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Procº nº 174/97 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. Em data não referida nos autos, o Mmº Juiz do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga condenou A. na pena, suspensa por dois anos, de 10 meses de prisão, por o ter considerado responsável, como autor material, por um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11º, nº 1, alínea a), do Decreto--Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro.
Interposto recurso desta decisão fora do prazo previsto no artigo
192º do Código das Custas Judiciais, foi o mesmo dado sem efeito, por despacho de 24 de Outubro de 1996 do Mmº. Juiz do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
Inconformado, apresentou A. reclamação daquele despacho dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto, a qual não foi admitida por despacho do Vice-Presidente de 16 de Dezembro de 1996.
2. Depois de novo hiato nos autos, encontra-se nestes um requerimento de 'Recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, para declaração da inconstitucionalidade daquela norma do artigo 192º do C.C.J., na interpretação em que foi aplicada' pelo despacho de 16 de Dezembro de 1996 do Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto, recurso esse interposto, em 29 de Janeiro de 1997, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), por tal norma já ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão nº 550/96, e, aparentemente, também ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da mesma lei, por tal inconstitucionalidade ter sido suscitada no requerimento de Reclamação, sendo então dados como violados os artigos 18º, nºs. 2 e 3, 20º e 32º, nº 1, da Constituição.
Aparecem, depois, referências a um despacho que admitiu e fixou os efeitos do recurso, a subir imediatamente, em separado, com efeito não suspensivo e do qual o arguido:
a) reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal;
b) requereu a alteração do regime de subida e efeitos fixados;
c) arguiu irregularidade processual, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal.
Tendo o arguido desistido dos requerimentos sobre a alteração do regime do recurso e sobre irregularidades do despacho que o admitiu, veio a ser indeferida a subsistente reclamação, por despacho de 17 de Fevereiro de 1997 do Mmº. Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Braga. Este mesmo despacho convidou o arguido 'a esclarecer se pretende manter o recurso para o Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, verificando-se: que o recurso é dirigido ao Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Porto e que se refere à decisão deste mesmo Tribunal de
2ª instância, com a qual o arguido não se conforma, que não decidiu do mérito da aplicação do artigo 192º do Código das Custas Judiciais mas que se limitou a rejeitar a admissibilidade da reclamação e a definir que a reapreciação do despacho que aplicou o artigo 192º do Código das Custas Judiciais só poderia ser feita mediante a interposição de recurso (o qual já está a ser tramitado)'.
Para o efeito, foi concedido ao arguido naquele despacho um prazo de cinco dias, 'atendendo a que não vemos nexo entre a decisão recorrida, objecto de recurso e o âmbito do recurso de fls. 143'.
3. Em resposta, o arguido insistiu em que o recurso fosse processado pelo Presidente do Tribunal da Relação, o que levou ao desentranhamento de certas peças processuais, para constituição de processo autónomo, fenómeno que está na origem das lacunas acima referenciadas. No Tribunal da Relação, o recurso foi admitido, apesar das reservas manifestadas no referido despacho do Mmº. Juíz do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
4. No Tribunal Constitucional foram produzidas alegações pelo recorrente e pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto aqui em funções, concluindo aquele que 'a norma constante do artº 192º do anterior Código das Custas Judiciais, quando interpretada no sentido de que a omissão do pagamento no prazo de 7 dias da taxa de justiça devida pela interposição de recurso determina, como imediato efeito preclusivo, a deserção fiscal deste, e sem que ao arguido recorrente seja facultada a possibilidade de, em prazo adicional (e em termos análogos aos estatuídos nos artigos 110º, nºs 1 e 2, e 187º, nº 3, desse CCJ), satisfazer a importância em dívida, acrescida da sanção tributária correspondente a mora, implica restrição excessiva e desproporcionada, violadora dos nºs. 2 e 3 do artº 18º da Constituição da República Portuguesa, afectando o conteúdo essencial do direito de recurso das decisões penais, emergente do preceituado nos artigos 20º e 32º, nº 1, da Lei Fundamental'.
Por sua vez, o Exmº Procurador-Geral Adjunto suscita nas suas alegações uma questão prévia, concluindo nos seguintes termos:
1º
'A decisão explicitamente indicada pelo recorrente como sendo a
'decisão recorrida' - a proferida pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto, em reclamação que lhe foi dirigida - não aplicou a norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, já que se limitou a dirimir questão de natureza estritamente procedimental, consistente em determinar qual é o meio processualmente adequado para impugnar a decisão do juiz que julga deserto o recurso interposto, em consequência do não pagamento, no prazo legal, da taxa de justiça devida pela interposição.
2º
Falta, pois, um pressuposto do recurso de fiscalização concreta interposto, pelo que não deverá dele conhecer-se'.
5. Ouvido o recorrente sobre a questão prévia, apresentou o mesmo resposta na qual conclui o seguinte:
'1. A decisão recorrida - a proferida pelo Presidente do Tribunal da Relação - apesar de dirimir questão de ordem procedimental, fundamentou-se também na norma do artº 192º do CCJ.
2. Daí que nada obste ao conhecimento do presente recurso ainda que o mesmo pretenda reagir contra decisão de ordem procedimental, uma vez que esta se fundamentou expressamente na consideração da ratio legis daquele normativo.
3. Por isso que, a invocação expressa daquela norma no despacho recorrido, preenche o pressuposto alegadamente em falta'.
6. Dispensados os vistos, por se tratar de questão simples, importa, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
7. O recurso para este Tribunal foi interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e tem como objecto a norma do artigo 192º do anterior Código das Custas Judiciais, cujo conteúdo é o seguinte:
'A taxa que seja condição de seguimento de recurso ou incidente ou da prática de qualquer acto deve ser paga no prazo de sete dias a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da sua formulação no processo, independentemente de despacho e sob pena de o pedido ser considerado sem efeito. O recurso que tenha por efeito manter a liberdade do réu é recebido independentemente do pagamento da taxa pela interposição, que será paga nos sete dias subsequentes à admissão do recurso'
(de notar que esta norma foi julgada inconstitucional, na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso da sentença penal condenatória pelo arguido determina irremedialvelmente que aquela fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido recorrente, pelo Acórdão deste Tribunal nº 575/96, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1996, tendo sido, além disso, revogada pelo novo Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro).
Por sua vez, a decisão recorrida é o despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 1996, sendo o seguinte o seu teor:
'A. reclama do despacho proferido no 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Braga, no processo nº 195/96, que deu sem efeito o recurso interposto, com fundamento na falta de pagamento da taxa prevista no artº 192º do C.C.J.
Decidindo:
Como, claramente, resulta do disposto no nº 1 do artº 405º do C.P. Penal, e também do preceituado no nº 1 do artº 688º do C.P. Civil, a reclamação só tem lugar quando o recurso não seja admitido ou seja retido.
Porém, o despacho proferido no âmbito do referido artº 192º apresenta-se, por aplicação dos princípios contidos nos artºs. 292º, nº 1 do C.P. Civil e 4º do C.P. Penal, como o que julga o recurso deserto.
Consequentemente, o meio de recurso próprio contra o despacho em causa seria o recurso, e não a reclamação (cfr. Acs. da Rel. de Évora de 15.3.83 e 24.3.83 na Col. Jur. VIII, 2, pgs. 290 e 326, e do S.T.J. de 25.11.64,
17.6.81, 7.11.84 e 25.6.88 nos B.M.J., respectivamente, nºs. 141 pg. 234,308 pg.
154, 341 pg. 347 e 378 pg. 619).
Termos em que se não admite a reclamação'.
8. Um dos pressupostos específicos comuns aos recursos previstos nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional é a aplicação pela decisão recorrida da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo ou da norma já anteriormente julgada ou declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Ora, é claro que o despacho aqui impugnado não chegou a apreciar o mérito da decisão reclamada, na medida em que, ao qualificá-la como de verificação da deserção do recurso, a situou fora do
âmbito dos casos em que a reclamação tem lugar. Ao fazê-lo, como escreveu o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, 'limitou-se a dirimir questão de natureza estritamente processual, consistente em saber qual é o meio processual idóneo para impugnar uma decisão judicial que julgou deserto, por razões 'fiscais', o recurso inicialmente interposto', pelo que não chegou a aplicar a norma objecto do presente recurso de constitucionalidade, que é, repete-se, o artigo 192º do anterior Código das Custas Judiciais.
Há, assim, que concluir pelo não conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
III - Decisão.
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso e condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em Unidades de Conta.
Lisboa, 8 de Outubro de 1997 Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Bravo Serra Guilherme da Fonseca Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa