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Processo n.º 304/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. Por acórdão de 15 de Fevereiro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo
negou provimento a recurso que A. interpusera de acórdão do Tribunal Central
Administrativo que julgara improcedente recurso contencioso de indeferimento
tácito imputado ao Ministro das Finanças de requerimento que lhe dirigira em 2
de Abril de 2001, respeitante ao seu posicionamento na escala salarial do novo
estatuto e regime de carreiras do pessoal da Direcção-Geral dos Impostos,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro.
A recorrente interpôs recurso daquele acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, por considerar que a interpretação que nele
se fez dos artigos 45.º, 67.º e 69.ºdo Decreto-Lei n.º 557/99 viola os artigos
13.º e 59.º da Constituição.
Convidada, já neste Tribunal, ao abrigo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo
75.º‑A da LTC, a indicar, enunciando-o com precisão, a interpretação ou sentido
normativo dos preceitos legais que refere no requerimento de interposição cuja
inconstitucionalidade quer ver apreciada, a recorrente veio fazê-lo nos termos
seguintes:
“m) Assim, o Acórdão “a quo” ao considerar inaplicável à recorrente, na sua
transição para o regime do DL 557/99, o disposto no art.º 45.º n° 1 desse
diploma conjugado com as disposições constantes dos arts. 69 e 67 também do DL
557/99, violou as disposições legais em causa ou, assim não se entendendo,
adoptou uma interpretação dos aludidos arts. 67, 69 e 45 do DL 557/99
inconstitucional porque violadora dos artsº 13 e 59 n° 1 alínea a) da
Constituição enquanto permissiva de que funcionários com a mesma antiguidade na
mesma categoria de origem mas maior antiguidade no mesmo cargo de chefia
tributária aufiram remuneração inferior àqueles com menor antiguidade no cargo
porque neles investidos apenas após a entrada em vigor do DL 557/99.(...)'
Assim sendo, em bom rigor, é a interpretação restritiva que o douto Acórdão
recorrido faz do art. 45 n° 1do DL 557/99 ao considerá-lo inaplicável na
transição dos chefes e adjuntos de chefes de finanças para o novo regime de
carreiras aprovado por aquele diploma (quando é certo que o regime legal
anterior , constante do art. 4 n° 1 do DL 187/90 de 7 - 6, já continha uma regra
idêntica à do art. 45 n° 1 do DL 557/99 que não é, portanto, inovadora) situação
à qual o Acórdão recorrido considera ser aplicável, unicamente, o art. 69 do
diploma em causa que, por sua vez, remete literalmente, apenas, para o disposto
no art. 67 do mesmo diploma, cuja inconstitucionalidade se põe em questão e que
se pretende seja apreciada por esse Meritíssimo Tribunal Constitucional, face à
situação de manifesta desigualdade, sem justificação admissível, em que uma tal
interpretação-(restritiva do preceito contido no art. 45 n° 1 do DL 557/99)
aplicável, como se disse acima, no entender do Acórdão recorrido somente aos
chefes e adjuntos de chefes da repartição de finanças nomeados nos cargos após a
entrada em vigor daquele diploma - coloca os chefes e adjuntos de chefes de
repartição de finanças já nomeados nesses cargos, àquela data, ou seja, com
maior antiguidade no cargo, conforme, aliás, já foi doutamente decidido por
Acórdão recente do ST A (Secção do Contencioso Administrativo 2° Subsecção
proc.º 846 ‑ 04 de 19-04-2005) .
Na verdade, segundo o art.º 45 nº 1 do DL 557/99 de 17/12 como já no regime
anterior do art.º 4 do DL 187/90 de 7-6 : “Os funcionários que sejam nomeados
para cargos de chefia tributária integram-se na escala indiciária própria dos
referidos cargos, em escalão idêntico ao que possuem na escala indiciária da
categoria de origem”
Ora, segundo o Acórdão “a quo” numa interpretação (inconstitucional) dos arts
69, 67 e 45 do mesmo DL 557/99 os funcionários já então nomeados em cargos de
chefia são apenas integrados no novo regime consagrado no DL 557/99 atendendo ao
escalão da nova categoria a que corresponde o índice salarial igual ao que
detinham na categoria de origem sem atentar, portanto, à regra da equiparação ou
transposição do escalão da categoria de origem para o escalão do respectivo
cargo exercido, tal como resulta do art. 45 do DL 557/99 (e já anteriormente
resultava do art. 4 do DL 187/90 de 7-6).
Assim, se em bom rigor, 'prima facie' se suscitava no caso 'sub judice' a
inconstitucionalidade da interpretação restritiva do art. 45 n° 1 do DL 557/99
de 17-12 adoptada pelo Acórdão recorrido, essa interpretação não deixa de ser
indissociável da interpretação que o mesmo Acórdão faz do art. 69 na sua
remissão, apenas, para o regime do art. 67 do mesmo diploma, pelo que no
requerimento de interposição de recurso para esse Tribunal Superior se tenha
igualmente referenciado a interpretação dos arts 67 e 69 assumida pelo Acórdão
“a quo” a qual no parecer da recorrente é ela própria, “salvo meliore” também
passível de um juízo de inconstitucionalidade por ofensa dos citados arts. 13 e
59 da Constituição.”
2. Ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, complementado pelo n.º 2 do
artigo 72.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
restantes tribunais que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido,
perante eles, questionada em termos processualmente adequados.
A questão de constitucionalidade, em recurso de fiscalização concreta, pode
respeitar a um segmento da norma ou a uma sua particular dimensão ou sentido com
que foi aplicada na decisão recorrida e pode emergir de um bloco normativo do
qual se extraia um critério jurídico de decisão susceptível de enunciação
abstracta.
Nesta perspectiva, a recorrente enuncia a questão de constitucionalidade como
consistindo na violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da
Constituição (princípio a trabalho igual, salário igual) pela interpretação dos
artigos 67.º, 69.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 557/99, adoptada pelo acórdão
recorrido, “enquanto permissiva de que funcionários com a mesma antiguidade na
mesma categoria de origem mas maior antiguidade no mesmo cargo de chefia
tributária aufiram remuneração inferior àqueles com menor antiguidade no cargo
porque nele investidos apenas após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º
557/99”.
Ora, os preceitos legais em causa não foram interpretados como conduzindo a este
resultado, que o mesmo é dizer que a norma não foi aplicada com o sentido cuja
constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada no presente recurso.
Efectivamente, quando confrontado com esta imputação, disse o Supremo Tribunal
Administrativo o seguinte:
“Finalmente, não se descortina que a interpretação que se acolhe dê azo a
desigualdade relativamente aos colegas da mesma categoria que venham a ser
nomeados após o diploma.
Com efeito, a nomeação desses colegas (peritos tributários de 2ª classe,
transitados agora para TAT, com o índice 575, de acordo com o anexo V) só
ocorrerá se e quando se verificarem os pressupostos da nomeação para a chefia
tributária estabelecidos nos artigos 15º e 16º.
Ora a recorrente já está em exercício do cargo. Na verdade, já está nomeada e
provida no lugar, em situação de vantagem sobre os seus colegas e com índice
superior ao deles. Além disso, o tempo que nesse lugar prestou antes da entrada
em vigor do diploma já conta para efeito de promoção e antiguidade na carreira
(art. 74.º). O que quererá dizer que o período de três anos, atrás referido, de
permanência no lugar já releva para a mudança para o escalão 2, indice 640. Ou
seja, indo à frente desses colegas, não pode sequer dizer que a interpretação
dos citados artigos 45º, 67º e 69º do DL nº 557/99 ofende as regras dos artigos
13º e 59º, nº 1, alínea a), da Constituição da República.
Em suma, não procedem as alegações do recurso, pelo que a decisão recorrida deve
manter-se.”
É manifesto que segundo o acórdão recorrido as normas em causa não produzem o
efeito jurídico – a inversão de posições remuneratórias – que a recorrente quer
ver apreciado sub specie constitutionis. A preservação da posição relativa entre
os funcionários que são providos em cargo de chefia antes e depois do
Decreto-Lei n.º 557/99 está, segundo o acórdão recorrido, assegurada. Que essa
conclusão possa resultar de uma errada interpretação ou articulação dos
preceitos legais em causa ou de uma deficiente projecção das suas consequências
em hipóteses representáveis é matéria que escapa à competência cognitiva do
Tribunal Constitucional em recurso de fiscalização concreta. Decidido que os
preceitos em causa não conduzem, no plano do direito ordinário e da sua
aplicação aos factos da causa em que este Tribunal não pode imiscuir-se, à
consequência jurídica que a recorrente apresenta como desconforme à
Constituição, resta concluir que a norma ou o bloco normativo indicado no
requerimento de interposição de recurso, completado pelos esclarecimentos
prestados nos termos do artigo 75.º-A da LTC, não foi aplicado com o sentido que
a recorrente sujeita a fiscalização concreta.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar
a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de
conta.”
2. A recorrente reclamou para a conferência ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A
da LTC, sustentando que deve ordenar-se o prosseguimento do recurso, em síntese,
pelo seguinte:
O conjunto de normas em causa foi interpretado pelo acórdão recorrido nos termos
referidos pela recorrente, não sendo a questão de constitucionalidade
manifestamente infundada. Tanto que num caso exactamente igual, que se encontra
pendente no Tribunal (proc. n.º 125/05 da 2ª Secção), o recurso de
constitucionalidade prosseguiu, tendo sido ordenada a notificação para
alegações, que já tiveram lugar.
E não pode afastar-se a questão suscitada pela recorrente perante o Tribunal
Constitucional com a referência feita no acórdão recorrido a que a nomeação dos
colegas da recorrente em cargo de chefia idêntico só ocorrerá se e quando se
verificarem os pressupostos de nomeação para a chefia tributária estabelecidos
nos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Junho. O acórdão
recorrido não atendeu, ao apreciar a questão da violação do princípio da
igualdade, a que os métodos de selecção, a duração, o conteúdo e a avaliação dos
formandos no curso de chefia tributária a que se refere o artigo 15.º do diploma
são definidos pelo Ministério das Finanças, nos termos do n.º 5 do art.º 38.º e
que o nº 9 do art.º 58.º dispõe que “Os funcionários abrangidos pelo presente
artigo, bem como os actuais peritos tributários e peritos de fiscalização
tributária, consideram-se como possuindo o curso de chefia tributária”, o que
retira qualquer relevância à alegada “diferença” quanto à posse ou não do curso
de chefia tributária.
O recorrido, além de argumentar contra as razões que a recorrente
invoca para demonstrar a viabilidade da questão de constitucionalidade,
considera que a decisão sumária deve manter-se, por se encontrar fundamentada
num motivo que impede a apreciação do recurso.
3. A argumentação da reclamante vai toda ela dirigida a demonstrar
que a questão de constitucionalidade que pretende submeter ao Tribunal não é
manifestamente infundada.
Sucede que não foi esse o fundamento da decisão sumária, mas um outro também
previsto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC. O que o relator decidiu foi que não
podia tomar-se conhecimento do recurso por falta de um pressuposto relativo ao
recurso de fiscalização concreta interposto: que a norma sujeita a apreciação de
constitucionalidade tenha sido aplicada pela decisão recorrida (artigo 70.º, nº
1, alínea b) da LTC).
Efectivamente, como se demonstrou na decisão reclamada, o acórdão recorrido
considerou que o bloco normativo em causa não produz o efeito jurídico de que a
recorrente se queixa: permitir que funcionários com a mesma antiguidade na mesma
categoria de origem mas maior antiguidade no mesmo cargo de chefia tributária
aufiram remuneração inferior à daqueles que nele venham a ser investidos
posteriormente. Mais, bem ou mal, o acórdão recorrido afastou expressamente essa
possibilidade, o que equivale a dizer que o acórdão recorrido não fez aplicação
da norma (do sentido normativo) indicada pela recorrente. É um domínio em que o
entendimento do tribunal da causa não está sujeito a censura pelo Tribunal
Constitucional.
Ora, quanto a este aspecto a reclamante nada diz, pelo que, merecendo a decisão
sumária concordância, só resta indeferir a reclamação.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenara a
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta
Lisboa, 14 de Dezembro de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício