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Processo nº 923/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I- A questão
1 - No 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, por acórdão de 23 de Maio de 1995, foram os arguidos A., B., C., D. e E., o primeiro, cabo, e os demais, soldados da Guarda Nacional Republicana, julgados e condenados como autores de um crime previsto e punido pelo artigo 88º do Código de Justiça Militar, aquele na pena de 14 meses de presídio militar, e cada um dos restantes na pena de 12 meses de presídio militar.
Não conformados com o assim decidido interpuseram todos eles recurso para o Supremo Tribunal Militar, que, por acórdão de 21 de Dezembro de
1995, lhe negou provimento na parte respeitante à inconstitucionalidade das normas que atribuem competência aos tribunais militares para o julgamento dos agentes da Guarda Nacional Republicana e lhe concedeu parcial provimento quanto
à medida das penas, condenando o primeiro arguido na pena de 9 meses de presídio militar e cada um dos restantes na pena de 8 meses de presídio militar. O arguido B., na sequência do cúmulo jurídico feito com uma outra pena que lhe havia sido imposta no 3º Juízo da comarca de Almada, foi condenado na pena global única de um ano de presídio militar.
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2 - Ainda inconformados, interpuseram então os arguidos recurso para o Tribunal Constitucional sob invocação dos artigos 69º, 70º, nºs 1, alínea b) e 2, 72º, nº 1, alínea b) e 78º, nºs 1, 3 e 4, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, fundamentando o respectivo requerimento 'na invocada violação dos arts. 167º, 168º, nº 1, al. q), 32º, nºs 1, 5 e 7, 64º e 13º da Constituição da República Portuguesa, a qual foi, 'ab initio' suscitada na contestação, bem como no requerimento em que se arguiu a inerente nulidade apresentados pelos arguidos no Tribunal Territorial de Lisboa, e represtinada na alegação de recurso para o Supremo Tribunal Militar da decisão proferida naquele Tribunal de 1ª Instância'.
O senhor Juiz relator, em cumprimento do disposto no artigo
75º-A, nºs 1 e 5 da Lei do Tribunal Constitucional, convidou os arguidos a prestar informação sobre 'a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'.
E estes vieram indicar como tais, as normas dos artigos 92º, nº
1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº
231/93, de 26 de Junho, 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 333/83, de 14 de Julho, 69º da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro e 377º, 419º, alínea b), 458º e 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar.
Todavia, por despacho de 15 de Janeiro de 1996, o senhor Juiz relator, considerando inexistir um dos pressupostos essenciais à admissibilidade do recurso - a efectiva aplicação dos preceitos cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada, como fundamento normativo da decisão impugnada - rejeitou a sua admissão.
Os arguidos reclamaram então para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 21 de Maio de 1996, lhes concedeu deferimento, mas apenas na parte respeitante à norma do artigo 12º, nº 7 do Código de Justiça Militar, por se haver entendido que 'apesar de no acórdão recorrido se dizer que 'não pode ser levada em conta a circunstância 7ª (maior graduação) do art. 12º do C.J.M. imputada ao A.', a verdade é que, quanto à medida da pena, se considerou ser
'mais elevada a do recorrente A. por ser maior a sua culpa dadas as funções de comando que na altura exercia. Tal só pode significar, na linha do entendimento do Ministério Público, que foi feito no acórdão recorrido o apelo 'às funções de comando' do reclamante A., e por essa via agravada a sua pena, convocando-se, em direitas contas, a circunstância 7ª (maior graduação) do artigo 12º do Código de Justiça Militar'.
Em cumprimento do assim decidido foi recebido o recurso no Supremo Tribunal Militar sendo depois os autos remetidos a este Tribunal.
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3 - Nas alegações entretanto produzidas, concluiu-se assim:
'a) o art. 12º, nº 7 do Cod. Just. Militar, quer na sua formulação textual, quer na forma 'camuflada' em como o Supremo Tribunal Militar dele fez uso, envolve uma violação clara e frontal do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo do apelo residual ao disposto nos arts. 1º, 2º e 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
b) sendo que, no caso em análise, tal ofensa do indicado preceito constitucional se revela ainda mais notória quando se faz apelo a situações de natureza militar que não se coadunam com a matéria acusatória;
c) diferenciando situações em termos puramente subjectivos, injustificados, desnecessários e desproporcionados;
d) inexistindo qualquer situação legitimadora de um tratamento desigual como aquele que é preconizado quer pelo art. 12º, nº 7, do Cod. Just. Militar, quer pelo Acórdão em análise proferido pelo Supremo Tribunal Militar.'
Entendimento diverso foi manifestado pelo senhor Procurador-Geral Adjunto que, em contralegação, escreveu:
'Deve julgar-se que não viola a Constituição, designadamente os seus artigos 13º, 1º, e 25º, nº 1, a norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar, que prevê como agravante geral a maior graduação, em caso de comparticipação'.
Mostram-se corridos os vistos de lei, cabendo agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - Importa liminarmente esclarecer que, apesar de nas alegações de recurso se apresentarem como recorrentes todos os arguidos condenados pelo Supremo Tribunal Militar na decisão de 21 de Dezembro de 1995, considerando os termos em que por este Tribunal foi deferida a reclamação - constituindo o respectivo acórdão caso julgado formal relativamente ao objecto do recurso ali delimitado - apenas se pode reconhecer a qualidade de recorrente ao arguido A., pois que unicamente quanto a ele se deram ali por verificados todos os pressupostos de que depende o conhecimento do recurso, circunscrito à apreciação da legitimidade constitucional da norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar.
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2 - No Livro I (Dos crimes e das penas), Capítulo II (Dos crimes), do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 141/77, de 9 de Abril, acha-se inscrita a norma do artigo 12º, nº 7, que contém a seguinte formulação:
Artigo 12º
(Circunstâncias agravantes)
Além das circunstâncias agravantes, mencionadas na lei geral, são também consideradas como tais, em todos os crimes essencialmente militares, quando não houverem já sido especialmente atendidas na lei para a agravação da pena, as seguintes:
............................................
7ª A maior graduação ou antiguidade no mesmo posto, em caso de comparticipação.
............................................
No entendimento do recorrente esta norma revela 'um desrespeito total pelos ditames inerentes ao princípio da igualdade' não fazendo 'apelo a um qualquer critério objectivo para justificar a diferenciação cominatória que preconiza. O simples facto de deter uma maior graduação ou de exercer funções de comando (que, aliás, se reconduzem a uma só e única razão, até em face da hierarquia militar, que, para o caso, se revela deslocada) não envolve uma maior culpa justificadora de uma diversa graduação da pena, antes estabelece uma presunção subjectiva, sem qualquer confluência ou correspondência factual, em si violadora do princípio da igualdade'.
Será efectivamente assim?
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3 - O princípio da igualdade começou por ser entendido no constitucionalismo liberal do séc. XIX em termos de exclusiva incidência no domínio da aplicação da lei por forma a impedir diferenças de tratamento ainda provenientes da ordem feudal ou do Estado estamental.
Esta perspectiva exclusivamente formal, segundo a qual a igualdade se concretizava através de uma igual aplicação da lei a todos os cidadãos - através da generalidade da lei, alcançava-se a igualização dos cidadãos - traduzia-se numa pura exigência de generalidade da lei, apresentando-se o princípio da igualdade como um mero princípio de prevalência da lei.
Todavia, pouco a pouco, o princípio evoluiu na sua essência estruturadora do regime geral dos direitos fundamentais e do próprio sistema constitucional global, apresentando-se como princípio oponível ao próprio legislador.
Hoje em dia, a igualdade perante a lei não é mais uma mera igual aplicação da lei a todos os cidadãos, afirmando-se, sobretudo, como uma igualdade na lei ou, se se quiser, uma igualdade através da lei.
A sua base material é a igual dignidade social de todos os cidadãos, que, por seu turno, representa um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas. Trata-se pois de um valor judicializado que preside a todos os actos jurídicos, a começar pelo acto legislativo. O legislador não pode introduzir diferenciações na estatuição sobre 'facti species' essencialmente idênticas, isto é, o princípio da igualdade veda-lhe que trate desigualmente aquilo que é essencialmente igual e que trate igualmente aquilo que é essencialmente desigual.
Mas porque a semelhança nas situações da vida nunca é total visto que por natureza tais situações não se reproduzem integralmente, importará, numa prévia definição, encontrar o atributo que, retirado do todo, permite o estabelecimento da igualdade, isto é, delimitar quais os elementos de semelhança que, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, devem estar presentes para se poder afirmar a igualdade de duas situações em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico.
Sendo a igualdade em sentido material um conceito relativo entre duas situações, importa que o elemento relacionador, como elemento característico de tais situações, nelas se encontre presente. Tais situações serão consideradas iguais (ou desiguais), merecendo por isso um tratamento jurídico igual (ou desigual), consoante o elemento relacionador que se elegeu como critério de comparação, nelas se verifique ou não verifique.
Mas a definição do critério em que se reporta o juízo de igualdade pressupõe uma prévia valoração da realidade, apresentando-se com um conteúdo indissociavelmente ligado aos fins que se pretendem alcançar com o estabelecimento da igualdade. 'A qualificação de uma situação como igual a outra inclui, necessarimente, a razão pela qual ela deve ser tratada de certo modo'.
O princípio da igualdade reconduz-se assim a uma proibição de arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais.
A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controle.
A vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente.
Mas existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por ausência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada.
Por outro lado, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente imprópria (cfr. sobre a matéria, por todos, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 44/84, 425/87, 39/88, 231/94 e
634//95, Diário da República, II série, de respectivamente, 11 de Junho de 1984 e 5 de Janeiro de 1988, I série, de respectivamente, 3 de Março de 1988 e 28 de Abril de 1994, e II série de 20 de Abril de 1996, e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pp. 127 e ss; Jorge Miranda, 'O regime dos direitos, liberdades e Garantias, Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 50 e ss. e Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra, 1993, p. 219; Maria da Glória Ferreira Pinto, Princípio da Igualdade - Fórmula Vazia ou Fórmula Consagrada de Sentido?,, Separata do B.M.J. nº 358, Lisboa, 1987; Lívio Paladin, Il princípio costituzionale d'eguaglianza, Milão, 1965).
À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.
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4 - O conceito legal de crime é uma noção abstracta, que a lei define simplificando a realidade dos factos concretos. Estes são factos singulares que enquanto objecto das normas incriminadoras são definidos na sua essencialidade, contida na fórmula abstracta de um tipo legal de crime.
O facto típico é o facto concreto, enquanto corresponde na sua estrutura essencial ao tipo legal.
Mas a relevância jurídica do facto criminoso não se esgota na sua estrutura essencial.
Ao mesmo crime, na sua essencialidade, corresponde pena mais ou menos grave, consoante as circunstâncias que nela se inserem e que fazem parte da contextura do facto concreto. As modalidades de comportamento e de efeitos que não são directamente previstos pela norma incriminadora, os aspectos da vontade e sua formação, que a simplificação do conceito essencial de culpabilidade, de dolo ou culpa, não alcança como sejam os motivos e emoções, são integrados no crime, mediante a sua qualificação como circunstâncias acidentais, e repercutem-se na graduação da responsabilidade penal.
Se a responsabilidade penal se medisse exclusivamente em função da estrutura essencial do crime, não haveria em princípio uma variação da responsabilidade, relativamente ao mesmo crime. À diversidade real dos factos subsumíveis ao mesmo tipo legal não corresponderia, como corresponde, uma variação quantitativa da responsabilidade penal.
As circunstâncias, no seu significado etiológico, concorrem no facto, mas não são elementos do facto.
As circunstâncias acidentais do crime são tanto as circunstâncias estranhas ao crime - circunstâncias extrínsecas - como os acidentes do facto punível - circunstâncias intrínsecas.
Neste último caso são modalidades do próprio facto punível, que não se incluem na sua estrutura essencial; isto é, estão fora, são estranhas ao seu núcleo essencial. Daí que por semelhança, se considerem pertinentes à estrutura acidental do crime as circunstâncias extrínsecas que não inerem, que não se encontram no próprio facto, mas que de algum modo lhe pertencem, enquanto com ele se relacionam, alterando a sua valoração jurídica.
São, portanto, circunstâncias acidentais tanto as circunstâncias intrínsecas do facto como as circunstâncias extrínsecas ao facto, desde que nelas se fundamente a modificação da relevância jurídica do facto concreto a que são inerentes ou com o qual se relacionam.
O valor das circunstâncias depende da sua relacionação com o crime, com o facto criminoso efectivamente cometido, de modo que aumentem ou enfraqueçam a culpabilidade do delinquente; não têm um efeito agravante ou atenuante da responsabilidade penal, autónomo, que se sobreponha ao desvalor do crime, considerado na sua estrutura essencial. A sua relevância jurídica não vale por si mesma. O crime, a culpabilidade, é que é mais grave ou menos grave; só na sua conexão com o crime, como facto concreto, em que se integram, é que as circunstâncias podem revelar o seu valor e a sua influência na maior ou menor gravidade do crime e da pena (cfr. neste sentido, Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, Parte geral, I, 1981, pp. 592 a 602 e também, Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 201 e ss.).
Como se prescreve no artigo 71º do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, e que constitui direito subsidiário do direito penal militar, 'a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção' (nº 1), sendo que 'na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente' [nº
2, alínea a)].
Ora, como assinalam S. Villa Nova, Luciano Patrão, Cunha Lopes e Castel-Branco Ferreira, Código de Justiça Militar Actualizado e Anotado, Coimbra, pp. 35 e 36, a propósito da circunstância agravante 4ª do artigo 12º -
'Ser o agente do crime comandante ou chefe, quando o facto se relacione com o exercício das suas funções' - cuja etiologia é similar à da agravante que vem questionada, 'a disciplina militar, fortemente hierarquizada e fundada em grande parte, no princípio do prestígio do comando, que necessariamente conduz 'à aceitação natural da hierarquia e da autoridade e ao sacrifício dos interesses individuais em favor do interesse colectivo' (nº 1 do art. 2º do Regulamento de Disciplina Militar), sempre puniu de forma extremamente severa os militares de maior patente e os que exercem funções de chefia (cfr. o nº 2 do cit. art. 2º do Regulamento de Disciplina Militar)'.
E, a este respeito, cabe recordar que a caracterização dos crimes essencialmente militares há-de ater-se ao critério decisivo da natureza especificamente militar dos bens jurídicos violados, devendo o fundamento das circunstâncias agravantes previstas no Código de Justiça Militar estar conexionado com a própria especificidade dos bens jurídicos ali protegidos (cfr. o acórdão nº 967/96, Diário da República, II Série, de 24 de Dezembro de 1996).
Deste modo, tendo-se presente esta perspectiva das coisas, pode afirmar-se, relativamente à norma do artigo 12º, nº 7, a existência de fundamento material bastante para se mostrar constitucionalmente legitimada a diferenciação de tratamento, em matéria de circunstâncias agravativas, dada a um dos agentes do crime relativamente aos outros comparticipantes em função de uma
'maior graduação' - no caso em apreço, o recorrente detém o posto de cabo da Guarda Nacional Republicana, enquanto os co-arguidos se apresentam como soldados da mesma corporação.
É que a distinção hierárquica entre eles existente e as regras da disciplina militar que enquadram tal distinção ao fazer decorrer para os que exercem 'funções de comando' um acrescido grau de violação dos deveres profissionais que lhe são impostos, limita-se a tratar diversamente situações de facto desiguais, desigualdade que radica precisamente no diferente estatuto hierárquico dos respectivos agentes.
Não se verifica assim, na linha da jurisprudência que uniforme e reiteradamente este Tribunal vem definindo a propósito da tal matéria, qualquer violação do princípio da igualdade.
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5 - O recorrente, nas suas alegações, teve apenas a norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar como violadora do artigo 13º da Constituição.
Todavia, embora sem particular consistência, e sem que daí extraísse qualquer ilação no plano jurídico-constitucional, escreveu a dado passo daquela peça, que tal dispositivo estabelece 'uma presunção de culpa ou de maior culpa única e exclusivamente em atenção a um determinado cargo ou posto que é exercido por alguém'.
Sem explicitamente o referir estaria porventura, com tal proposição, a denunciar uma violação dos artigos 1º e 25º, nº 1, da Constituição, nos quais se consagra o chamado princípio da culpa, segundo o qual a responsabilização penal pressupõe o dolo ou a negligência, sendo nacessário que o respectivo agente, para poder ser censurado tenha actuado com a mínima ou a suficiente liberdade (cfr. José Sousa e Brito, Estudos sobre a Constituição,
'A Lei Penal na Constituição', vol. 2º, pp. 197 e ss. e Tereza Pizarro Beleza, Direito Penal, 1º vol., 1980, pp. 87 e ss.).
Mas também aqui não assiste razão ao recorrente.
É que, como já em passo antecedente houve ensejo de se afirmar
(cfr. supra, II, 4) as circunstâncias indicadas na lei não dispõem de relevância por força da sua mera verificação material. O seu valor acha-se dependente da sua relacionação com o crime, com o facto criminoso praticado, em termos de, como decorrência dessa relacionação aumentarem ou diminuirem a culpabilidade do agente. A sua relevância jurídica não vale por si mesma. O crime, a culpabilidade, é que é mais grave ou menos grave; só na sua conexão com o crime, com o facto concreto em que se integram, é que as circunstâncias podem revelar a maior ou menor gravidade do crime e da pena.
Há-de assim dizer-se que na norma em causa, como aliás em qualquer das outras circunstâncias agravantes elencadas no artigo 12º não se estabelece qualquer presunção de culpa geradora de violação constitucional.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar, negando, consequentemente, provimento ao recurso.
Lisboa, 1 de Outubro de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa