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Processo nº 596/95
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- A. recorreu contenciosamente do despacho de 12 de Novembro de 1991 da Presidente da Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde de Lisboa que a transferiu da Direcção de Serviços de Saúde Pública para o Centro de Saúde ...... ..........., então confrontado, nos termos da informação dos serviços, 'com graves carências em médicos de saúde pública'.
O Senhor Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de 19 de Janeiro de 1994, negou provimento ao recurso o que levou a interessada a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo - STA - tendo o Ministério Público feito o mesmo, subordinadamente.
A Primeira Secção-Primeira Subsecção do STA, por acórdão de 18 de Maio de 1995, manteve o anteriormente decidido.
Inconformada, recorreu a interessada para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Nos termos do respectivo requerimento de interposição do recurso diz a recorrente ter suscitado, nas suas alegações de recurso (para o STA), 'sem êxito, a inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº
323/89, de 26 de Outubro, na parte em que atribui aos Directores-Gerais
'competência originária para a prática de actos do tipo legal do dos autos'
(artºs. 185º, segunda parte, 202º, e), e 277º, nº 1, da CRP), o que acarreta a inconstitucionalidade da 'mediação' gerada pelo artº 1º, a), do Decreto-Lei nº
267/90, de 31 de Agosto'.
Já neste Tribunal Constitucional foi a recorrente convidada, à luz do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, para indicar a norma ou normas do Decreto-Lei nº 323/89 cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, o que a levou a apresentar todo um articulado do qual parece poder extrair-se o seguinte:
a) o artigo 15º, alínea d), da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, ao autorizar o Governo a legislar a respeito do regime jurídico da função pública, concretamente, a definir o estatuto do pessoal dirigente da Administração Pública, em substituição, designadamente, do regime constante do Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho, e outra legislação aplicável sobre a matéria, visando, além do mais, sistematizar, clarificar e reforçar as competências próprias dos diversos cargos dirigentes, 'colide directamente' com o disposto no artigo 168º, nº 2, da CR e 'pois, enferma de inconstitucionalidade originária [o que é de conhecimento oficioso e, salvo o merecido respeito, cabe nos poderes de cognição deste Tribunal Constitucional]';
b) deste modo, o Decreto-Lei nº 323/89, editado ao abrigo daquele artigo 15º, alínea d), 'é, derivada ou reflexamente, inconstitucional, designadamente no segmento em que cuida das 'competências próprias dos diversos cargos dirigentes';
c) interessando, nesta perspectiva, 'particularmente, o artigo 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, e mapa II anexo, enquanto atribui aos 'directores-gerais' competência originária para a prática de actos do tipo legal do dos autos (artº 185º, segunda parte, 202º, e), e 277º, nº 1, da C.R.P), o que acarreta inconstitucionalidade da 'mediação' operada pelo artº 1º, a), do Decreto-Lei nº 267/90, de 31 de Agosto'.
2.- Recebido o recurso, a recorrente apresentou oportunamente as respectivas alegações, que assim concluiu:
'1- Ao invés do doutamente julgado pelo também douto acórdão recorrido o Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, é, derivada ou reflexamente, inconstitucional.
2- Na verdade, tal diploma foi editado ao abrigo da autorização legislativa concedida ao Governo pelo artº 5º, d), da Lei nº
114/88, de 30 de Dezembro.
3- Porém, este artº 5º, d), da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, não satisfaz o 'conteúdo mínimo exigível' de uma lei de autorização legislativa, na medida em que não prescreve o 'sentido' (ou seja, os princípios base, nas directrizes ou orientações que hão-de presidir à elaboração pelo Governo do decreto-lei a editar), que é um 'limite interno' essencial para a determinação das linhas de força, no plano substantivo, que nortearão o exercício dos poderes delegados.
3.1. Na verdade, o artº 15º, d), da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, apresenta carácter extremamente vago, impreciso, genérico e indeterminado; por direitas linhas visto limita-se a dispôr sobre o 'leque de matérias' relativamente às quais fica o Governo autorizado a legislar, sem condicionar o 'sentido normativo' em que tal autorização deva ser exercida.
4.- Assim, o artº 15º, d), da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, colide directamente com o artº 168º, nº 2, da Constituição, e, pois, enferma de inconstitucionalidade orgânica, originaria, pelo que o Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, editado ao seu abrigo , é, derivada ou reflexamente, inconstitucional, o que consequencia a inconstitucionalidade da
'mediação' operada pelo artº 1º, a), do Decreto-lei nº 267/90, de 31 de Agosto.
5.- Destarte, e salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido ao julgar como feito não fez por interpretação e aplicação do direito, e, consequentemente, não fez bom julgamento.
6.- Por outro lado, o Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, na parte em que atribui aos directores gerais 'competência própria e originária' para a prática de actos respeitantes à 'situação e movimento' dos funcionários e agentes, é materialmente inconstitucional (cfr. artsº. 185º, segunda parte, 202º, e), e 277º, nº 1, da C.R.P., em leitura conjugada) - o que acarreta a inconstitucionalidade da 'mediação' operada pelo artº 1º, a), do Decreto-Lei nº 267/90, de 31 de Agosto.
7.- Não julgando verificada aquela inconstitucionalidade o douto acórdão recorrido, salvo o merecido respeito, não fez boa interpretação e aplicação do direito, e, pois, não fez bom julgamento.'
A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo também alegou, concluindo, por sua vez:
'- O conteúdo das normas da alínea d) do artº 15 da Lei nº
114/88 de 30 de Dezembro é suficientemente explícito não só quanto ao objecto e extensão, como quanto ao 'sentido' da autorização legislativa concedida, não contrariando o sentido da norma do nº 2 do artº 168 do C.R.P.
- E também a atribuição de 'competência própria e originária' aos Directores Gerais, pelo D.L. 323/89 não contraria os artºs.
185 e 202, alínea e) da C.R.P., antes significa a concretização da previsão normativa do nº 2 do artº 267º da mesma constituição.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.1.- O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 que pressupõe, além do mais, a suscitação durante o processo de inconstitucionalidade normativa, constituindo jurisprudência constante e pacífica deste Tribunal, o entendimento da locução durante o processo em sentido funcional, que não formal: a questão de constitucionalidade há-de ter sido suscitada de forma a que o tribunal recorrido dela ainda possa conhecer (cfr., por todos, os acórdãos nºs. 269/94, 155/95 e 701/96, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994, 20 de Junho de 1995, e
22 de Julho de 1996, respectivamente).
Não obstante se ter sentido a necessidade de clarificar o objecto do recurso, utilizando-se para o efeito, no momento oportuno, o expediente previsto no nº 5 do artigo 75º-A daquele diploma legal, poderá entender-se - e este é o caso do relator - que a recorrente não suscitou atempadamente a questão de constitucionalidade relativamente à norma da alínea d) do artigo 15º da Lei nº 114/88, quando lhe imputa 'colisão directa' com o nº 2 do artigo 168º da CR, dado o seu 'carácter extremamente vago, impreciso, genérico e indeterminado', dela não se surpreendendo (em sua tese) o
'sentido normativo' segundo o qual deve ser exercida a autorização legislativa.
Na verdade, nesta perspectiva, a convocação da norma sindicanda não ocorreu durante o processo nem sequer foi a mesma elencada no requerimento de interposição do recurso, sendo certo que esta peça constitui, processualmente, o momento adequado para a fixação correcta do objecto do recurso.
Como se observou no acórdão nº 10/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1995), inter alia, nas conclusões das respectivas alegações pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto do recurso, de harmonia, aliás, com o disposto no nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, mas não pode alargar esse objecto, incluindo nele questão de constitucionalidade até então não equacionadas.
Sem embargo deste entendimento, não deixa de ser exacto que, no seu julgamento, o Tribunal pode decidir com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada, de acordo com o disposto no artigo 79º-C da Lei nº 28/82.
A esta luz, na sequência do decidido pelo acórdão nº 414/96, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1996, admite-se que, embora não suscitada (ou não suscitada a tempo) a questão de constitucionalidade de norma integrada no diploma de autorização legislativa, não poderá esta deixar de ser apreciada, como questão prejudicial, para, assim, o Tribunal poder concluir pela inconstitucionalidade ou pela não inconstitucionalidade - derivada ou reflexa - da norma delegada.
1.2.- Conforme vem alegado, a norma da alínea d) do artigo 15º da Lei nº 114/88 viola o disposto no nº 2 do artigo 168º da CR na medida em que, por ser extremamente vago o seu conteúdo, impreciso, genérico e indeterminado, não satisfaz o 'conteúdo mínimo exigível' que define o sentido - ou seja, os princípios base, as directrizes ou orientações - que o Governo deveria ter presente ao redigir o decreto-lei autorizado.
A inconstitucionalidade, a ocorrer, não se coloca
(nesta leitura) no plano imediato mas no derivado ou reflexo, reportada à inconformidade constitucional da norma cuja validade figura como pressuposto necessário da legitimidade da norma em causa (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, págs. 268 e 269 e, na mesma esteira, o acórdão nº 414/96, citado).
Esta ponderação, susceptível de se compaginar com uma relação de complementariedade entre o requerimento de interposição do recurso e a intervenção processual em cumprimento do despacho proferido ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82 (a que faz referência o acórdão nº 20/97, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março último) não conduzirá, no entanto (para quem a não tenha por impertinente ou, pelo menos, improcedente) a diferente juízo de constitucionalidade.
Na verdade, o artigo 15º da Lei nº 114/88 autorizou o Governo a legislar, no prosseguimento da via de aperfeiçoamento e modernização do regime jurídico da função pública, no sentido, nomeadamente, da
'definição de estatuto do pessoal dirigente da Administração Pública, que substitua designadamente, o regime constante do Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho, e outra legislação aplicável sobre a matéria, visando sistematizar, clarificar e reforçar as competências próprias dos diversos cargos dirigentes, definir e simplificar as respectivas áreas de recrutamento e os métodos de selecção aplicáveis, estabelecer o regime de provimento e a forma do exercício daqueles cargos, identificar e regular as situações de substituição, suspensão e cessação de funções, definir os deveres, direitos e regalias do pessoal dirigente, salvaguardar o direito à carreira e institucionalizar em cada departamento ministerial um conselho de directores-gerais' [alínea d) do preceito].
Ora, a esta luz, não se crê ser admissível defender, com razoabilidade e pertinência, uma ausência de conteúdo mínimo exigível que não desenhe, claramente, o sentido da autorização legislativa: a normação sindicada decorre da filosofia e da letra da autorização legislativa, da qual é expressão, encontrando-se o sentido perceptível e suficientemente explicitado na medida em que o Governo foi parlamentarmente instruído na orientação a conceder à iniciativa legislativa, mostrando-se esta enquadrada nessa directriz.
2.1.- O Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro, veio rever o Estatuto do Pessoal Dirigente da Função Pública, por esse meio pretendendo adequar a legislação vigente sobre a matéria às estruturas e necessidades organizativas de uma Administração em desenvolvimento e, por isso mesmo, 'em contínua adaptação face aos objectivos que prossegue, às exigências da evolução tecnológica e às influências endógenas e exógenas, designadamente comunitárias, que sobre ela se exercem', como se pode ler na nota preambular do diploma.
Editado ao abrigo da autorização legislativa constante da alínea d) do artigo 15º da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro, a questionada norma do nº 2 do seu artigo 11º integra-se no Capítulo III - Competências do pessoal dirigente, sob idêntica epígrafe e dispõe:
'2.- Compete ao director-geral superintender em todos os serviços da sua direcção-geral, assegurar a unidade de direcção, submeter a despacho os assuntos que careçam de resolução superior, representar o serviço e exercer as competências do mapa II anexo ao presente diploma, de que faz parte integrante, bem como as que lhe houverem sido delegadas ou subdelegadas'
(sublinhou-se o segmento da norma impugnado).
O aludido mapa descreve as competências próprias do pessoal dirigente que, no âmbito da gestão dos recursos humanos, inclui a competência para autorizar transferências.
Por sua vez, o Decreto-Lei nº 267/90, de 31 de Agosto, veio equiparar os membros das comissões instaladoras das administrações regionais de saúde aos cargos de director-geral, e outros.
A este respeito, preceitua o artigo 1º desse texto da lei e a sua alínea a):
'Os membros das comissões instaladoras das administrações regionais de saúde, criadas pelo Decreto-Lei nº 254/82, de 29 de Junho, são equiparados, para todos os efeitos legais:
a) Os presidentes, nos distritos de Lisboa e Porto, a director-geral;
---------------------------------.'
2.2.- Entende a recorrente ser inconstitucional a norma do nº 2 do citado artigo 11º ao atribuir 'competência originária' aos directores-gerais para a prática de actos respeitantes à 'situação e movimento' dos funcionários e agentes, vício esse que afectaria a norma transcrita do Decreto-Lei nº 267/90, na medida em que opera a 'mediação' daquela para os presidentes das comissões instaladoras.
É que, a seu ver, violar-se-ia a segunda parte do disposto no artigo 185º da CR - 'O Governo é [...] o órgão superior da administração pública' - bem como o disposto na alínea e) do artigo 202º -
'Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas [...] Praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas' - e, ainda, no nº 1 do artigo
277º - 'São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nele consignados' - tudo em 'leitura combinada'
(sic).
O Supremo Tribunal Administrativo não aceitou semelhante construção.
Observou-se, nomeadamente, no acórdão recorrido que o facto de o Governo ser o órgão superior da Administração Pública não significa não poderem ser atribuídas competências primárias aos directores-gerais, atribuição que não faz cessar o poder de superintendência do Governo, até porque o próprio texto constitucional, no nº 2 do seu artigo 267º, estabelece que, para efeitos de estruturação administrativa, a lei estabelecerá
'adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativa, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção e dos poderes de direcção e superintendência do Governo'.
Tinha sido este, também, o entendimento adoptado pelo tribunal administrativo de círculo.
E, na verdade, não se vê como é que as normas postas em crise ofendem qualquer dos preceitos constitucionais invocados pela recorrente - ou um outro qualquer.
Os ministérios encontram-se internamente organizados segundo uma estrutura própria que assenta, fundamentalmente, no que toca aos seus serviços encarregados de executar as respectivas atribuições específicas, nas direcções gerais ou equivalentes, sendo estas, como observa Freitas do Amaral, os departamentos administrativos encarregados de uma função específica e determinada, ou de um conjunto de funções específicas afins'
(cfr., Curso de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1986, pág. 274).
Essa é uma forma de desconcentração administrativa, mediante a qual e através de uma 'deslocação de competências', se abre via para descongestionar a competência dos órgãos e serviços administrativos supremos do Estado em benefício de órgãos e serviços periféricos ou locais, ou, também, por excessiva acumulação de funções em órgãos supremos do Estado, como os ministros, em proveito de órgãos e serviços inferiores, mas igualmente centrais, desse modo se descongestionando - por via legal - a competência dos ministros e secretarias de Estado, em direcções gerais, inclusivamente em
órgãos centrais hierarquicamente inferiores a estes, com o objectivo de se
'conseguir maior rapidez e eficácia na acção administrativa no escalão da administração central' (cfr. Afonso Rodrigues Queiró, 'Desconcentração' in Dicionário Jurídico da Administração Pública, III, Lisboa, 1990, pág. 580. Cfr., também, v.g., Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, págs. 128 e 132 e Freitas do Amaral, Curso cit., pág. 648, e 2ª ed., Coimbra, 1994, pág. 645).
Aos directores-gerais pode, por isso, a lei confiar, e neles os membros do Governo delegar a competência para emitir instruções referentes a matérias relativas às atribuições genéricas dos respectivos serviços e organismos (nº 1 do artigo 13º do citado Decreto-Lei nº
323/89), desempenhando, como dirigentes desses serviços, actividades de direcção, gestão, coordenação e controlo (artigo 2º do mesmo diploma), competindo-lhes, particularmente, de acordo com o nº 2 do artigo 11º, anteriormente transcrito, superintender em todos os serviços da sua direcção-geral, assegurar a unidade de direcção, submeter a despacho os assuntos que careçam de resolução superior, representar o serviço e, além do mais, na
área gestão dos recursos humanos, 'autorizar destacamentos, requisições, transferências, permutas e comissões de serviço' (parte final do nº 10 do mapa II anexo àquele diploma legal).
Mediante esta mecânica, o Governo não abdica da sua actuação como órgão superior da administração pública, constitucionalmente consagrada na segunda parte do artigo 185º da lei fundamental - ao invés do que a recorrente defende - e articula-a, enquanto tal, com a desconcentração prevista no nº 2 do artigo 267º, 'sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção'. E, nesta leitura, pode dizer-se que o poder de direcção do Governo, enquanto elemento de eficácia e unidade da acção administrativa, é salvaguardado pelo descongestionamento de competências previsto nessa norma constitucional
(assim, Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra, 1992, pág. 367). Nem é posta em causa a competência concedida ao Governo pela alínea e) do artigo 202º da CR, no exercício das suas funções administrativas, relativa à prática de 'todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado': desde logo, e decisivamente, porque, sendo a competência do Governo, nos termos desse preceito constitucional, apenas a definida 'por lei', claro que esta pode não atribuir certa competência directamente ao Governo e antes atribui-la a outra entidade, dele dependente hierarquicamente, como um director-geral. É justamente o que acontece com a norma ora sindicanda - a do nº 2 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 323/89 - na qual não se vislumbra assim, a esse título, vício de inconstitucionalidade. Por outro lado, e quanto à norma da alínea a) do artigo
1º do Decreto-Lei nº 267/90, a equiparação dos presidentes, nos distritos de Lisboa e Porto, das comissões instaladoras das administrações regionais de saúde, a directores-gerais, 'para todos os efeitos legais' (ou seja, não apenas para efeitos remuneratórios, como até então: cfr. a nota preambular do diploma), decorre da competência do Governo no exercício das suas funções legislativas, reconduzindo-se, mediatamente, à problemática anterior.
Não há, assim, que censurar o acórdão recorrido, no que à questão de constitucionalidade respeita. III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 15 de Julho de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa