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Processo nº 298/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
1 - Na Auditoria Administrativa de Lisboa, em 8 de Junho de
1981, a A. e as demais sociedades a ela ligadas no mesmo grupo empresarial, com base no Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967, instauraram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o Estado Português, destinada a obter a reparação dos danos que entendem ter sido causados pela intervenção estatal de que foram objecto, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 660/74, de 25 de Novembro, através da Resolução do Conselho de Ministros de
19 de Fevereiro de 1975 publicada no Diário do Governo, I Série, de 28 do mesmo mês e ano.
E, a final, peticionaram a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre a situação patrimonial de cada uma daquelas empresas na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria não fora a intervenção estatal e posterior restituição aos seus proprietários sem as repor na situação em que se encontravam antes da intervenção.
Após diversas vicissitudes processuais que não importam para a dilucidação do recurso de constitucionalidade, por sentença de 6 de Outubro de
1992, proferida no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, foi a acção julgada inteiramente improcedente e absolvido o Réu do pedido, porquanto se entendeu 'não procederem as causas de pedir da acção'.
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2 - Do assim decidido foi levado recurso pelas Autoras ao Supremo Tribunal Administrativo, formulando-se nas respectivas alegações as conclusões seguintes:
'a) A decisão de intervenção do Estado nas empresas AA. foi ilícita por violação dos arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 660/74, o que a sentença recorrida reconheceu;
b) A intervenção ilícita do Estado foi feita dolosamente, com perfeita consciência e deliberação da sua desconformidade com a lei, ou pelo menos com culpa, que foi reconhecida na supra referida sentença;
c) Da intervenção resultaram elevados prejuízos para as empresas AA., o que revela a existência de danos para efeitos de responsabilidade civil, o que também foi reconhecido na douta sentença dos autos;
d) De acordo com a teoria da causalidade normativa, é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a intervenção ilícita do Estado e os danos provados, pois não podem existir dúvidas que o interesse das empresas intervencionadas em não verem aumentados os seus prejuízos com a intervenção se encontra incluído entre os interesses tutelados pela norma jurídica violada - o Decreto-Lei nº 660/74 -,
e) Ainda que só se reconheça que o Decreto--Lei nº 660/74 tutela indirectamente os interesses das empresas, deve entender-se que foi violado o fim protegido pelo decreto-lei pois a manutenção da actividade das empresas intervencionadas não foi feita, como deveria ter sido, com proveito para a economia nacional;
f) O nexo de causalidade não é uma mera questão de facto, resultando exclusivamente de uma demonstração fáctica, antes encerra uma verdadeira questão do direito;
g) Não foi feita qualquer prova por quem a isso estava obrigado - o Estado - de que os danos ter-se-iam produzido mesmo sem intervenção ou mesmo que a intervenção fosse lícita;
h) Aliás por princípio não é reconhecida relevância negativa à causa virtual, pelo que mesmo que se tivesse produzido tal prova, o Estado não deixaria de ser responsável pelos prejuízos que causou;
i) Também pela teoria da causalidade adequada se deve concluir pela existência de nexo de causalidade entre a intervenção e os danos na medida em que: a intervenção foi condição concreta dos danos; a intervenção é condição abstracta dos danos; nenhuma prova foi feita em como tivessem existido circunstâncias anómalas ou extraordinárias, desconhecidas e imprevisíveis no momento da intervenção, que tenham concorrido com a intervenção para a produção dos danos, excluindo a sua relevância; os danos concretos que as AA. sofreram resultaram do processo factual que a decisão de intervenção desencadeou, nada se tendo provado, aliás, que os mesmo tivessem resultado de actos de terceiros ou de factos fortuitos ou de força maior;
j) Sempre que tenha sido praticado um facto ilícito, o facto só deixará de ser causa adequada dos danos se, atendendo à sua natureza, for de todo indiferente para a produção dos danos (o que não acontece no presente caso), no que se traduz na aceitação da formulação negativa da causalidade adequada;
l) Da teoria da causalidade adequada resultam importantes corolários: a inversão de ónus da prova sobre a falta de adequação do facto como causa do dano; a desnecessidade do facto ser condição exclusiva do dano; a admissibilidade da causalidade indirecta; a natureza não necessariamente previsível do dano; a relevância de todo o processo factual na determinação do nexo causal; e, por último, a irrelevância da causa virtual, quer positiva quer negativa;
m) O facto de não se ter provado que foi a falta de impugnação dos sócios da decisão de intervenção que causou as diminuições patrimoniais sofridas pelas empresas AA., leva-nos a concluir que, de acordo com os exactos termos em que foi decidido o prosseguimento da acção pelo Supremo Tribunal Administrativo em 17/2/87, os danos só poderiam ter sido causados pela intervenção do Estado;
n) Em suma, se não fora a intervenção do Estado os danos não se teriam produzido, pois de contrário estar-se-ia a dar relevância negativa à causa virtual, o que sabemos não é legalmente possível, excepto nos casos taxativamente previstos;
o) Preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil - facto ilícito, culpa, danos e nexo de causalidade -, deve o Estado ser obrigado a indemnizar as AA. pelos prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença, com fundamento na responsabilidade civil da Administração Pública pela prática de actos ilícitos de gestão pública, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967;
p) Ainda que se entendesse, o que não se concede, que não existe nexo de causalidade entre a intervenção e os danos, ao Estado deve ser imposta a obrigação de indemnizar as AA. pois a intervenção foi feita dolosamente;
q) Caso se conclua, o que não se concede, pela irresponsabilidade do Estado por facto ilícito, sempre se terá de concluir pela responsabilidade por facto lícito, uma vez que se verificam todos os pressupostos da obrigação de indemnizar e os prejuízos causados pela intervenção do Estado foram especiais e anormais, de acordo com o art. 9º do Decreto-Lei nº 48051;
r) Deverá ainda o Estado ser responsável pelo risco que resulta do facto de ter intervindo ilegal e ilicitamente nas empresas AA., visto que estava em mora na sua obrigação de restituir as empresas, desde o início dada a ilegalidade da intervenção, e, mesmo sem ilegalidade inicial, desde Maio de
1977, nos termos do art. 6º nº 3 do Decreto-Lei nº 422/76;
s) Não foram tomados em consideração na operação de subsunção jurídica os factos que resultaram de muitos documentos validamente juntos aos autos durante a audiência, para prova de quesitos já elaborados e que foram objecto de contraditório porque o Estado prescindiu do prazo legal para contestar a admissibilidade, a autenticidade ou a força probatória dos documentos, os quais eram importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente para a resposta ao quesito 8º, e por isso foi a junção aceite sem oposição pelo Colectivo;
t) Ao não ter em consideração os factos provados por documentos, o Colectivo infringiu o disposto no art. 659º nº 3 do C.P.C.;
u) Não podendo a resposta ao quesito 8º ter sido dada na forma em que foi, atendendo ainda à resposta positiva dada aos quesitos 1 a 4, 6 e 7, caso se entenda que uma resposta diferente poderá ser relevante para a boa decisão da causa, deverá, de acordo com o nº 1 do art. 712º do C.P.C., anulada a decisão do Colectivo em relação à resposta aos quesitos 8º e 36º, em relação a ambos por ser deficiente e obscura a resposta dada, e para o quesito 8º ainda por ser contraditória com a resposta dada aos quesitos anteriores, devendo o julgamento ser repetido para tal efeito, e, caso se venha a entender necessário, com a formulação de novos quesitos, nos termos da alínea f) do art. 650º do C.P.C.;
v) Ao decidir como o fez, o Ilustre Magistrado a quo infringiu, designadamente, o Decreto-Lei nº 660/74 (e os que lhe sucederam), o art. 1 da L.P.T.A., o art. 659 nº 3 do C.P.C., o art. 2º do Decreto-Lei 48051, de
21/11/67, o art. 483 e ss. do Código Civil, bem como os art. 562 e ss. do Código Civil.'
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3 - Por acórdão de 16 de Março de 1995, da primeira subsecção da Secção de Contencioso Administrativo, foi negado provimento ao recurso.
Para tanto, além do mais, desenvolveu-se a seguinte linha argumentativa:
'Estamos perante uma acção de responsabilidades civil extracontratual do Estado.
Após ter sistematizado os seus pressupostos e referido a necessidade da presença cumulativa de todos eles a sentença passou a analisá-los e concluiu pela existência do facto ilícito, da culpa do agente e do dano reparável.
Efectivamente no item 3.2 concluiu-se pela existência do ilícito objectivo, uma vez que foram violados os preceitos do artº 1º al. b), d) e h) e
3º do DL 660/74.
No campo do ilícito subjectivo entendeu-se na sentença que a violação de tais preceitos revela a existência de culpa, porque ao Estado cabia comportar-se como pessoa avisada, cuidadosa nas apreciações das situações de facto e no conhecimento e aplicação das leis. Como não teve este comportamento considerou preenchido o pressuposto da culpa, tendo porém afastado o dolo na actuação do Estado.
Quanto aos prejuízos entendeu-se que os factos provados revelam perdas ou diminuições patrimoniais que podem integrar o conceito de prejuízos para efeito da determinação do dano, cuja natureza e extensão só poderá ocorrer em liquidação de sentença.
Finalmente quanto ao nexo de causalidade entre o facto e dano é que se entendeu na sentença não ocorrer o que determinou a improcedência da acção.
Para assim concluir baseou-se a sentença no facto de o fim da intervenção não ser o de causar danos às empresas e por isso não seria tal facto adequado para tanto, já que a intervenção do Estado não é garantia das empresas contra todos e quaisquer prejuízos, nem as normas que permitem a intervenção protegem este interesse das empresas e seus sócios de evitar o prejuízo possível.
Por outras palavras: mesmo optando pela causalidade normativa, a sentença entende que as normas do DL 660/74 que foram violadas não visavam proteger o fim frustrado: a tutela das empresas.
Ora é esta a visão da sentença que está na base do inconformismo das AA. espelhado ao longo das suas alegações e suportadas por dois doutos pareceres de eminentes juristas, que porém na nossa perspectiva não têm a virtualidade de afastar a decisão a que se chegou na sentença da inexistência do nexo de causalidade entre o acto de intervenção nas empresas AA. e os prejuízos por si invocados.
Na verdade para a verificação daquele pressuposto da responsabilidade civil extracontratual teria de se alegar e provar factos susceptíveis que permitissem concluir de que fora devido à intervenção do Estado nas empresas AA que estas sofreram os prejuízos cuja reparação pediram o que não fizeram.
E mesmo que se entenda não constituir o nexo causal tão só matéria de facto mas também de direito, tendo presente o conceito de nexo de causalidade adequada adoptado no artº 563º do Código Civil, impõe-se a conclusão de que o acto de intervenção do Estado não é causa idónea e em termos normais à produção dos prejuízos nas empresas AA, pois que tal acto de intervenção visava não causar prejuízos às empresas, apesar de ser tomado em benefício da colectividade
(artº 1º nº 1 do DL 660/74), mas sim evitá-los ou minorá-los, o que todavia e decorre das respostas aos quesitos 1º a 7º, se frustrou.
Assim se compreende que na sentença se tenha perspectivado o nexo causal em termos da teoria de causalidade normativa.
A 'ratio legis' ou finalidade legal das normas do DL 660/74 não era a defesa dos interesses privados das empresas mas tão só o interesse da economia nacional, considerado em perigo por aquelas empresas que 'não funcionem em termos de contribuir para o desenvolvimento económico do País e para os interesses superiores da colectividade nacional' (citado nº 1 do DL 660/74).
Como é do conhecimento geral os primeiros anos após o 25 de Abril de
1974 caracterizaram-se por um turbulento período social, político e económico, tendo sido tomadas medidas entre as quais se conta em sede legislativa o DL
660/74, para obviar ao descalabro económico do País, acompanhado de intensa conflitualidade laboral e social, traduzida na degradação de inúmeras empresas e no espectro de eminentes falências.
A intervenção estatal não era uma garantia das empresas contra todos e quaisquer prejuízos, nem as normas que permitem a intervenção protegem este interesse das empresas e seus sócios de evitar todo o prejuízo possível.
Assim e repetindo o que se diz na sentença, embora este interesse das empresas não terem prejuízos tenha resultado frustrado, a norma violada não o protegia.
Os artigos 1º e 3º do DL 660/74 não visam proteger as empresas intervencionadas contra os prejuízos decorrentes do seu funcionamento, mas pelo contrário garantir esse funcionamento, de modo a não ser prejudicada ou mais prejudicada a economia nacional em aspectos relevantes como o abastecimento ou o emprego.
Na medida em que esse benefício para a economia nacional coincida com os interesses das empresas, são os mesmos reflexamente protegidos, mas sem garantir as empresas intervencionadas contra diminuições patrimoniais e prejuízos que pode-se dizer até são de esperar aquando da intervenção, já que o pressuposto destas é precisamente as dificuldades em que as empresas se encontrem.
A ser assim, tem de se admitir que os danos poderiam ter-se produzido, mesmo que o governo tivesse utilizado o maior cuidado na análise dos pressupostos da intervenção e que esta tivesse sido decidida de forma inteiramente conforme à lei.
As AA. não demonstraram ou provaram o nexo causal entre o acto da intervenção do Estado nas empresas e os prejuízos invocados.
Ou por outras palavras, não se vê que exista relação causal entre o ilícito que vem definido na sentença e os prejuízos. Ou seja o ilícito concreto não é adequado à produção dos prejuízos que se poderiam verificar mesmo sem ele ocorrer.'
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4 - Vieram as Autoras reclamar contra o assim decidido, peticionando, primeiramente, a sua aclaração e arguindo depois nulidades, havendo ambos os requerimentos sido indeferidos por acórdãos de, respectivamente, 12 de Outubro de 1995 e 7 de Março de 1996.
Interpuseram então, sob invocação do disposto nos artigos 765º e ss. do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e alegando oposição de julgados, recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo.
Admitido o recurso, nas alegações depois deduzidas, alegaram, além do mais, o que segue:
'13. Em primeiro lugar, o Acórdão sob recurso está em manifesta oposição com os três Acórdãos referidos na medida em que optou pela determinação da existência ou não de nexo de causalidade segundo a teoria da causalidade normativa e não segundo a teoria da causalidade adequada, como fazem os três Acórdãos citados.
14. Em segundo lugar, o Acórdão sob recurso está em manifesta oposição com os três Acórdãos referidos na medida em que quando subsidiariamente perfilha a teoria da causalidade adequada, não o faz tendo em atenção a sua formulação negativa, formulação essa que é indiscutível quando o acto lesivo é um acto ilícito, e da qual resulta que o acto ilícito só não será considerado adequado à produção dos danos se for de todo indiferente à sua produção e que só pela conjugação de circunstâncias anómalas estes se produziram.
15. E não atendeu à formulação negativa da teoria da causalidade adequada na medida em que não aplicou alguns dos seus corolários obrigatórios, tais como a inversão do ónus da prova sobre a adequação do facto como causa do dano, e por força da qual caberia ao Estado, e não às AA. lesadas com a sua actuação ilícita, provar que os danos não procederam da intervenção ilícita do Estado. Ao contrário, o Acórdão sob recurso exigiu que fossem as AA. a provar a existência de nexo de causalidade: ora, segundo a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, e em face da provada natureza ilícita da intervenção do Estado nas AA., deveria ter sido o Estado a provar a existência de circunstâncias anómalas e a total indiferença do acto de intervenção para a produção dos danos verificados, o que não aconteceu.
16. Por último, o Acórdão sob recurso está em manifesta oposição com o segundo dos Acórdãos referidos, na medida em que não reconheceu a existência de nexo de causalidade entre o acto de intervenção do Estado e os prejuízos causados por essa intervenção, ao contrário do Acórdão citado, quando, ainda por cima, é o próprio Acórdão sob recurso que expressamente afirma que esses prejuízos seriam sempre de esperar como consequência inevitável do acto de intervenção do Estado nas empresas, nestes exactos termos: 'Na medida em que esse benefício para a ecomomia nacional coincida com os interesses das empresas, são os mesmos reflexamente protegidos, mas sem garantir as empresas intervencionadas contra diminuições patrimoniais e prejuízos que pode-se dizer até são de esperar aquando da intervenção, já que o pressuposto desta é precisamente as dificuldades em que as empresas se encontrem'.'
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5 - Por acórdão de 20 de Março de 1997, o Pleno da 1ª Secção, teve por inverificada a oposição de julgados que vinha alegada, julgando findo o respectivo recurso.
E, para atingir a solução assim encontrada, ateve-se, no essencial, ao seguinte desenvolvimento argumentativo:
'Não há dúvida que o acórdão fundamento fez apelo ao art. 563º do CC, onde teve por consagrada a teoria da causalidade, à míngua de disciplina jurídica própria no DL 48051, de 21 de Novembro de 1967. Cfr. neste sentido Marcello Caetano, Manual, II, 1227.
Como não há dúvida que tal acórdão subscreveu a opinião de Antunes Varela, 'Das Obrigações em Geral', I, 659, de dever-se perfilhar a formulação negativa daquela teoria, e Enneccerus-Lhemann, ou seja, 'o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excepcionais anormais, extraordinárias ou anómalas que no caso concreto se registaram'.
Fê-lo porém no estado puro, isto é, sem atender à chamada teoria do fim da protecção legal ou dos interesses visados pela norma violada, de acordo aliás com o último autor citado que, se não desmerece tais interesses na responsabilidade civil, como 'auxiliar precioso na resolução das dúvidas suscitadas quanto à existência, em algumas espécies, quer na ilicitude, quer no nexo de causalidade' - idem 860 - já acha desajustada a pretensão de 'substituir o nexo de causalidade adequada pela simples identificação dos interesses tutelados pela norma ou pelo contrato para traçar com rigor o círculo dos danos indemnizáveis', sobretudo porque, mesmo na responsabilidade por facto ilícito, a sua eliminação decorre logo do requisito da ilicitude...' por não haver a violação típica de interesses objectivamente descritos na lei', ou, na violação ilícita de direitos subjectivos', a identificação dos interesses tutelados pela norma (ser) insuficiente para delimitar o âmbito dos danos indemnizáveis'.
Ora, o acórdão recorrido não fez coisa diferente.
Na verdade, também ele acolheu a teoria da causalidade adequada do art. 563º do CC, aliás assumida expressamente.
Ali se diz, com efeito, que, tendo presente o conceito de nexo de causalidade adequada adoptado no art. 563º do CC, impõe-se a conclusão de que o acto de intervenção do Estado não é causa idónea e em termos normais à produção dos prejuízos nas empresas AA.
E se é certo que se refere à chamada causalidade normativa, fê-lo para usar a nomenclatura da sentença então recorrida e para demonstrar que, mesmo considerando os interesses tutelados pela lei, eles não consubstanciam os prejuízos 'privados' das empresas intervencionadas mas, diferentemente, os interesses da economia nacional.
'Assim se compreende que na sentença se tenha perspectivado o nexo casual em termos da teoria de causalidade normativa', diz-se no acórdão recorrido.
'Na medida em que esse benefício para a economia nacional coincida com os interesses das empresas, são os mesmos reflexamente protegidos, mas sem garantir as empresas intervencionadas contra diminuições patrimoniais e prejuízos que pode-se dizer até são de esperar aquando da intervenção já que o pressuposto desta é precisamente as dificuldades em que as empresas se encontram'.
'A ser assim, tem de se admitir que os danos poderiam ter-se produzido, mesmo que o governo tivesse utilizado o maior cuidado na análise dos pressupostos da intervenção e que esta tivesse sido decidida de forma inteiramente conforme à lei'.
'As AA. não demonstraram ou provaram o nexo causal entre o acto da intervenção do Estado nas empresas e os prejuízos invocados'.
Por outras palavras: seja pela teoria da causalidade adequada do art. 563º do CC, aliás adoptada no acórdão recorrido, seja pela teoria do fim tutelado pela norma infringida, chamada no acórdão de causalidade normativa, não ficou provado que os danos invocados pela AA foram provocados pela intervenção do Estado nas empresas, tanto quanto nem tal intervenção é causa idónea a produzi-los, nem tais prejuízos são erigidos pelo DL 660/74 dentro dos interesses por si tutelados.
Daí, porque a conclusão é idêntica por uma ou outra das vias, no caso a perspectiva por que se olha o problema se equivalha. Mas só isso.
O que significa a inexistência de oposição de julgados'.
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6 - Contra o assim decidido interpuseram então as Autoras, sob invocação dos artigos 72º, nº 1, alínea b), 75º, nº 1 e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal, em ordem à apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 563º do Código Civil, 'cuja inconstitucionalidade, por violação do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa e por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição, foi suscitado nos presentes autos'.
Notificados pelo senhor relator no Supremo Tribunal Administrativo, a fim de, em conformidade com o disposto no artigo 75º-A, nºs 2 e 5 da Lei do Tribunal Constitucional, fazerem indicação da peça processual em que a suscitação de inconstitucionalidade teve lugar, vieram aos autos identificar tal peça como sendo o requerimento de arguição de nulidades oposto ao acórdão proferido em 16 de Março de 1995, pela subsecção da 1ª Secção.
O processo, depois de recebido o recurso, foi remetido ao Tribunal Constitucional, entendendo porém o ora relator e signatário da presente exposição que, por inverificação de pressupostos de admissibilidade, não pode dele tomar-se conhecimento.
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7 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28//82, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade deste tipo de recurso - aquele a que as recorrentes lançaram mão - acha-se condicionada, além do mais, pela confluência de dois pressupostos essenciais: a) a inconstitucionalidade da norma deverá ter sido suscitada durante o processo pelo próprio recorrente; b) tal norma haverá de ser utilizada na decisão impugnada como seu suporte normativo.
O legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Com efeito, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa.
E assim sendo, impende sobre os recorrentes o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas e aplicadas pela decisão da causa, havendo de fazê-lo de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que os tribunais aquando do respectivo julgamento sejam confrontados com a matéria da inconstitucionalidade e sobre ela possam proferir decisão de provimento ou de rejeição.
É que, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, p. 1993, p.
1018, a lógica fundamental da fiscalização concreta de constitucionalidade é 'a de que só há recurso para o TC quando outro tribunal tenha decidido (expressa ou implicitamente) uma questão de constitucionalidade. O recurso tem precisamente por objecto a reapreciação dessa decisão. Não se pode levar ao TC questões que não tenham já sido apreciadas (ou não devam ter sido apreciadas) por um outro tribunal (o tribunal recorrido)'.
E, por outro lado, a suscitação da inconstitucionalidade durante o processo há-de entender-se não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser invocada até à extinção da instância), mas sim num sentido funcional, isto é, o levantamento da questão que põe em crise, com fundamento em inconstitucionalidade, uma certa e determinada norma jurídica, haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade terá de ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que tal questão respeita.
A isto acresce que a apreciação das questões de constitucionalidade por este Tribunal no caso dos recursos interpostos ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, está condicionada por uma efectiva aplicação da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Se determinada norma jurídica não for aplicável ao caso submetido a julgamento, o tribunal da causa não deve pronunciar--se sobre a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, pois que a competência dos tribunais comuns (expressão aqui usada para designar todos os outros tribunais, com excepção do Tribunal Constitucional) no acesso directo à Constituição é uma competência vinculada, no sentido de apenas compreender aquelas questões de constitucionalidade que tenham por objecto as normas jurídicas susceptíveis de aplicação ao caso submetido a julgamento.
Quando o tribunal da causa se pronunciar, fora deste contexto, sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma, acaba por proferir uma decisão sem interesse para o julgamento da causa, não podendo rigorosamente falar-se em aplicação ou desaplicação normativa susceptível de abrir a via do recurso de constitucionalidade.
Só no caso de a norma desaplicada, com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade que sobre ela se suscitou), ser relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma for aplicável ao julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido) é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso. Só em tal caso é que a decisão que o Tribunal Constitucional vier a proferir sobre a questão de constitucionalidade apreciada pelo tribunal recorrido, é susceptível de se projectar utilmente sobre a decisão da questão de fundo ou seja, sobre a decisão da causa julgada por este último tribunal (cfr. sobre a matéria dos recursos de constitucionalidade a jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal - por todos, citam-se os acórdãos nºs 90/85, 94/88, 169/92 e 155/95, Diário da República, II série, de, respectivamente, 11 de Julho de 1985, 22 de Agosto de 1988, 18 de Setembro de
1992 e 20 de Junho de 1995).
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8 - Ora, à luz das antecedentes considerações, pode seguramente afirmar-se que não se mostram reunidos no presente recurso todos os pressupostos de que depende a sua admissibilidade.
As recorrentes vieram informar que suscitaram a questão da constitucionalidade da norma do artigo 563º do Código Civil, cuja legitimidade constitucional pretendem ver sindicada por este Tribunal, no requerimento de arguição de nulidades oposto ao acórdão de 16 de Março de 1995.
Simplesmente, como bem resulta da leitura dessa peça processual, nela não foi nunca posta em causa uma eventual inconstitucionalidade daquele preceito do Código Civil, sustentando-se ali tão somente que 'o Acórdão violou uma disposição constitucional fundamental [o artigo 22º] e da qual resulta um direito fundamental dos cidadãos', o que acarretaria a sua nulidade.
E no mesmo requerimento, (a fls. 1479 e ss.) mais adiante, insiste-se nesta tónica argumentativa escrevendo-se que 'ao não reconhecer a existência de nexo de causalidade entre o acto ilícito de intervenção do Estado nas empresas ora Requerentes e os danos e prejuízos causados por essa mesma intervenção, o Tribunal violou directamente a Constituição, nomeadamente o seu artigo 22º, na medida em que da decisão proferida resulta uma situação de irresponsabilidade do Estado' (Sublinhados acrescentados).
É assim irrecusável que durante o processo, nomeadamente na peça indicada pelas Autoras na sequência da notificação que para tal lhes foi dirigida, não foi suscitada de modo directo, adequado e operativo a questão de constitucionalidade da norma do artigo 563º do Código Civil cuja apreciação se visava no presente recurso.
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9 - Mas, para além desta primeira verificação de insuficiência de um dos pressupostos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade - a não suscitação da questão de constitucionalidade da norma posta em crise - ainda uma outra razão impunha o não conhecimento do recurso.
Com efeito, a decisão recorrida - o acórdão do Pleno da 1ª Secção de 20 de Março de 1997 - para julgar inexistente a alegada oposição de julgados não teve de fazer uma aplicação directa da norma do artigo 563º do Código Civil, limitando-se, no âmbito de estatuição do artigo 24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a considerar não existirem soluções jurídicas opostas entre o acórdão fundamento e o acórdão ali recorrido.
É certo que a norma do Código Civil invocada pelas Autoras foi ali referenciada, mas tão somente para se aquilatar, no quadro jurisprudencial em confronto, da existência ou inexistência de julgados em oposição.
E assim sendo, pela falência de este outro pressuposto - aplicação na decisão recorrida como seu fundamento normativo do preceito cuja inconstitucionalidade se aprecia - também haveria de não se tomar conhecimento do recurso.
Notifiquem-se as partes em conformidade com o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
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ACÓRDÃO Nº 507/97 Processo nº 298/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram como recorrentes a A. e as demais sociedades a ela ligadas no mesmo grupo empresarial, e como recorrido o Estado Português, foi exarada pelo relator, a fls. 1597 e ss., exposição preliminar propondo-se o não conhecimento do objecto do recurso.
Na resposta a tal exposição, veio o senhor Procurador-Geral Adjunto a fls. 1690 e ss., manifestar inteira concordância com os seus termos, tendo por adquirida a inverificação dos pressupostos de admissibilidade do respectivo recurso.
Por seu turno, a fls. 1681 e ss., vieram as recorrentes defender o conhecimento do recurso, invocando em abono deste entendimento extractos de alguns arestos deste Tribunal versando sobre o regime dos recursos de constitucionalidade.
Todavia, não resultaram infirmadas as razões aduzidas na exposição do relator pois que, para além da questão de constitucionalidade não ter sido levantada durante o processo - (sendo certo não se verificar na situação em apreço um daqueles 'casos anómalos em que o recorrente não haja disposto de oportunidade processual para antes ter suscitado a questão de constitucionalidade') - acresce a circunstância de a norma posta em crise - o artigo 563º do Código Civil - não ter sido aplicada no acórdão recorrido como seu fundamento normativo.
E daí, por força desta dupla razão, não se mostram verificados os pressupostos indispensáveis à admissibilidade do recurso.
Nestes termos, e com base no exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em
10 (dez) Ucs.
Lisboa, 10 de Julho de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa