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Processo n.º 104/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A. e Mulher, melhor identificados nos autos, reclamam para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), do despacho que não lhes admitiu o recurso interposto
para este Tribunal.
2 – Com interesse para a decisão da reclamação sub judicio, colhe-se dos
autos que:
2.1 – Os ora reclamantes, inconformados com o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 19 de Outubro de 2004, e com o indeferimento da arguição de nulidade
desse aresto, interpuseram, em 28 de Fevereiro de 2005, recurso para o Tribunal
Constitucional, sem que o respectivo requerimento de interposição obedecesse a
qualquer das exigências constantes do artigo 75.º-A, n.os 1 e 2, da LTC.
2.1.1 – Perante tal requerimento, o Juiz Conselheiro Relator do Supremo
Tribunal de Justiça ordenou a notificação dos recorrentes para, “no prazo de 10
dias, fornecerem tais elementos e indicarem as normas inconstitucionais,
conforme dispõe o artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC”, considerando-se aqueles
notificados no dia 10 de Março de 2005.
2.1.2 – Na sua resposta, que deu entrada no Supremo Tribunal de Justiça no
dia 31 de Março de 2005, os recorrentes esclareceram que pretendiam “ver
apreciada a (in)constitucionalidade das normas, conjugadas, contidas nos artigos
684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, ambos do C. P. Civil, de que se fez aplicação, na
interpretação e com o sentido de que a falta de apresentação de Conclusões nas
Alegações de Recurso tem como efeito a rejeição liminar ou negação de provimento
do recurso, sem que ao recorrente seja, previamente, facultada a oportunidade de
suprir tal omissão, não podendo nem devendo o Senhor Relator do processo
substituir-se nessa tarefa ao recorrente, por violação do artigo 20.º da
Constituição e do princípio constitucional do acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva, na vertente que o direito ao recurso comporta”.
2.1.3 – Não tendo sido solicitadas, até 4 de Abril de 2005, as guias para
pagamento imediato da multa nos termos do artigo 145.º, n.º 5, do Código de
Processo Civil, foi a mesma liquidada, nessa data, pela secretaria.
2.1.4 – Notificados para procederem ao pagamento da multa, os recorrentes – ora
reclamantes – requereram que se desse sem efeito a imposição de qualquer multa,
alegando, para tal, que:
“(...)
1. Os Recorrentes foram notificados do douto Despacho de 03.03.2005
proferido a Fls. 232 dos autos, em 10/03/2005.
2. O prazo de 10 dias de que os Recorrentes dispunham, para darem cumprimento ao
doutamente ordenado terminava em 29.03.2005.
3. Com efeito, aquele prazo de 10 dias suspendeu-se nas férias judiciais da
Páscoa que decorreram de 20.03.2005 até 28.03.2005.
4. Em 29.03.2005, os Recorrentes enviaram sob registo postal o seu Requerimento
de Fls... dos autos.
5. Aquele dia 29.03.2005 era pois o 10º dia a contar da notificação, com início
de contagem em 10.03.2005 e suspensão no aludido período de férias judiciais.
6. Vale por dizer que, o dia 29.03.2005 era o último dia do prazo (sem multa) de
que os Recorrentes dispunham.
7. Daí que, não haja lugar ao pagamento de qualquer 'Multa' nos termos do art.
145º do C.P.Civil.
(...)”.
2.1.5 – Considerando que “a Ex.ma Funcionária, que liquidou a multa de fls. 237
pela junção intempestiva do requerimento de fls. 233, juntou o documento dos CTT
de fls. 235, atestando que o registo do correio efectuado pelos recorrentes foi
posto em 30/03/2005 às 09H 44M” e que “no seu requerimento de fls. 239 e 240, os
recorrentes afirmam, que tal registo foi efectuado em 29/03/2005, contrariamente
ao que consta do documento de fls. 235”, o Relator convidou os recorrentes, a
“no prazo de 5 dias, esclarecerem e provarem o que afirmam, para decisão sobre a
questão”.
2.1.6 – Notificados desse despacho, vieram os recorrentes-reclamantes alegar
que “o seu requerimento de fls. 239/240 dos autos ficou a dever-se, pura e
simplesmente, a um lamentável lapso, ocorrido na verificação da data do registo
postal”, requerendo que lhes fossem enviadas novas guias para pagamento da
referida multa.
2.2 – Por despacho de 31 de Maio de 2005, o Conselheiro Relator, considerando
que a multa não foi paga no prazo legal, considerou “sem qualquer validade o
requerimento por (...) apresentado a fls. 233, para efeitos do disposto no
artigo 75º-A, nº 5” da LTC.
2.2.1 – Novamente inconformados, os recorrentes vieram, ao abrigo do disposto
no artigo 700.º, n.os 3 e 4, do C. P. Civil, expor e requerer o seguinte:
“(...)
A) - DA NULIDADE
1. Foram, oportunamente, os Recorrentes notificados do douto Despacho de datado
de 27.04.2005, proferido a fls. 241 dos autos.
2. No seguimento dessa notificação os Recorrentes vieram aos autos apresentar o
seu Requerimento de Fls...., que aqui, por mera comodidade, se transcreve:
“EXMO. SENHOR
JUÍZ CONSELHEIRO-RELATOR
A. e Mulher, Recorrentes nos autos à margem identificados, notificados do douto
Despacho de Vª Exa., datado de 27.04.2005, proferido a fls. 241 dos autos,
vêm dizer o seguinte:
1. Apercebem-se, agora, os Recorrentes de que o seu Requerimento de FIs. 239/240
dos autos ficou a dever-se pura e simplesmente, a um lamentável lapso, ocorrido
na verificação da data do registo postal.
Pelo que precede, Requerem a Vª Exa. se digne relevar esse lapso - que se
deplora vivamente - e ordenar sejam enviadas aos Recorrentes novas Guias para
pagamento da aludida multa.
P.D.
O Advogado,”
3.Nessa sequência, foram agora os Recorrentes notificados do douto Despacho de
Fls. 244, onde se ponderou que:
“Visto os Recorrentes não terem pago, no prazo legal, a multa liquidada a Fls.
237, nos termos do artigo 145º, n.º 6, do C. P. Civil, considera-se sem qualquer
validade o requerimento por eles apresentado a fls. 233, para efeitos do
disposto no artigo 75º-A, n.º 5, da Lei Org. e Funcionamento e Proc. do Tribunal
Constitucional (...).“
4. Contudo, os Recorrentes haviam requerido lhes fosse “relevado esse lapso -
que se deplora vivamente - e ordenar sejam enviadas aos Recorrentes novas Guias
para pagamento da aludida multa.
5. Sobre esse pedido dos Recorrentes de envio de 'novas Guias' para pagamento da
aludida multa, o douto Despacho em apreço não se pronunciou, nem fundamentou -
de forma expressa - pelo que enferma da nulidade prevista nos Arts. 668º, n.º 1,
alínea d), 666º, n.º 3, e 158º, n.º 1, todos do C. P. Civil, o que aqui se arguí
para os legais efeitos.
B) - DO “PRAZO' DE PAGAMENTO DA MULTA
6. Foram enviadas aos Recorrentes, sob registo postal efectuado em 04.04.2005,
'Guias' para pagamento de Multa - art. 145º C. P. C.(Cível) no montante de 267€,
nas quais se lê : Pagável até: 18.04.2005.
7. Nesse Ofício da Secretaria apenas se refere:
“Fica V. Exa. Notificado(a) para pagar a multa constante das guias, anexas”
8. Os Recorrentes, em 18.04.2005 - i.é, dentro do prazo para pagamento da Multa,
assinalado nas GUIAS para o efeito enviadas aos Recorrentes - vieram apresentar
- através de fax - o Requerimento de Fls… dos autos.
9. Daí que, o prazo para pagamento não se poderá ter por expirado, sem que,
antes, recaísse pronúncia sobre o requerido pelos Recorrentes.
10. Pois que, não se pode considerar prescrito, nem “transitado” em julgado o
prazo para se poder ainda proceder ao pagamento daquela Multa.
C) - DO PRAZO 'LEGAL' DE PAGAMENTO DE MULTA
11. O prazo processual é 'estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz'
(Art. 144º, n.º 1, C. P. Civil).
12. O Art. 145º, n.º 6, C. P. Civil não fixa, especificamente, prazo de
pagamento da Multa.
13. De resto, trata-se de um acto da Secretaria (Art. 153º C. P. Civil, a
contrario).
14. Donde que, tendo os Recorrentes acabado por solicitar - antes da decisão
final do incidente - o envio de “Novas Guias' para pagamento da Multa,
afigura-se claramente - ressalvado o devido respeito - que, no caso em apreço
nada impediria que tal envio ocorresse.
Sem prescindir.
D) – INCONSTITUCIONALIDADE
Ademais sempre se dirá que,
15. O Art. 145º, n.º 6, do C. P. Civil na interpretação (acolhida no douto
Despacho reclamado) de que expirado o prazo para pagamento da multa, constante
das Guias emitidas/enviadas pela Secretaria e com base num mero acto da
Secretaria do Tribunal - que não em Despacho judicial - quando, nesse prazo, nas
Guias assinalado, a parte processual visada tomou posição relativamente à
própria aplicação da multa e solicitou, antes da decisão final do incidente,
novas Guias para pagamento da multa, fica precludido o direito da parte
interessada à prática do acto processual em causa, considerando-se sem qualquer
validade o acto processual praticado, in casu, no 1º dia útil seguinte ao termo
do prazo, é inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e
da tutela jurisdicional efectiva, na sua vertente do direito ao recurso
jurisdicional que o mesmo comporta consagrado no Art. 20º da Constituição e,
ainda, do princípio da proporcionalidade prevenido no Art. 18º da Constituição,
inconstitucionalidade essa que aqui se suscita para os legais efeitos.
(...)”
2.2.2 – Por Acórdão de 11 de Outubro de 2005, foi indeferida tal reclamação,
baseando-se o Supremo Tribunal de Justiça nos seguintes argumentos:
“(...)
A decisão reclamada, embora não decida expressamente, que indefere o
requerimento sobre o pedido de emissão de novas guias para o pagamento da multa,
dele se extrai em segurança, ser esse o entendimento consistente em entender não
permitir a lei processual, que o prazo legal fosse prorrogado, e, com meros
intuitos dilatórios, conforme resulta claramente da actuação dos recorrentes em
todos os recursos, que têm interposto e pretendem interpor nestes autos.
Os recorrentes em vez de pedirem novas guias, tinham o dever de pagar, no prazo
legal, as guias que lhes foram enviadas, sendo que, o artigo 145º, nºs 5 e 6, do
C. P. Civil, não admitem, a nosso ver, outra interpretação, que não a resultante
de despacho reclamado.
A seguir-se o entendimento defendido pelos recorrentes, ora reclamantes, seria
sempre possível prolongar indefenidamente os prazos legais para pagamento de
multas, bastando apenas solicitar a “emissão de novas guias” autos do termo do
prazo. Tal expediente dilatório, não pode ser aceite, e, a nosso ver, é
altamente temerário fazer sequer tal invocação.
A decisão reclamada não traduz qualquer ofensa aos princípios constitucionais
previstos nos artigos 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa,
porquanto, não impede o seu direito ao recurso, nem viola o princípio da
proporcionalidade, como nos parece evidente.
Aliás, sempre se dirá, que as consequências da decisão reclamada, serão apenas
aquelas que resultam do não cumprimento pelos recorrentes/reclamados do disposto
no artigo 75º-A, n.º 5 da Lei Org. e Funcion. e Processo do Tribunal
Constitucional, e, apenas essas (...)”.
2.2.3 – Discordando do decidido, os recorrentes interpuseram novo recurso para o
Tribunal Constitucional, omitindo novamente as referências exigidas o artigo
75.º-A, n.os 1 e 2, da LTC.
2.2.4 – Após convite do Relator, disseram os recorrentes que pretendiam “ver
apreciada a (in)constitucionalidade da norma contida no art. 145º, nº 6, do C.
P. Civil, de que se fez aplicação, na interpretação e com o sentido de que
expirado o prazo para pagamento da multa, constante das Guias emitidas/enviadas
pela Secretaria e com base num mero acto da Secretaria do Tribunal - que não em
Despacho judicial - quando, nesse prazo, nas Guias assinalado, a parte
processual visada tomou posição relativamente à própria aplicação da multa e
solicitou, antes da decisão final do incidente, novas Guias para pagamento da
multa, fica precludido o direito da parte interessada à prática do acto
processual em causa, considerando-se sem qualquer validade o acto processual
praticado, in casu, no 1º dia útil seguinte ao termo do prazo, é
inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e da tutela
jurisdicional efectiva, na sua vertente do direito ao recurso jurisdicional que
o mesmo comporta consagrado no art. 20º da Constituição e, ainda, do princípio
da proporcionalidade prevenido no art. 18º da Constituição”.
2.2.5 – Entendendo que “a questão da constitucionalidade não foi suscitada
durante o processo, ou seja, antes de proferido o acórdão final de fls. 200 a
201, mas apenas no requerimento de arguição de nulidade posterior àquele”, o
Conselheiro Relator decidiu não admitir o recurso.
3 – É desse despacho que vem deduzida, nos termos supra referidos, a presente
reclamação, sustentada nos seguintes argumentos:
“(...)
1. Diferentemente do sentido do douto despacho ora reclamado, afigura-se
claramente que a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional pelos
Reclamantes preenche os necessários e exigíveis requisitos, designadamente os
constantes dos Arts. 75º-A, n.ºs 1 e 2, 70º, n.º 1, al. b), e 76º, n.º 2, a
contrario todos da LOFPTC.
2. Com efeito,
a) - O presente recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n.° 1 do Art. 70º
da L.O.F.T.C..
b)-Do momento de suscitação da inconstitucionalidade
As questões de (in)constitucionalidade vão suscitadas no Requerimento de
Arguição de Nulidade do douto Despacho de 31.05.2005. proferido a Fls. 244 dos
autos, por aquelas questões (de constitucionalidade) apenas terem surgido com a
prolação do douto Despacho em apreço.
3. Assim, os Recorrentes cumpriram o ónus da suscitação da questão de
constitucionalidade.
4. Na verdade, os Recorrentes suscitaram a questão de (in)constitucionalidade
quando e no momento processual em que verificaram que a mesma (questão) surgiu.
5. Ou seja, naquele seu Requerimento de Arguição de Nulidade.
6. Tudo, na sequência da notificação aos Recorrentes daquele douto Despacho do
Exmo. Juiz Conselheiro-Relator - ainda antes do trânsito em julgado.
7. De resto, é jurisprudência pacífica desse Alto Tribunal (Constitucional),
que:
'Os critérios jurisprudenciais (referentes ao ónus de suscitação da questão de
constitucionalidade durante o processo) não hão-de ser tomados rigidamente, de
jeito a não permitir o recurso quando ao interessado se depare uma decisão
relativamente à qual não seria razoável exigir uma prognose de um conteúdo e de
um despacho inesperados, anómalos ou excepcionais. Como igualmente, quando não
houve oportunidade processual de suscitar a questão anteriormente, tem lugar a
flexibilização dos descritos critérios em benefício do direito de recurso (…)
Acórdãos nºs 188/93 e 60/95, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vol. 24, págs. 495 e segs., e 30, págs. 445 e segs., respectivamente).
8.Com efeito, não era razoável - antes da prolacção do douto Despacho, - exigir
aos Recorrentes a “prognose” ou previsão de uma Decisão de conteúdo “inesperado,
anómalo ou excepcional' como aquela.
9. Daí que, se devam ter como adequadamente suscitadas, pelos Recorrentes, as
correspondentes questões de inconstitucionalidade.
(...)”.
4 – Notificado da reclamação, o Representante do Ministério Público junto
deste Tribunal pronunciou-se pelo seu indeferimento, argumentando que:
“O recurso de constitucionalidade interposto a fls. 233 foi rejeitado, por
intempestividade, através do despacho de fls. 244, proferido em 31/5/05: cabia,
pois, aos reclamantes terem utilizado o meio procedimental adequado para
impugnar tal rejeição do recurso de fiscalização concreta, endereçando, no prazo
de dez dias, a pertinente reclamação a este Tribunal Constitucional – e sendo
manifestamente intempestiva a presente reclamação, por a tramitação anómala e
atípica que desencadearam perante o Tribunal “a quo”, na sequência do despacho
de indeferimento de fls. 244, ser inidónea para obstar à consolidação e
definitividade de tal rejeição.
Tal circunstância torna inútil a dirimição da reclamação ora deduzida contra a
rejeição do outro recurso de constitucionalidade, interposto a p. 261, e
rejeitado por despacho de fls. 262: aliás, tal recurso não tem por objecto
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, versando apenas sobre a
tramitação concreta e específica do processo perante o STJ, decorrente do uso
anormal e abusivo dos meios processuais pelo recorrente – que não aproveitou a
oportunidade que lhe foi facultada para, através do tempestivo pagamento de
multa processual, obter a prorrogação do prazo peremptório que o vinculava”.
Tudo visto, cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
4 – Cumpre, antes de mais, apreciar os fundamentos determinantes do despacho
que não admitiu o recurso para este Tribunal.
4.1 – Como é consabido, constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, que a questão de inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada
como ratio decidendi da decisão recorrida tenha sido suscitada durante o
processo.
O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este
Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse
requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita
em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de
esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”.
Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário
da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal
cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da
questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma
secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal
recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da
questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão».
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a
intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da
questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter
apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o
Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de
1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o
sentido de um tal requisito, cfr. José Manuel Cardoso da Costa, « A jurisdição
constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso
Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, pp. 51).
É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º
354/94, mas isso apenas acontece em situações excepcionais ou anómalas, nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.
Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, dir-se-á, ainda, que “quem
pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de
uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a
questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido
o acórdão da conferência de que recorre...”.
E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa
oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa
decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s)
articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear
juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por
antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se
poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados
pelo juiz.
Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas,
as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas
poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa
das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em
face da lei fundamental.
Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito
plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade
constitucional.
O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e pela forma
adequada enquadra-se, assim, dentro destes parâmetros acabados de definir.
4.2 – Projectando este entendimento no caso sub judicio, torna-se claro que,
resultando a questão de constitucionalidade – do critério normativo inferido do
artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, – de um incidente
pós-decisório, não seria de exigir que os reclamantes houvessem suscitado o
problema de constitucionalidade antes da prolação do acórdão de 19 de Outubro de
2004, devendo aceitar-se que, quanto à aplicação da norma em causa, não estaria
ainda esgotado do poder jurisdicional do Tribunal.
Tal entendimento não significa, porém, que os reclamantes estivessem desonerados
do ónus de suscitação do problema de constitucionalidade.
De facto, contrariamente ao que vem sustentado na reclamação, é manifesto que a
aplicação do regime vertido no artigo 145.º do Código de Processo Civil não pode
considerar-se como sendo uma “decisão surpresa”, com a qual os reclamantes não
pudessem contar, dado que a aplicação da norma em crise surge precisamente na
sequência de um requerimento por eles apresentado a solicitar a emissão de novas
guias para o pagamento da referida multa.
Ora, sendo assim, deve ponderar-se que não é de considerar desrazoável
ou inadequado que os ora reclamantes, ao solicitar a emissão de novas guias,
devessem antecipar o problema da constitucionalidade do critério normativo
susceptível de presidir à resolução do incidente por si originado, vinculando o
Tribunal a quo ao seu conhecimento num momento anterior ao da conformação
definitiva dessa questão processual.
Na verdade, a mobilização da norma em crise teve origem na própria actuação
processual dos ora reclamantes que podiam perfeitamente ter antecipado, quanto à
sorte do seu requerimento, que o Tribunal não acolhesse a sua pretensão – cf.,
quanto a um problema análogo, o Acórdão n.º 381/05, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.
Improcede, assim, a argumentação expendida pelos reclamantes, sendo despiciendo
apurar da (in)verificação dos demais requisitos determinantes da admissibilidade
do recurso.
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos