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Processo n.º 455/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e recorrida B., foi proferida decisão sumária, ao abrigo do
disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC), por se ter entendido que não podia conhecer-se
do objecto do recurso, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da mesma Lei, face à não aplicação, pelo tribunal recorrido, como
ratio decidendi, das normas cuja constitucionalidade fora questionada pelo
recorrente.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«1. No que diz respeito ao artigo 771º do Código de Processo Civil, o recorrente
requer a apreciação da interpretação restritiva deste artigo, considerando não
abrangidos na sua previsão os casos em que a parte se propõe, através de
diligências probatórias a realizar ex novo no âmbito da revisão, documento com
força probatória suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável
ao recorrente, quando estão em causa direitos fundamentais.
Independentemente da formulação dada à questão de inconstitucionalidade, nas
alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e no requerimento para o
Tribunal Constitucional – independentemente de saber qual o sentido da expressão
“casos em que a parte se propõe documento com força probatória” – sucede que,
analisado o teor da decisão recorrida, verifica-se que esta não interpretou e
aplicou o artigo 771º, alínea c), do Código de Processo Civil no sentido de não
abranger os casos em que a parte se propõe documento com força probatória
suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente
(através de diligências probatórias a realizar no âmbito da revisão).
Especificamos “artigo 771º, alínea c)”, uma vez que a questão de
constitucionalidade suscitada durante o processo (artigos 70º, nº 1, alínea b),
e 72º, nº 2, da LTC), nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, se reporta a esta alínea e não, como poderia agora resultar do
requerimento de interposição de recurso, ao artigo globalmente considerado.
Na verdade, o artigo 771º, alínea c), do Código de Processo Civil foi
interpretado e aplicado pela decisão recorrida, considerando que os documentos
apresentados pelo recorrente não podiam ter-se como suficientes para modificar a
decisão em sentido mais favorável à parte vencida. Asserção que decorre do
seguinte passo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2005:
“Começa o Acórdão recorrido por dizer que apenas o documento superveniente ‘que,
por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à
parte vencida ‘pode servir de fundamento do recurso extraordinário de revisão
(art.º 771 al. c) C.P.C.).
E que as cartas e notificações invocadas pelo recorrente apenas revelam a recusa
da recorrida (reconhecida sua filha em se submeter agora a exames hematológicos,
e o propósito por parte dele em desenvolver só agora um meio de prova que ele
próprio recusou no decurso do processo.
Aceitamos plenamente esta tese do Tribunal da Relação, que mostra o infundado da
pretensão do recorrente”.
Por conseguinte, não foi interpretado, se bem se compreende o teor do
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, no sentido de
que não permite a revisão para, no âmbito deste recurso, ser obtido documento
que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais
favorável à parte vencida.
Em suma, não se verifica, pois, um dos requisitos de que depende o conhecimento
do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC: a aplicação pelo
tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é
questionada pelo recorrente.
2. Relativamente ao artigo 772º do Código de Processo Civil, o recorrente requer
a apreciação da interpretação do artigo 772º do Código de Processo Civil
considerando abrangidos pelos prazos de caducidade fixados nesse normativo, os
casos em que se pretende tutelar direitos fundamentais através do recurso de
revisão.
Ora, também quanto a esta questão é de concluir que o tribunal recorrido não
aplicou, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade é questionada
pelo recorrente, quando acolheu os fundamentos constantes do acórdão do Tribunal
da Relação de Coimbra.
Com efeito, este Tribunal e depois o Supremo Tribunal de Justiça interpretaram e
aplicaram o artigo 772º do Código de Processo Civil, no sentido de ser de 60
dias o prazo para a interposição do recurso de revisão com fundamento na alínea
f) do artigo 771º deste Código e não no sentido de tal prazo valer nos presentes
autos relativamente ao fundamento previsto na alínea c) do mesmo artigo e de que
o recorrente também se socorreu.
Para tal concluir é suficiente contrapor que o recorrente alegou que
“O recurso de revisão foi interposto nos 60 dias subsequentes à falta de
comparência da recorrida nos exames marcados pelo recorrente.
Antes dessa falta, este acreditava nem sequer ser necessário recurso a Tribunal
para resolução do problema, atenta a vontade sempre demonstrada e admitida por
ela de se submeter a exames.
É manifestamente abusivo e injusto considerar precludido tal prazo.
Aliás, vistos estarmos perante um caso em que se procura tutelar um direito
fundamental (artº 26º da CRP) – interpretar o artigo 772º de forma a entender
que se encontra vedada ao recorrente a possibilidade de interpor recurso de
revisão atento o decurso do prazo referido no Douto acórdão recorrido traduz
inconstitucionalidade por violação daquele normativo, que ora se suscita”
(itálico aditado).
E que o Tribunal da Relação de Coimbra e o Supremo Tribunal de Justiça
fundamentaram o decidido, considerando o seguinte:
“Pode, ainda, ser objecto de revisão a decisão transitada em julgado “quando
seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado
anteriormente” (al. f) da norma citada).
É claro que, caso o requerente tivesse o direito de pedir a revisão com tal
fundamento, nos termos do art° 772° n° b) do C PC teria de o exercer antes de
decorridos 60 dias contados desde a data em que teve conhecimento do facto que
serve de base à revisão, ou seja, a decisão do S T J cuja revisão era pedida e
que, supostamente, contenderia com o caso julgado anterior” (sublinhado
aditado)».
2. Não se conformando com esta decisão, o recorrente apresentou a presente
reclamação, que fundamenta pela forma seguinte:
«IDENTIFICAÇÃO DO THEMA DECIDENDI – Decisão Reclamada.
Nos termos da Decisão Sumária do venerando Conselheiro relator:
a) O Tribunal da Relação de Coimbra e o Supremo Tribunal de Justiça
fundamentaram as suas decisões, através da aplicação ao caso em análise de um
dos prazos previstos no art.º 772º do CPC, configurando-se desta forma o thema
decidendi em causa nos presentes autos.
b) O recorrente, porém, não suscitou a inconstitucionalidade da norma aplicada
por aqueles Tribunais.
Salvo o devido respeito, o recorrente entende que suscitou de forma clara a
inconstitucionalidade da norma aplicada por aqueles Tribunais, conforme passa a
expor.
II
INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA PELO RECORRENTE.
A) Nas conclusões das alegações perante o STJ, nas quais suscitou
a inconstitucionalidade, o recorrente escreveu:
- “Visto estarmos perante um caso em que se procura tutelar um direito
fundamental (artº 26° CRP) – interpretar o artº 772° do CPC por forma a entender
que se encontra precludida para o recorrente a possibilidade de interpor recurso
de revisão atento o decurso de prazo referido no Douto Acórdão recorrido traduz
inconstitucionalidade”.
- “O Douto Acórdão recorrido violou (...) artº 771° do CPC alíneas c) e f)”
B) No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional,
por sua vez, identificou a decisão recorrida da seguinte forma:
- “(...) Interpretação do artº 772° do CPC considerando abrangido pelos prazos
(no plural, ou seja, todos os prazos consagrados no normativo) de caducidade
fixados nesse normativo, os casos em que se pretende tutelar direitos
fundamentais através de recurso de revisão”.
C) Ou seja: o recorrente suscitou, nos referidos passos, de forma clara, a
inconstitucionalidade do artigo 772° do CPC na interpretação que defenda
aplicáveis os prazos de caducidade nele consignados (e entre eles, o aplicado
pelo Acórdão recorrido para o STJ) quando se pretendam tutelar direitos
fundamentais através do recurso de revisão.
III
CONCLUSÕES:
lª O recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 772° do CPC na
interpretação que defenda aplicáveis os prazos de caducidade nele consignados (e
entre eles, o aplicado pelo Acórdão recorrido para o STJ) quando se pretendam
tutelar direitos fundamentais através do recurso de revisão
2ª- Verifica-se, assim, in casu, o requisito que o Venerável Conselheiro Relator
considera faltar aos presentes autos: aplicação pelo tribunal recorrido, como
ratio decidendi, da norma cuja inconstitucionalidade é, manifestamente,
questionada pelo recorrente;
2ª- A presente reclamação deve proceder».
3. A recorrida respondeu, sustentando que deve manter-se a decisão objecto da
presente reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Face ao teor da reclamação deduzida, importa precisar que, tendo a decisão
sumária concluído pelo não conhecimento do objecto do recurso quer quanto ao
artigo 771º quer quanto ao artigo 772º, ambos do Código de Processo Civil, a
presente reclamação incide apenas sobre o decidido quanto ao segundo dos
mencionados preceitos. Mostra-se, pois, parcialmente transitada em julgado a
decisão sumária proferida nos autos.
Relativamente ao artigo 772º do Código de Processo Civil, importa, desde já,
afirmar que o reclamante não demonstra ter sido aplicada pela decisão recorrida
a norma cuja inconstitucionalidade havia sido por si suscitada.
Na análise da questão, há que afastar, desde logo, argumentos que o reclamante
pretende extrair do teor do requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional. Na verdade, a suscitação da questão de
inconstitucionalidade tem que ser feita atempadamente, ou seja, antes de o
tribunal recorrido proferir a decisão que venha a aplicar a norma questionada.
Em consequência, mesmo que, no requerimento de interposição de recurso, o
reclamante tivesse referido a inconstitucionalidade da norma efectivamente
aplicada pela decisão recorrida, tal “suscitação” não seria, então, atempada.
Conforme jurisprudência uniforme e reiterada do Tribunal Constitucional, “a
inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo,
quando tal se faz a tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão - o
que, salvo casos excepcionais e anómalos, em que, por o recorrente não ter
oportunidade processual de cumprir esse ónus, ele deve ser dispensado do seu
cumprimento (cf., entre outros, o acórdão nº 391/89, publicado no Diário da
República, II série, de 10 de Setembro de 1989), exige que essa suscitação se
faça antes de ser proferida decisão sobre a matéria a que respeita a questão de
constitucionalidade”. (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/95, Diário da
República, II, de 20 de Junho de 1995).
Atentando no teor da peça processual que pode ser considerada para análise do
problema em questão (alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça),
verifica-se que o reclamante nada adianta que possa contrariar o anteriormente
decidido: a decisão recorrida não aplicou a norma cuja inconstitucionalidade
havia sido suscitada pelo recorrente. Nesta parte, remete-se para o teor do
ponto 2. da fundamentação da decisão sumária, que reproduz, integralmente, e no
contexto em que foi utilizado, o passo das alegações do recorrente por este
agora invocado.
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Novembro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício