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Proc. nº 291/97
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Supremo Tribunal Administrativo, em recurso interposto por A., e por acórdão de 31 de Outubro de 1991, anulou o despacho conjunto do Secretário de Estado dos Transportes Exteriores e Comunicações e do Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude, de 24 de Abril de 1989 - que admitiu a candidatura da B. e lhe atribuiu alvará para o exercício da actividade de radiodifusão.
A B. recorreu daquele acórdão para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo. E, em acórdão de 5 de Março de 1997, o Pleno da Secção concedeu provimento ao recurso. Com os seguintes fundamentos:
'(...) o único vício que, no recurso contencioso, se atribuiu ao acto que admitiu B., ao Concurso Público para Atribuição de Alvarás de Licenciamento para Exercício da Actividade de Radiodifusão Sonora e a graduou em
1º lugar, atribuindo-lhe o alvará respectivo foi o que se apontou como decorrendo da falta de personalidade jurídica desta candidata, cuja escritura de constituição é posterior ao encerramento do prazo de concurso.
A Secção deu acolhimento à arguição e anulou o acto com fundamento em violação de lei.
É contra tal decisão que a ora recorrente se insurge.
E com razão, diga-se desde já.
Ao concurso em causa, de acordo com o disposto no artigo 2º nº 1 do DL 338/88, de 28/9, poderiam candidatar-se pessoas colectivas de direito público ou operadores privados que revestissem a forma jurídica de pessoas colectivas.
'A exigência legal era, assim e apenas, a de que assumissem personalidade colectiva, não tendo nenhum interesse, para indagar da sua legitimidade concursual, saber qual a forma do seu aparecimento como tal', segundo se decidiu no acórdão deste Pleno, de 19/2/97, proferido no recurso
28016, que aqui se segue de perto.
A ora recorrente candidatou-se como pessoa colectiva, qualidade essa que comprovou mediante a apresentação do cartão demonstrativo da sua inscrição no Registo Nacional das Pessoas Colectivas, como decorre do teor literal do próprio despacho contenciosamente impugnado.
'Saber se tinha ou não existência legal... de acordo com os critérios do Código das Sociedades Comerciais ou do Código Cooperativo, era perfeitamente indiferente para aferir da legalidade do acto que a admitiu a concurso e posteriormente a classificou, nos termos das normas de direito administrativo implicadas' - cfr. ac. cit.
Dispunha o artigo 6º do Regulamento do Concurso que
'1 - Sem prejuízo de outros elementos que a comissão consultiva entender solicitar, os requerentes deverão apresentar com o respectivo requerimento de candidatura:
...
Fotocópia autenticada do pacto social e fotocópia do cartão nacional de pessoa colectiva.
2 - Caso os requerentes ainda não disponham do cartão nacionl de pessoa colectiva, poderão apresentar o número provisório de pessoa colectiva atribuído pelos serviços competentes, só lhe sendo porém atribuído o alvará de licenciamento a que eventualmente tenham direito após a apresentação de fotocópia do referido cartão'.
O que se impunha para admissão ao concurso era pois a prova da qualidade de pessoa colectiva, que implicava o reconhecimento de personalidade jurídica.
Essa prova tinha necessariamente de ser feita e só podia sê-lo por uma de duas formas. Apresentação do cartão de registo de pessoa colectiva ou exibição do número provisório, por impossibilidade de apresentação daquele.
'Como é próprio de qualquer regime da nulidade registral - cfr. v. g. o artº 22/3 do Código do Registo Comercial - não competia à autoridade recorrida ou à comissão consultiva, nessa matéria, como aliás a qualquer outra autoridade enquanto não fosse elidida a presunção decorrente do registo e este cancelado, qualquer poder, decorrente da lei, de indagar da existência dos requisitos materiais que permitiam a qualificação da concorrente como 'pessoa colectiva' para efeitos de ser admitida e classificada no concurso.
Como requisito de admissão ao concurso a lei apenas exigia a prova da inscrição, ainda que provisória, no Registo Nacional das Pessoas Colectivas.
Tal prova foi feita, como se disse, pela apresentação do cartão respectivo, segundo decorre da matéria de facto especificada.
Carece pois de fundamento a anulação do acto de admissão e graduação das candidatas com base na falta de personalidade jurídica da ora recorrente.
Pelo exposto, acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido e negar provimento ao recurso contencioso'.
A A., interpôs então recurso de constitucionalidade desse acórdão. Invocando o artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, disse que o recurso era 'por recusa de aplicação dos princípios consagrados no artº 6º nº 1 alínea f) do Regulamento do Concurso e artº 9º nºs. 1 e 2 alínea f) do D.L. 338/88, de 28 de Setembro, pondo em causa as razões que sustentam aquelas normas, isto é, a certeza e a segurança do direito, rectidão e transparência de processos e actuações'.
II - Em exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, disse o relator:
'(...) como está bem de ver, o recurso não satisfaz aos pressupostos do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional. No acórdão recorrido, do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, não existe nenhuma recusa de aplicação de norma com fundamento de inconstitucionalidade, expressa ou implícita. O Pleno empreendeu ali uma interpretação em que não patenteia, de modo algum, qualquer espécie de conflito entre direito ordinário e direito constitucional.
Assim, não deve o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso'.
III - Notificada, a recorrente veio afirmar:
'1 - No requerimento de interposição de recurso onde se lê 'por recusa da aplicação dos princípios consagrados no artº 6º nº 1 alínea f) do Regulamento do Concurso e artº 9º nºs 1 e 2 alínea f) do D.L. 338/88 de 28 Setembro' deve ler-se e entender-se 'por violação da lei - artº 6º nº 1 alínea f) do Regulamento do Concurso e artº 9º nºs 1 e 2 alínea f) do DL 338/88 de 28 Setembro'.
2 - Por, a supra referida lei, que impunha que os requerentes apresentassem, cumulativamente, com o requerimento de candidatura, para além de outros elementos:
a) A fotocópia autenticada do pacto social;
b) E a fotocópia do cartão nacional de pessoas colectivas, POR TER SIDO VIOLADA.
3 - Manter, em consequência, o recurso apresentado e requerer os ulteriores termos processuais'.
IV - A resposta da recorrente não altera as coisas. A pretensa rectificação que tem não só não reabilita os pressupostos do recurso de constitucionalidade do artigo 70º, nº 1, alínea a), como transmuda o problema para uma espécie de ilegalidade cujo controlo não entra na competência do Tribunal Constitucional (cf., a contrario, a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, artigo 70º).
V - Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.
Lisboa, 4 de Novembro de 1997 Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa