Imprimir acórdão
Processo n.º 1075/05
Plenário
Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.No Acórdão n.º 723/2005, de 29 de Dezembro de 2005, a 1.ª Secção do Tribunal
decidiu admitir as candidaturas à eleição de Presidente da República, a realizar
em 22 de Janeiro de 2006, dos cidadãos António Pestana Garcia Pereira, Aníbal
António Cavaco Silva, Francisco Anacleto Louçã, Manuel Alegre de Melo Duarte,
Jerónimo Carvalho de Sousa e Mário Alberto Nobre Lopes Soares, e não admitir as
candidaturas à mesma eleição dos cidadãos Diamantino Maurício da Silva, Josué
Rodrigues Gonçalves Pedro, Maria Teresa Lemos Lameiro, Maria Manuela de Sousa
Magno, Carmelinda Maria dos Santos Pereira, Luís Filipe Brito da Silva Guerra e
Luís Filipe Botelho Ribeiro.
2.Da decisão de inadmissão vieram recorrer para o plenário do Tribunal Luís
Filipe Botelho Ribeiro, Maria Manuela de Sousa Magno e Luís Filipe Brito da
Silva Guerra.
O primeiro apresentou um requerimento de recurso com o seguinte teor:
«Luís Filipe Botelho Ribeiro, candidato à Presidência da República com processo
no Tribunal Constitucional n.º 4088, não se conformando com a decisão de não
aceitação da sua candidatura, dela vem interpor recurso para o colectivo do
Egrégio Tribunal Constitucional, a mais alta instância judicial da República
Portuguesa.
A razão de fundo para este recurso é a de considerar que a sua exclusão resulta
de uma grave e evidente injustiça que não deve ser sancionada e ratificada de
facto com a sua exclusão.
Afirmamos que o insuficiente número de declarações de propositura decorre
directamente de um tratamento deliberadamente discriminatório por parte de
entidades públicas, com obrigações consignadas na Lei de publicação das
propostas das diferentes candidaturas, obrigações essas que, como é público e
notório, tendo sido amplamente assumidas em relação a outras, arbitrariamente
escolhidas sem qualquer critério democraticamente válido, não foram cumpridas em
relação a esta candidatura.
Esta candidatura contribui para o pluralismo do regime democrático, defendendo
claramente algumas ideias e Valores que nenhuma outra candidatura assume.
Propõe-se igualmente reforçar a participação da sociedade civil na vida pública
e a renovação de figuras na classe política portuguesa.
Esta candidatura reclamou e foram-lhe negadas pela concessionária de serviço
público de televisão quaisquer oportunidades de divulgação do seu programa e
candidato em condições mínimas de igualdade com as outras, mesmo depois de
formalizada no Tribunal Constitucional. Consideramos por isso ter sido violado o
princípio da Igualdade de Oportunidades consagrado na Lei e que obriga,
nomeadamente em eleições legislativas, a RTP a dedicar tempos informativos
iguais a todos os partidos, a partir da data de marcação das eleições. Embora
omissa em relação às presidenciais, parece-nos que o espírito da lei obrigaria
neste caso a que a televisão pública consagrasse o mesmo tempo e tratamento em
entrevistas e debates a todos os candidatos a partir, pelo menos, do momento de
formalização das respectivas candidaturas e da marcação das eleições.
Os cidadãos que interpelávamos só se dispunham a dar-nos o seu apoio após
conhecimento das ideias e do candidato. Esta fase de recolha de apoios é já um
processo político e de cidadania de grande importância, correspondendo de certa
forma às eleições primárias noutros países, ou seja, à fase em que se define
quem, de todos os que manifestam essa disponibilidade e intenção, será afinal
candidato. Sem acesso à televisão, paga por todos nós para apresentar aos
cidadãos uma informação isenta, pluralista e completa, não formatada por
critérios sectários, tivemos de recorrer à imprensa regional e local para
divulgar o nosso projecto e recolher as assinaturas quase porta-a-porta, o que
se comprova pelo padrão geográfico dos nossos proponentes. É legítimo supor-se
que se, como os outros candidatos, tivéssemos tido oportunidade de fazer chegar
a nossa mensagem a todo o país, certamente teríamos atingido e ultrapassado o
limite exigido das 7500 assinaturas.
Se a República não conseguiu ou não se esforçou suficientemente para criar
condições de pluralismo democrático nos seus próprios canais públicos de
televisão, se não se empenhou para fazer valer o mesmo tipo de exigências de
transparência, pluralismo e isenção que impõe em eleições legislativas, o
próximo acto eleitoral não poderá ser considerado democrático se uma só
candidatura vier a ser rejeitada com base no critério do número de proponentes.
É óbvio que tal número depende do conhecimento público do programa e que essa
divulgação, podendo e devendo ser assegurada pelo serviço público de televisão,
acabou por não ser feita apesar de insistentemente solicitada por todos os
candidatos – apenas treze, ao fim e ao cabo.
Em conclusão:
Considerando que a Democracia dos Cidadãos é para ser levada a sério e que não
há nem pode haver cidadãos de primeira e de segunda categoria numa democracia
moderna;
Considerando que, num Estado de Direito, as obrigações decorrentes do princípio
de igualdade de oportunidades consignado na Lei, se sobrepõem à arbitrariedade
de quaisquer critérios editoriais durante períodos eleitorais como aquele que
vivemos a partir do momento em que foi marcada a Eleição Presidencial de 2006;
Considerando absolutamente injusta e contrária às Leis da República a
ostracização do nosso e de outros programas cívicos pelo serviço público de
televisão, já mesmo depois de formalizada a candidatura, o que fizemos a 16 de
Dezembro, ainda antes de pelo menos dois dos debates arranjados a cinco e
ignorando todos os outros cidadãos;
Considerando que a política editorial da RTP, contra a qual intentámos uma acção
junto das entidades competentes que dificilmente terá efeitos em tempo útil,
teve como resultado premeditado um muito deficiente conhecimento pelos cidadãos
do nosso projecto cívico;
Pedimos Justiça aos Meritíssimos Juízes do Egrégio Tribunal Constitucional,
requerendo a revisão da decisão de não aceitação da nossa candidatura com base
unicamente no critério do número de proponentes, uma vez que tal decisão apenas
teria o pernicioso efeito de ratificar, sancionar, estender, agravar e dar
sequência a uma injustiça anteriormente praticada por um organismo sob tutela do
Estado, supostamente ao serviço de todos e cada um dos cidadãos, a televisão
pública, à qual não devem as instituições de garantia da constitucionalidade
democrática permitir que em nenhuma circunstância se transforme num instrumento
partidocrático e de perpetuação no poder da actual classe dirigente. A outra
condição exigida, apesar de por nós mal compreendida, foi satisfeita em tempo
útil através da indicação de um domicílio em Lisboa para contacto com o
mandatário.»
Por sua vez, Maria Manuela de Sousa Magno apresentou o seguinte requerimento de
recurso:
«A Candidatura às eleições para a Presidência da República da cidadã portuguesa,
Maria Manuela de Sousa Magno, registada e colectada com o NIPC n.º 901 586 560,
não se conformando com o douto Acórdão proferido pelo TC em 29/12/05 pelas 20:15
horas, relativamente ao seu processo de candidatura, vem, nos termos e para os
efeitos do art.º 94.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, apresentar recurso do
mesmo.
Com os seguintes fundamentos:
Dos Factos:
1.º
No uso de um Direito Constitucional, cfr. art.º 48.º, n.º 1, da CRP, a cidadã
Maria Manuela de Sousa Magno, decidiu concorrer às eleições presidenciais de
Janeiro de 2006.
2.º
Sem apoio de máquinas partidárias ou outros, iniciou o seu processo de
candidatura junto dos cidadãos, em cumprimento do requisito plasmado no art.º
13.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio.
O que veio a conseguir.
3.º
Independente de grupos de pressão, corporações ou interesses económicos,
demasiado cedo sentiu as “resistências” provenientes do “coração” do Estado de
Direito Democrático,
Ou seja,
4.º
Das instituições que mais deviam dignificar o “Seu” suporte institucional: A
Constituição da República Portuguesa!
5.º
Defraudados os milhares de proponentes desta candidatura, assim como todos
aqueles que de forma voluntária e dedicada a ergueram, denunciam veementemente a
descriminação e desigualdade com que ostensivamente foram tratados, em
consciente violação do art.º 13.º da CRP.
Porquanto,
6.º
Em 05/12/05, a candidatura recorrente, no uso de um direito que lhe assiste,
solicitou ao STAPE, para facilitar a instrução do seu processo de candidatura, a
consulta e/ou fornecimento dos cadernos nacionais de Recenseamento Eleitoral,
No entanto,
7.º
Apesar de a candidatura cumprir todos os requisitos legais, nomeadamente o seu
registo como pessoa colectiva, n.º 901 586 560, foi o solicitado rejeitado pelo
STAPE, de forma liminar e por telefone.
8.º
Consciente da razão e do Direito que lhe assistia, a candidatura recorrente
solicitou de novo o pedido para a Comissão Nacional de Eleições, tendo o mesmo,
em clara violação e desrespeito pela lei, nomeadamente o art.º 29.° da Lei n.º
13/99, de 22 de Março, sido negado com uma “falsa” fundamentação de Direito,
(doc. 1 e 1a).
No entanto,
9.º
No cumprimento do que dispõe o art.º 14.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319‑A/76,
de 3 de Maio, a candidatura recorrente entregou no passado dia 23 no TC, o seu
processo de candidatura com as assinaturas proponentes, necessárias ao mesmo.
(doc. 2)
10.º
No dia 26, o TC comunica à candidatura, por fax, pelas 21:26 horas a existência
de irregularidades, (doc: 3, a), b).
As quais,
11.º
Consistiam na falta de certificados de cidadãos eleitores, o que era do
conhecimento da candidatura porque os mesmos eram esperados na sede, enviados
por correio pelas respectivas juntas de freguesia.
12.º
Mais uma vez, e no dia 28 pelas 15:50 horas, a recorrente deslocou-se ao TC a
fim de regularizar o seu processo de candidatura, nos termos do art.º 93.°, n.º
3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
13.º
Após terem sido entregues 657 certidões, e, no período em que a candidata,
acompanhada de três apoiantes as uniam às respectivas declarações, o TC pelas
16:30 horas impôs a paragem do processo em curso, apenas contabilizando as que
já estavam unidas e que perfaziam setenta.
14.º
Pela persistência da candidata em querer ser recebida pelo Sr. Presidente do TC,
face à não contabilização das restantes certidões, acabaram as mesmas por serem
recolhidas para contagem.
Nesse mesmo período,
15.º
A candidata informa o TC de que na sede de candidatura se encontravam ainda, no
mínimo, mais cento e catorze certidões, o que veio a verificarem-se ser cento e
sessenta.
No entanto,
16.º
O TC não permite que se vá à sede da candidatura recolher essas certidões e
reafirma a paragem de todo o processo, apesar de o mesmo ter sido interrompido,
sem mais, quando ainda estava em curso as contagens e uniões das certidões com
as declarações.
17.º
Inconformada, a recorrente expressou naquele momento a disposição de apresentar
recurso, e, no dia 29 pelas 10:25 horas, entregou um requerimento no TC, que o
mesmo omitiu no seu Acórdão, acompanhado de mais cento e sessenta certidões de
eleitor.
Do Direito:
18.º
No dia 29, pelas 20:15 horas, o TC informa, por fax, a decisão do Acórdão que
conclui pela rejeição da candidatura agora recorrente,
Contudo,
19.º
Deixa por esclarecer o que entende nos termos da lei, o que são 2 dias para
suprir irregularidades processuais. Cfr. art.º 93.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82.
De facto,
20.º
Sendo a candidatura recorrente, notificada das irregularidades pelas 21:26 horas
do dia 26, serão dois dias 48 horas ou tantas quantas o TC dê entendimento?
Na verdade:
21.º
Nem a remissão para a norma quanto ao funcionamento dos Tribunais, do CPC, que o
TC faz é relevante,
Já que,
22.º
É o próprio TC que, ao efectuar uma notificação às 21:26 horas, está a “dizer”
que não está encerrado e nem encerra às 16:00 horas!
Em tais circunstâncias,
23.º
A candidatura recorrente entende ter sido violado pelo TC, a Lei n.º 28/82,
nomeadamente o seu art.º 93.°, n.º 3.
Acresce ainda,
24.º
Como pode o TC rejeitar por extemporâneo um processo que está em pleno decurso,
alegando as 16:00 horas para o fecho do tribunal, quando toma tal decisão às
16:30 horas?
Afinal a que horas encerra o TC?
25.º
É convicção da candidatura recorrente que nada terá sido ao acaso ou “ingénuo”
quer quanto à notificação das irregularidades, feita em período já nocturno,
quer mesmo quanto ao facto de estarmos perante a coincidência (??) de um dia de
tolerância.
26.º
A candidatura recorrente questiona o TC por que razão apenas contabilizou 70
certidões, e reconhece no seu Acórdão, ter sido entregues mais 587 certidões,
E mais,
27.º
Aceita um requerimento, acompanhado de mais 160 certidões sem que sobre o mesmo
se pronuncie,
Assim,
28.º
Devia o TC devolver à candidatura recorrente as 747 certidões que manteve em seu
poder sem as contabilizar e,
29.º
De forma imparcial e isenta, a que estão obrigados todas as instituições
superiores do Estado de Direito, informar sem ambiguidades,
30.º
A norma do CPC em que o TC se “refugia” para interromper um processo em curso, é
a mesma, que no seu n.º 4 do art.º 143.º, permitiria à recorrente completar o
seu processo de candidatura atempadamente.
Conclusão:
A candidatura recorrente, considera assim, que foram sujeitas a omissão ou
violação os seguintes artigos:
Artigos: 13.º e 48.º da CRP;
Artigo: 93.º, n.º 3, da Lei n.º 22/89, de 15 de Novembro;
Artigo: 29.º da Lei n.º 13/99, de 22 de Março;
Artigo: 143.º, n.º 4, do CPC.
Nestes termos, e querendo continuar a acreditar nas instituições superiores do
Estado, a candidatura recorrente de Maria Manuela de Sousa Magno espera de V.ª
Ex.ª a habitual Justiça!»
Luís Filipe Brito da Silva Guerra apresentou um requerimento de recurso mais
extenso, que concluiu assim:
«1. O recorrente entregou no Tribunal Constitucional, para instruir o seu
processo de candidatura à eleição do Presidente da República, mais de 7.500
declarações de proponentes, acompanhadas das respectivas certidões de eleitor.
2. Esse número resulta quer da documentação entregue inicialmente pelo
recorrente, no último dia do prazo para apresentação de candidaturas, quer da
documentação entregue posteriormente, no último dia do prazo para suprimento das
irregularidades verificadas.
3. De facto, no prazo para suprimento de irregularidades, o recorrente não só
entregou pessoalmente no Tribunal Constitucional 648 propostas de candidatura
instruídas com certidão de eleitor dos subscritores, como, além disso, enviou
via fax mais 53 propostas de candidatura acompanhadas das respectivas certidões
de inscrição no recenseamento eleitoral.
4. Essas 53 novas propostas de candidatura e respectivas certidões de eleitor
foram entregues pessoalmente no Tribunal Constitucional no início do dia
seguinte ao termo do prazo para suprimento de irregularidades, antes do início
da reunião para decidir sobre a admissão ou rejeição das candidaturas.
5. Além dessas, também foram entregues no Tribunal Constitucional oito certidões
de eleitor que se haviam enviado no dia anterior por fax, a que se alude na
decisão recorrida, sendo certo que a respectiva declaração de proposição da
candidatura do recorrente já se encontrava nos autos.
6. A prática de actos processuais no âmbito do processo eleitoral segue o
disposto nos artigos 143.º, n.º 4, e 150.º, n.º 2, c), e n.º 3, do Código de
Processo Civil, por remissão feita pelo artigo 159.º-B da LEPR, não sendo
legítimo afastar a sua aplicação ao caso vertente.
7. A orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional tem sido a de aceitar
o suprimento de irregularidades até à prolação da decisão de admissão ou de
rejeição das candidaturas.
8. Assim sendo, nada obsta à admissão da candidatura do recorrente.
9. Em qualquer caso e sem prescindir, o recorrente já tinha apresentado até às
16h do dia 28 de Dezembro o mínimo de 7.500 declarações de proponentes da sua
candidatura, embora 430 estivessem instruídas com documento probatório diferente
de certidão de inscrição no recenseamento eleitoral, ainda que suficientemente
explícito quanto à capacidade eleitoral dos proponentes.
10. O recorrente alegou e demonstrou que só não apresentava a certidão de
inscrição no recenseamento eleitoral dos referidos proponentes por motivos
alheios à sua vontade, consubstanciados na recusa ou demora das entidades
competentes para a sua emissão, apesar de os ter requerido.
11. A lei eleitoral é omissa quanto à solução a dar a esta situação.
12. Porém, a solução a dar a essa lacuna há-de resultar da aplicação conjugada
dos artigos 366.º e 387.º, n.º 1, do Código Civil e do artigo 266.º, n.º 4, do
Código de Processo Civil.
13. Assim sendo, os documentos que o recorrente apresentou para demonstrar a
inscrição no recenseamento eleitoral dos proponentes da sua candidatura, em
substituição das certidões em falta, deviam ter sido aceites como válidas,
atenta a excepcionalidade da situação.
14. Aliás, o próprio Tribunal Constitucional já afirmou e aceitou essa
possibilidade, ainda que no domínio de situação e de quadro normativo diverso.
15. De qualquer modo, as normas dos artigos 15.º, n.º 7, da LEPR e 68.º da LRE,
quando interpretadas no sentido de que não se pode fazer a prova da capacidade
eleitoral dos proponentes por meio diverso de certidão emitida pelas comissões
recenseadoras, mesmo na hipótese de recusa ou demora ilegal e injustificada na
sua passagem por parte destas, são inconstitucionais, por violação do disposto
nos artigos 18.°, n.º 2, 122.° e 124.°, n.º 1, da CRP.
16. Subsidiariamente, na hipótese de não ser aceite a prática dos actos
processuais através de telecópia após a hora de fecho da secretaria judicial,
então coerentemente também não se pode aceitar a notificação por fax dos
mandatários dos candidatos fora das horas de expediente.
17. E, quer por esse motivo quer porque a lei eleitoral não a prevê, então a
notificação do mandatário do recorrente sempre teria que ser havida como nula,
dado não obedecer às prescrições legais e ter prejudicado a defesa do
notificando, isto é, ter encurtado, na prática, o prazo para que o mesmo
suprisse as irregularidades verificadas.
18. Finalmente, a arguição da nulidade da referida notificação foi feita de modo
tempestivo por ter ocorrido dentro do prazo de que o recorrente dispunha para
suprir as mencionadas irregularidades.
19. Face ao exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por
outra que admita a candidatura do recorrente à eleição do Presidente da
República, marcada para o dia 22 de Janeiro de 2006.
Assim se fará a (in)esperada e necessária Justiça.»
O recurso do cidadão Luís Filipe Brito da Silva Guerra deu entrada por telecópia
neste Tribunal (no n.º 21 3233610) às 15h54m do dia 30 de Dezembro de 2005.
O recurso da cidadã Maria Manuela de Sousa Magno, por sua vez, deu entrada por
telecópia neste Tribunal (noutro n.º: 213233649) às 15h56m do mesmo dia 30 de
Dezembro.
O recurso do cidadão Luís Filipe Botelho Ribeiro deu entrada na Portaria deste
Tribunal, por entrega em mão, às 16h10m do dia 30 de Dezembro (hora averbada no
carimbo de entrada).
3.Notificados os mandatários das restantes candidaturas, nos termos do artigo
94.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, para, querendo, responderem aos
referidos recursos, foi apresentada resposta por parte da mandatária do
candidato António Pestana Garcia Pereira, nos seguintes termos:
«O candidato António Pestana Garcia Pereira, notificado dos recursos interpostos
por outros candidatos, entende dever sobre os mesmos pronunciar‑se, o que faz
consignando o seguinte:
1.º
O basilar princípio constitucional (art.º 122.º da CRP) de que qualquer cidadão
português maior de 35 anos se pode candidatar ao cargo público de Presidente da
República – princípio esse que os Partidos Políticos, e muito em particular os
da área do Poder, apesar de todos os seus esforços, ainda não conseguiram
usurpar… – não poderá jamais ser inutilizado ou esvaziado por qualquer
interpretação ou aplicação concreta de normativos da lei ordinária. Assim,
2.º
É inaceitável a interpretação de que o Tribunal Constitucional possa praticar
actos processuais (v.g. notificações, fazendo iniciar a contagem de prazos de um
ou dois dias) a altas horas da noite, ignorando para esse efeito as horas
normais de expediente, mas já considere a contagem dos mesmos prazos em função
das ditas horas de expediente, conduzindo deste modo e desde logo a um real
encurtamento dos referenciados prazos, encurtamento esse tão juridicamente
inadmissível quanto democraticamente inaceitável;
3.º
Ou que ora se admita ora não se admita a aplicação subsidiária das regras do
processo civil ao presente processo de candidatura, sempre na perspectiva do
resultado mais gravoso para o candidato concorrente.
4.º
Como é também democrática e constitucionalmente intolerável que se possa
pretender repercutir sobre os cidadãos ilegíveis [sic] sejam as consequências de
actos ilícitos da Administração Pública (como é o caso do eventual incumprimento
dos prazos legais para a passagem de certidões), sejam os ónus e encargos de
obtenção e apresentação da documentação comprovativa de factos que são afinal do
inteiro conhecimento, oficial ou oficioso, de outro órgão do Estado!
5.º
O aparecimento de candidaturas de cidadãos comuns, não indicados e muito menos
impostos pelas grandes máquinas partidárias – porque genuína e exactamente
correspondente ao constitucionalmente consagrado princípio da participação dos
cidadãos na vida pública (art.º 48.° da CRP) – deveria ser não apenas saudado
como também acarinhado, e deveria também conduzir necessariamente a uma
interpretação e aplicação da lei conformes a tal princípio. De outro modo,
6.º
E tal como aliás já foi lastimavelmente patente ao longo de todo o tempo que
antecedeu o período de apresentação e formalização das diversas candidaturas,
onde actualmente a Lei Fundamental proclama, e proclama tão clara quanto
correctamente, que qualquer cidadão eleitor, português de origem e maior de 35
anos, se pode candidatar ao cargo de Presidente da República, passaria, em
verdadeiro golpe anti-constitucional, a impor-se que afinal apenas aos
candidatos indicados pelos grandes partidos políticos é que tal direito seria
reconhecido...
7.º
Por fim, e a título de nota final, não pode igualmente deixar de se consignar e
repudiar a lamentável actuação das entidades públicas a quem deveria competir a
salvaguarda da igualdade, da fluência e da transparência democráticas de todo o
processo eleitoral – como é o caso do STAPE e da Comissão Nacional de Eleições –
as quais, rigorosamente nada tendo feito para pôr cobro à escandalosa
discriminação praticada (designadamente por parte de toda a Comunicação Social)
em favor precisamente dos candidatos apoiados e patrocinados pelos grandes
partidos políticos, já todavia se empenharam em adoptar comportamentos e em
defender interpretações da lei (nomeadamente em matéria de legitimidade para
requerer ou obter a passagem de certidões de inscrição no recenseamento
eleitoral ou de acesso aos registos oficiais do próprio STAPE) que apenas têm um
denominador e um resultado objectivo comum,
8.º
E o qual é o de dificultar e mesmo impossibilitar na prática o exercício do
direito de todo o cidadão português maior de 35 anos se poder candidatar ao
cargo de Presidente da República. Deste modo,
9.º
A aceitarem-se como boas todas estas práticas e interpretações, seriam o sistema
político-constitucional e a própria Democracia que ficariam, por essa via,
lastimavelmente empobrecidos e esvaziados.»
Luís Filipe Brito da Silva Guerra (também recorrente) apresentou também resposta
quanto ao recurso interposto pela cidadã Maria Manuela de Sousa Magno, nos
seguintes termos:
«A recorrente tem obviamente razão.
Aliás, o artigo 124.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa determina
que os candidatos a Presidente da República têm que ser propostos pelo mínimo de
7500 e o máximo de 15000 cidadãos eleitores.
A candidatura da recorrente cumpre esse requisito, como resulta dos autos.
Por isso, a candidatura da recorrente deve ser admitida.
O formalismo processual, embora necessário para assegurar uma igualdade de
tratamento entre os candidatos, não é sacrossanto.
E, nesse sentido, não se reveste de uma qualquer essencialidade capaz de pôr em
causa a substancialidade dos direitos fundamentais de participação política.
Basta, por isso, que seja minimamente cumprido, como aliás aconteceu.
Por seu turno e sem prescindir, o preceito constitucional acima citado só exige
que os cidadãos proponentes de uma dada candidatura sejam eleitores, mas não
estabelece em que termos tem que ser feita a prova da sua qualidade de
eleitores.
Ora, o artigo 15.º da Lei Eleitoral do Presidente da República restringe
injustificadamente os meios de prova da capacidade eleitoral dos proponentes,
sendo, por isso, inconstitucional.
Por isso, verificada a inconstitucionalidade daquela norma, deve, por um lado,
ser admitido qualquer meio de prova da inscrição no recenseamento eleitoral; por
outro lado, mas indo mais longe, se a recorrente apresentou mais de 7500
proponentes, o ónus da prova de que os mesmos não são eleitores deve competir ao
Estado, neste caso, na pessoa do Tribunal Constitucional.
De facto, as relações entre Estado e os cidadãos devem ser pautadas pela
confiança, valendo em primeira mão as declarações que os mesmos fazem perante
aquele.
Aliás, é isso que acontece com as declarações de rendimentos para efeitos
fiscais, sendo certo que esse princípio deve valer para todas as relações dos
cidadãos com o Estado.
Assim, ainda que se entenda que a recorrente não apresentou atempadamente pouco
mais de uma centena de certidões de eleitor, esse facto não deve levar à
rejeição da sua candidatura, salvo se for demonstrado que os proponentes em
causa não estão inscritos no recenseamento eleitoral.
Face ao exposto, a candidatura da recorrente deve ser admitida.»
Por sua vez, Maria Manuela de Sousa Magno (também recorrente) veio responder ao
recurso interposto por Luís Filipe Brito da Silva Guerra, pela seguinte forma:
«Quanto aos factos:
Consideramos pertinentes e idóneos para o Recurso apresentado por essa
candidatura, com a particularidade para aqueles, em que:
Numa nítida desresponsabilização e ilegalidade de muitas Juntas de Freguesia, a
impunidade e o “desprezo” pela Lei é patente e não isento.
Quanto ao Direito:
No Recurso em apreço foram denunciadas omissões legais, não cumprimento de
prazos, uma leitura muito própria do TC de algumas normas em confronto directo
com preceitos constitucionais e processuais, em que nos revemos e, igualmente
alegamos no nosso Recurso,
Foram ainda:
Feitas considerações quanto às ambiguidades existentes na própria Lei Eleitoral,
de Recenseamento e de Eleição para o Presidente da República, as quais são
também subscritas pela nossa candidatura, dada a permissão de entendimentos e
decisões injustas, violadoras de direitos dos cidadãos, por instituições que
subvertem o seu papel de guardiães da Constituição da República Portuguesa!
Pelo exposto:
A candidatura de Manuela Magno, nada tem a opor quanto à apreciação do recurso
apresentado pelo candidato Luís Filipe Brito Guerra, com a qual se solidariza.»
Apresentou ainda resposta Luís Filipe Botelho Ribeiro (igualmente recorrente),
nos seguintes termos:
«Luís Filipe Botelho Ribeiro, candidato à Presidência da República com processo
no Tribunal Constitucional n.º 4088, vem responder aos recursos interpostos
pelos restantes candidatos manifestando-lhes a sua total solidariedade
democrática. Parece-nos que quaisquer das razões aduzidas derivam do primado de
questões de forma sobre a questão de fundo, exigida por lei, que é a exigência
de um mínimo de representatividade para as diferentes candidaturas. Mas como
pode alguma vez ser justo o critério do número de assinaturas quando o “sistema”
tudo dispôs para que nenhum dos candidatos em causa pudesse ter acesso aos meios
de comunicação social públicos, pagos por todos e também por eles? Como se pode
considerar justo um sistema que primeiro silencia as candidaturas críticas e
depois as considera não representativas? É duma injustiça gritantemente
grosseira. E ao mesmo tempo deixa outros candidatos, os do costume, a falar
sozinhos nos canais públicos, sem qualquer critério objectivo que o justifique.
Lendo os recursos dos candidatos Luís Filipe Guerra e Manuela Magno, qualquer
verdadeiro democrata sente um impulso de indignação e de solidariedade com a
luta dos cidadãos pela abertura dum regime caduco que se refugia na
interpretação fechada das leis e na hermeticidade cega de aspectos puramente
formais para manter os cidadãos do lado de fora dos muros da “cidade”. Fica-se
com a impressão de estar a ler o anúncio redentor de um tempo novo que ainda não
chegou para os cidadãos portugueses. A crítica feita ao regime actual é tão
pertinente e certeira como algumas que, a seguir ao 25 de Abril, se escreveram
sobre o simulacro de democracia de que acabáramos de ser libertados.
Também o actual regime partidocrático está caduco e apodrecido, repugnando à boa
consciência dos portugueses que cada vez mais o rejeitam e lhe manifestam a sua
desaprovação e falta de confiança de que a crescente abstenção eleitoral é
apenas um dos muitos sinais. Tudo na presente realidade confirma a necessidade e
urgência de um novo 25 de Abril, de uma nova abertura democrática, pacificamente
anunciada por militares de cravos nas armas ou, desta feita, por Juízes
Constitucionais, com ou sem cravos na toga ou no coração. A coragem que tal
ditasse seria tanto mais Heróica quanto sabemos que uma boa parte do colectivo
do Tribunal Constitucional deve o seu lugar, directa ou indirectamente, aos
partidos políticos que compõem a Assembleia da República, logo ao sistema
partidário cuja sufocante e abusiva apropriação da Democracia Portuguesa os
candidatos recorrentes contestam.
Daqui a poucos dias saberemos se a sua decisão se ficou peja prudência
conservadora ou avançou com coragem liberadora. Saberemos se prevaleceu a
cegueira aos evidentes atropelos ao imperativo de pluralismo democrático pela
imprensa vigiada do regime ou foram afinal ouvidos à voz interior que do mais
fundo de qualquer espírito de boa vontade sempre clama e clamará por Justiça.»
Por parte dos restantes candidatos não foi apresentada qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Tendo em conta o prazo para o recurso para o plenário do Tribunal
Constitucional no n.º 1 do artigo 94.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, suscita-se a questão prévia da
tempestividade do recurso interposto por Luís Filipe Botelho Ribeiro, por ter
dado entrada neste Tribunal após a hora do encerramento da secretaria ao
público.
Note-se, preliminarmente, que as candidaturas rejeitadas, designadamente a deste
recorrente, o foram porque, na sequência do acórdão n.º 722/2005, de 26 de
Dezembro de 2005, da 1.ª Secção deste Tribunal, as irregularidades então
detectadas não foram adequadamente supridas no prazo fixado para o efeito, e que
já no acórdão n.º 723/2005, de que agora pretendem interpor recurso, se
escreveu:
“Impõe-se, desde já, salientar que o prazo concedido pelo artigo 93.º, n.º 3, da
LTC para o suprimento das irregularidades verificadas expirou no dia 28 de
Dezembro de 2005, às 16 horas, hora de fecho da secretaria judicial.
É assim irrelevante tudo o que os candidatos apresentaram depois daquela data e
hora (…)”
Não podia, aliás, deixar de ser do conhecimento dos recorrentes a jurisprudência
reiterada deste Tribunal quanto a vários prazos em processos eleitorais
(acórdãos n.ºs 287/2002, 427/2005, 432/2005, 429/2005, 433/2005, 496/2005,
540/2005, 542/2005, 543/2005, 550/2005, 551/2005, 552/2005, 553/2005 e 556/2005,
publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53.º vol.,
pp. 751 e ss., e no Diário da República n.º 203, II Série, de 21 de Outubro de
2005, n.º 183, II Série, de 22 de Setembro de 2005, n.º 190, II Série, de 3 de
Outubro de 2005, n.º 206, II Série, de 26 de Outubro de 2005, n.º 217, II Série,
de 11 de Novembro de 2005, n.º 219, II Série, de 15 de Novembro de 2005, n.º
220, II Série, de 16 de Novembro de 2005, embora alguns com votos de vencido,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), segundo a qual, na
expressão do acórdão n.º 598/2000, de 20 de Dezembro,
“os prazos para apresentação de candidaturas e para suprimento das
irregularidades estabelecidas na lei eleitoral (no caso, do Presidente da
República) são peremptórios, e insusceptíveis de prorrogação ou suspensão – sob
pena de irremediável perturbação do calendário do processo eleitoral, cujos
prazos se acham sucessivamente concatenados.”
Esta jurisprudência funda-se, como também se tem reiterado nos referidos
acórdãos, no facto de os processos eleitorais serem decisivamente marcados pela
urgência e celeridade, resultante de, estando o dia da realização do acto
eleitoral marcado, todo o processo relativo à admissão das candidaturas ter de
ser encerrado dentro de um calendário estrito, por forma a não prejudicar todas
os subsequentes actos indispensáveis à realização da eleição, cujos prazos estão
sucessivamente concatenados.
O Tribunal Constitucional tem, assim, salientado – a propósito de outros
processos eleitorais, mas com aplicação também ao processo relativo à eleição do
Presidente da República – que “a celeridade do contencioso eleitoral exige uma
disciplina rigorosa no cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar
inviável o calendário fixado para os diversos actos que integram o processo
eleitoral; e que essa celeridade implica a impossibilidade de aplicação de
diversos preceitos contidos no Código de Processo Civil, directa ou
indirectamente relacionados com prazos para a prática de actos pelas partes”. E
na própria Lei Eleitoral do Presidente da República (Decreto-Lei n.º 319‑A/76,
de 8 de Maio, na redacção dada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro), o artigo
artigo 159.º-B, sobre “[d]ireito subsidiário”, dispõe: “Em tudo o que não
estiver regulado na legislação referente à eleição do Presidente da República,
aplica-se aos actos que impliquem intervenção de qualquer tribunal o disposto no
Código de Processo Civil quanto ao processo declarativo, com excepção dos n.ºs 3
e 4 do artigo 144.º e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 145.º” (normas estas, que
dispunham, em 1985, sobre a suspensão do prazo fora dos dias úteis e sobre o
justo impedimento).
Ora, segundo a regra geral para a prática dos actos processuais – e isto,
portanto, mesmo independentemente de quaisquer especificidades motivadas pela
específica natureza do processo eleitoral – os actos processuais que impliquem a
recepção de quaisquer requerimentos e documentos devem ser praticados durante as
horas de expediente dos serviços, o que significava, no caso, até às 16 horas
(pois, aplicando-se ao funcionamento da Secretaria Judicial do Tribunal
Constitucional, como regime supletivo nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei
n.º 545/99, de 14 de Dezembro, o artigo 122.º, n.ºs 1 e 3, da Lei de Organização
e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de
Janeiro, conclui-se que o horário de funcionamento daquela Secretaria Judicial
é, nos dias úteis, até às 17 horas, encerrando ao público “uma hora antes do
termo do horário diário”, isto é, às 16 horas). Sendo o prazo para recorrer, nos
termos do artigo 94.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, de “um dia”,
tal significava que o recurso poderia ser interposto durante o dia seguinte ao
da notificação ao interessado, dentro do horário de abertura ao público dos
serviços.
5.Pode, pois, desde já concluir-se, quanto ao recurso interposto por Luís Filipe
Botelho Ribeiro, que não foi interposto tempestivamente, pois foi entregue em
mão no Tribunal Constitucional já depois de encerrada a secretaria ao público
(isto é, e conforme registo no requerimento entregue, já depois das 16 horas).
Não poderá, pois, tomar-se dele conhecimento.
Acrescente-se, aliás, que tal recurso não poderia seguramente obter provimento,
por manifesta improcedência, pois, desde logo, o recorrente reconhece que não
entregou no Tribunal Constitucional os elementos exigidos por lei, apenas
pretendendo que este Tribunal “corrija” alegadas anteriores situações de
“injustiça” que teriam justificado tal falta – para o que, evidentemente, o
Tribunal Constitucional carece de competência.
Vai, assim, tomar-se conhecimento dos recursos interpostos por Maria Manuela de
Sousa Magno e por Luís Filipe Brito da Silva Guerra.
6.Começando pelo primeiro, verifica-se que – para além de outras considerações,
como as relativas à actuação de outras entidades públicas, cuja apreciação
necessariamente escapa à competência deste Tribunal no presente processo – a
recorrente centra a sua argumentação no facto de os serviços do Tribunal
Constitucional não terem permitido que as operações de regularização dos
documentos que entregara – com a correspondência e união das declarações de
propositura às certidões de inscrição no recenseamento eleitoral – se
prolongassem para além do termo do horário de expediente do último dia do prazo
para regularização do processo de candidatura, nem terem aceite a entrega de
documentos suplementares, para instruir o processo de apresentação da
candidatura, para além desse prazo.
Ora, como se afirmou no acórdão recorrido, o prazo concedido pelo artigo 93.º,
n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional para suprimento das irregularidades
verificadas expirou no dia 28 de Dezembro de 2005, às 16 horas, hora do fecho da
secretaria judicial, sendo “irrelevante tudo o que os candidatos apresentaram
depois daquela data e hora”.
A isto não obsta o artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, além do
mais, porque não estava em causa qualquer envio de documentos por telecópia fora
do horário de expediente – mas a regularização dos documentos entregues, que não
continham a correspondência das declarações de propositura a certidões de
inscrição no recenseamento eleitoral.
A irregularidade não pode ser suprida pelo envio de documentos por telecópia,
pois há-de ser o original que é entregue dentro do prazo. E é manifestamente
incompatível com a necessária celeridade do processo eleitoral, designadamente,
um posterior envio dos originais no prazo de cinco dias, conforme previsto no
artigo 150.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
À conclusão de que o prazo expirou no dia 28 de Dezembro de 2005, pelas 16
horas, hora do fecho da secretaria judicial, também não obstam – diversamente do
que se afirma no requerimento de recurso e nalgumas respostas a este –, nem o
facto de se tratar do horário de encerramento da secretaria ao público, podendo,
porém, o Tribunal continuar a funcionar, nem a circunstância de, num processo
marcado pela urgência como é o eleitoral, a notificação de decisões poder ser
feita para além daquela hora de encerramento do Tribunal ao público. Aliás, e
para além do mais, não se vê qualquer razão séria para que as notificações só
devessem poder ser dirigidas aos candidatos (ou seus mandatário) durante o
horário de abertura do Tribunal ao público.
Diga-se, aliás, que, mesmo que o Tribunal tivesse permitido que continuasse a
actividade de correspondência e união das certidões de inscrição no
recenseamento eleitoral às declarações de propositura, para além do fim do
horário de expediente do último dia do prazo de regularização, ainda assim
ficariam a faltar declarações de propositura: o acórdão n.º 722/2005 verificou a
falta de 716 certidões para a obtenção do número mínimo legal de proponentes
(faltavam 1016 certidões nos 7750 proponentes); e no último dia do prazo a
recorrente apresentou apenas 657. Só, portanto, admitindo a entrega dos
originais de outras certidões, ou declarações, e depois do termo do prazo legal,
se poderia ter eventualmente conseguido preencher o requisito legalmente
exigido.
O que, porém, não podia admitir-se, por desrespeitar o prazo para a
regularização do processo previsto no artigo 93.º, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional.
Não tendo, pois, a recorrente suprido as irregularidades detectadas na
apresentação da sua candidatura, é de confirmar o acórdão recorrido, que a não
admitiu.
7.Passando ao recurso interposto por Luís Filipe Brito da Silva Guerra – e
abstraindo também das considerações e comentários com que enquadra a substância
da sua argumentação –, verifica-se que o recorrente começa por invocar a
possibilidade de juntar documentos ao processo da sua candidatura, por
telecópia, depois do encerramento da secretaria do Tribunal Constitucional ao
público (isto é, depois das 16 horas do dia 28 de Dezembro).
Já resulta, porém, do que se disse, que tal junção não era admissível, pois
tinham de ser entregues, dentro do prazo, os originais dos documentos em causa,
não sendo aplicável aos processos eleitorais a possibilidade de remessa
posterior, no prazo de cinco dias, prevista no artigo 150.º, n.º 3, do Código de
Processo Civil. Esta conclusão não representa, aliás, qualquer “restrição dos
direitos fundamentais” (ou qualquer “concepção restritiva dos direitos humanos”
ou “formal da justiça”). É, simplesmente, o corolário da necessária celeridade
do processo de apresentação de candidaturas (no caso, de regularização da
apresentação de candidaturas), de modo a não inviabilizar a realização do acto
eleitoral já marcado, dependente de actos a realizar em prazos estreitos
sucessivamente concatenados. Os requisitos formais da apresentação da
candidatura, são, aliás, previstos na Lei Eleitoral do Presidente da República,
como modo de garantir a representatividade democrática mínima dos candidatos.
Concorde‑se, ou não, com eles deve reconhecer-se que se trata de formalidades,
sim, mas que servem uma finalidade substancial, e de representatividade
democrática.
Não procede, pois, a alegação do recorrente, no sentido de que a lei lhe permite
juntar os originais documentos em falta, seja depois do encerramento ao público
da secretaria do Tribunal Constitucional, seja num prazo que complementasse o
seu envio por telecópia. E, justamente por faltarem os originais dos documentos
em causa, também não procede a pretensão do recorrente de suprir irregularidades
para além do prazo, até ao momento de decisão definitiva sobre a admissão de
candidaturas (que o Tribunal Constitucional afirmou, noutro contexto e
relativamente a processo eleitoral regulado por normas diferentes).
O recorrente invoca, ainda, a possibilidade de fazer prova da capacidade
eleitoral activa dos proponentes por meios diversos daqueles que a lei refere –
designadamente, pela junção de elementos de informação obtidos impressos a
partir do “sítio” do STAPE na Internet.
Ora, tal impressão não pode ser equiparada a uma “certidão” de eleitor, pois
esta pressupõe necessariamente, pelo menos, uma declaração de uma entidade
pública (cf. o acórdão n.º 438/2005, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt; e diga-se, aliás, que, como se afirmou também na
decisão recorrida, o invocado acórdão n.º 254/85, deste Tribunal, tratou de
outra questão, e num quadro normativo também diferente, não apoiando a tese do
recorrente quanto à suficiência das impressões entregues).
Depois, e como se referiu no acórdão recorrido, citando o acórdão n.º 598/2000,
é certo que este pretenso “meio de prova” “vai para além do previsto na lei
eleitoral do Presidente da República, que (...) manda fazer a prova da qualidade
de eleitor dos proponentes através de tais certidões [certidões das comissões
recenseadoras]”, sendo às comissões de recenseamento que o artigo 68.º da Lei
n.º 13/99, de 22 de Março atribui a competência para passar certidões relativas
ao recenseamento eleitoral.
E sobretudo – decisivamente, também para o acórdão recorrido – a forma de
comprovar a inscrição do proponente no recenseamento eleitoral que o recorrente
pretendeu utilizar não previne uma das finalidades que o n.º 7 do artigo 15.º do
Decreto-Lei n.º 319‑A/76 visa acautelar, ao prever que o proponente terá de
apresentar o requerimento da certidão em duplicado, com indicação expressa do
nome do candidato proposto, devendo o duplicado ser arquivado: isto é, que um
mesmo eleitor não proponha mais do que uma candidatura, sendo justamente para
tal finalidade que fica arquivado o duplicado. Tal finalidade – substancial e
não apenas formal, e não baseada em qualquer “alegação genérica” ou “suspeita”,
ao contrário do que o recorrente pretende – não é, evidentemente, assegurada
pela entrega de impressões de informações obtidas no “sítio” na Internet do
STAPE. A exclusão dos meios de prova da inscrição no recenseamento eleitoral
pretendidos pelo recorrente não viola, assim, direitos fundamentais, nem é
inconstitucional, antes visando acautelar finalidades constitucionalmente
relevantes.
Contra esta conclusão insurge-se o recorrente invocando circunstâncias
“excepcionais”, consistentes na alegada imputabilidade às próprias comissões de
recenseamento, e ao STAPE, da falta (ou atraso) na emissão (ou expedição) das
certidões de inscrição no recenseamento, contestando a conclusão do acórdão
recorrido de que, se “a capacidade eleitoral activa dos proponentes não está
provada pelos meios que a lei considera idóneos, o Tribunal não poderá deixar de
o assinalar e daí extrair as devidas consequências, independentemente das razões
que terão determinado a irregularidade”. Neste contexto, afirma mesmo existir
uma “lacuna da lei”, que evite a possibilidade, que aquelas entidades teriam, de
“boicotar irreversivelmente uma determinada candidatura”.
Também neste ponto não assiste, porém, razão ao recorrente.
Na verdade, e independentemente da questão de saber se se verificaram, ou não,
no seu caso, circunstâncias realmente excepcionais, e se elas seriam, ou não,
atendíveis – pois pode duvidar-se de que o juízo sobre o cumprimento dos
requisitos de entrega de certidões de inscrição no recenseamento eleitoral dos
cidadãos proponentes possa ficar condicionado pelo juízo sobre o procedimento,
alegadamente ilegal, das entidades públicas encarregadas da emissão dessas
certidões –, é certo que estava ao alcance do próprio recorrente ter prevenido
tais dificuldades. Também já no acórdão recorrido se referiu que o candidato não
demonstrou “que as intimações judiciais a que lançou mão, para efeito de obter,
de diversas comissões recenseadoras, as certidões requeridas, tivessem sido
pedidas com antecedência razoável relativamente ao termo do prazo para
apresentação das candidaturas ou mesmo do prazo para suprimento de
irregularidades, sendo certo que bastaria o decurso do prazo de três dias sobre
o requerimento das certidões sem que estas tivessem sido emitidas para serem
pedidas as intimações judiciais”. Antes pelo contrário, o que resulta do
processo é que as referidas intimações foram apenas requeridas, por via postal,
no último dia do prazo para apresentação das candidaturas, sendo que faltavam na
candidatura em causa, como decorre do acórdão n.º 722/2005, 699 certidões de
eleitor. A invocação de “boicote”, de “lacuna da lei”, ou, simplesmente, a
tentativa de prova da demora das comissões de recenseamento na expedição das
certidões não desmente tal possibilidade legal, o seu tardio uso, ou a falta de
providências destinadas a evitar a necessidade da sua utilização.
Mantém-se, pois, a conclusão de que o recorrente não preencheu, dentro do prazo
legalmente previsto, a totalidade dos requisitos previstos na Lei Eleitoral do
Presidente da República.
8.Por último – para além de uma genérica invocação de nulidade da decisão por
omissão de pronúncia, que não se vê onde se possa sustentar, já que o acórdão
recorrido se pronunciou sobre todas as questões relativas à admissibilidade das
candidaturas que lhe cumpria apreciar, na sequência, aliás, do acórdão n.º
722/2005, anteriormente proferido –, o recorrente volta a fazer referência à
nulidade, que alegara, da notificação do mandatário da candidatura. Reconhecendo
que a notificação foi efectuada por telecópia para o número indicado pelo
próprio candidato, e dizendo concordar com a notificação por essa via, afirma,
porém, que tal entendimento só teria “em conta as conveniências do tribunal e
não as do cidadão que se relaciona com as instituições judiciárias”, pelo que
acaba por contestar a possibilidade de notificação por telecópia.
Acontece, porém, que, não estando o candidato, ou seu mandatário, presente, para
poder ser notificado pessoalmente da decisão do Tribunal Constitucional, não
existe outra forma de notificação compatível com os prazos curtos impostos pela
celeridade que caracteriza o processo de suprimento das irregularidades das
candidaturas. E a própria lei processual civil admite a possibilidade de
notificação por telecópia (artigo 176.º, n.º 5).
O prazo em que o Tribunal Constitucional tinha, em concreto, de apreciar os
requisitos formais da apresentação da candidatura, e, portanto, o dia em que a
sua decisão seria proferida, resultam de disposição legal expressa, conjugada
com o calendário eleitoral fixado. O recorrente sabia, pois, ou devia saber, em
que dia iria ser notificado dessa decisão. E não se vê como uma alegada
irregularidade de notificação, a ter existido, pode ter afectado o prazo de
suprimento de irregularidades. Antes, tendo o número para o qual iria ser
enviada a notificação sido indicado, a pedido do Tribunal e para esse fim, pelo
próprio candidato – que assim logo ficou ciente da utilização dessa forma de
notificação e, mesmo, de que iria ser notificado –, só podem ser imputadas à
própria candidatura as dificuldades, alegadas pelo recorrente, de preparação da
“sua defesa”.
As restantes alegações do recorrente são irrelevantes para questionar o sentido
da decisão recorrida, que deve, portanto, ser mantida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso do acórdão n.º 723/2005,
interposto por Luís Filipe Botelho Ribeiro;
b) Negar provimento aos recursos do mesmo acórdão apresentados por Maria
Manuela de Sousa Magno e por Luís Filipe Brito da Silva Guerra.
Lisboa, 3 de Janeiro de 2006
Paulo Mota Pinto
Bravo Serra
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício