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Processo nº 391/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., sendo recorrido o Ministério Público, o relator lavrou oportunamente a exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Notificadas as partes, enquanto a entidade recorrida veio aos autos manifestar a sua inteira concordância com o teor da exposição, a recorrente respondeu em termos discordantes por entender dever conhecer-se do objecto do recurso uma vez que, para si, o tribunal recorrido aplicou implicitamente a norma 'declarada' inconstitucional anteriormente por este Tribunal Constitucional e fez uma nova aplicação da norma do artigo 188º do Código de Processo Penal, pelo que assim se suscita autonomamente, em relação
à primeira decisão, uma questão de inconstitucionalidade..
Aceita-se, no entanto, a tese da exposição, com os fundamentos da qual se concorda no essencial, não abalados que foram pela resposta da recorrente, cumprindo notar que face a recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da citada Lei nº 28/82, a interpretação dada pelo acórdão da Relação, cujo recurso se pretende, ao inciso imediatamente constante do artigo 188º do Código de Processo Penal, é a resultante do acórdão nº 407/97 do Tribunal Constitucional, proferido nestes autos.
Com efeito, entendeu-se, então, que imediatamente
'não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se encontrarem feitas', pressupondo 'um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa ocorrem. De forma alguma imediatamente poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulta do processo'.
Valorou-se fundamentalmente a exigência de conhecimento imediato pelo juiz, de modo a este poder decidir sobre a junção aos autos dos documentos ou a sua destruição.
Ora, relativamente aos chamados apensos 1 e 3, a que se refere o acórdão recorrido, escreveu-se nesse aresto:
'[...] não só a sua elaboração [a dos autos de transcrição] respeitou o prazo de «cinco dias» - contado a partir do termo da escuta - concedido pelo artigo 105.1 do CPP «para a prática de qualquer acto processual», como a sua apresentação ao juiz de instrução criminal se processou, mediante
«conclusão do processo» e seus apensos, dentro do prazo de dois dias - e, por isso, imediatamente (tanto mais que ainda não havia, ao tempo arguidos detidos)
- concedido pelo artigo 116.1 do CPP, aos funcionários de justiça e de polícia criminal para a lavra dos «termos do processo»'.
E, a seguir, nos seus pontos 5.8 a 5.11:
'5.8.- Das correspondentes intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas foi, pois, lavrado atempado auto, que, com as fitas gravadas, foi imediatamente levado ao conhecimento do juiz (conforme determinava o nº 1 do artº 188º do CPP).
5.9.- É irrelevante - já que tais transcrições sempre se conservaram nos autos ainda que por apenso - que, só em 16jul95, o juiz de instrução criminal haja, nos termos do art. 188.2 do CPP, «determinado a junção aos autos das transcrições das conversas telefónicas constantes dos apensos e 1
3 (vox 16 e 74), correspondentes aos postos 759.57.77 e 063.63760» e que, só em
09Out95, esses apensos hajam sido incorporados nos autos (deles passando a constituir fls. 219 a 269).
5.10.- É que o significante «juntar ao processo» constante do art.
188.2 do CPP tanto comporta o significado de «apensação» como o de
«incorporação».
5.11.- E a verdade é que tais autos de transcrição sempre se mantiveram «juntos aos processo», por apenso até 9Out95 e, nele incorporados, a partir de então.'
Nestes termos, decide-se não conhecer do recurso, condenando-se a recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 5
(cinco) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Outubro de 1997 Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes
(vencido por entender que o Tribunal da Relação se viu obrigado a interpretar de novo a mesma para preencher o conceito relativamente indeterminado de submissão
'imediata' do auto ao conhecimento do juiz, interpretação sobre a qual não se pronunciou anteriormente o Tribunal Constitucional, o qual se limitou a julgar inconstitucional a norma tal como fora anteriormente interpretada pelo primeiro acórdão da Relação. Mera medida, afigura-se-me que a recorrente suscitou uma nova questão de inconstitucionalidade normativa, tal como resulta dos artigos 5º e 6º da resposta da recorrente). Maria da Assunção Esteves
(vencida, a interpretação da Relação de Lisboa é, ela mesma, susceptível de um novo recurso de constitucionalidade. É que os parâmetros de interpretação da norma do artigo 118º do C.P.P.,fixada no acórdão nº 407/97 do Tribunal Constitucional, importa um momento de relativa indeterminação que é preenchida pelo conceito 'de imediato'. É, pois, fundamento bastante para que o recorrente venha pedir ao Tribunal Constitucional que a concretização apurada pela decisão recorrida é ou não razoável). José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 391/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- A., arguida em autos de inquérito registado no DIAP de Lisboa sob o nº 318/95--2JG, relativo à investigação de crime de tráfico de estupefacientes, arguiu a nulidade da intercepção telefónica a dois postos, judicialmente ordenada, invocando, para o efeito, 'violação as formalidade legais prescritas no artigo 188º, nº 1, do CPP', com a alegação de desfasamento temporal entre as intercepções em causa e a respectiva transcrição e junção aos autos.
Por despacho do Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (certificado a fls. 31) foi desatendida a nulidade por, como então se decidiu, ter sido dado cumprimento 'ao que estipulam os artigos
187º e nomeadamente 188º do Código de Processo Penal'.
Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, defendendo, designadamente, que 'uma interpretação não restrita do disposto no artigo 188º, particularmente no que concerne à forma como deverá ser processada a escuta e aos lapsos de tempo em que se deverão efectuar as diversas fases do procedimento, acarretará a inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, nºs. 1 e 2 do CPP se interpretada em sentido diferente do restrito formalismo aí estabelecido, incluindo o tempo previsto para a realização de actos aí previstos, à excepção do que será humanamente e funcionalmente exigível, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, e 34º, nº 4 da CRP'.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Agosto de 1996 (fls. 97 e segs.), confirmou, no entanto, o despacho recorrido, quer relativamente às escutas telefónicas e respectivo material que constituem os apensos 1 e 3 dos autos principais (em que a intercepção e a gravação tiveram lugar em 16 de Junho de 1995 e os autos só foram levados ao Juiz em 9 de Outubro seguinte), quer tocantemente às escutas que constituem o apenso 4 (em que a intercepção e a gravação ocorreram em 12 de Junho de 1995 e o auto só foi levado ao Juiz em 22 de Janeiro de 1996).
1.2.- Do assim decidido recorreu a arguida para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, reiterando a sua perspectiva de inconstitucionalidade.
O Tribunal Constitucional, por acórdão de 21 de Maio último - nº 407/97, a fls. 178 e segs. - pronunciou-se no sentido de
'julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 6 do artigo 32º da Constituição, a norma do nº 1 do artigo 188º do Código de Processo Penal quando interpretada em termos de não impor que o acto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do Juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas'.
Consequentemente, concedeu provimento ao recurso, ordenando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido.
1.3.- Voltaram, assim, os autos ao Tribunal da Relação que, por acórdão de 17 de Junho último (fls. 222 e segs.), deliberou reformar o acórdão anterior, de 16 de Agosto de 1996, na parte em que não atendeu à arguição da nulidade da escuta telefónica transcrita no apenso 4, no mais o mantendo, ou seja, na parte em que desconsiderou a arguição de nulidades relativas aos demais apensos (para além da problemática de custas que ora não interessa considerar), tendo presente que a interpretação por si feita da norma do nº 1 do artigo 188º do CPP 'respeita o artigo 32º, nº 6, da Constituição e, como tal, o acórdão do Tribunal Constitucional que, em 21 de Maio de 1997 determinou a reforma do acórdão de 16 de Agosto de 1996 deste Tribunal da Relação'.
2.1.- Mantendo-se inconformada, vem a arguida recorrer, de novo, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, pretendendo ver apreciada ('declarada') a inconstitucionalidade da norma do artigo 188º, nºs. 1 e 2, do CPP, 'por violação do disposto no artigo 32º, nº
1, e 34º, nº 4, da CRP, no âmbito em que a recorrente a arguiu' adiantando ter a arguição de inconstitucionalidade sido feita na motivação do recurso da recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa (ou seja, na motivação do recurso do despacho da 1ª Instância).
Cabe perguntar, perante a factualidade exposta, se
é admissível novo recurso para o Tribunal Constitucional.
A questão é delicada, na medida em que envolve - ou pode envolver - uma renovada sindicância por parte do Tribunal Constitucional que, desse modo, na observação feita no acórdão nº 108/95
(publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Abril de 1995) se arrogaria um poder ilimitado de controlo do modo como os outros tribunais executam as decisões daquele quanto a julgamentos em matéria de constitucionalidade.
Tal significaria um alargamento da competência do Tribunal Constitucional visando especificamente o controlo do modo como o Tribunal recorrido 'executou' a anterior decisão daquele Tribunal, o que é, em si, insindicável, na medida em que implica valoração de provas e de factos e interpretação e aplicação do direito ordinário, e, consequentemente, tem sido considerado insustentável (cfr. os acórdãos nºs 94/90, 318/93 e 462/94, entre outros, publicados no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1990, 2 de Outubro de 1993 e 21 de Novembro de 1994, respectivamente. A questão, equacionada por J. M. Cardoso da Costa - A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 57, nota 53 b) - tem sido encarada por alguns autores. Miguel Galvão Teles, ao enunciar alguns dos problemas que neste domínio se levantam, conclui que, de qualquer modo, se o Tribunal Constitucional admitir os recursos em que esteja em causa o respeito das suas decisões, proferidos no próprio processo ou em fiscalização abstracta, estará a exercer a competência da sua competência - cfr. 'A Competência da Competência do Tribunal Constitucional, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, págs. 114 e segs., maxime pág. 120).
2.2.- Ora, entende-se, não se poder conhecer do objecto do presente recurso.
Com efeito, no caso vertente e independentemente da problemática apontada e das suas projecções concretas, tem-se por apodíctico que
- para além da questão de saber se pode considerar-se atempadamente suscitada uma questão de constitucionalidade decorrente da interpretação normativa feita pelo segundo acórdão da Relação - o requerimento de interposição de recurso relativo a este segundo aresto, na medida em que remete para a motivação do primeiro recurso, reedita, em bloco, toda a argumentação desenvolvida nesse momento, pretendendo, afinal, a reapreciação da matéria objecto do primeiro acórdão.
Não houve, no entanto, por banda do tribunal recorrido uma nova interpretação da norma em causa mas apenas a reforma da decisão anterior em conformidade (expressamente confessada) com o âmbito do juízo de inconstitucionalidade constante do acórdão nº 407/97.
Não é possível, agora (até porque não há recurso de amparo, entre nós, por um lado, e, por outro, a competência do Tribunal Constitucional é, neste domínio, meramente cassatória) retomar a discussão da matéria, mesmo que se entendesse a mesma limitada à parte reformada que se manteve, em princípio, desfavorável à recorrente.
Do mesmo passo, não é esta uma situação susceptível de sanação mediante o mecanismo previsto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº
28/82.
Dito de outro modo, não pode conhecer-se do objecto do recurso, tal como delimitado foi no caso sub judice, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º desse mesmo diploma legal.
3.- Ouçam-se as partes nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82. Lisboa, 30 de Julho de 1997 Alberto Tavares da Costa