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Processo n.º 591/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., mandatário das listas do Partido Socialista à eleição dos órgãos das autarquias locais da área do município de Fafe, reclamou contra a inclusão de B. na lista de candidatos à assembleia de freguesia de Arões, Santa Cristina, apresentada pelo Partido Social Democrata, com fundamento em que, estando ele inscrito como cidadão eleitor n.º 17 330, pelo Consulado-Geral de Portugal em Paris, França, não goza de capacidade eleitoral activa para os órgãos representativos daquela autarquia; e, consequentemente, não é elegível para os mesmos órgãos.
O mandatário da listas do Partido Social Democrata aos
órgãos autárquicos daquele município (C.), notificado para se pronunciar, sustentou a elegibilidade do candidato B..
O Juiz da comarca de Fafe indeferiu a reclamação, com fundamento em que, sendo 'elegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais, os cidadãos eleitores' e 'sendo o candidato B. eleitor, dado estar inscrito como tal, evidente se torna a sua capacidade eleitoral passiva'.
2. Deste despacho judicial, interpôs recurso o referido mandatário do Partido Socialista, que insistiu na inelegibilidade do candidato B., uma vez que - disse, em síntese - 'o cidadão recenseado no estrangeiro não é eleitor dos órgãos das autarquias locais em Portugal - pelo que não tem capacidade eleitoral passiva'. 'O candidato (...), pelo simples facto de estar recenseado no estrangeiro, está impedido de votar em Portugal, maxime na freguesia de Arões (Santa Cristina)'- ponderou.
O mandatário do Partido Social Democrata, notificado para responder, veio dizer que o mencionado candidato, estando recenseado, embora no estrangeiro, é cidadão eleitor, e isso é quanto basta para poder ser eleito para os órgãos autárquicos da freguesia de Santa Cristina. Apenas sucede que, por não estar recenseado na área dessa freguesia, não pode votar nas respectivas eleições.
3. Cumpre, pois, decidir a questão de saber se um cidadão português recenseado no estrangeiro pode ser eleito nas eleições autárquicas portuguesas.
II. Fundamentos:
4. A capacidade eleitoral para a designação dos órgãos das autarquias locais acha-se regulada, a capacidade eleitoral activa, pelo artigo 1º e a capacidade eleitoral passiva, pelo artigo 2º, ambos do Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (o último interpretado autenticamente pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 778-E/76, de 27 de Outubro).
O artigo 1º, antes da alteração introduzida pela Lei nº
50/96, de 4 de Setembro, dispunha que 'são eleitores dos órgãos representativos das autarquias locais os cidadãos eleitores recenseados na área da respectiva autarquia'.
O artigo 2º, na mesma redacção, prescrevia que 'são elegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais os cidadãos eleitores, salvo o disposto no presente diploma'.
Essa doutrina foi recolhida pelas alíneas a) dos mencionados preceitos, após a redacção introduzida por aquela lei.
De facto, agora, prescreve-se no artigo 1º, alínea a), que 'desde que recenseados na área da respectiva autarquia, são eleitores dos
órgãos representativos das autarquias locais: a) Os cidadãos portugueses'. E no artigo 2º, alínea a), consagra-se que 'salvo o disposto no presente diploma, são elegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais: a) Os cidadãos nacionais eleitores'.
O artigo 2º foi, como se disse, interpretado autenticamente pelo artigo 2º do Decreto-Lei n.º 778-E/76, de 27 de Outubro, que preceitua que 'são elegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais os cidadãos eleitores, ainda que não recenseados na área da respectiva autarquia, sem prejuízo das inelegibilidades constantes do Decreto-Lei n.º
701-B/76, de 29 de Setembro'.
A questão de saber se um cidadão português recenseado no estrangeiro pode ser eleito nas eleições autárquicas portuguesas, que é a que o presente recurso nos propõe, já foi decidida por este Tribunal, no seu acórdão n.º 254/85 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Março de 1986).
Nesse aresto, deu-se resposta afirmativa à questão assim enunciada, embora com vozes discordantes. Concluiu-se, na verdade, que têm capacidade eleitoral passiva todos os cidadãos eleitores, 'sem dependência do facto de o seu recenseamento se ter verificado na área da respectiva autarquia ou de qualquer outra circunscrição autárquica'. Ou seja: concluiu-se que 'a elegibilidade não está dependente do recenseamento numa qualquer unidade geográfica, mas tão-somente da inscrição no recenseamento eleitoral na sua universalidade'.
Com efeito - acrescentou-se, então -, 'não é legítima a conclusão de que apenas são elegíveis para os órgãos representativos das autarquias locais os cidadãos eleitores recenseados na área de uma qualquer autarquia, não o sendo já os eleitores que não se encontrem em tal situação
(todos os que, por residirem no estrangeiro, foram recenseados pelos postos consulares de carreira ou pelas embaixadas em secção consular'. E não o é, porque - ponderou-se - uma tal interpretação do artigo 2º do Decreto-Lei n.º
778-E/76, de 27 de Outubro, 'mesmo quando conjugada com o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 701-B/76, parece não ser consentida, pois que conduziria à criação de uma nova inelegibilidade não compreendida no artigo 4º deste último diploma legal, representando também 'restrição' do direito de acesso a cargos públicos'. (Sobre a questão da constitucionalidade do artigo 2º do Decreto-Lei nº 778-E/76, de 27 de Outubro, cfr. o acórdão nº 689/93, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Janeiro de 1994).
5. Continua a subscrever-se a doutrina deste acórdão n.º
254/85.
Por isso, aqui se adopta.
Pois bem: o candidato B. é titular do cartão de eleitor n.º 17 330, passado pela Comissão Recenseadora do Consulado de Portugal em Paris.
Por isso, como a inscrição no caderno de recenseamento faz presumir que o inscrito tem capacidade eleitoral (cf. o n.º 1 do artigo 8º da Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro, Lei do Recenseamento Eleitoral)
- presunção que só pode ser ilidida por documento, que a entidade recenseadora possua ou que lhe seja apresentado, comprovativo da morte do eleitor ou de alteração da respectiva capacidade eleitoral (cf. o n.º 2 do mesmo artigo 8º) -; como, por outro lado, foi junta ao processo de candidatura declaração, assinada pelo candidato, em que ele declara, sob compromisso de honra, que se não encontra ferido de qualquer incapacidade eleitoral ou inelegibilidade - o que também constitui presunção, embora ilidível, de possuir capacidade eleitoral
(cf. artigo 18º, n.º 1, do citado Decreto-Lei n.º 701-B/76); e, finalmente, como a inscrição no recenseamento - e, assim, a qualidade (geral) de eleitor que dessa inscrição resulta - não é contestada pelo recorrente; há que concluir que B., candidato pelo Partido Social Democrata à eleição para a assembleia de freguesia de Arões, Santa Cristina, Fafe, é elegível.
Não merece, assim, censura a decisão recorrida, que indeferiu a reclamação, contestando a capacidade eleitoral passiva do mesmo candidato.
6. Uma nota final: no recurso não se contesta que a prova de inscrição do candidato no recenseamento eleitoral possa ser feita com o cartão de eleitor, em vez de o ser através de certidão extraída dos cadernos respectivos.
Cabe, no entanto, advertir - como se fez no citado acórdão n.º 254/85 - que o modo adequado de, nos processos de apresentação de candidaturas, se provar a inscrição no recenseamento eleitoral é, em regra, a certidão extraída dos respectivos cadernos (cf. o artigo 18º, n.º 6, do Decreto-Lei nº 701-B/76 e o artigo 70º, nº 2, da Lei n.º 69/78). Simplesmente, como aí também se anotou, 'é possível, em determinadas situações, circunstancialmente atendíveis, fazer-se essa prova por meio do cartão de eleitor, que detém as virtualidades apontadas no artigo 24º da citada Lei n.º
69/78'.
Ora, a circunstância de o candidato se achar recenseado no estrangeiro é de molde a que se aceite que a prova da inscrição no recenseamento se faça através do cartão de eleitor.
O facto de não ter sido junta certidão dos cadernos de recenseamento para comprovar a inscrição neles do candidato aqui em causa não altera, pois, a conclusão a que se chegou de ser ele elegível.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida; e, assim, declara-se que B. é elegível para a assembleia de freguesia de Arões, Santa Cristina, Fafe, a que se candidata pelas listas do Partido Social Democrata.
Lisboa, 12 de Novembro de 1997 Messias Bento Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca (vencido conforme declaração de voto junta)
Declaração de Voto Votei vencido por entender que deveria conceder-se provimento ao recurso, para ser declarada a inelegibilidade do candidato B., por carecer de capacidade eleitoral passiva. As razões são as que se referem na declaração de voto do Exmº Conselheiro Luís Nunes de Almeida que inteiramente subscrevo. Luís Nunes de Almeida (vencido pelas razões constantes da declaração de voto que juntei ao Acórdão nº 254/85, as quais, quanto à questão da elegibilidade dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, se encontram reforçadas com a recente publicação da Lei nº 50/96, de 4 de Setembro, que veio sublinhar o carácter essencial da residência em território nacional no domínio das eleições autárquicas). Maria Fernanda Palma, vencida nos mesmos termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Luís Nunes de Almeida. Armindo Ribeiro Mendes (vencido nos termos e pelos fundamentos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Luís Nunes de Almeida) José Manuel Cardoso da Costa