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Procº nº 220/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Pela DECISÃO nº 3.607/96, tomada pelo Tribunal de Contas na sessão diária de visto ocorrida em 18 de Julho de 1966, foi recusado o
«visto» ao despacho de nomeação do A. como assistente hospitalar de cardiologia do quadro de pessoal do Hospital Distrital de ............
A decisão de recusa encontra-se assim fundamentada:-
'1. A nomeação foi precedida de concurso público interno, geral, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Julho de 1995.
2. O referido interessado é Major médico do quadro permanente do Serviço de Saúde do Exército Português, na situação de reserva.
3. Pelo que, como tem sido entendimento pacífico deste Tribunal, não possui vínculo à função pública, que o habilite a ser opositor aos concursos internos. Vide, entre outros, acórdãos proferidos nos Autos de Reclamação nºs 121/94 e
111/95.
4. Foram violados, para além de outras disposições legais, o artigo 6º, nºs 2 a
4, do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro e nº 2, alínea a), do Regulamento dos Concursos da Carreira Médica Hospitalar (Portaria nº 833/91, de 14 de Agosto).
5. As disposições referidas no número anterior tem carácter imperativo e daí a recusa'.
Notificado dessa DECISÃO, veio o interessado, A., ao abrigo do nº 3 do artº 2º da Lei nº 8/ /82, de 26 de Maio, apresentar «requerimento de defesa», solicitando à Ministra da Saúde que fosse pedida a reapreciação daquela mesma DECISÃO, fazendo juntar a esse «requerimento» dois «pareceres».
Aquela Ministra, efectivamente, veio peticionar a reapreciação do acto de recusa de «visto», tendo, no petitório, escrito, no que ora interessa:-
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6º Sem curar de apreciar aprofundadamente a interpretação do Tribunal, segundo a qual os funcionários da Administração Pública Militar estão excluídos do campo da alínea a) do nº 3 do artigo 6º do D.L. 498/88, de 30 de Dezembro, posição, aliás, posta em crise no parecer do Dr. Jorge Bacelar Gouveia, (de fls. 8 a 19) junto pelo interessado e ora anexo como Doc. 3, onde, de entre outras questões, se suscita a da inconstitucionali- dade por violação dos artigos 47º e 50º da C.R.P., focalizar-se-á o presente pedido na situação referida no artigo 3º.
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Assinale-se que no item 3º do dito petitório, referido no ponto acima transcrito, bem como nos demais dele constantes intentava-se demonstrar que, sendo o nomeado titular de um contrato administrativo de provimento celebrado há mais de 3 anos com a Secção de ....... do Batalhão nº 2 da Guarda Nacional Republicana, o que o fez tomar posse no cargo de Médico de Clínica Geral além do quadro, essa circunstância conduzia a que se devesse entender que o A. estava vinculado à função pública.
Por acórdão lavrado em 4 de Março de 1997, o plenário do Tribunal de Contas julgou improcedente o pedido de reapreciação, mantendo a recusa do «visto».
Notificada de tal aresto, recorreu a Ministra da Saúde para o Tribunal Constitucional, o que fez por intermédio de requerimento onde disse:-
'A MINISTRA DA SAÚDE, notificada douto acordão de 4 de Março de 1997 desse Tribunal e com o mesmo se não conformando, vem, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, esgotados todos os recursos ordinários que no caso cabiam, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da interpretação que esse Venerando Tribunal deu ao disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, na parte em que considerou que tal norma, na sua previsão, não abrangeria os funcionários militares:
- por violação do artigo 269º da Constituição, que consagra o princípio da unidade da categoria de funcionário público, não autorizando traçar-se uma summa divisio estanque entre funcionários públicos civis e funcionários públicos militares;
- por violação do artigo 47º, nº 2, da Constituição, em conjugação com o artigo 18º, nº 2, que consagra o direito de acesso à função pública (na vertente aplicável aos concursos internos), direito fundamental que nem sequer pertence aos direitos fundamentais susceptíveis de restrições para os militares de acordo com o que se estabelece no artigo 270º da Constituição;
- por violação do artigo 13º da Constituição, que ao delinear o princípio da igualdade, não permite que se possa fundar um tratamento desigual
(não abranger os funcionários militares) num factor - a mera condição militar - que se afigura materialmente irrelevante para a configurar.
Esta inconstitucionalidade foi devidamente invocada no articulado da reclamação
- artigo 6º - e igualmente defendida no parecer do Dr. Jorge Bacelar Gouveia junto aos autos, cujas fls. 13 a 19 remissivamente o integraram.
A decisão que ora se impugna veio precisamente rejeitar o pedido efectuado, com base numa interpretação dada ao artigo 6º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro - a de que a categoria de funcionários públicos aí mencionada só se referiria aos 'funcionários civis' - que não se adequa aos ditames constitucionais aqui apresentados como pertinentes'.
2. Remetidos os autos a este Tribunal, lavrou o ora relator, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 Novembro, exposição na qual, após fazer um relato semelhante ao acima efectuado, propugnava por se não dever tomar conhecimemto do recurso, tendo, para tanto, consignado :-
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2. Porque, de harmonia com o disposto no nº 3 do artº 76º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, o despacho admissor do recurso não vincula este Tribunal, e porque se entende que o presente vertente recurso não deveria ter sido admitido, efectua- -se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquele diploma, a vertente exposição, na qual se propugna por se não dever tomar conhecimento da impugnação desencadeada pelo requerimento acima transcrito.
É que, por força do que se estatui na alínea b) do nº 1 do artº 70º da dita Lei, aliás em consonância com o prescrito na alínea b) do nº 1 do artigo
280º da Constituição, um dos requisitos do recurso previsto naquelas disposições consiste, justamente, na suscitação, durante o processo, da questão da desconformidade de uma determinada norma constante do ordenamento jurídico infraconstitucional e reportadamente a normas ou princípios ínsitos na Lei Fundamental.
Assim, impõe-se à «parte» que se pretenda servir desta forma de impugnação das decisões jurisdicionais, que cumpra um determinado ónus, o qual, precisamente, consistente em, antecedentemente à decisão que se pretende colocar sob censura do Tribunal Constitucional, ser questionada a validade constitucional de determinada norma jurídica. E, tem-no afirmado sem discrepâncias este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, um tal questionar há-de ser feito de forma adequada a perceptível.
Ora, perante estes parâmetros, há-de convir-se que a «parte» que nestes autos figura como recorrente, no item 6º da petição de reapreciação do acto de recusa de «visto» (para o qual, aliás, expressamente remete no seu requerimento corporizador da interposição de recurso), não suscitou, designadamente no que tange ao artº 6º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro [recte, ao que se encontra consignado na alínea a) do seu nº 3 e no seu nº 4 ou, se se quiser e atento o que foi referido na DECISÃO nº 3.607/96, os números 2 a 4 de tal artigo], e ainda que por referência a uma sua forma de interpretação, qualquer questão de incompatibilidade com normas ou princípios constitucionais.
Efectivamente, o que, no rigor das coisas, nesse item 6º se diz é que não é intenção da entidade peticionante do pedido de reapreciação a de colocar a questão da eventual desconformidade constitucional da interpretação que foi conferida pelo Alto Tribunal a quo à norma (recte às normas) cuja apreciação por banda do Tribunal Constitucional agora se pretende, com este recurso, que venha ser levada a efeito, embora fosse certo que, perante certos entendimentos (nomeadamente o do autor de um «parecer» junto à resposta do interessado), uma tal interpretação pudesse levar a pôr em crise a sua validade constitucional.
Do teor do aludido item 6º não resulta, por maiores esforços interpretativos que se façam, que a entidade então reclamante acolheu igual ou idêntica perspectiva à seguida, quanto à questão em apreço, pelo autor do
«parecer», fazendo seus, neste particular, os argumentos ali aduzidos.
Antes, e pelo contrário, de tal teor resulta que a dita entidade, de entre a vária fundamentação passível de ser carreada do ponto de vista jurídico, optou por não terçar armas (por não 'curar de apreciar', segundo as suas palavras) por um posicionamento ancorado em argumentos ligados à eventual incompatibilidade com o Diploma Básico de uma certa interpretação que, pelo autor do «parecer» junto ao «requerimento de defesa» do interessado, era, tendo por parâmetro o Diploma Básico, susceptível de ser posta em causa.
Não foi, desta arte, efectuada no pedido de reapreciação do acto de recusa do «visto» qualquer suscitação de inconstitucionalidade normativa, ainda que dirigido a uma certa forma de interpretação que, eventualmente, teria sido acolhida na DECISÃO que se visava ser reapreciada.
De onde dever concluir-se faltar, in casu, um dos requisitos condicionadores do recurso a que se alude na já falada alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, o que consequencia não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso.
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3. Sobre essa exposição pronunciou-se longamente a recorrente, advogando, a final, dever 'SER REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA'.
Em tal «pronúncia» a recorrente, depois de frisar que foi no item 6º do petitório que suscitou 'clara e expressamente' a questão de inconstitucionalidade, disse que uma tal suscitação foi levada a efeito 'por remissão para o parecer anexo', aduzindo que o advérbio 'aprofundadamente' utilizado naquele item não podia ter o sentido, que lhe era conferido na exposição e que seria o de «não curar de apreciar».
Não convencem as razões em que se ancora a recorrente.
Na verdade, do teor literal do falado item 6º não pode resultar que foi posta em crise a conformidade com a Lei Fundamental de uma interpretação, levada a cabo pelo Alto Tribunal a quo, incidente sobre o disposto na alínea a) do nº 3 do artº 6º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro.
Antes, e pelo contrário, o que naquele passo do petitório se veio dizer é que não era intenção da recorrente proceder a uma profunda análise da interpretação que aquele órgão jurisdicional fez do aludido normativo - interpretação essa que, para alguns, até poderia, por entre o mais, ser considerada como feridente da Constituição, como seria o caso do autor do
«parecer» junto ao mesmo petitório -, sendo que um tal não proceder se fundava na circunstância (explicitada e desenvolvida nos subsequentes items) segundo a qual a matéria de facto que se devia dar por assente haveria de conduzir à conclusão de que a situação do nomeado - mercê de ser titular da condição de agente administrativo por força do contrato administrativo de provimento em que o mesmo foi «parte» - se havia de subsumir àqueloutra de vinculado à função pública e, consequentemente, sujeita 'ao regime especial estatuído pelos artigos
30º e 23º do D.L. 73/90, conjugados com a alínea a) do nº 2 do Regulamento, aprovado pela Portaria nº 833/91, de 14 de Agosto'.
Antes de ser lavrado o acórdão pretendido impugnar nunca tomou, pois, a recorrente um posicionamento de onde resultasse que, na sua
óptica, a interpretação conferida ao normativo em crise era contrária ao Diploma Básico.
E, sendo assim, as razões carreadas à exposição lavrada pelo relator só podem levar a que se não tome conhecimento do recurso.
O que se decide.
Lisboa, 15 de Outubro de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca (vencido conforme declaração de voto junta) Declaração de Voto
Votei vencido porque entendo que se devia tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade, ordenando-se, por consequência, o seguimento da normal tramitação dos autos, com a fase das alegações.
É que, contrariamente à posição assumida no acórdão, concluindo-se aí que nunca tomou 'a recorrente um posicionamento de onde resultasse que, na sua óptica, a interpretação conferida ao normativo em crise era contrária ao Diploma Básico'
(o normativo do artigo 6º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro), entendo que da parte da recorrente houve uma sustentação dessa questão de inconstitucionalidade, estando, assim, presentes todos os pressupostos do presente recurso a que alude o artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Tudo passa pela interpretação que se queira fazer da linguagem utilizada pela recorrente no petitório exibido perante o Plenário do Tribunal de Contas, que no acórdão se entendeu não revelar essa linguagem uma intenção de suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquela citada norma do Decreto-Lei nº 498/88.
Que não é uma suscitação de tal questão 'clara e expressamente', estou de acordo, mas retirar da expressão usada no petitório -
'Sem curar de apreciar aprofundadamente (...)' - esse sentido negativo, é abuso de interpretação do que quis dizer a recorrente com tal expressão. Quando, como acrescenta a recorrente no mesmo petitório, se remeteu para um parecer junto aos autos, 'onde, de entre outras questões se suscita a da inconstitucionalidade por violação dos artigos 47º e 50º da CRP' (sic).
97.10.17 Luís Nunes de Almeida (vencido, por entender que a questão de inconstitucionalidade foi suscitada, embora a título subsidiário pela entidade recorrente).