3.ª Secção, e, mais recentemente, os Acs. do
mesmo Tribunal Constitucional n.º 336/2005, de 22 de Junho, publicado no Diário
da República, II Série, de 17/10/2005, e n.º 398/2005, de 14/7/2005, publicado
no D.R., II Série, de 4 de Nov. de 2005. Em idêntico sentido vai, outrossim, a
doutrina que pode ler-se em Breviário de Direito Processual Constitucional, dos
autores Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, a fls. 38 e sgs.
Sem custas, por delas estar isenta a requerente (art.º 2.º, n.º 1, alín. a) do
CCJ, redacção do Dec.Lei n.º 224/96, de 26 de Nov.).
3. Como o despacho reclamado refere, para que o Tribunal
Constitucional possa conhecer de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC é necessário que a norma em crise tenha sido
aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida e que a questão de
constitucionalidade tenha sido suscitada pelo recorrente, de modo
processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu essa decisão, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). E
só pode considerar-se suscitada a questão de modo processualmente adequado se o
interessado tiver colocado o tribunal perante uma argumentação que seja referida
à desconformidade de determinada norma de direito ordinário com regras ou
princípios constitucionais e que apresente um mínimo de substanciação, de tal
modo que o tribunal saiba ou deva saber, antes de esgotado o seu poder
jurisdicional sobre a matéria a que a mesma questão de constitucionalidade
respeita, que tem uma questão dessa natureza para decidir, isto é, que se
pretende que faça uso do poder que lhe confere o artigo 204.º da Constituição e
desaplique a norma no caso concreto, com esse fundamento.
Deste ónus de colocação de modo claro, atempado e perceptível da
questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, são
ressalvados pela jurisprudência do Tribunal, num entendimento funcional do
referido pressuposto, os casos em que, por força de uma disposição processual
especial, o poder jurisdicional sobre a matéria a que interesse a questão de
constitucionalidade se não esgota com a prolação dessa decisão e aquelas outras
situações, excepcionais ou anómalas, em que o interessado não tenha disposto de
oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade antes de ela ser
proferida.
4. Posto este enquadramento geral que foi também o adoptado no
despacho sob apreciação, vejamos.
O requerimento de interposição de recurso que foi indeferido visava submeter ao
Tribunal Constitucional duas questões de constitucionalidade. Porém, quanto a
uma delas, a que diz respeito aos artigos 22.º, 23.º e 25.º do Código das
Expropriações, o reclamante conformou-se com a não admissão do recurso. Com
efeito, quer na conclusão da reclamação, quer na fundamentação que a sustenta, o
reclamante apenas faz referência à norma extraída dos artigos 158.º, n.º 1 e
668.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, na medida em que, na sua
interpretação, se admita a mera adesão ao relatório dos peritos nomeados pelo
Tribunal para fundamentação de decisão judicial.
Mas, também quanto a esta norma e tendo presente o que acima se
expôs, o recurso não pode ser admitido.
Desde logo, pelo essencial das razões do despacho reclamado. Na
verdade, a questão não foi suscitada, podendo e devendo tê-lo sido, antes de a
Relação proferir o acórdão de 28 de Novembro de 2002, em que apreciou o recurso.
É certo que a questão da inconstitucionalidade de normas relativas ao dever de
fundamentação e à nulidade das decisões judiciais por preterição desse dever é
daquelas relativamente às quais mais facilmente se concebe que o interessado não
tenha disposto de oportunidade processualmente adequada para suscitá-las, num
desenrolar normal do processo, senão em incidente pós-decisório. Em regra, será
a decisão que recaia sobre o incidente de arguição de nulidade que revela o
entendimento que se tem por inconstitucional.
No caso, sucede, porém, que o mesmo entendimento sobre o dever de fundamentação
das decisões judiciais em processos de expropriação que, na respectiva arguição
de nulidade, o recorrente imputou autonomamente (como vício próprio, da
estrutura do próprio acórdão) ao acórdão da Relação de 28 de Novembro de 2002 e
relativamente ao qual suscitou ex novo a questão de inconstitucionalidade no
recurso para o STJ, já ele o censurara também à sentença de 1ª instância. Com
efeito, já no recurso da sentença de 1ª instância para a Relação, o recorrente
imputara, então a essa decisão, a nulidade consistente em se ter limitado a
aderir ao laudo dos peritos nomeados pelo tribunal, sem que tivesse analisado
criticamente as provas e especificado os fundamentos que foram decisivos para a
convicção do julgador. Sustentou aí que esse modo de proceder viola o disposto
no artigo 158.º e constitui nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo
668.º do CPC, mas não censurou a norma, na interpretação que viesse a coonestar
esse entendimento, de violar a Constituição.
Dispôs, portanto, o recorrente de oportunidade para suscitar a questão de
constitucionalidade nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação. Aliás,
que o entendimento normativo adoptado pela 1ª instância e pela Relação é o mesmo
salienta‑o o recorrente quando, na introdução do recurso de revista diz que “[o]
tribunal da Relação do Porto fundamentou a sua decisão com base na adesão ao
relatório pericial subscrito, em sede de avaliação, pelos três peritos indicados
pelo tribunal. Neste ponto, o aresto ora recorrido seguiu o critério do tribunal
judicial de primeira instância”. Não se podia ser mais claro a desvendar a
ausência de novidade do entendimento que se quer censurar à decisão recorrida na
perspectiva da conformidade com normas ou princípios constitucionais.
Acresce que aquilo que verdadeiramente o recorrente quer ver
apreciado, como resulta dos termos em que levantou a questão da adesão ao
relatório dos peritos nomeados pelo tribunal e da falta de ponderação das
objecções em contrário colocadas pela entidade expropriante, é a decisão em
matéria de facto ou a prevalência nela atribuída a determinado meio probatório.
Ora, essa apreciação não cabe nos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional
no presente meio processual.
Consequentemente, também por esta razão, o recurso não poderia ser admitido.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2006
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício