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Processo nº 248/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., tendo-lhe sido aplicada uma coima de 10 000$00, por não ter pago a taxa devida pelo estacionamento em zona controlada por parcómetro, impugnou a correspondente decisão administrativa perante o Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
Sem êxito, porém.
Então, fundado em que a sentença fez aplicação do nº 2 do artigo 787º do Código Civil, 'interpretada no sentido de que a recusa nele expressamente prevista configura negligência infraccional, interpretação esta em flagrante violação da garantia de acesso ao direito contemplada no nº 1 do artigo 20º da Constituição da República'; e em que, um outro tribunal - recte, o Tribunal Judicial de Peso da Régua - decidiu que quem estacionar um automóvel em zona ou parque controlado por parcómetro tem 'o direito de obter 'in loco', acto contínuo, o correspondente recibo de quitação pela contraprestação pecuniária que, através de tal aparelho, efectue, e, bem assim, o correlativo direito de recusar tal prestação enquanto lhe não for essa quitação dada'; interpôs ele recurso para o Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto no artigo
73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, 'em ordem à melhoria na aplicação do direito' e, bem assim, a promover a uniformidade da jurisprudência.
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 27 de Novembro de 1996, decidiu não aceitar o recurso, fundado em que, de um lado, não
'é manifesta a necessidade de uma melhor aplicação do direito, pois a decisão judicial que [o recorrente] pretende impugnar mostra-se suficientemente fundamentada e não enferma de vícios ou deficiências grosseiras'; e, de outro, não 'se mostra que a jurisprudência esteja acentuadamente fragmentada sobre o assunto em ordem a exigir, de forma manifesta, a necessidade de se promover a uniformidade de julgados'.
2. Deste acórdão (de 27 de Novembro de 1997) interpôs ele recurso para este Tribunal ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da 'norma do artigo 787º, nº 2, do Código Civil (...), segundo a interpretação do tribunal
'a quo' que o recorrente (...) arguira de inconstitucional'.
O Desembargador relator, por despacho de 17 de Janeiro de 1997 (confirmado pelo acórdão da Relação, de 12 de Março de 1997), não admitiu o recurso, com fundamento em que, no acórdão recorrido, se não fez aplicação, sequer implícita, do referido artigo 787º, nº 2, do Código Civil.
3. A presente reclamação é, justamente, contra a decisão de inadmissão do recurso de constitucionalidade, sendo que, no entender do reclamante, o acórdão da Relação de que interpôs tal recurso aplicou, implicitamente embora, o mencionado artigo 787º, nº 2, do Código Civil, na interpretação que questionara sub specie constitutionis.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que 'é manifesta a improcedência da presente reclamação, já que a decisão de que se pretendeu recorrer (...) não fez aplicação da norma do Código Civil indicada pelo recorrente como integrando o objecto do recurso de constitucionalidade'.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. A presente reclamação só seria de deferir, se se verificassem os pressupostos do recurso de constitucionalidade contra cuja inadmissão ela é apresentada.
Tal, porém, não acontece. E, por isso, vai a reclamação ser indeferida.
De facto, no acórdão recorrido, ao decidir não aceitar o recurso interposto da sentença da 1ª Instância, por entender que, no caso, se não verificavam os respectivos pressupostos (a saber: por tal se não afigurar
'manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência'), o que a Relação aplicou foi o nº 2 do artigo
73º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, e não o artigo 787º, nº 2, do Código Civil, maxime na interpretação que o reclamante tem por inconstitucional.
Suposto que o artigo 787º, nº 2, do Código Civil (que, para o que aqui importa, dispõe que 'o autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada'), é convocável para o efeito de alguém se eximir da responsabilidade pela coima devida por estacionar um veículo em parque ou zona de estacionamento controlada por parcómetro sem pagar a respectiva taxa [cf. artigo 68º, nºs 1, alínea d), e 2, conjugado com o artigo
67º, nº 2, do Código da Estrada] - o que, aqui, não há que decidir -, ele só poderia ser aplicado se a Relação tivesse aceitado o recurso e conhecido do seu objecto. Só então, com efeito, haveria que decidir se o autor da contra-ordenação, ao recusar o pagamento da taxa de estacionamento com fundamento em que o parcómetro não emitia o correspondente recibo, se encontrava no exercício de um direito, que excluísse a ilicitude da conduta.
Não tendo o acórdão recorrido aplicado a norma que o reclamante pretende que este Tribunal aprecie ratione constitutionis, não se verifica um dos pressupostos do recurso interposto. E, por isso, a decisão que o não admitiu não merece qualquer censura.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com taxa de justiça que, para o efeito, se fixa em oito unidades de conta.
Lisboa, 8 de Outubro de 1997 Messias Bento Fernando Alves Correia Bravo Serra Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa