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Procº nº 329/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do tribunal de comarca de Viseu e em que figura como recorrente o Ministério Público, concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator de fls. 164 a 167, que aqui se dá como integralmente reproduzida, tendo em conta o que foi decidido no Acórdão nº 864//96 deste Tribunal (publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Novembro de 1996), decide-se - julgando organicamente inconstitucionais, por violação da alínea c) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, as normas constantes dos artigos 4º, nº 2, e 5º, alínea e), do Decreto-Lei nº 371/83, de 6 de Outubro, na parte em que equiparam a funcionários os titulares dos órgãos e os funcionários da administração autárquica regional e local ou de institutos públicos e os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público, e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos - conceder provimento ao recurso, em consequência se determinando a reforma do acórdão impugnado. Lisboa, 8 de Outubro de 1996 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Messias Bento Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa
Procº nº 329/97.
2ª Secção.
1. No Tribunal de comarca de Viseu deduziu o Ministério Público acusação contra A., imputando-lhe o cometimento de factos que subsumiu à autoria, em concurso real, de '[u]m crime de peculato p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 424º, nº 1 do Código Penal de 1982 (versão originária) e 4º, nºs 2 e 5º, al. e) do D.L. nº 371//83, de 6 de Outubro ...' e de um 'crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 11º, nº 1, al. a) do D.L. nº 454/91, de 28 de Dezembro, e 313º, nº 1 do C. Penal de 1982, na sua versão originária...'.
Por acórdão prolatado em 9 de Maio de 1997 pelo tribunal colectivo daquele Tribunal de comarca, veio o arguido, por entre o mais, a ser condenado, pela autoria do acusado crime de peculato, na pena parcelar de três anos de prisão, sendo que, para alcançar um tal juízo condenatório referentemente àquele tipo de crime, se disse, inter alia, em tal aresto:
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Ao arguido vem imputada a prática do crime de peculato.
O arguido A. era funcionário, para os efeitos do art. 424 do Código Penal, tendo em conta o alargamento que o Dl. nº 371/83 de 6-10, nos termos do art. 4 nº 2 e 5 al. e), trouxe, equiparando a funcionários os titulares dos
órgãos e os funcionários da administração... e os gestores, titulares de órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público....
Dúvidas foram suscitadas pelo Ac. T. Constitucional nº 864/96 de
27-6-96, in D.R. IIª S. de 9-11-96, que julgou organicamente inconstitucio- nal a norma constante dos arts. 4 nº 1 e 2 e 5 al. e) do Dl. 371/83, na parte em que equipara os trabalhadores das Eps e de capitais públicos a funcionários.
Dúvidas se nos suscitam sobre a inconstitucionalidade de tais normas, pelo que entendemos manter-se plenamente em vigor o Dl. 371/93.
Esta interpretação não é desfavorável ao arguido, uma vez que a moldura penal, tendo em conta o disposto no art. 2 nº 4 do Cód. Penal, é igual para o crime de abuso de confiança e de peculato, 1 a 8 anos de prisão, tendo em conta o valor consideravelmente elevado da apropriação.
Não parecem restar dúvidas de que se verificam os restantes elementos ou requisitos do art. 424 nº 1 do Código Penal.
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Deste acórdão o Ministério Público, fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, pois que, disse, nele foram aplicadas 'as normas constantes dos arts. 4º, nº 2 e 5º, al. e), d[o] D.L. 371/83, de 6/10, julgadas inconstitucionais pelo acórdão nº 864/96'.
2. Tendo os autos subido a este Tribunal, facilmente se verifica que o objecto do vertente recurso é constituído pelas normas ínsitas nos artigos 4º, nº 2, e 5º, alínea e), do Decreto--Lei nº 371/83, de 6 de Outubro, na parte em que, no domínio da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, para os efeitos de previsão na fattispecie correspondente aos crimes de peculato previstos naquele corpo de leis, são equiparados a «funcionários» os trabalhadores de empresas públicas nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público, e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
Efectivamente, a condenação, no particular do crime de peculato pelo qual o arguido se encontrava acusado, levada a efeito pelo aresto recorrido, suportou-se, de entre o mais, na equiparação resultante daqueles normativos, sendo que, claramente, não interessa, para o ponto, o apelo aos artigos 375º, nº 1, e 386º, nº 2, do Código Penal na redacção emergente do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, uma vez que tal apelo se deveu unicamente a um juízo tocante à aplicação, em concreto, do regime penal mais favorável ao mesmo arguido.
De outro lado, é irrelevante a consideração constante do dito acórdão no sentido de a subsunção fáctica dos factos apurados, recaindo num juízo de autoria de um crime de peculato ou num juízo de autoria de um crime de confiança, não constituir, in casu, qualquer desfavor para o arguido, atenta a identidade da punibilidade abstracta cominada para um e para outro dos indicados ilícitos, ponderado que fosse o regime consagrado no artº 2º, nº 4 do Código Penal. É que, verdadeiramente, não pode, pelo menos este Tribunal, afirmar que, afastada que fosse a subsunção fáctica ao cometimento de um crime de peculato, seriam totalmente idênticas as consequências a que uma outra subsunção levaria.
3. Neste contexto, atenta a aplicação das normas constantes dos artigos 4º, nº 2, e 5º, alínea e), do Decreto-Lei nº 371/83 efectuada pelo acórdão sob censura e o objecto do presente recurso, concluir-se-á que, tendo em conta o decidido pelo Acórdão nº 864/96 deste Tribunal (publicado na 2ª Série do Diário da República de 9 de Novembro de 1996), a questão a decidir é de perspectivar como simples e, por isso, justificativa, ex vi do nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82, da feitura desta exposição, na qual se propugna por, julgando organicamente inconstitucionais aquelas normas, se dever conceder provimento ao recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do aludido artº 78º-A.
Lisboa, 27 de Junho de 1997.