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Processo n.º 735/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. e B. deduziram reclamação do despacho do Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso que pretendiam interpor
para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. No Tribunal Colectivo da 6ª Vara Criminal de Lisboa, A. e B., ora
reclamantes, foram condenados pela prática de diversos crimes, em cúmulo
jurídico, na pena única de 15 anos de prisão e de 15 anos e 9 meses de prisão,
respectivamente, e ao pagamento de determinadas indemnizações, abrangendo danos
patrimoniais e não patrimoniais.
O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento, quanto à matéria
penal, aos recursos interpostos pelos arguidos, mas determinou o reenvio do
processo para novo julgamento, restrito à matéria cível.
2.2. No recurso que interpuseram para o Supremo Tribunal de Justiça da
decisão quanto à matéria penal, os recorrentes A. e B. suscitaram as seguintes
questões: falta de fundamentação da decisão da 1ª instância e falta de exame
crítico das provas; inadequação da medida concreta das penas parcelares e da
pena única. Na motivação do recurso, os recorrentes invocaram a
inconstitucionalidade da interpretação atribuída aos artigos 374º, n.º 2, do
Código de Processo Penal e 77º do Código Penal.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de Maio de 2005
(fls. 26 e seguintes dos presentes autos de reclamação), concedeu parcial
provimento aos recursos dos arguidos, alterando as penas únicas fixadas (para 13
anos relativamente a A. e para 13 anos e 6 meses relativamente a B.) e
confirmando no restante a decisão recorrida quanto à matéria criminal.
2.3. Através de requerimento que deu entrada no Supremo Tribunal de
Justiça, por fax, em 2 de Junho de 2005, A. e B. vieram interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, para apreciação da inconstitucionalidade da
“interpretação realizada pelo tribunal a quo do preceituado nos arts. 374º, n.º
2, do Código de Processo Penal e 77º do Código Penal, por infringir o constante
nos arts. 205º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa,
respectivamente” (requerimento de fls. 14 dos presentes autos).
2.4. Em 14 de Junho, a Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça notificou
os recorrentes “para, no prazo de 10 dias, pagar[em] as multas nos termos do
art. 145º, n.º 6, do C.P.C., pela entrada no 3º dia útil seguinte ao termo do
prazo, do requerimento de recurso para o T.C., sem que tenham sido solicitadas
guias” (cfr. fls. 15). As guias foram remetidas aos recorrentes com a indicação
de que deveriam ser pagas até ao dia 24 de Junho de 2005 (fls. 16 e 17).
2.5. Em 4 de Julho, a Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça fez o
processo concluso ao Conselheiro Relator, com a informação “de que, nesta data,
as guias não se mostram pagas no sistema informático” (cfr. termo de conclusão
de fls. 19).
2.6. O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, decidiu não
admitir o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de 7 de Julho de
2005, a fls. 19), nestes termos:
“O recurso para o Tribunal [Constitucional] não foi interposto em tempo.
Assim, não o admito.
[...].”.
2.7. A. e B. vieram, ao abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do
Tribunal Constitucional, deduzir reclamação do despacho de não admissão do
recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 2 e
seguintes (fls. 6 e seguintes), em que se lê:
“1. Os ora Reclamantes, no seguimento de um recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça, recorreram do acórdão proferido, tendo deste sido
notificados no dia 19 de Maio de 2005.
Senão vejamos,
2. O registo da notificação do acórdão proferido data do dia 16 de Maio de 2005
(cfr. Doc. 1)
No entanto,
3. A notificação presume-se feita no dia 19 do mesmo mês.
Porquanto,
4. O art. 104°, n.º 1, do C.P.P. remete para o processo civil a contagem dos
prazos para a prática de actos processuais.
Ou seja,
5. Nos termos do art. 254º, n.º 2, do C.P.C., «A notificação postal presume-se
feita no terceiro dia posterior ao do registo».
Pelo que,
6. Tendo o registo sido efectuado no dia 16 de Maio, a notificação presume-se
efectuada no dia 19 do mesmo mês, por este ser o terceiro dia posterior ao do
registo.
Desta forma,
7. O primeiro dia de contagem do prazo para interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional terá sido no dia 20 de Maio (art. 279º, al. b), do
C.C.).
8. Sendo o prazo para interpor o referido recurso de 10 dias, nos termos do
disposto no art. 75º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15.11 (com as alterações
introduzidas pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de
Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26
de Fevereiro), este teve o seu término no dia 29 de Maio.
No entanto,
9. Sendo o citado dia 29 um Domingo, transfere-se para o primeiro dia útil
seguinte o término do mesmo.
Pelo que,
10. O último dia para efectuar o envio do requerimento de interposição de
recurso foi dia 30.
Mas,
11. O art. 145º, n.º 5, do C.P.C., aplicável por remissão efectuada no art.
104º, n.º 1 do C.P.P., prevê a possibilidade de praticar o acto nos três
primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
Ora,
12. Tendo o prazo terminado dia 30, o terceiro dia útil terá sido dia 2 de
Junho.
Desta forma,
13. Tendo o requerimento de interposição de recurso sido enviado, via FAX, no
dia 2 de Junho [por lapso, escreveu-se Maio] (cfr. Doc. 2), e posteriormente via
postal, sem ter sido imediatamente paga a respectiva multa, dispõe o art. 145º,
n.ºs 4 e 5, do C.P.C. que a secretaria deverá notificar o interessado para
proceder ao pagamento da multa acrescido.
Ao invés,
14. Foram os ora Reclamantes notificados da não admissão do recurso.
Nestes termos,
Deve ser admitido o recurso interposto, com as legais consequências e revogado o
despacho que não o admitiu.
[...].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 64 v.º):
“A presente reclamação é manifestamente infundada. Na verdade – e como decorre
de fls. 15/17 dos autos – os arguidos recorrentes foram notificados para
proceder ao pagamento da multa prevista no n.º 6 do art. 145º do CPC, não tendo
procedido a tal pagamento (cfr. termo de conclusão de fls. 19), incorrendo,
consequentemente, no efeito preclusivo aí previsto, perdendo o direito de
praticar o acto.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. Os ora reclamantes pretendiam recorrer para este Tribunal, ao abrigo
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, para
apreciação da inconstitucionalidade da “interpretação realizada pelo tribunal a
quo do preceituado nos arts. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 77º do
Código Penal, por infringir o constante nos arts. 205º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa, respectivamente” (supra, 2.3.).
O Conselheiro Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, não admitiu o
recurso por entender que não foi interposto em tempo (supra, 2.6.).
Na reclamação deduzida, os reclamantes vêm invocar: que praticaram o
acto – a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – no terceiro
dia após o termo do prazo; que “o art. 145º, n.º 5, do C.P.C., aplicável por
remissão efectuada no art. 104º, n.º 1 do C.P.P., prevê a possibilidade de
praticar o acto nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”; e
que “dispõe o art. 145º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C. que a secretaria deverá notificar
o interessado para proceder ao pagamento da multa acrescido” (supra, 2.7.).
5. É patente que o recurso que os ora reclamantes pretendiam interpor
não pode ser admitido.
Na verdade, decorre claramente dos elementos constantes do presente
processo de reclamação que:
– o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional deu entrada no Supremo Tribunal de Justiça, por fax, em 2 de
Junho de 2005 – terceiro dia após o termo do prazo, como reconhecem os ora
reclamantes na reclamação deduzida;
– os ora reclamantes foram notificados em 14 de Junho de 2005 para
procederem ao pagamento da multa prevista no n.º 6 do artigo 145º do Código de
Processo Civil até 24 de Junho de 2005 (cfr. fls. 15 a 17);
– os ora reclamantes não procederam a tal pagamento no prazo fixado
(cfr. termo de conclusão de fls. 19).
Não tendo procedido ao pagamento da multa prevista no n.º 6 do
artigo 145º do Código de Processo Civil no prazo fixado, os ora reclamantes
incorreram no efeito preclusivo previsto nessa disposição e perderam o direito
de praticar o acto.
Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido e que
a presente reclamação tem de ser indeferida.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 10 de Novembro de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos