Imprimir acórdão
Proc.nº 592/97
2ª Secção Relator: Cons.Sousa e Brito
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional :
I
1. Em 6 de Novembro de 1997, foi recebido na secretaria do Tribunal Constitucional ofício subscrito pelo Presidente da Comissão Nacional de Eleições a remeter ao abrigo do nº 3 do artº 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional, 'recurso interposto pelo candidato do Partido Popular (CDS-PP) à Câmara Municipal da Marinha Grande, A., da deliberação tomada pela Comissão na reunião plenária de 21 de Outubro último, sobre uma queixa apresentada pelo cidadão B., relativa à realização de um concurso'.
2. Este ofício vinha acompanhado de cópia de todo o processo, de onde resulta o seguinte :
- Em 9 de Outubro do corrente ano, B. enviou telecópia à Comissão Nacional de Eleições (abreviadamente, C.N.E.) acompanhada de fotocópia de parte de 'O .............', 'órgão informativo da Candidatura Marinhense às Autárquicas/97', do CDS/PP, de onde constava o anúncio de um concurso a realizar por este partido tendo como tema as próximas eleições autárquicas e em que se convidavam os eleitores a formular 'palpites' sobre as percentagens das listas concorrentes ao sufrágio de 14 de Dezembro de 1997, prevendo-se a atribuição de um prémio pecuniário de 300.000$00, verificado certo condicionalismo, a quem acertar no vaticínio. Ao participante, 'cidadão sem qualquer preparação jurídica', afigurava-se tal concurso como uma 'flagrante ilegalidade';
- Houve troca de correspondência entre a C.N.E., o participante, o Governo Civil de Leiria e o Partido Popular CDS/PP sobre tal iniciativa, tendo a C.N.E. tomado uma deliberação, em 21 de Outubro de 1997, na sua reunião plenária, do seguinte teor:
'Os órgãos informativos das candidaturas não praticam qualquer acto ilícito quando pretendem promover essas candidaturas. Por outro lado, a actuação em análise não configura publicidade violadora da lei eleitoral nem da lei das sondagens. Porém, pode suscitar-se a dúvida que as regras do concurso violem o Artº 128º do Dec-Lei nº 701-B/76, de 29 de Dezembro, por a oferta do prémio a quem concorrer estar dependente dos resultados eleitorais da candidatura promovida, e por se poder traduzir no emprego de meio ilícito à promoção dessa candidatura. Dadas as dúvidas criadas, esta Comissão vem aconselhar a que seja dado por findo esse concurso. Caso assim não aconteça, a CNE poderá vir a participar os factos dos serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Comarca'.
- Foi enviada cópia da deliberação ao Partido Popular CDS/PP através de ofício com data de 23 de Outubro de 1997;
- O candidato do CDS/PP A. enviou telecópia em 4 de Novembro de
1997 à C.N.E., em nome da Candidatura Marinhense PP/Independentes, afirmando só nesse dia ter sido recebida a notificação da C.N.E., 'com grande atraso', afirmando que, uma vez que era acatado o «conselho» dado por V.Exªs dá-se por cumprida a notificação em causa, tanto mais que o termo do concurso aconteceu naturalmente, já que ninguém concorreu'. Apesar disso, nessa carta solicita-se que a argumentação contraditória inclusa neste documento partidário 'seja integrada nos autos e sirva como recurso, de acordo com o DL 701-B/76', por alegadamente estarem em causa 'princípios e não a eficácia do concurso que, como se disse, é dado por extinto'. E, de seguida, o referido candidato rebate a posição da C.N.E. de que o referido concurso poderia corporizar o 'emprego de meio ilícito' à promoção de candidatura, argumentando no sentido da licitude do concurso e repudiando a ameaça de participação criminal nessa carta. Indicam-se números de apartado postal, telefone e telecópia 'para maior celeridade na resposta ou obtenção de informações complementares':
- Recebida a referida telecópia na C.N.E., solicitou o secretário da Comissão ao referido candidato, em 5 de Novembro, a informação sobre se este pretendia interpor recurso de deliberação da C.N.E. para o Tribunal Constitucional, tendo recebido resposta, em 6 de Novembro, no sentido de que o referido candidato pretendia recorrer para o Tribunal Constitucional.
- Integra ainda o processo enviado certidão de extracto de acta de sessão plenária de 21 de Outubro de 1997, de onde consta a deliberação acima transcrita.
II
3. Descritos os factos relevantes para apreciação do presente recurso, importa apreciar se o Tribunal Constitucional pode tomar conhecimento do mesmo.
De harmonia com o nº 2 do artigo 102º-B da Lei do Tribunal Constitucional, o prazo para a interposição de recurso contencioso das deliberações da Comissão Nacional de Eleições 'é de 1 dia a contar do conhecimento pelo recorrente da deliberação impugnada'.
A Comissão Nacional de Eleições é um órgão da Administração Eleitoral com funções de regulação e de natureza disciplinar 'relativamente a todos os actos de recenseamento e de eleições para órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local' (arts. 1º, nº 3, e 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro). Como se escreveu no Acórdão nº 165/85 do Tribunal Constitucional, a C.N.E. - órgão independente que funciona junto da Assembleia da República - é
'um órgão sui generis de «administração eleitoral», autónomo relativamente ao Governo, e não integrado na organização administrativa deste dependente - um
órgão que o legislador instituiu para justamente lhe confiar, em razão da mesma autonomia ou «independência», um conjunto de tarefas no domínio em causa que entendeu distrair ou retirar do âmbito de competência (que seria a competência
«natural») dos órgãos e agentes do Poder Executivo' (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º volume, pp.664-665; vejam-se ainda o Parecer nº 20/82 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 20º volume, pp. 73 e seguintes, e os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 23/86 e 605/89, publicados in Acórdãos, 7º volume, I, pp. 381 e seguintes, e 14º volume, pp. 587 e seguintes; na doutrina Jorge Miranda, 'Sobre a Comissão Nacional de Eleições', in Estudos de Direito Eleitoral, Lisboa, 1995, pp. 155-162).
No exercício das suas competências, a C.N.E. pratica, entre outros, actos jurídicos de eficácia externa que são de qualificar, indubitavelmente, de actos administrativos contenciosamente recorríveis.
4. No caso sub iudicio, é manifesto que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso, desde logo, por uma dupla ordem de razões:
- em primeiro lugar, a deliberação em causa não tem a natureza de acto administrativo contenciosamente recorrível, ou acto susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. Acórdão nºs 200/85, in Acórdãos, 6º vol.,pp.743 e segs.). Trata-se antes de um acto opinativo que contém o ponto de vista da C.N.E. sobre certo comportamento de promoção de uma candidatura, a qual recomenda a cessação de tal comportamento, anunciando a eventual apresentação de queixa-crime, no caso da não cessação do comportamento. Acresce que a eventual apresentação de queixa-crime ao Ministério Público não se poderia configurar como deliberação contenciosamente recorrível, dada a própria natureza desse acto;
- em segundo lugar, o acto de interposição do recurso é manifestamente extemporâneo, visto o recorrente não ter alegado quaisquer razões atinentes ao atraso na recepção do ofício da C.N.E. que notificava a candidatura da deliberação agora impugnada, sendo certo que tal ofício foi enviado para a sede da candidatura (Rua -------------, nº -----------, na ------------------), sede que figurava no próprio anúncio do concurso. Não tendo sido alegadas razões atinentes ao carácter fortuito do atraso na recepção por quem tinha o ónus de proceder a tal alegação e prova, há-de considerar-se que a notificação ocorreu ainda no mês de Outubro, dado a expedição ter sido feita em 23 do mesmo mês
(deve notar-se que, anteriormente, já havia sido endereçada uma comunicação para a mesma morada, que foi atempadamente recebida pelo ora recorrente - cfr. fls.13 dos autos).
III
5. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 11 de Novembro de 1997 José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa