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Processo n.º 484/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional
1. A. intentou contra o Instituto de Solidariedade e Segurança
Social / Centro Nacional de Pensões (ISSS/CNP) uma acção ordinária pedindo que
fosse declarado que a autora é titular das prestações por morte de um
beneficiário do ISSS/CNP com quem vivia em união de facto.
A acção foi julgada improcedente por sentença da 13ª Vara Cível da
Comarca de Lisboa, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa., com
fundamento em que não ficou provada a necessidade de alimentos por parte da
autora, nem a impossibilidade de os obter dos seus descendentes ou da herança
aberta por óbito do beneficiário com quem vivia em união de facto.
Por acórdão de 17 de Março de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça
decidiu:
“Quanto ao mérito da decisão, tem que se tomar em conta o acórdão n.º 88/2004,
de 10/02/2004, do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. II S., n.º 90, de
16/04/04, onde se julgou que os fundamentos e a natureza dos direitos a
alimentos e à pensão de sobrevivência são diversos, resultando o primeiro de
relações familiares ou parafamiliares, visando uma situação de necessidade do
alimentado, enquanto a pensão de sobrevivência tem por base descontos realizados
ao longo da vida profissional pelo beneficiário do regime público de segurança
social, entretanto falecido.
Aí se decidiu serem inconstitucionais as normas dos artºs. 40.º n.º 1 e 41.º n.º
2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no funcionalismo público, que aqui
são as do artigo 3.º do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18.01, e a do art.º 8.º n.º 1 do
D.L. n.º 322/90, de 18.10, quando interpretadas no sentido de que o direito à
atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário a quem com ele
convivia em união de facto, depende também da prova do direito do companheiro
sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, o qual terá de
ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da
impossibilidade da sua obtenção nos termos das als. a) a d) do art.º 2009.º do
Código Civil, por violação dos princípios da proporcionalidade, ínsito no art.º
18.º n.º 2 e do do Estado de Direito consagrado nos artºs. 36.º, n.º 1 e 61.º
n.ºs 1 e 3, todos da C.R.P.
Embora este acórdão não seja vinculativo, o entendimento nele fixado já seguido,
pelos menos, nos acs. Deste S.T.J. proferidos em 15/06/04, 21/09/04 e 30/09/04,
respectivamente, nos processos n.ºs 1.200/04-6ª S, n.º 1783/04 – 1ª S. e 1416/04
– 2ª S.
E a inconstitucionalidade dos preceitos legais supra mencionados, e nos termos
acima descritos, leva a que os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união
de facto para que possa beneficiar das prestações sociais decorrentes do óbito
de um beneficiário de regime público de segurança social reconduzem-se à prova
do estado civil do beneficiário e da vivência do companheiro sobrevivo, em união
de facto, há mais de dois anos com o falecido. Ora, in casu, não só está provado
que a autora viveu, por um período de tempo superior a dois anos, com o
companheiro, B., em condições análogas às dos cônjuges, como o estado civil do
último era o de viúvo.
Assim, procede o recurso e, em consequência, a acção.
Termos em que se revoga o acórdão recorrido e se julga a acção procedente e se
declara a autora como titular da prestação por morte de que era beneficiário o
B., esta a determinar pelo réu.”
2. O ISSS/CNP interpôs recurso deste acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) visando a apreciação da
constitucionalidade das normas que o Supremo Tribunal de Justiça desaplicou.
3. Prosseguindo o recurso, ambas as partes alegaram.
O recorrente conclui as suas alegações nos termos seguintes:
“1ª
O art. 8° do Dec. Lei 322/90 ao remeter para a situação prevista no art. 2020
nº1 do Código Civil está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de
sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança.
2ª
Isto é, a situação que se exige no art. 8°, para ser reconhecido o direito às
prestações de Segurança Social, é a mesma daquele que tem direito a exigir
alimentos da herança, nos termos do art. 2020° n°1 do C.C.
3ª
Na sequência do disposto no art. 8° nº2 do DL 322/90 foi publicado o Dec.
Regulamentar 1/94 de 18 de Janeiro que nos seus art. 3° e 5° estabeleceu as
condições e processo de prova de atribuição das prestações às pessoas que se
encontram na situação prevista no n° 1 do art° do D. L. 322/90 (o mesmo é dizer
situação prevista o n° 1 do artº 2020° do C.C.).
4ª
Daqui resultando que a atribuição das prestações por morte depende: de sentença
judicial que reconheça o direito a alimentos da herança à requerente (n° 1 do
ano 3° do Dec. Reg. 1/94 de 18/01), desde que na acção intervenha a Segurança
Social (ano 6° da Lei 7/2001), ou do reconhecimento judicial da qualidade de
titular das prestações por morte no caso de não ter sentença que lhe reconheça o
direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (art.º 3 n° 2
do Dec. Reg. 1/94 e artº 6° da Lei 7/2001).
5ª
Isto é, tanto na situação prevista no n° 1 do art. 3°, como na prevista no n° 2
do mesmo artigo do Dec. Regulamentar 1/94 será necessário alegar e provar: a)
que o “de cujus” era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e
bens; b) factos demonstrativos ou integrados do conceito união de facto há mais
de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (art. 2020° C.C.); c) factos
demonstrativos da inexistência ou insuficiência de bens da herança (nº 2 do art.
3° do Dec. Reg. 1/94); d) factos demonstrativos de não obter alimentos nos
termos das alíneas a) a d) do art. 2009° C.C.; e) factos demonstrativos da
necessidade de alimentos e da impossibilidade de ela própria prover à sua
subsistência.
6ª
Donde para atribuição da pensão de sobrevivência é condição essencial e
necessária a obtenção da sentença judicial onde se reconheçam e verifiquem todos
aqueles pressupostos.
7ª
Ora, conforme se pode ler na douta fundamentação do Acórdão recorrido do STJ “a
inconstitucionalidade dos preceitos legais supra mencionados e nos termos acima
descritos, leva a que os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de
facto para que possa beneficiar das prestações sociais decorrentes do óbito de
um beneficiário do regime público da Segurança Social reconduzem-se à prova do
estado civil do beneficiário sobrevivo, em união de facto, há mais de anos dois
anos com o falecido... Assim, procede o recurso... Termos em que se revoga o
acórdão recorrido e se julga a acção procedente e se declara a autora como
titular da prestação por morte de que era beneficiário o B.”.
8ª
O que na prática se reconduz apenas a dois requisitos, a saber: o estado civil
de não casado do membro falecido da união de facto e a vivência dos dois
companheiros em união de facto nos dois anteriores ao óbito.
9ª
Acontece que na matéria de facto alegada e dada como provada, nada se diz quanto
aos requisitos relativos à carência de alimentos da Autora, à impossibilidade
dos familiares do art.º 2009° C.Civil em prestarem ou não alimentos e não se
fala da inexistência ou insuficiência da herança (al.s a), c) e d) do art.º
2009° do C. Civil - ex- cônjuge, descendentes e irmãos.
10ª
Ou seja, não foram alegados nem provados factos que preencham os vários
requisitos que na nossa modesta opinião são essenciais para o bom êxito da
acção.
11ª
Ora, como resulta do disposto no art.º 342° n.º 1 do C.Civil «aquele que invoca
um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado».
12ª
No caso sub judice, face ao quadro factual, não tendo ficado provada a carência
de alimentos da Autora, a impossibilidade dos familiares obrigados a alimentos
nos termos a) e d) do art.º 2009° do C. Civil de suprirem a necessidade de
alimentos da Autora, caso existam, nomeadamente, ex-cônjuge, descendentes,
irmãos, inexistência de insuficiência de bens na herança, mal decidiu o Supremo
Tribunal de Justiça ao concluir da forma como o fez, pela revogação do Acórdão e
pela procedência da acção, tendo sido violados, o art.º 8° do DL n.º 322/90, de
18/10, art.º 3° do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18/10, art.º 1° e 6° da Lei n.º
7/2001, de 11/05, art.º 2009° e 2020° do C. Civil.
13ª
No que tange às razões de inconstitucionalidade alegados pelo douto Acórdão do
S.T.J. avocando para o efeito o douto Acórdão nº 88/2004 do T.C. que considerou
inconstitucionais os art.s 8° do DL n° 322/90, de 18/10 e art.º 3° do DL n°
1/94, de 18/01 por violação do princípio da proporcionalidade.
14ª
Dir-se-á que, posteriormente de modo diverso, se decidiu no douto Acórdão n°
159/2005, 2° secção (Proc. 697/04, 2ª secção do STJ) do Tribunal Constitucional,
ao não julgar inconstitucional a norma do artº 41º nº 2, 1ª parte, do Estatuto
das Pensões de Sobrevivência, donde se conclue serem constitucionais as normas
que exigem o preenchimento dos diversos requisitos, já atrás explicitados.
15ª
E podemos acrescentar nós que o Acórdão n.º 159/2005 da 2ª secção do Tribunal
Constitucional que regulou uma situação jurídica de um beneficiário do regime
público de pensões (enquadrado no âmbito da competência e atribuições da Caixa
Geral de Aposentações), nada impede que tal jurisprudência se não aplique à
presente situação jurídica (enquadrada no âmbito da competência e atribuições do
Centro Nacional de Pensões), tendo presente que os dois regimes jurídicos são
semelhantes.
16ª
E também o Acórdão n.º 233/2005 do T.C. que trata de uma situação jurídica no
âmbito da competência e atribuições do ISSS/CNP, veio esclarecer e confirmar
esta orientação jurisprudencial (do Acórdão n.º 159/2005, da 2ª secção do T.C.)
ao afirmar que não é excessivo exigir da companheira sobreviva o reconhecimento
judicial do direito a alimentos da herança, nos termos do n.º 1 do art.º 2020°
do C. Civil, art.º 8° do D.L. n.º 322/90 e art.º 3° do Dec. Reg. n.º 1/94, ou
seja, o preenchimento dos vários requisitos: vivência de ambos em união de facto
por mais de dois anos; carência de alimentos da Autora; impossibilidade de
obtenção de alimentos dos familiares das alíneas a) a d) do art.º 2009° do C.
Civil e por fim a inexistência ou a insuficiência de bens na herança do “de
cujus”.
17ª
Este Acórdão (Ac. n.º 233/2005, 3ª secção do T.C) decidiu julgar conforme à
Constituição os preceitos que exijam o preenchimento de tais pressupostos.
18ª
Ora se o Acórdão n.º 88/2004 do T.C., que regulou uma situação jurídica de um
beneficiário do regime público de pensões (CGA), serve para o S.T.J. fundamentar
a decisão desfavorável contra o ISSS/CNP, também, em nosso modesto entendimento,
as ulteriores decisões (Acórdão n.º 159/2005, da 2ª Secção e Acórdão n.º
233/2005, de 3.8 Secção do nosso T.C.) e o sentido jurisprudencial delas
decorrente, deve ser relevado e tido em conta, pois sendo posteriores, decidiu
de forma diversa – considerando constitucionais os preceitos em análise.
19ª
Pelo que foram violados, o artº 8° do DL n.º 322/90 de 18/10, o art.º 3° do Dec.
Reg. n.º 1/94, de 18/10, art.º 1° e 6° da Lei n.º 7/2001, a 11/05, art.º 2009° e
2020° do C. Civil.”
A recorrida sustenta, por seu turno, que não deve conhecer-se do recurso
porquanto aquilo que recorrente pretende é “…um reexame do mérito do julgado,
i.e., que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a questão de fundo
decidida pelo Supremo e, em consequência, se substitua a este na decisão, aqui
funcionando como instância, decidindo-se pela improcedência da acção, o que,
é-lhe vedado pela regra contida no art.º 71.º, n.º 1, da LOFTC, pelo que não
deverá esse Tribunal conhecer do objecto do presente recurso.”
Notificado para responder à questão suscitada pela recorrida, o
recorrente pugna pelo conhecimento do objecto do recurso, alegando que as
referências que faz à interpretação e interpretação do direito ordinário resulta
de estarmos perante um processo de fiscalização concreta de constitucionalidade
de uma decisão que não aplicou as normas referidas por julgá-las
inconstitucionais.
4. É inquestionável que, adoptando e transpondo para o domínio das
prestações por morte no regime geral de previdência a doutrina traçada pelo
Tribunal Constitucional no acórdão n.º 88/04 a propósito de preceitos com
idêntico teor normativo do regime de previdência do funcionalismo público, o
acórdão recorrido recusou aplicação às normas do artigo 3.º do Dec. Reg. n.º
1/94, de 18 de Janeiro e do art.º 8.º n.º 1 do D.L. n.º 322/90, de 18 de Outubro
quando interpretadas no sentido de que o direito à atribuição da pensão de
sobrevivência por morte do beneficiário a quem com ele convivia em união de
facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber
alimentos da herança do falecido, por ter necessidade deles e não os poder obter
das pessoas referidas nas als. a) a d) do art.º 2009.º do Código Civil.
O recorrente interpôs recurso desta decisão, tendo por objecto a apreciação da
constitucionalidade dessas mesmas normas, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC (No requerimento de interposição do recurso indicou também os
artigos 2009.º e 2020.º, n.º 1 do Código Civil, que abandonou na resposta ao
convite a que se refere o n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC).
É certo que, logo quando convidado a precisar o objecto do recurso ao abrigo do
n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, o recorrente prestou os esclarecimentos de fls.
329/330, também referiu que “o sentido interpretativo seguido pelo STJ – será o
de que o artigo 3º do Dec. Reg. n.º 1/94 e artigo 8.º do DL n.º 322/90, ao
reclamarem mais requisitos, do que o estado civil do companheiro falecido
(solteiro, viúvo, divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens) e a
vivência em união de facto de ambos os companheiros pelo período de dois anos
anteriormente à data do óbito do companheiro falecido, são inconstitucionais
porque violam os artigos 18.º n.º 2, 36.º n.º 1 e 61.º n.ºs 1 e 3 da CRP, que
contemplam a proibição da violação dos princípios da Proporcionalidade e do
Estado de Direito”. Ora este – o de que o reconhecimento do direito às
prestações ao companheiro sobrevivo não depende de outros requisitos senão os
relativos ao estado civil do subscritor falecido e à vivência em união de facto
pelo período de 2 anos à data do óbito – corresponde ao regime que o Supremo
Tribunal considera aplicável, após a eliminação das exigências constantes do
segmento normativo tido por inconstitucional ( “ … E a inconstitucionalidade dos
preceitos legais supra mencionados, e nos termos acima descritos, leva a que os
requisitos exigíveis …” ). Mas, no que estritamente consiste em juízo de
inconstitucionalidade, o acórdão recorrido ateve-se mutatis mutandis (“ …que
aqui são as do artigo 3.º do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18.01, e a do art.º 8.º n.º
1 do D.L. n.º 322/90, de 18.10 …”) ao julgamento constante do acórdão n.º
88/2004 deste Tribunal, que transpôs para o domínio em causa.
Todavia, esta imprecisão do recorrente ao confundir o que é o juízo de
inconstitucionalidade e aquilo que já consiste em extrair os seus efeitos – a
definição do ordenamento jurídico após tal juízo –, não impede que se tenha por
suficientemente definido o objecto do recurso como dirigido à apreciação da
norma desaplicada pelo acórdão recorrido. Com efeito, esse menor rigor do
recorrente não obsta a que se identifique o objecto do recurso com a norma
desaplicada pela decisão recorrida, sobretudo atendendo, por um lado, a que se
trata de um recurso da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, em que o alcance da
desaplicação normativa surge explícita e claramente definida e, por outro, a que
o requerimento de interposição do recurso e o esclarecimento não deixam, apesar
de uma enunciação mais extensa na conclusão deste, de conter a indicação da
norma desaplicada.
Efectivamente, no requerimento em que respondeu ao convite a
precisar o objecto do recurso, o recorrente também esclareceu o seguinte:
“(…)
5º
As quais no regime público de segurança social (EPSFP) correspondem às
constantes no artigo 3.º do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18/01 e a do artigo 8.º do DL
n.º 322/90, de 18/10.
6º
E tais normas são inconstitucionais quando interpretadas no sentido de que o
direito à atribuição da pensão de sobrevivência por morte de um beneficiário com
o qual se conviveu em união de facto.
7º
Depender também da prova do direito do companheiro a receber alimentos da
herança do companheiro falecido.
8º
O qual terá de ser invocado e reclamado na herança do falecido, com prévio
reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos previstos nas
alíneas a) a d) do artigo 2009.º do Código Civil.
9º
O que viola o princípio da Proporcionalidade contemplado no artigo 18.º n.º 2,
bem como o do Estado de Direito, consagrado nos artigos 36.º n.º 1 e 61,º n.ºs 1
e 3 todos da CRP.
(…).”
De modo que, tendo o recorrente produzido alegações e não ocorrendo
qualquer outra causa extintiva ou impeditiva do conhecimento do objecto do
recurso, só poderia deixar de conhecer-se deste se devessem interpretar-se as
alegações como ineptas ou afectadas de vício formal insanável ou como tendo
nelas sido abandonada a referida questão de constitucionalidade. Se o
recorrente, sem abandonar a questão de constitucionalidade, formular pretensões
que não caibam no poder de cognição ou de decisão do Tribunal, isso não conduz a
que se deixe de conhecer do recurso, mas apenas a que se decline o conhecimento
dessas outras questões e se limite a pronúncia ao âmbito admissível do recurso
interposto.
Posto isto, tem de reconhecer-se que, embora o recorrente,
designadamente no que se condensa na conclusão 19.ª acima transcrita, não
contenha as suas alegações nos limites do que cabe ao Tribunal conhecer e
decidir em recurso de fiscalização concreta – em que lhe não compete aferir da
violação do direito ordinário ou fixar o sentido da decisão da causa, mas apenas
julgar definitivamente a questão de constitucionalidade (n.º 1 do artigo 71.º e
n.º 1 do artigo 80.º da LTC) e, em caso de provimento, determinar a reforma da
decisão em conformidade com esse julgamento (n.º 2 do artigo 80.º da LTC) –, não
abandonou a questão de constitucionalidade. Antes argumenta e conclui pela não
inconstitucionalidade, sobretudo através do confronto da jurisprudência
divergente do Tribunal.
Tanto basta para julgar improcedente a questão obstativa suscitada
pela recorrida, passando-se ao conhecimento da referida questão de
constitucionalidade e só dela.
5. A questão mais uma vez colocada à apreciação do Tribunal
Constitucional é, reduzida à sua essência, a de saber se é materialmente
inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual o direito à pensão de
sobrevivência nos sistemas ou subsistemas públicos de previdência depende, em
caso de união de facto, de o companheiro do beneficiário falecido demonstrar que
tem direito de obter alimentos da herança deste, por ter necessidade deles e não
os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, n.º 1, alíneas a) a d) do
Código Civil.
É questão relativamente à qual, à data da decisão recorrida, como as
alegações destacam, havia jurisprudência divergente, não só nos tribunais
comuns, mas também no Tribunal Constitucional. O acórdão recorrido recusou
aplicação às normas em causa, transpondo para este domínio, a doutrina do
acórdão n.º 88/2004, publicado no Diário da República, II série, de 16 de Abril
de 2004).
Sucede que pelo acórdão n.º 614/2005, de 9 de Novembro de 2005, proferido no
processo n.º 697/2004, em recurso interposto para o Plenário, ao abrigo do
artigo 79.º-D da LTC, do acórdão n.º 159/2005, por divergência com o acórdão n.º
88/2004, o Tribunal considerou não ser inconstitucional a interpretação
normativa segundo a qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso de
união de facto “depende de o companheiro do falecido estar nas condições do
artigo 2020.º do Código Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da
herança, por não os poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, n.º 1,
alíneas a) a d) do mesmo Código”. Fez, portanto, vencimento em Plenário o
entendimento contrário ao que o acórdão recorrido seguiu quanto à questão de
constitucionalidade.
Assim, seguindo a doutrina do referido acórdão do Plenário (disponível em
http:/www.tribunalconstitucional.pt), tem de julgar-se procedentes as razões do
recorrente quanto à questão de constitucionalidade que é objecto do presente
recurso. Efectivamente, embora respeitando a diferentes subsistemas públicos de
previdência, o teor normativo dos preceitos em causa é idêntico ao que foi
objecto de apreciação pelo Plenário e a questão de constitucionalidade é a mesma
(Cf. no mesmo sentido, acórdão n.º 640/2005).
6. Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional as normas do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei
n.º 322/90, de 18 de Outubro e do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94,
de 18 de Janeiro, quando interpretadas no sentido de que o direito à atribuição
da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário, a quem com ele convivia em
união de facto, depende de o interessado estar nas condições do artigo 2020.º do
Código Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da herança, por não os
poder obter das pessoas referidas no artigo 2009.º, n.º 1, alíneas a) a d) do
mesmo Código;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida
ser reformada ou mandada reformar em conformidade com o julgamento agora
proferido quanto à questão de constitucionalidade;
c) Sem custas.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005
Vítor Gomes
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício