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Processo n.º 1010/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa de fls. 50 e ss. e do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de fls. 107 e ss. (acórdão que rejeitou o recurso ordinário interposto daquele
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) nos seguintes termos:
A., recorrente nos autos supra, em que é recorrido o Ministério Público,
notificado do acórdão de 12 de Março de 2003 que rejeitou o recurso com
fundamento no disposto no art. 400°, n° 1, al. c), do Código do Processo Penal -
em dimensão normativa previamente arguida de inconstitucionalidade - vem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Mais recorre do acórdão de 2 de
Outubro de 2002, a fls 38 a 41, que confirmou o despacho recorrido de 7 de Maio
de 2001.
Em cumprimento do disposto no art. 75-A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro,
indica‑se:
1. É o presente requerimento formulado ao abrigo do disposto nos arts. 280°, n°
1, al. b), da Constituição da República, e 70° n° 1, al. b), da mesma Lei n°
28/82.
2. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie são:
a) A do art. 400°, n° 1, al. c), do Código do Processo Penal, na dimensão
normativa com que foi aplicada no supra referido acórdão de 12.3.2003;
b) A do art. 70°, n° 1, 18 parte, do Código do Processo Penal, na dimensão
normativa com que foi aplicada no supra referido acórdão de 2.10.2002, e no
despacho por este confirmado.
3. Consideram-se violadas:
a) pela dimensão normativa com que foi aplicado o art. 400°, n° 1, al. c) do
CPP, as normas e princípios constitucionais plasmados nos arts. 2°, 20°, n°
1,202°, nos 1 e 2, 224°, n° 3 e 282°, n° 3, da Lei Fundamental, nos termos
invocados na resposta ao parecer do Ilustre representante do Ministério Público
junto desse Forum;
b) pela dimensão normativa com que foi aplicado o art. 70°, n° 1, 1ª parte, do
CPP, as normas e princípios constitucionais plasmados nos arts. 2°, 13°, 18°,
20°, n° 1, 32°, nº 1, 58°, n° 1, 59°, n° 1, al. b), e 208° da Lei Fundamental,
nos termos invocados nas alegações de recurso para esse Forum, na resposta ao
parecer do Digmo representante do Ministério Público junto da Relação, e na
motivação do recurso interposto do despacho recorrido.
Apenas foi admitido o recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, por despacho de fls. 114, verso.
O recorrente requereu que os autos baixassem ao Tribunal da Relação de Lisboa
para que fosse proferida decisão sobre a admissibilidade do recurso interposto
do acórdão por esse Tribunal proferido (fls. 116).
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento do requerido,
tendo o Relator indeferido o requerido, a fls. 117, verso.
O recorrente requereu aclaração do despacho de fls. 117, verso, aclaração
indeferida a fls. 123.
O recorrente arguiu nulidade, arguição indeferida por acórdão de 28 de Janeiro
de 2004 (fls. 112 e ss.).
O recorrente apresentou novo requerimento no qual desistiu do recurso de
constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, afirmando juntar
novo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 50 e ss. (fls. 137 e ss. o novo
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade consta de fls.
198 e ss.) e pedindo a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para
apreciação do novo requerimento.
A desistência do recurso foi admitida no Tribunal Constitucional, a fls. 144.
O recorrente apresentou novo requerimento, reiterando o pedido de remessa dos
autos ao Tribunal da Relação de Lisboa e arguindo nulidade do entretanto
processado.
O requerimento foi indeferido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15
de Dezembro de 2004 (fls. 182 e 183).
O recorrente arguiu nova nulidade, e os autos foram remetidos ao Tribunal da
Relação de Lisboa, por despacho de 17 de Maio de 2005 (fls. 204, verso).
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho com o seguinte
teor:
1. Vistos os autos e atentas as datas de prolação da decisão proferida por este
Tribunal – 02.10.2002 /fls. 53) – e a de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional – 12.02.2004 (fls. 204 v.), bem como o disposto no art. 75º nº 1
da Lei nº 28/82, não se admite, por extemporâneo, o recurso interposto a fls.
198.
2. Notifique e DN.
2. A. deduziu reclamação, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos:
A., Assistente e Recorrente nos autos supra, vem, ao abrigo do art. 76°, n° 4,
da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC, doravante) apresentar
RECLAMAÇÃO
contra o Despacho de 3.6.2005, a fls..., que indefere o requerimento de
interposição de recurso para esse Tribunal, do acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa, prolatado em 2.10.2002, a fls 50-53.
I - REFORMA DO DESP ACHO RECLAMADO, PELO JUIZ A QUO
1. O Despacho reclamado não é passível de recurso ordinário. Mas a presente
reclamação tem, para o efeito previsto no art. 669°, n° 2, do Código de Processo
Civil (CPC, doravante) aplicável ex vi art. 4° do Código de Processo Penal (CPP,
doravante), natureza equivalente. Pelo que,
2. Nos termos do disposto no dito art. 669°, n° 2 b ), o Despacho reclamado pode
ser reformado pelo Relator. Com efeito, é manifesto que ele enferma de lapso na
consideração de elementos que constam do processo e que, a terem sido tomados em
conta, determnariam, só por si, necessariamente, decisão diversa da proferida em
3.6.2005.
Vejamos:
2.1. Declara o Despacho reclamado não admitir 'o recurso interposto a fls 198'
(sic).
Mas não diz a data em que tal requerimento foi apresentado no STJ. Sem a
verificar, não é possível qualquer juízo de tempestividade. Trata-se de lapso
manifesto.
2.2. O primeiro requerimento de interposição de recurso do acórdão da Relação de
Lisboa, de 2.10.2002, para o Tribunal Constitucional, tem data de 24.3.2003, e
encontra-se a fls 112, tendo sido apresentado após rejeição do recurso
interposto para o STJ.
· Tal requerimento foi reiterado em 14.5.2003, nos termos do requerimento de
fls 116.
· O mesmo requerimento voltou a ser reiterado nos termos dos requerimentos de
18.6.2003, a fls 118-120, e de 12.2.2004, a fls 137-139 e requerimento com ele
junto dirigido ao Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa.
· Este requerimento, por lapso da secretaria do STJ, foi arquivado com os
duplicados em vez de ter sido junto com a conclusão relativa ao requerimento de
fls 137-139. A informação da secretaria, de 2.5.2005, a fls 203, confirma os
aludidos factos.
· Tal requerimento, ao ter sido 'recuperado' pela secretaria, devia ter sido
numerado como fls 139A e ss. A sua data de apresentação no STJ é de 12.02.2004,
sendo de 11.2.2004 a do respectivo registo postal, correspondentes ao
requerimento de fls 137‑139, como confirmado pelo informação de fls 203.
· As referenciadas fls 204v. - que se referem ao requerimento de 12.2.2004 -
são a aceitação do Relator no STJ, da justificação da falta cometida pela
secretaria, e, consequentemente, o reconhecimento de que o recorrente, tendo
interposto o recurso ao abrigo do art. 75°, n° 2, da LTC, fê‑lo tempestivamente
atento o facto de o acórdão do STJ que rejeitou o recurso ordinário antes
interposto do mesmo acórdão, só ter transitado em julgado após o despacho do
Exmo Relator no Tribunal Constitucional, de 10.5.2004, a fls 144.
· Este Despacho foi provocado pelo requerimento do recorrente, de 11.2.2004, a
fls 139, que o Relator entendeu - erroneamente no modesto entender do recorrente
- em 31.3.2004, a fls 142, dever submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional.
· Os erros e omissões da secretaria do STJ, fizeram com que o processo, em vez
de ter baixado ao Tribunal da Relação de Lisboa, após a sua devolução pelo
Tribunal Constitucional, tivesse sido remetido ao Tribunal de Aveiro.
· Irregularidade esta que foi objecto do requerimento do recorrente de
21.10.2004, junto a fls 156-158, apresentado no Tribunal de Aveiro.
· Este último requerimento foi indeferido no STJ em virtude de o requerimento
aí antes apresentado como requerimento de 12.2.2004, a fls 137-139, continuar
subtraído a este, pelas razões aduzidas pela secretaria na sua informação de fls
203.
3. Verificam-se, pois, os pressupostos do art. 669°, n° 2, alínea b), e n° 3, do
CPC, para que o tribunal a quo reforme o Despacho reclamado. Caso o não faça,
II - RECLAMAÇÃO PERANTE O TRIBUNAL AD QUEM
4. Com a devida vénia, pede o reclamante sejam aqui havidas por reproduzidas as
razões de facto e de direito acima referidas a justificar a reforma do Despacho
reclamado, pelo tribunal a quo.
5. Cumprindo-lhe, porém, solicitar a especial atenção desse Alto Tribunal para:
a) o facto de já o STJ haver violado a norma do art. 75°, n° 2, da LTC, conforme
arguido no requerimento de fls 137-139,
b) ser a partir da data da desistência do recurso interposto do Acórdão do STJ,
de 12.3.2003, a fls 107‑109 - que rejeitou o recurso interposto do acórdão da
Relação de Lisboa de 2.10.2002, a fls 50-53 - que começa a correr o prazo do
art. 75°, n° 2, da LTC,
c) que tal desistência teve lugar em 11.2.2004, e
d) que, na mesma data, foi apresentado no STJ o requerimento dirigido ao
Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, de interposição de
recurso deste para esse Alto Tribunal, que o Despacho reclamado refere
encontrar-se a fls 198,
e) que, tendo o Relator no STJ, ordenado a subida dos autos a esse Alto
Tribunal, para efeito do Despacho de fls 144 - que é de 10 de Maio de 2004 - a
interposição de recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, poderia ter
ocorrido ainda depois dessa data, desde que o fosse dentro de 10 dias a contar
da mesma.
Pelo que,
6. É evidente ser tempestivo o recurso não admitido com fundamento em
extemporaneidade, pelo Despacho ora reclamado cuja revogação se impõe nos termos
do art. 77°. n° 3. com os efeitos do seu n° 4. da LTC.
O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
O ora reclamante interpôs – ao longo da confusa tramitação do processo, em
consequência da reiterada suscitação de incidentes pós‑decisórios – recurso de
constitucionalidade, reportado ao acórdão proferido, a fls. 50 e segs., pela
Relação de Lisboa, em dois momentos:
– através do requerimento de fls. 112, em que – mediante requerimento
endereçado ao STJ –, se recorre conjuntamente de aplicações normativas contidas
nos acórdãos da Relação e do Supremo;
– através do requerimento de fls. 198, apresentado após a anormal tramitação
dos autos, e objecto de indeferimento pelo despacho de fls. 207, ora objecto de
reclamação.
Sucede que a interposição de recurso, feita através do requerimento de fls. 112,
é – no que concerne à pretendida impugnação do acórdão proferido pela Relação –
prematuro, já que tal decisão não era obviamente perspectivável como
“definitiva”, atenta a simultânea interposição de recurso ordinário para o
Supremo; acresce que o recorrente, confrontado com a inquestionável rejeição de
tal “parcela” do recurso, feita pela decisão de fls. 114 verso, não utilizou o
meio impugnatório adequado: a imediata reclamação para este Tribunal
Constitucional do segmento do aludido despacho que claramente não admitia o
recurso pretendido interpor da aplicação normativa feita pela Relação de Lisboa.
“Renovado” tal requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade,
apenas a fls. 198, é óbvia a sua intempestividade, atenta a anómala tramitação
processual entretanto verificada nos autos, expressa em reiterados e inadequados
incidentes pós decisórios: na verdade, o recurso de fiscalização concreta,
incidente sobre o acórdão da Relação, deveria ter sido logo interposto na
sequência da prolação da decisão que deixou indiscutível a inadmissibilidade de
recurso para o STJ – no caso, a própria desistência do recurso de
constitucionalidade reportado à aplicação normativa do preceituado no art. 400º
do CPP (cf. fls. 144); e sendo manifesto que – como vem entendendo a
jurisprudência constitucional – a “prorrogação” prevista no nº 2 do art. 75º da
Lei nº 28/82 não tem cabimento quando a parte haja utilizado meios impugnatórios
“atípicos”, inidóneos para obstar à consolidação das decisões inicialmente
proferidas sobre a matéria litigiosa (cf. Acórdão. 459/98).
Cumpre apreciar.
3. As vicissitudes processuais dos presentes autos que relevam para a decisão
da presente reclamação são as seguintes:
O reclamante interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2
de Outubro de 2002 (fls. 50 e ss.) para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tal recurso não foi admitido, por acórdão de 12 de Março de 2003, nos termos do
artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal (fls. 107 a 109).
O recorrente interpôs, então, dois recursos de constitucionalidade: um do
acórdão do Tribunal da Relação, para apreciação da conformidade à Constituição
da norma do artigo 70º do Código de Processo Penal; outro do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, para apreciação da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c),
do Código de Processo Penal (fls. 112 e ss.).
O recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi aceite (fls. 114,
verso).
Quanto ao recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, as decisões do
Supremo Tribunal de Justiça recusaram sempre a remessa dos autos ao Tribunal da
Relação de Lisboa, para decisão sobre a respectiva admissibilidade.
Só depois da desistência do recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça é que os autos foram remetidos ao Tribunal da Relação de
Lisboa, tendo então o recurso sido rejeitado por intempestividade.
4. Ora, o recurso de constitucionalidade que o reclamante interpôs foi
interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional. Tal recurso cabe da decisão que não admita recurso ordinário
(artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional). De acordo com o nº 4 do
mesmo artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, entende‑se que se acham
esgotados todos os recursos ordinários quando os recursos interpostos não possam
ter seguimento por razões de ordem processual.
O reclamante interpôs recurso ordinário do acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa. Tal recurso não foi admitido, por inadmissibilidade processual do mesmo.
Da decisão de não admissão do recurso ordinário foi interposto recurso de
constitucionalidade. O reclamante desistiu de tal recurso de
constitucionalidade. Neste momento, tornou‑se definitiva a decisão de não
admissão de recurso ordinário.
O prazo de 10 dias para a interposição do recurso de constitucionalidade
conta‑se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o
recurso, nos termos do artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional.
No momento da desistência, o reclamante renovou o requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade.
Foi, portanto, tempestiva a interposição do recurso de constitucionalidade não
admitido.
O reclamado invoca o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 459/98. No entanto,
esse aresto não trata de questão semelhante à que constitui objecto da presente
reclamação. Com efeito, nesse Acórdão o Tribunal Constitucional apreciou um
problema de sucessão de leis processuais no tempo e a sua repercussão no prazo
do recurso de constitucionalidade, assim como a relevância de um requerimento
para intervenção do Plenário do Supremo Tribunal de Justiça para efeito de
suspensão do prazo de recurso, questões que nos presentes autos não se suscitam.
Deferir‑se‑á, portanto, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide deferir a presente
reclamação, revogando consequentemente o despacho reclamado.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2006
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos