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Proc.Nº 507/96
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. foi acusado, julgado e condenado no Tribunal do Círculo de Braga pela prática de um crime previsto e punido no artigo 260º do Código Penal na pena de seis meses de prisão; pela prática de um crime previsto e punido no artigo 329º, nº 3 do mesmo Código, na pena de dois meses de prisão; pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 40º, nº1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 40 dias de prisão; pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do mesmo Decreto-Lei, na pena de 2 anos de prisão.
Na decisão foi efectuado o cúmulo jurídico destas penas, sendo o arguido condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão.
O arguido não se conformando com o assim decidido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ) impugnando o acórdão do Colectivo por entender que ficou provado que a droga apreendida não era detida por ele, ou, se assim se não entender, porque considera poder apenas ser condenado como autor de mero crime de detenção para consumo, impondo as circunstâncias factuais relevantes uma substancial redução da pena. Nas conclusões das respectivas alegações, considera que a decisão recorrida fez uma interpretação do artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro violadora dos artigos 32º, nºs 1 e 5 da Constituição.
Também o Ministério Público recorreu da decisão do Colectivo por discordar da qualificação do tráfico como de menor gravidade e, consequentemente, da fixação da medida da pena em concreto.
O STJ, por acórdão de 11 de Abril de 1996, decidiu revogar o acórdão recorrido, na parte em que condenou o arguido A. pela prática de um crime de «tráfico de menor gravidade», condenando-o agora como autor material de um crime previsto e punido pelo artigo 21º, nº1, do Decreto-Lei nº
15/93, na pena de cinco anos de prisão. Em cúmulo jurídico, o STJ fixou a pena
única de cinco anos e três meses de prisão.
Inconformado com esta decisão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional. Mas, como o requerimento de interposição indicava apenas que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70 da Lei nº 29/82, de 15 de Novembro, para apreciação da inconstitucionalidade do artigo 40º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, na interpretação que dele fez o douto acórdão recorrido por violação do disposto no artº 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o Relator convidou o recorrente a indicar com precisão qual a interpretação questionada, o que foi feito pelo requerimento de fls.305, do seguinte teor:
'O recorrente questiona, através do presente recurso, a interpretação do artº 40º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, adoptada no processo pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual o preceito em análise apenas é aplicável se se provar que a detenção de droga por um consumidor tem como finalidade exclusiva o auto-consumo, ou, de outra perspectiva, a interpretação segundo a qual a mera detenção de droga se presume destinada ao tráfico, interpretação essa que o Recorrente tem por violadora do disposto no artigo 32º, nºs 1 e 5 , da CRP'.
2. - Apresentadas as pertinentes alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
'1. O acórdão impugnado do Supremo Tribunal de Justiça adoptou a interpretação do artº 40 do DL 15/93 segundo a qual tal preceito apenas é aplicável se se provar que a detenção de droga por um consumidor tem como finalidade exclusiva o auto-consumo.
2. A lei prevê expressamente nos artigos 21º e 40º do DL 15/93, duas hipóteses de incriminação do mero acto material de detenção de droga: como crime de detenção/tráfico e como crime de detenção/consumo.
3. A interpretação do artigo 40º adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça implica que, em caso de dúvida sobre a intenção do agente, se opte pela incriminação mais desfavorável ao arguido.
4. Tal interpretação ofende o disposto no artº 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa,
5. Pelo que o artº 40º do DL 15/93, assim interpretado, está ferido de inconstitucionalidade material.'
Pelo seu lado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal também alegou, tendo concluído as suas alegações pela forma seguinte:
'A interpretação do artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, acolhida na decisão recorrida, não viola o princípio da presunção de inocência do arguido, na sua dimensão processual, ou seja, como proibição da inversão do
ónus da prova em detrimento do arguido.
Deverá, pelo exposto, negar-se provimento ao recurso'.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - A questão que vem posta ao Tribunal não é nova, como o recorrente e o Ministério Público salientam nas respectivas alegações. Tem a ver com a interpretação do artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, segundo a qual a detenção de drogas por um consumidor tem como finalidade exclusiva o auto-consumo, ou, noutra perspectiva, a interpretação segundo a qual a mera detenção de droga se presume destinada ao tráfico.
Sobre esta questão, o Tribunal Constitucional proferiu já dois acórdãos: os acórdãos nºs 426/91, de 6 de Novembro e 441/94, de 7 de Junho, in Diário da República, II Série, respectivamente de 2.04.92 e de
27.10.94, tendo ambos concluído no sentido de um julgamento de não inconstitucionalidade. Importa, todavia, salientar que ainda que a questão seja substancialmente a mesma, as normas em causa não são inteiramente coincidentes.
Com efeito, os acórdãos citados apreciaram a norma do nº1 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro, enquanto que, no presente processo, está em causa a norma do nº1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, que, aliás, revogou o Decreto-Lei nº 430/83.
O facto de neste processo se tratar de uma norma formalmente diferente, não altera, porém, a substância das coisas. Com efeito, embora a norma que, no Decreto-Lei nº 15/93, corresponde ao artigo 23º do Decreto-Lei nº 430/83, seja o artigo 21º, o certo é que a norma do artigo 40º, nº 1 - ela própria também referida no artigo 21º - convoca a mesma questão de direito levantada pela interpretação feita no acórdão recorrido.
O Decreto-Lei nº 15/93 procede à revisão da legislação do combate à droga, tendo revogado o Decreto-Lei nº 430/83, de 13 de Dezembro que, por sua vez, alterou o regime em vigor, e tipifica novos ilícitos penais e contravencionais bem como define novas penas ou modifica as actuais em matéria de consumo e tráfico ilícito de drogas.
Vejamos, porém, o teor das normas em questão:
Decreto-Lei nº 15/93
Artigo 21º
(Tráfico e outras actividades ilícitas)
1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir,
fabricar, Decreto-Lei nº 430/83
Artigo 23º
(Tráfico e actividades ilícitas)
1 - Quem sem se encontrar autorizado,cultivar, produzir, fabricar,
extrair, preparar,
extrair, preparar oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar,
ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar,
importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos
casos previstos no artigo 40º plantas, substâncias ou preparações
compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12
anos.(_)
2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do
capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem
introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no
número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar
plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que
constam do título de autorização.
4 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV,
a pena é a de prisão de um a cinco anos.
Artigo 40º
(Consumo)
1- Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver
plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é
punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.(_)
oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por
qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar,
exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos
previstos no artigo 36º, substâncias e preparados compreendidos nas
tabelas I a III será punido com a pena de prisão de 6 a 12 anos e multa de
50 000$00 a 5 000 000$00. (_).
2 - Quem, beneficiando de autorização nos termos do capítulo II,
ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no
comércio substâncias e preparados referidos no número anterior será punido
com prisão de 8 a 16 anos e multa de 50 000$ a 6 000 000$.
3 - Se se tratar de substâncias e preparados compreendidos na tabela IV, a
pena será a de prisão de 2 a 4 anos e multa de 20 000$ a 1 500 000$.
Artigo 36º
(Punição dos consumidores)
1 - A aquisição ou detenção ilícita de substâncias ou preparados
compreendidos nas tabelas I a IV, para consumo pessoal, fora da previsão
do artigo 25º {punição do traficante-consumidor} será punida:
2 - Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparação cultivada,
detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio
individual durante o período de 5 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de
multa até 120 dias.
3 - No caso do nº 1, se o agente for consumidor ocasional, pode ser
dispensado da pena.a) Com pena de prisão até três meses e multa até 90
dias, podendo o tribunal, em caso de consumo ocasional correspondente a
experiência fortuita, proferir simples admoestação ou dispensar a pena nos
termos do artigo 75º do Código Penal;
b) Com multa até 30 dias, se as substâncias ou preparados se destinam a
fim terapêutico, podendo o tribunal proferir igualmente simples
admoestação ou dispensar a pena (_).
2 - Se da prova recolhida ou mediante exame médico resultarem indícios
seguros de que o réu é toxicodependente, a aplicação da pena pode ser
suspensa, nos termos do Código Penal, desde que o réu se sujeite a
tratamento médico ou voluntariamente seja internado em estabelecimento
adequado, o que comprovará pela forma que o tribunal determinar, nas datas
que lhe forem fixadas.
3 - Observar-se-á, se for caso disso, a legislação prevista para jovens
dos 16 aos 21 anos.
4 - Se durante o período da suspensão da execução da pena o
toxicodependente não se sujeitar voluntariamente ao tratamento ou não
cumprir qualquer dos deveres impostos pelo tribunal, aplicar-se-á o
disposto no artigo 50º do Código Penal.
5 - Uma vez revogada a suspensão, o cumprimento da pena terá lugar em zona
apropriada do estabelecimento prisional, separadamente dos restantes
reclusos, ou em centro de detenção, no caso de medida correctiva.
6 - Verificado o condicionalismo previsto nos números anteriores, o
Centro de Estudos da Profilaxia da Droga, em colaboração com o Instituto
de Reinserção Social assistirá o toxicodependente, visando a sua
recuperação médico-social, para o que o juiz enviará àqueles organismos
cópia da sentença proferida e do despacho de revogação da suspensão da
penas.
4. - Nos acórdãos do Tribunal sobre esta matéria, relativamente ao artigo 23º, nº1, do Decreto-Lei nº 430/83, apreciou-se a constitucionalidade dessa norma, depois de se classificar o crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, face aos princípios da necessidade das penas e das medidas de segurança e também face ao princípio da culpa e da presunção de inocência do arguido.
No caso em apreço, o recorrente apenas questiona a violação da presunção de inocência do arguido. De facto, outra coisa se não pode deixar de concluir da sua afirmação de que a interpretação do artigo 40º adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça implica que, em caso de dúvida sobre a intenção do agente, se opte pela incriminação mais desfavorável ao arguido, interpretação esta que ofenderia os nºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição, ou seja o princípio das garantias de defesa e o princípio da presunção de inocência do arguido.
Assim, não vindo expressamente questionada, nos presentes autos, a natureza de crime de perigo abstracto do crime de tráfico de estupefacientes, dá-se esta natureza como adquirida, valendo, por isso, nestes autos, os argumentos de que a norma que prevê e pune tal crime não viola os princípios da necessidade das penas nem o princípio da culpa e por isso não é inconstitucional, nessa medida.
Quanto ao princípio da presunção de inocência do arguido, escreveu-se no Acórdão nº 426/91:
'O recorrente sustenta ainda que a norma em crise viola o disposto no nº 2 do artigo 32º da Constituição: «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».'
Esta norma consagra, genericamente, o princípio da presunção de inocência do arguido e, ainda, especificadamente, uma das suas decorrências - a injunção dirigida ao legislador ordinário e aos tribunais para que, dentro do possível, promovam com celeridade a justiça penal (cfr. Figueiredo Dias, «A revisão constitucional e o processo penal», A Revisão constitucional, o processo penal e os tribunais, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, 1981, p.53).
O princípio da presunção de inocência do arguido, que, em matéria de prova, a doutrina identifica com o princípio in dubio pro reo (assim, Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 2º vol., 1956, p.47), impõe que o julgamento valore sempre a favor do arguido um non liquet (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal,1º vol., 1974, p.211;Rui Pinheiro e Artur Maurício, A Constituição e o Processo Penal,2ª ed., 1983,p.133).
Como corolários deste princípio, podem indicar-se os seguintes: «a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; b) preferência pela sentença de absolvição contra arquivamento do processo; c) exclusão da fixação de culpa em despachos de arquivamento; d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado.» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 1º vol.,2ª ed.,1984,p.215).
Ora, no caso em apreço, o princípio da presunção de inocência é invocado, na sua dimensão processual, precisamente como proibição de inversão de ónus da prova em detrimento do arguido.
Alegadamente, o entendimento de que o tráfico de estupefacientes constitui um crime de perigo abstracto, promoveria uma inversão do ónus da prova contra reo.
Porém, esta alegação encerra um evidente equívoco: se a incriminação de perigo abstracto é admissível constitucionalmente, ante os princípios da necessidade e da culpa, então não faz sentido referir uma inversão do ónus da prova; o cometimento do crime deve ser, naturalmente, provado pela acusação, no plano das imputações objectiva e subjectiva; o que se não requer é a comprovação de que foi criado um perigo ou de que o meio de cometimento do crime foi perigoso, precisamente porque a incriminação não se funda no perigo concreto causado, mas na perigosidade geral da acção causal para causar perigos de certa espécie, abstraindo de outras circunstâncias também necessárias para que alguns destes perigos se produza realmente; e, da mesma sorte, não se exige que o dolo abarque o perigo.
Consequentemente, a norma contida no nº 1 do artigo 23º do Decreto-Lei nº 430/83, na interpretação que lhe deu o tribunal a quo, não viola o princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no nº 2 do artigo 32º da Constituição.
No mesmo sentido, posteriormente se pronunciaram os Acórdãos nºs 441/94 e 246/96, publicados no Diário da República, II Série, de 27 de Outubro de 1994 e 8 de Maio de 1996, respectivamente.
Neste último aresto, em que a atenção do Tribunal incidiu sobre a punição do crime de contrabando de circulação, novamente se entendeu que a perigosidade pressuposta pelo legislador não envolve qualquer inversão do ónus da prova contra reo e assinalou-se que:
...'(...) nos crimes de perigo abstracto não se pressupõe «nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias para causar um perigo para um desses bens jurídicos».
Nestes crimes o perigo não é elemento do tipo mas tão-só «motivação do legislador». A sua consumação não implica uma efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados pela respectiva norma [...] sendo que a perigosidade da acção
(comissiva ou omissiva) resulta presumida pelo legislador.'
E disse-se, mais adiante que 'a elevada perigosidade típica da conduta exige e legitima que nela se concentre a tutela penal, independentemente da sua conexão com um concreto evento de perigo ou de risco'.
Estes fundamentos e considerações são perfeitamente transponíveis para o caso em apreço: adquirida a conclusão de que o crime de tráfico de estupefacientes deve ser qualificado como crime de perigo abstracto
(por contraposição aos crimes de perigo concreto, em que, como crimes de resultado, o que é causado pela acção é situação de perigo para um concreto bem jurídico) isto é, crime em que se não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas antes, se pressupõe que a perigosidade da acção pode afectar uma ou mais espécies de bens jurídicos, abstraindo de algumas outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos, resta identificar tais bens. Em regra, trata-se de uma pluralidade de bens: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores, afectando ainda a vida em sociedade, a inserção social dos consumidores, com a consequente degradação e destruição pessoal.
Como resulta da transcrição das normas feita atrás, o artigo 21º do diploma em vigor é idêntico ao artigo 23º, nº1, com a diferença de que o mínimo de pena baixou de 6 para 4 anos de prisão, correspondendo o nº1 do artigo 40º ao artigo 36º do diploma de 1983, aí se punindo o consumo, mas sem existir no diploma anterior uma norma similar à do nº 2 do artigo 40º, em que se apelou para um critério quantitativo - relevante é a quantidade de substância necessária para o consumo médio individual para um período de 5 dias - tendo-se retirado gravidade à detenção de droga em quantidade inferior ao consumo individual médio de menos de 5 dias (artigo 26º, nº 2).
As normas dos artigos 21º, 22º, 25º, 26º e 40º do Decreto-Lei nº 15/93, consagram diferente gradação das penas aplicadas ao tráfico de estupefacientes consoante o diverso nível de ofensividade da conduta para com os respectivos bens jurídicos e também uma diferente consideração da real perigosidade das drogas: procura-se adequar proporcionalmente o tratamento penal da conduta ilícita, considerando as drogas envolvidas e o grau da sua perigosidade.
Assim, provado o cometimento do crime de detenção de droga ou substância psicotrópica ilícita, como o crime é de perigo abstracto, comprovada está a perigosidade geral da acção, pois a incriminação funda-se nesta perigosidade geral e não na aptidão causal para provocar perigos de certa espécie: não implica, por isso, qualquer inversão do ónus da prova que viole o princípio da presunção de inocência a exigência de que, para se considerar preenchido o tipo do artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a finalidade da detenção da droga seja o consumo pessoal.
Nestes termos, o recurso não pode proceder, pois a norma questionada na interpretação da decisão recorrida não viola o artigo 32º, nºs 1 e 2 da Constituição.
III - DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida na parte impugnada.
Lisboa, 14 de Outubro de 1997 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa